ARTIGOS DE REVISÃO

Preditores de mortalidade em pacientes ventilados mecanicamente: revisão integrativa


Suelayne Gomes Couto1, Paula Elaine Diniz dos Reis2, Priscilla Roberta Silva Rocha2

1Hospital Santa Helena
2Universidade de Brasília

RESUMO

Objetivo: Identificar, por meio de evidências científicas, os fatores preditores de mortalidade em pacientes em uso de Ventilação Mecânica Invasiva. Método: Revisão integrativa de literatura. A busca foi realizada nas bases de dados Pubmed, Cochrane e Web of Science, por meio da estratégia PICO, utilizando os descritores: “humans”, “respiration, artificial”, “mechanical ventilation”, “ventilator weaning”, “mechanical ventilator weaning”, “mortality” e “hospital mortality”, mediada pelos operadores booleanos AND e OR. Resultados: Foram selecionados 26 artigos, cuja análise possibilitou uma discussão direcionada à identificação dos fatores preditores de mortalidade, classificados em preditores clínicos e ventilatórios; e as principais mudanças nas condutas ventilatórias ocorridas ao longo dos anos. Dos 26 artigos encontrados, 96% foram publicados em língua inglesa, 92% são estudos observacionais, 4% metanálises e 4% ensaios clínicos. Conclusão: O desmame prolongado, a falha de extubação e a reintubação foram os principais preditores identificados pelos estudos analisados.

Descritores: Respiração Artificial; Mortalidade; Insuficiência Respiratória, Unidade de Terapia Intensiva.


INTRODUÇÃO

Os pacientes críticos ou gravemente enfermos possuem necessidades fisiológicas, psicossociais e espirituais que requerem cuidados diferenciados e especializados de saúde. Estes cuidados visam suprir as funções fisiológicas comprometidas e garantir a possibilidade de restabelecê-las parcial ou totalmente, como, por exemplo, o uso da ventilação mecânica invasiva (VMI)(1,2). O surgimento das unidades de cuidados críticos, os avanços tecnológicos e os conhecimentos científicos progressivos têm possibilitado a sobrevivência e o restabelecimento fisiológico de pacientes portadores de doenças críticas agudas(3).

No Brasil, estima-se que aproximadamente 40% dos pacientes admitidos nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) médico-cirúrgicas necessitam de suporte ventilatório(4). Entretanto, as variações de prevalência do uso de VMI podem ser explicadas pelas características populacionais específicas de cada região, a disponibilidade de aparelhos de suporte de vida, bem como, pela cultura regional referente à prestação de serviços de saúde(5).

As terapias invasivas de suporte utilizadas em unidades de terapia intensiva ou em pacientes criticamente doentes são primordiais para a restauração da função orgânica vital. Porém, podem ocasionar efeitos deletérios à condição clínica do paciente grave e, a longo prazo, provocar danos a sua qualidade de vida, visto que, após a sobrevivência a um episódio de doença crítica aguda, a recuperação integral e o resgate da autonomia se tornam tardios em razão da dependência gerada pelos cuidados intensivos(3,6,7).

Por vezes, a necessidade de terapia ventilatória se prolonga, aumentando a exposição do individuo às complicações e, consequentemente, aos efeitos deletérios associados ao seu uso(3,6,7). A incidência de complicações pode estar relacionada à Pneumonia associada à Ventilação Mecânica (PAVM), bem como a causas não infecciosas. Em 39,8% das vezes, são caracterizadas por disfunções orgânicas decorrentes do comprometimento cardiovascular, metabólico, digestório, neurológico e neuromuscular relacionado ao agravamento clínico(3,4). Estas complicações impactam no prolongamento do tempo de internação, aumentando consideravelmente as taxas de mortalidade(3,4).

O uso da VMI por si só é um preditor de mortalidade. À medida que aumenta o período de tratamento com VMI, ocorre uma transição da fase aguda da doença crítica para a fase crônica (definida como um período de suporte ventilatório igual ou superior a 21 dias), que aumenta o risco de repetidos episódios de infecção e complicações associadas e, consequentemente, aumento nas taxas de óbito(3,6,7). Estas complicações podem ser evitadas por meio de medidas de gerenciamento assistencial, subsidiadas por meio da prática baseada em evidências(2).

