Objetivo: apreender o comportamento sexual e de saúde de mulheres de apenados. Método: estudo exploratório, qualitativo, realizado em novembro de 2015 em um presídio de pequeno porte do Paraná, Brasil. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada com 19 mulheres e posteriormente submetidos à análise de conteúdo, modalidade temática. Resultados: apreendeu-se que as mulheres de apenados, além de estarem em situação de vulnerabilidade, negligenciam medidas de cuidado à sua própria saúde, priorizando a saúde do parceiro e de familiares. Além disso, apresentam comportamento sexual de risco favorecido pelas condições do encarceramento do parceiro e pelo estabelecimento de relações extraconjugais desprotegidas. Conclusão: mulheres de apenados constituem população vulnerável, o que implica na necessidade de mudanças nas ações de atendimento e acolhimento desse público.
Descritores: Saúde da Mulher; Comportamento Sexual; Cônjuges; Prisioneiros.
A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) estabelece objetivos no que diz respeito à saúde da população prisional brasileira. Nesse contexto, um dos elementos apontados é a importância de pensar o processo saúde-doença-atenção para além do indivíduo, envolvendo, assim, uma rede ampliada, que inclui a família e as redes de sociabilidade(1).
A família para o apenado constitui um pilar de sustentação, porém, as relações entre eles se estabelecem em um ambiente vulnerável, marcado pela total ausência de privacidade, principalmente para as mulheres que se expõem as visitas íntimas dentro de instituições prisionais(2,3).
Embora o direito à visita íntima seja garantido ao detento pela Constituição Federal(4), a operacionalização desse direito é de competência do órgão gestor do sistema penitenciário estadual, vinculado à respectiva secretaria de segurança pública conforme a demanda local.
Cabe salientar que o ambiente prisional oferece riscos físicos, psicológicos e de transmissão de doenças infecciosas devido à heterogeneidade dos indivíduos encarcerados. Nesse sentido, a condição de vulnerabilidade, tanto do apenado quanto de seus familiares, em especial da mulher que realiza visita íntima, deve ser considerada e priorizada no planejamento das ações de cuidado à saúde. Até porque as mulheres, em geral, têm menos liberdade em sua vida sexual e menor poder de decisão sobre ela, além de serem, com maior frequência, vítimas da violência cotidiana/doméstica, inclusive no âmbito sexual, o que faz delas uma população prioritária e vulnerável(3,5).
Estudo sobre as condições de saúde da população carcerária do estado do Rio de Janeiro ressalta a distinção de gênero relativa às visitas nos presídios: o percentual dos que não recebem visita de familiares é muito maior entre as mulheres, que justificam tais ausências porque eles precisaram assumir os cuidados com seus filhos, moram muito longe ou, ainda, por medo e constrangimento ante as “revistas” realizadas para adentrarem nos presídios(6). Em relação aos parceiros, é comum o fato de mulheres presas relatarem que eles também estão encarcerados ou em outros relacionamentos(6,7), assim, se pressupõe que as visitas íntimas para elas também são menos frequentes. Realidade inversa foi observada nos presídios masculinos: as esposas/companheiras de presidiários costumam visitá-los com frequência, e na ânsia de proporcionar-lhe algum conforto na prisão, por solicitação ou exigência deles, até se arriscam levando-lhes objetos proibidos e drogas(6).
As práticas de atenção à saúde referem-se ao cuidado integral individual, à prevenção de doenças e à continuidade de tratamento de doenças preexistentes. Já o comportamento sexual identifica a postura, os cuidados e a prevenção frente às infecções sexualmente transmissíveis (IST)(6,8), somados a fatores de extrema vulnerabilidade em que estas mulheres e seus parceiros estão expostos dentro de um ambiente carcerário.
Diante da condição de vulnerabilidade vivenciada por tais mulheres, o objetivo deste estudo foi apreender o comportamento sexual e de saúde de mulheres de apenados. Acredita-se que seus resultados poderão subsidiar as ações dos serviços de saúde e favorecer a elaboração de estratégias necessárias para a promoção de cuidados continuados para com a saúde dessas mulheres, bem como de seus parceiros.
Pesquisa exploratória, de abordagem qualitativa, realizada com mulheres de apenados, em um presídio localizado ao norte do estado do Paraná, Brasil. Este, por ocasião do estudo, contava com 152 apenados, dos quais aproximadamente 80% recebiam visitas íntimas, realizadas na primeira, segunda e terceira quartas-feiras de cada mês; a última quarta-feira destina-se às visitas de filhos e outros familiares.
