CONVITE EDITORIAL

Pela democratização da pesquisa e do conhecimento: a rede Recherche avec


Gilles Monceau1, Marguerite Soulière2
1Universidade de Cergy-Pontoise
2Universidade de Ottawa

RESUMO

No período de 17 a 20 de abril de 2016, realizou-se na Universidade Federal Fluminense o segundo simpósio da rede Recherche avec. Em 21 de abril, na Escola de Enfermagem, o comitê cientifico da rede se reuniu para fazer um balanço do evento. O convite para escrever este editorial é a oportunidade de nossa parte de retornar a esse encontro intelectual e humano sobre o tema da alteridade. Ficou em todos e todas as imagens, as músicas, as sensações e as novas ideias oriundas de uma multiplicidade de encontros em diferentes lugares de pesquisa e de prática em saúde, em educação, em intervenção social e também na rua, com as pessoas a quem propusemos experimentações criativas. De outra parte, no desenrolar do simpósio que se constituiu de uma ocasião de criar elos, colaborações e solidariedades, este editorial se constitui como uma boa oportunidade de apresentar a nossa rede de Recherche avec, seus fundamentos, suas atividades e seus propósitos.

Descritores: Enfermagem; Saúde Mental; Saúde Coletiva.


O segundo simpósio da rede Recherche avec, realizado em 2016, na Universidade Federal Fluminense (UFF), tinha por tema a alteridade e nós o experimentamos através de encontros com uma grande diversidade de pessoas tanto da universidade quantos dos diferentes territórios em seu entorno. O Brasil, apesar de sacudido por eventos políticos nacionais, nos recebeu e nos ofereceu a riqueza de um país plural e contrastante. Nós não pensamos unicamente na alteridade, nos experimentamos com os brasileiros em um momento difícil.

Antes mesmo de abordar os trabalhos do simpósio e de apresentar nossa rede de pesquisa, nós desejamos agradecer a diretora da Escola de Enfermagem, Ana Lucia Abrahão, cujo investimento na preparação e na realização de nossa manifestação científica foi decisiva. Ela soube gerir os encargos da organização material e ainda nos ofereceu sua contribuição intelectual para a reflexão comum. Apesar das dificuldades, Ana Lúcia e sua equipe permitiram a todos os participantes realizar as atividades inicialmente previstas.

O contexto político, particularmente difícil para o Brasil, preocupava nossos colegas brasileiros que trabalham nos setores da saúde, da educação e social. Nós pudemos refletir com eles sobre as consequências que isto poderia ter sobre os avanços realizados nos últimos anos nos seus diferentes setores de trabalho e de pesquisa. A conferência de abertura realizada pelo Professor Emerson Merhy, bem como uma mesa redonda sobre a alteridade na pesquisa permitiram aos participantes estrangeiros no Brasil compreender melhor as nuances do período atual.

Foi acompanhando de perto esta movimentada atualidade, que expunha a complexidade e as tensões profundas no seio da sociedade brasileira, que nós fomos ao encontro dos atores locais nos territórios exteriores à universidade (escolas, centros de saúde, centro social, estruturas de saúde mental, associação de proteção a crianças). Um dos dias do simpósio foi destinado a sair do quadro acadêmico e ir ao encontro de brasileiros, lá onde eles estão, trabalham, vivem hoje.

Alguns de nós escolheram experimentar a alteridade propondo espontaneamente intercâmbios criativos, por exemplo, alguns propuseram um experimento de fotolinguagem nas ruas de Niterói e outros coletaram dados no campus da UFF junto aos estudantes, servidores e professores para um experimento sobre a escrita em um contexto plurilinguístico. Da mesma forma, no campus, um outro grupo realizou uma experiência teatral misturando o português e o francês. Uma outra oficina, destinada à pesquisa pedagógica se deslocou para a creche da universidade e em uma escola na proximidade.

Outros grupos se dirigiram a outros territórios mais distantes. Dessa forma, uma oficina de técnicas audiovisuais realizou um trabalho na comunidade do Macaquinho com os colegas e estudantes da UFF. Um experimento no setor da saúde mental aconteceu no Hotel e SPA da Loucura, Museu do Inconsciente, no Hospital Pedro II com uma equipe que estabelece uma outra relação com os doentes, em particular pela prática teatral. É lá que trabalhava a psiquiatra Nise da Silveira (1911-2011) que teve um papel decisivo no processo da Reforma Psiquiátrica no Brasil, desde o fim dos anos 1970.

Um outro grupo se dirigiu à Fundação Evangélica de Assistência Social (FENASE), uma instituição de orientação religiosa que trabalha no domínio da proteção da infância. Os participantes puderam descobrir, nos próprios locais, sua história e seu trabalho e participar das atividades com as crianças e os profissionais. Enfim, um último atelier de experimentação sobre as relações entre educação popular e saúde coletiva aconteceu na Clínica da Família Albert Sabin na Rocinha, na cidade do Rio de Janeiro, pela manhã e, devido ao clima político, a equipe de profissionais engajados na comunidade de Santa Luzia, da cidade de São Gonçalo é que veio à Universidade para uma oficina sobre o saber popular em saúde.

Todas essas oficinas de experimentação foram completadas por oficinas de trocas sobre as práticas de pesquisa, nos espaços da UFF. Nós pudemos, neste lugar, experimentar a alteridade por reflexões realizadas em comum nos grupos constituídos de pesquisadores de diferentes países e de diferentes disciplinas. Todos esses momentos foram ricos de encontros e de surpresas. Alguns meses após o simpósio, os participantes de todos os países ainda nos dizem o quanto eles são gratos aos brasileiros pela grande qualidade de seu acolhimento e pela abertura com a qual eles testemunharam o início de um período inquietante.