A promoção da qualidade na assistência é de responsabilidade da equipe interdisciplinar que presta o cuidado. O cuidado ao paciente crítico tem por objetivo oferecer o tratamento mais adequado que integre uma recuperação mais rápida e um aumento na qualidade de vida, associado à diminuição das taxas de mortalidade e dos custos hospitalares(8). A utilização da prática baseada em evidências tem sido importante nesse processo de qualidade, uma vez que norteia a condução da melhor prática clínica(2).

Assim, o presente estudo teve como objetivo identificar, por meio de evidências científicas, quais são os preditores de mortalidade em pacientes ventilados mecanicamente.

MÉTODOS

Trata-se de revisão integrativa de literatura fundamentada na seguinte pergunta norteadora da pesquisa: “Quais são os preditores de mortalidade evidenciados pela literatura em pacientes críticos ventilados mecanicamente?”. Para a elaboração da pergunta norteadora, foi utilizada a estratégia PICO, caracterizada pelo acrônimo Paciente, Intervenção, Comparação e Outcomes – desfecho(9); seguindo as etapas de uma revisão integrativa(10).

A busca foi realizada no dia 15 de Março de 2016, nas bases de dados Pubmed, Cochrane e Web of Science, utilizando os seguintes termos da Medical Subject Headings (MESH terms): “humans”, “respiration, artificial”, “mechanical ventilation”, “ventilator weanin”, ”mechanical ventilator weaning”, “mortality” e “hospital mortality”, mediado pelos operadores booleanos AND para cruzamento de descritores diferentes e OR para descritores similares. Após a busca, foi realizada a exclusão manual e eletrônica das referências duplicadas.

Foram considerados como critérios de inclusão os artigos científicos disponibilizados em inglês, espanhol e português, disponíveis gratuitamente na íntegra, publicados no período entre 2005 a 2015, englobando estudos realizados com indivíduos adultos, abordando como tema central o desfecho mortalidade relacionado ao uso da VMI em pacientes críticos. Foram excluídos os artigos não disponíveis gratuitamente em meio eletrônico na forma de texto completo e os que não abordaram as informações referentes à presente pesquisa ou que estivessem em formato de relato de caso, editorial e relatórios de especialistas. As referências encontradas nas bases de dados citadas conforme critérios de seleção estabelecidos, após a remoção das referências duplicadas, foram submetidos à leitura de título e resumo, triando-os para a leitura na íntegra.

Os artigos selecionados para a composição da amostra final foram avaliados de forma pareada por dois revisores independentemente, sendo que as divergências foram discutidas e solucionadas. Após leitura na íntegra, os artigos foram organizados e sintetizados a partir de instrumento próprio, o qual abordou os seguintes critérios: nome do artigo, autores, tipo de estudo, objetivo da pesquisa, amostra analisada, resultados, recomendações principais e preditores de mortalidade evidenciados em cada estudo. Os estudos foram categorizados de acordo com o tipo de intervenção proposta e nível de evidência(11), conforme o quadro I.

Quadro I. Níveis de evidência propostos por Fineout-Overholt, Melnyk, Schultz(11)

Quadro I

Fonte: Fineout-Overholt, Melnyk, Schultz(11)

RESULTADOS

Foram incluídos 26 estudos que respondiam à pergunta da pesquisa, reportando a fatores preditores de mortalidade, conforme figura I.

Destes, a língua inglesa se destacou como idioma predominante, presente em 96%(25) dos estudos. Quanto ao local de realização dos estudos, apenas 8%(2) foram realizados em UTI’s brasileiras, localizadas no estado de São Paulo. Os demais estudos foram realizados em unidades internacionais, sendo 31%(8) no continente asiático. Dentre os 26 estudos analisados, 92% eram observacionais (níveis de evidência IV e VI), 4% ensaio clínico (nível II) e 4% metanálise (nível I), conforme descrito no quadro II.

Os estudos analisados nesta revisão evidenciaram alguns preditores de mortalidade associados ao uso de VMI, os quais podem ser divididos em preditores relacionados à ventilação mecânica (preditores ventilatórios) e às características clínicas apresentadas pelos pacientes (preditores clínicos). Dentre os preditores ventilatórios encontram-se: ventilação mecânica prolongada, desmame ventilatório prolongado e inadequado, falha no processo de extubação, necessidade de reintubação, realização de traqueostomia tardiamente e relação PaO2/FiO2 baixa, caracterizando quadro de agravamento da disfunção respiratória. Em relação aos preditores clínicos, observou-se presença de DPOC, idade avançada, presença de comorbidades diversas (isoladas ou em associação), aumento da gravidade clínica e necessidade de terapias de suporte para manutenção das funções vitais.