As participantes do estudo foram abordadas nos mesmos dias em que compareceram ao presídio, enquanto aguardavam o horário de início das visitas, obedecendo aos seguintes critérios de inclusão: ter 18 anos ou mais, ser parceira/companheira de apenado com acesso liberado para visita íntima e ter chegado no presídio com mais de uma hora antes do horário liberado para a visita. A busca por novas participantes ocorreu até o momento em que os dados começaram a se tornar repetitivos e o objetivo da pesquisa fora atingido. A saturação foi atingida com 19 mulheres, que constituíram, então, a amostra do estudo. Os dados foram coletados no mês de novembro de 2015, por meio de entrevistas semiestruturadas, realizadas em sala de atendimento individual dentro do próprio presídio, antes do horário de liberação para a visita. Elas foram gravadas em mídia digital e tiveram duração média de 40 minutos.
O instrumento utilizado durante a coleta de dados foi um roteiro constituído de duas partes, a primeira abordando questões relacionadas à caracterização sociodemográfica, comportamentos e condições de saúde; e a segunda contendo a seguinte questão norteadora: Fale sobre os cuidados com a sua saúde após o encarceramento de seu companheiro.
Algumas questões de apoio foram utilizadas com o intuito de favorecer a abordagem de aspectos não relatados livremente. Foram elas: Com relação a sua vida sexual após a prisão do seu parceiro, o que você tem a me dizer? Fale-me mais sobre isso. Como se sente em relação a sua vida sexual? Que cuidados você adota para a prevenção de doenças?
Para tratamento dos dados, as entrevistas foram transcritas na íntegra e submetidas à análise de conteúdo, modalidade temática, seguindo-se as etapas preestabelecidas de pré-análise (identificação dos aspectos relevantes a partir do objetivo do estudo); exploração do material (identificação dos aspectos comuns e específicos relacionados a condição de saúde e comportamento sexual das mulheres); e tratamento dos dados (delimitação das categorias)(9).
O estudo foi desenvolvido após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Estudos Superiores de Apucarana (Parecer de nº 1.330.747). As participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e, para garantir-lhes o anonimato, os extratos de seus relatos foram identificados com a letra E, indicativo de entrevista, seguida de um número indicativo da ordem de realização da entrevista e outro da idade da depoente (Ex: E2-52 anos).
As 19 participantes do estudo tinham idade entre 18 e 52 anos, com média de 28 anos, sendo que 12 se autodeclararam brancas, quatro negras e três pardas. A maioria tinha no máximo quatro anos de estudo (n=13) e média de dois filhos. Em relação à situação conjugal, 13 eram amasiadas e seis casadas. A renda familiar média era de um salário mínimo (R$ 788,00 à época de realização do estudo); e 14 delas trabalhavam fora.
No concernente à saúde, dez referiram ser usuárias de álcool e tabaco; 11 negaram a existência de problemas de saúde, cinco referiram depressão e três disseram ter hipertensão arterial. Além disso, 14 delas mencionaram não realizar atividade física. Da análise dos dados das entrevistas emergiram duas categorias que serão descritas a seguir.
A prioridade é cuidar de outros: “Não tenho tempo para mim”
Quando indagadas sobre as ações de cuidado à sua própria saúde, algumas entrevistadas referiram não ter tempo para cuidar de si, devido ao papel de “cuidadora” da família e chefe da casa após a prisão do parceiro, bem como a carga de responsabilidade pelo parceiro apenado e a preocupação com a saúde dele.
Pago Unimed para ele e para a minha filha só, porque ele tem problema cardíaco. Tenho medo dele precisar de uma cirurgia de urgência ou uma consulta. (E2-52 anos)
Não tenho muito tempo de me cuidar, me preocupo muito em sustentar minha filha, pagar aluguel. Tomo remédio quando precisa. Quando ele sair daqui, vou correr atrás de cuidar de mim, porque aí vou ter mais tempo. (E1-22 anos)
Não consigo cuidar da saúde, tenho as crianças, não tenho tempo pra mim. O tempo que tenho é mais para eles e para vir aqui trazer as coisas para ele. (E3-23 anos)
Não tenho muita vontade de me cuidar, me preocupo mesmo é com a saúde dele, porque tem vários problemas de saúde. (E4-49 anos)
Nas falas seguintes pode-se observar que quando as entrevistadas falam de comportamentos de saúde próprios, as ações de cuidado estão relacionadas a uma doença pré-existente, sendo essa a razão que faz com que algumas delas procurem os serviços de saúde.