Nossa colaboração com a UFF não é nova. Existiam relações muito antigas entre os pesquisadores de nossa rede e os pesquisadores do Departamento de Psicologia (em particular da revista Fractal), da Faculdade de Educação, da Escola de Enfermagem e do Instituto de Saúde Coletiva da UFF. A saúde coletiva é, aliás, um domínio que permite efetuar facilmente passarelas entre todas as disciplinas como mostrou, por exemplo, a publicação em 2013 da obra Análise Institucional e Saúde Coletiva, no Brasil.

Uma rede científica internacional e multidisciplinar

A rede internacional francófona Recherche avec foi criada na ocasião do nosso primeiro simpósio internacional, organizado em abril de 2014, na Universidade de Ottawa (Canadá).

Agrupa desde então uma centena de pesquisadores, estudantes e profissionais. As interferências entre disciplinas (ciências da educação, sociologia, antropologia, psicologia, enfermagem e medicina) e países (Brasil, Canadá, Chile, França, México e Portugal) permitem reinterrogar as tradições científicas, ideológicas e técnicas de uns e de outros a partir do lugar dado aos sujeitos.

Os membros da rede Recherche avec reconhecem a importância do lugar dado aos atores sociais e a relação pesquisador/praticantes/atores sociais no processo de pesquisa e nas ações de intervenção. Nós construímos oportunidades de trocas nas nossas ações de pesquisa, nos apoiando na diversidade de experiências subjetivas de realidades inseridas em seus contextos sociais, econômicos, culturais, políticos. Em função da composição da rede, cada questão abordada deve rapidamente ser contextualizada de modo a tornar-se um objeto de trocas. Na verdade, os ambientes socioculturais e institucionais das práticas de cuidado, de educação ou de intervenção social são muito diferentes de um país para outro e também de uma instituição para outra (hospital, escola, assistência social...).

Além disso, as atividades da rede nos permitem constatar também que, além dessas grandes diferenças, as lógicas transnacionais em economia e em política, se encontram nos discursos que orientam as organizações e as práticas nacionais e locais.

Os pressupostos éticos, epistemológicos e metodológicos

As reflexões desenvolvidas pela rede são de ordem ética, epistemológica e metodológica. As premissas de transformação social e de produção de conhecimentos são aí pensadas conjuntamente(1), o que supõe o estabelecimento de relações singulares entre os pesquisadores e seus parceiros de campo(2).

A rede sustenta o desenvolvimento de pesquisas que associam pessoas nelas implicadas.

Além de encontros internacionais e interdisciplinares, ela desenvolve progressivamente um dispositivo que combina a produção científica e a de ferramentas pedagógicas, encontros presenciais e a distância e colaborações de pesquisa, graças ao suporte de uma plataforma digital.

Esse dispositivo não visa produzir um novo quadro teórico ou metodológico que definiria uma nova ou melhor maneira de pesquisas, mas um quadro de análise aplicável à pesquisa-ação, pesquisa intervenção, pesquisa colaborativa, pesquisa participativa, pesquisa socioclínica, pesquisa etnográfica e outros métodos associando os sujeitos humanos envolvidos pelos objetos dessas pesquisas(3). Atribuindo-se a missão de promover o desenvolvimento da pesquisa e contribuindo para a difusão e a valorização dos conhecimentos e métodos científicos, nós concebemos a rede como um dispositivo onde a primeira qualidade é de colocar seus membros em reflexão sobre suas próprias maneiras de elaborar e de conduzir suas pesquisas com as pessoas que a estas concernem.

Isto passa por encontros científicos, como este de Niterói, que rompe com o modelo ordinário, pois não se trata prioritariamente de apresentar os resultados formalizados, mas de submeter à análise coletiva as escolhas, as dúvidas e os limites que fazem o trabalho do pesquisador. É a qualidade de nossos trabalhos científicos que procuramos melhorar, tanto no que se refere ao plano ético-político quanto ao plano do refinamento dos resultados obtidos.

Produções científica e projetos de pesquisa

Enfim, a rede permite colaborações aos projetos e publicações de pesquisa em dimensão internacional e interdisciplinar. Algumas dessas pesquisas tratam muito diretamente o domínio da saúde. Dessa forma, quatro membros de três países diferentes (Canadá-Brasil-França), Marguerite Soulière, pesquisadora antropóloga em Serviço Social, Cinira Fortuna, pesquisadora brasileira em Enfermagem, Gilles Monceau e Séverine Colinet, dois pesquisadores franceses em educação, que conduzem, em colaboração simultânea nos três países, um projeto de pesquisa sobre as relações entre o nascimento e o tornar-se pais. Publicações internacionais e outros projetos estão em construção, a plataforma Recherche avec(4) assegura a difusão.

Para concluir, nós desejamos um belo desenvolvimento da Online Brazilian Journal of Nursing e esperamos que ela possa participar da difusão dos trabalhos dos membros de nossa rede e torne-se, dessa maneira, um de nossos parceiros.


REFERÊNCIAS

  1. Soulière M, Gentelet G, Coman G. Visages contemporains de la critique sociale. Réflexions croisées sur la résistance quotidienne. Montréal: Editions de l’Acsalf; 2014.
  2. Desgagné S. Le concept de recherche collaborative : l’idée d’un rapprochement entre chercheurs universitaires et praticiens enseignants. Revue des sciences de l’éducation. 1997; 23 (2), 371-393.
  3. L’Abbate S, Mourão LC, Pezzato LM (orgs). Análise institucional e saúde coletiva no Brasil. São Paulo: Hucitec; 2013.

Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a materia em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf

Recebido: 12/12/2016 Revisado: 20/12/2016 Aprovado: 20/12/2016