Figura I – Fluxograma segundo critérios de seleção dos estudos. Brasília, DF, Brasil, 2016.

Figura I

Fonte: dados referentes à complicação da busca nas bases de dados

Quadro II – Caracterização dos estudos segundo autor, ano de publicação, país de origem, método, nível de evidência, caracterização da amostra e preditores de mortalidade. Brasília, DF, Brasil, 2016.

Quadro II

Fonte: dados referentes a complicação dos artigos selecionados. VMI: Ventilação Mecânica Invasiva; VMP: Ventilação Mecânica Prolongada; UTI’s: Unidades de Terapia Intensiva; DPOC: Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica; VC: Volume Corrente; AVC: Acidente Vascular Cerebral; SAPS II: Simplified Acute Physiology Score; IMC: Índice de Massa Corporal; SOFA: Sepsis-related Organ Failure Assessment.

DISCUSSÃO

A VMI corresponde à terapia mais utilizada em UTIs e sua aplicação deve considerar as peculiaridades demográficas e clínicas de cada indivíduo (12). As pesquisas científicas têm reiterado os benefícios de determinadas práticas ventilatórias já instituídas, bem como identificado possíveis condutas e variáveis que influenciam negativamente na recuperação do paciente crítico em uso de VMI, gerando complicações potencialmente evitáveis e aumento da taxa de mortalidade (12-16).

Dentre os estudos desta revisão, destacou-se a VMP e o desmame prolongado como principais preditores de mortalidade (13,17,18,20-22,29,32). A ocorrência de VMP pode ser influenciada por comorbidades crônicas pré-existentes na admissão, dentre as quais destacam-se doença renal crônica, diabetes mellitus, doença cerebrovascular e doença pulmonar(13,17,18). Um estudo observacional(19), com 7848 pacientes em uso de VMI, identificou que as causas infecciosas, como pneumonia e choque séptico, também determinam a dependência do ventilador. Estes fatores repercutem em maiores taxas de readmissões, maior tempo de internação hospitalar(17,19), prolongamento do desmame e extubação(20-22), visto que a recuperação é mais lenta em pacientes com doenças crônicas complexas e/ou infecciosas(13).

As mudanças ventilatórias ocorridas nos últimos 10 anos apontam o gerenciamento assistencial como o principal modulador na prevenção de infecções e/ou complicações adicionais relacionadas às doenças crônicas, capazes de prevenir a necessidade de VMP, bem como o desmame prolongado(19,23,24). Dentre estas, destacam-se a traqueostomia precoce, independente da técnica utilizada (percutânea ou cirúrgica)(23,24) e o uso de modalidades ventilatórias que permitam alternância entre ciclos respiratórios assistidos e espontâneos(12).

A traqueostomia precoce previne a PAVM e a sepse, visto que a intubação orotraqueal dificulta a eliminação do muco, pela depressão do reflexo de tosse decorrente do uso de sedativos, o que contribui para a proliferação de bactérias no trato respiratório superior e inferior (23,24). Em pacientes conscientes e traqueostomizados que recebem alta da UTI, estes benefícios são prejudicados devido às complicações potenciais que podem ocorrer nas enfermarias, relacionadas a processos infecciosos, especialmente em pacientes com expectoração abundante(25). Os estudos utilizam diferentes classificações para traqueostomia precoce, entretanto, em termos gerais, esta pode ser definida quando a sua utilização ocorre no prazo de até 21 dias após a intubação orotraqueal, ou seja, durante o período em que o paciente se encontra no estado de doença crítica aguda. Dois estudos observacionais consideraram a traqueostomia tardia como preditor de mortalidade (23,24).

Em relação às modalidades ventilatórias, a modalidade assistido-controlada continua sendo a mais utilizada no início da terapia da VMI. Há uma tendência de substituição pela ventilação de suporte e ventilação mandatória intermitente sincronizada, as quais parecem trazer menor dependência do paciente ao ventilador(12,26).

Outros preditores de mortalidade identificados se referem à falha do desmame e à falha de extubação, com a consequente necessidade de reintubação(13,16,27-31). O desmame prolongado, na maior parte das vezes, influencia a falha de extubação e aumenta as taxas de reintubação, uma vez que pode causar hipoxemia, acidose respiratória associada e diminuição do nível de consciência, além de sua associação com doenças crônicas e infecciosas. O período entre a falha da extubação e a reintubação leva ao maior agravamento clínico em pacientes críticos. Além disso, a reintubação já determina diretamente o desenvolvimento de complicações, como falência cardiovascular, insuficiência renal e hepática, PAVM e sepse(13, 16, 27-31).