Na saúde eu até me cuido, tenho vitiligo e faço tratamento com pomada e medicação. Tinha cinco anos quando foi descoberto o vitiligo, antes eu ia a cada três meses no médico, agora eu vou todo mês. (E5-22 anos)
Cuido da minha saúde no CAPS [Centro de Atenção Psicossocial], faço tratamento para depressão. Já troquei o remédio duas vezes. O médico e a enfermeira me disseram que tenho que ir na academia, fazer caminhada, mas não consigo não. (E18-18 anos)
Porém, na maioria das vezes, estes cuidados não são periódicos e nem continuados.
Eu não fumo, não bebo, não faço caminhada, não faço exercício físico nenhum e nem exames. O que eu faço mesmo é o preventivo, porque já tive corrimento, mas não lembro agora qual foi o último que fiz. Acho que foi antes de engravidar em 2013, mas também não sei o que deu no exame, não fui atrás de buscar não. (E7-23 anos)
Eu cuido da saúde de vez em quando, mas nunca deu nada sério. Apesar da vida estragada, eu tenho saúde (risos). Mas vou no postinho só quando precisa mesmo, quando estou com dor ou passando mal. (E19-29 anos)
Observou-se também o receio das entrevistadas com relação à procura do serviço de saúde por carregarem o estigma de serem “mulher de apenado”. Peço para aquela menina do posto marcar o exame para mim, e ela diz que vai marcar e só fica me enrolando. Acho que ela tem medo de mim, às vezes pensa que sou igual ao meu marido. Estou com corrimento forte e dor em baixo na barriga, mas vou esperar ver se ela vai marcar. (E8-35 anos)
Estes dias deram um remédio para meu marido tomar aqui na delegacia e disseram para eu tomar também. O corrimento melhorou, mas voltou, e a dor durante a relação continua. Já tive sífilis, mas tratei quando estava grávida. Não vou no postinho primeiro porque não tenho tempo e também porque eles me olham torto, acho que é porque ele tá preso. (E6-23 anos)
Já tratei de corrimento, ele também teve que tratar uma vez, foi um negócio que nós dois tivemos que tratar, não sei o que era, e também prefiro não saber de nada. As pessoas acham que somos ignorantes, principalmente por meu marido estar preso, daí não explicam as coisas. (E9-20 anos)
Comportamento sexual em ambiente prisional: “Quando a gente ama de verdade passa por tudo junto”
Nesta categoria evidenciou-se a adoção de comportamentos de risco relacionados à saúde sexual em ambiente prisional, como, por exemplo, a dispensa do uso do preservativo por motivos variados:
É um pouco diferente, aí dentro muda um pouco, mas quando a gente ama de verdade, passa por tudo junto. O negócio é não pensar muito, venho aqui aproveitar meu tempo com ele, sabe? Tem que esquecer. Uso pílula, eles entregam camisinha aqui para a gente, mas não uso porque já tomo remédio. (E12-24 anos)
Tomo aquele remédio que toma no outro dia, sabe? Quando é preciso só. A gente evita, faz aquela tabelinha, mas de vez em quando escapa, aí preciso tomar. Ele não gosta de camisinha. (E10-38 anos)
Não uso nada de pílula, nem camisinha porque sou laqueada. Nunca tive problema aqui [...] sem contar que o ambiente aqui é constrangedor, não tem nem cabeça para ficar pensando em usar camisinha. (E13-22 anos)
A confiança no parceiro e a crença de que a realização de exames no sistema carcerário funcionam como fatores de “proteção” também foi observada.
A gente tem relação aqui dentro da cadeia no dia de visita, e eu confio muito nele, até porque aqui dentro eles fazem todos os tipos de exames, e sempre que faz dá tudo normal. Mas se não tivesse esses exames, eu usaria camisinha sim, porque eu tenho medo. (E15-24 anos)
[...] preservativo aqui tem, eles dão, mas não uso. Sou laqueada e confio muito no meu marido. (E14-30 anos)
A falta de privacidade, o constrangimento e a humilhação foram apontados como sentimentos vivenciados durante a intimidade do casal em ambiente carcerário.
Na vida íntima fico muito constrangida pelo lugar, mas agora já acostumei. O lugar não traz muita privacidade, sinto vergonha às vezes, muitos homens juntos, o ambiente [...] mas é meu marido, meu casamento. (E16-37 anos)
É constrangedor ter relação sexual aqui dentro. Sinto muita vergonha, humilhação, tem os outros presos, é como se os outros estivessem escutando e vendo tudo (abaixa a cabeça e suspira fundo). A gente fica bem sem vontade, bem desconfortável mesmo, mas ele é meu marido. (E3-23 anos)
As condições de higiene do ambiente carcerário também foram destacadas pelas entrevistadas:
A higiene aqui é muito precária, a higiene dos leitos ali [...] tem que trazer uma toalha pequena, mas aí a gente molha o corpo e fica úmido, não tem como usar produto de higiene. (E4-49 anos)
[...] você deita num leito que tem fungos, micoses [...]. É bem complicado. A gente cuida da higiene em casa, aí chega aqui e tem estas paredes sujas, que não bate sol, aí cria muitos tipos de coisas ali. Então isso aí prejudica muito a saúde deles e a nossa, principalmente eu que tenho 30 anos de casada, sempre o mesmo marido. Fica complicado, porque qualquer coisinha que acontece é você que está errada. Aí vai ver, você pegou as coisas aqui mesmo [...]. A gente fica inibida, não se solta, por mais que você conhece há tanto tempo. Que nem eu, conheço meu marido, tenho filhos com ele, mas, enfim, é uma relação muito difícil, o tempo é muito pouco e mulher é diferente, precisa de tempo. Além da visita íntima, você precisa falar tudo da sua vida, da família [...] Tinha que ter mais tempo para nós, principalmente para a intimidade. (E4-49 anos)
Nossa, ter relação lá dentro é muito difícil. Já teve várias vezes que não consegui [...] hoje já está um pouco melhor (choro). A gente sai daqui pra baixo. (E17-25 anos)
Não uso preservativo, não gosto muito dessas coisas. A visita íntima aí dentro já é um transtorno e se a gente fica envolvida com estas coisas, não “rola”, porque é um tumulto, muita gente, e não tem privacidade. (E14-30 anos)
A infidelidade também foi destacada como fator influente no comportamento sexual das mulheres:
[...] eu sei que a ex-mulher dele vem aqui de vez em quando trazer os filhos para ele ver e sei lá o que acontece, mas nem procuro tocar muito no assunto, senão a gente briga, sabe? Porque eu não traio ele, mas acho que ele me trai, nenhuma mulher vem neste lugar aqui só para trazer filho não (risos), mas tá na consciência dele também. Como eu amo ele, passo por cima disso, e se eu não fizer minha parte ele vai me trair! (E5-22 anos)
Mesmo estando preso, ele me traiu com outra mulher que vinha visitar o irmão. Foi na época que eu estava de castigo [grávida] e ficamos mais de seis meses sem intimidade. Eles se conheceram no pátio e ele acabou ficando com ela, tendo relação. Hoje não confio, mas sei que se eu não fizer, ele faz com outra. (E7-23 anos)
Porém, nem sempre a infidelidade é só por parte dos apenados, como observado nos relatos a seguir:
Ele já me traiu, eu sei. Mas também dei o troco. Eu gosto dele, mas gosto de mim também e ele sabe que dei o troco. Eu falo pra ele que se me trair de novo, terá o troco de novo [...] aí ele tem medo, porque se eu largar dele aqui, não tem ninguém por ele. (E11-27 anos)
Já larguei dele uma vez, me envolvi com outro preso, de outra cidade, mas não deu certo porque ele saiu da delegacia e arrumou outra. Daí voltei com este. A solidão é muito grande, então tem dias que bate um desespero e vontade de sair da solidão, mas ao mesmo tempo você já se vê presa aqui também! (E9-20 anos)
Já tive relação com outro homem lá fora [...] experimentei. Mas não deu certo não. Lá fora eles querem só para aquilo. Então, prefiro ficar com ele, pelo menos sei o que quer comigo. (E18-18 anos)
O encarceramento provoca alterações em todo o contexto de vida familiar, e na maioria das vezes é a mulher que assume exclusivamente a manutenção econômica da família, as funções domésticas, o cuidado com os filhos, além do acompanhamento de todo o processo penal de seu parceiro(3). Todas estas responsabilidades, juntamente com o estigma da sociedade, contribuem para que a mulher priorize o cuidado aos outros e se afaste dos cuidados com a sua própria saúde, restringindo-os ao tratamento de doenças pré-existentes(6,10), como percebido nas falas da E1 e E2.
As histórias das mulheres de apenados na busca pelos serviços de saúde expressam discriminação, frustrações e violações dos direitos e aparecem como fonte de tensão e mal-estar psíquico-físico(11,12). Corroborando com isso, observa-se nas falas das entrevistadas 6, 8 e 9 o quanto o acesso aos serviços de saúde e a qualidade do atendimento e acolhimento são influenciados pelo fato de seus cônjuges/parceiros estarem encarcerados. Ademais, os determinantes sociais também influenciam diretamente a percepção que a mulher tem do cuidado com a sua própria saúde, além de refletir no conhecimento e condições de acesso aos serviços.