O desmame prolongado é um fator recorrente em pacientes que tiveram, como causa da insuficiência respiratória aguda, a DPOC(32). Em estudo observacional com 803 pacientes, não foi identificada associação do desmame protocolado com a falha de extubação e a mortalidade(33).

Entretanto, as demais evidências encontradas nesta revisão sugerem que o sucesso do desmame pode ser alcançado por meio da utilização do processo de desmame orientado por protocolos clínicos, baseados em evidências científicas em substituição ao processo de desmame orientado pela opinião médica(20-22,26,29,31,33).

Vários estudos explorados nesta revisão(17-19,26) testaram a eficácia da nova classificação de desmame oriunda da Conferência de Consenso Internacional sobre o desmame da VM (2005), a qual elege pacientes prontos para a extubação, gerando a classificação do desmame (simples, difícil e prolongado) e prevendo o prognóstico para pacientes em VMI. Os resultados destes estudos confirmam a relevância clínica desta nova classificação de desmame(20-22,29).

Significativa associação estatística entre idade e mortalidade foram identificadas(14,30). Tal associação é justificada pelo maior número de comorbidades encontradas nestes pacientes, bem como pelas características próprias que interferem na adaptação perante as alterações hemodinâmicas próprias da terapia com suporte ventilatório e para as adaptações fisiológicas após a extubação.

Outro fator determinante na mortalidade entre pacientes críticos ventilados mecanicamente diz respeito à baixa relação PaO2/FiO2, identificando e caracterizando pacientes com Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA). Estes pacientes, por possuírem insuficiência respiratória aguda grave, desenvolvem distúrbios metabólicos associados, os quais levam a uma maior taxa de mortalidade(26,29,34).

Neste sentido, destacam-se os efeitos positivos da ventilação pulmonar protetiva para estes pacientes, a qual utiliza baixo volume corrente (VC) e pressão expiratória final(PEEP) alta(12,26,35).

Em uma Coorte(12), foi estimada a taxa de mortalidade em pacientes em uso de VMI, comparadas em três períodos diferentes (1998, 2004 e 2010).

Os autores concluíram que, embora a gravidade clínica nestes pacientes tenha aumentado, houve diminuição da taxa de mortalidade ao longo do tempo, permitindo sugerir que isto pode ser atribuído às mudanças nas práticas institucionais e utilização da ventilação pulmonar protetiva. Em um ensaio clínico randomizado(36), ao avaliarem os benefícios de um alto valor de PEEP vs baixo valor de PEEP, associados ao uso de VC de 6 ml/Kg de peso corporal, verificou-se não haver significância estatística nas taxas de mortalidade entre os dois grupos. Por outro lado, em uma metanálise(35), composta por 5 ensaios clínicos randomizados, o alto valor de PEEP com baixo VC reduziu significativamente a mortalidade hospitalar e a mortalidade em 28 dias, especialmente em pacientes mais graves, com escores APACHE II mais elevados.

A heterogeneidade de resultados encontrados dentre os estudos selecionados nesta revisão pode ser justificada pelas diferenças clínicas das amostras, sugerindo que altos níveis de PEEP, associados a baixo VC trazem benefícios para indivíduos mais graves, com SDRA, porém seu uso deve ser limitado e cuidadoso, uma vez que indivíduos com Insuficiência Respiratória Aguda leve parecem responder de forma distinta a esta estratégia(26,35,36).

Em relação aos transtornos psicológicos, uma Coorte com 336 pacientes em processo de desmame destacou que os transtornos depressivos estão fortemente associados com a mortalidade em pacientes críticos e que o Delirium pode não ter a mesma associação com esse desfecho(37). Por fim, foi constatado que a criação de unidades de desmame especializadas contribui para o sucesso do desmame e para a diminuição de complicações associadas(19,26).

CONCLUSÃO

Os principais preditores de mortalidade encontrados nestes estudos se referem à ventilação mecânica prolongada e/ou desmame prolongado, com falhas de extubação associadas à necessidade de reintubação, além da traqueostomia tardia, idade avançada e baixa relação PaO2/FiO2. Alguns estudos estabeleceram rotinas assistenciais protetivas que evitam ou minimizam a ocorrência destes preditores, demonstrando que a prática baseada em evidências constitui a principal ferramenta para a melhoria do prognóstico de pacientes críticos e de risco.


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