Dessa forma, vislumbra-se a lacuna de atuação dos profissionais de saúde no sentido de promover o acolhimento dessas mulheres, de forma a romper essa barreira que as afastam ainda mais do serviço de saúde. Assim, a qualidade da atenção a estas mulheres, em específico, necessita ser planejada com foco na garantia da promoção e no respeito aos direitos humanos, que zele pela saúde integral e bem-estar(8,10).
Considerando a situação de vulnerabilidade na qual as mulheres parceiras de apenados se encontram devido, entre outras coisas, à ausência de cuidados com a sua própria saúde, se faz necessária a proposição de um cuidado integral, planejado e permeado por acolhimento e escuta sensível de suas demandas específicas, valorizando a influência dos fatores individuais no processo de saúde e nos diversos tipos de comportamentos para prevenção de doenças(8,13,14). Na atenção à saúde da mulher, a integralidade se dá pela concretização de práticas de atenção que garantam o acesso a ações resolutivas, construídas segundo as especificidades do ciclo vital feminino e do contexto em que as necessidades são geradas(5).
Nessa perspectiva, para um cuidado integral é preciso considerar inclusive os direitos sexuais, pois a atividade sexual, segundo a Organização Mundial de Saúde, é um dos domínios da qualidade de vida. Para tanto, a equipe multiprofissional pode utilizar estratégias diversas que oportunizem o levantamento das necessidades, como, por exemplo, a busca ativa dessas mulheres no sistema prisional em dias de visita íntima, o atendimento individual e a organização de grupos.
Independente da ação utilizada, o cuidado à saúde necessita ser planejado com foco na promoção e respeito aos direitos humanos, com ênfase na saúde integral, bem-estar e direitos sexuais. Sendo assim, o cuidado deve ser permeado pelo acolhimento com escuta ativa de suas demandas, ações educativas que envolvam homens e mulheres e, ainda, que promovam a interação dos membros da equipe de saúde de forma a permitir uma atuação multidisciplinar(3,8). Atinente a isso, vale ressaltar que a escuta à mulher em situação de vulnerabilidade e o interesse por sua história contribuem para a melhora do cuidado e para a identificação das dificuldades encontradas no acompanhamento em saúde(14).
Cabe destacar que o ambiente prisional no Brasil é reconhecido pela superlotação de celas insalubres, iluminação precária e ventilação naturais insuficientes. Também há deficiência em relação à higiene pessoal, alimentação adequada, acesso à água potável e a serviços de saúde continuados e suficientes(13,14). Essas condições contribuem para a propagação e disseminação de doenças entre os apenados, bem como de seus familiares, em especial das mulheres que realizam visita íntima(15).
Observa-se, ainda nesse contexto, que as mulheres de apenados sofrem discriminações, incluindo a de gênero, pois algumas vezes são controladas e monitoradas pelo parceiro que faz uso de outras fontes. Este comportamento imprime-lhes medo e angústia, fazendo com que se sujeitem às situações de controle exercidas pelo parceiro encarcerado(3). Sustenta essa reflexão alguns relatos que mostram a não utilização de preservativos e até mesmo a aceitação da infidelidade dos parceiros (E7), ou ainda a não adoção de comportamentos positivos para a saúde sexual devido à relação de confiança estabelecida com o parceiro (E14 e E15).
Portanto, no contexto particular das mulheres de apenados, a vulnerabilidade é ainda maior, além de ser influenciada por relações desiguais no âmbito individual e coletivo, inclusive em relação à sexualidade, que mostra a desigualdade na vulnerabilidade a que os gêneros estão expostos em decorrência de seu comportamento sexual desprotegido, depositando a confiança nos parceiros(16).
Boletim do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids indica que, numa prisão masculina de São Paulo, quase 6% da população tinha HIV; entre as mulheres de outro centro penitenciário da capital paulista, o índice chegava a 14%. Segundo o estudo, o nível de conhecimento sobre as IST e o HIV era alto entre a população prisional, mas o acesso às medidas de prevenção e à assistência dentro das prisões foi considerado inadequado(11).
Como pretextos para a não utilização de preservativo, estudos apontam a avaliação que as mulheres fazem do histórico sexual-afetivo de seu parceiro e a confiabilidade estabelecida a partir de relatos sobre a vida sexual, timidez e inexperiência(2,15). Em outros casos, tanto homens quanto as mulheres deixam de usar o preservativo quando a relação extraconjugal deixa de ser casual e assume um caráter fixo. Contudo, é importante salientar que as mulheres possuem menor liberdade em sua vida sexual, têm dificuldades em decidir e menor poder de decisão no que tange ao sexo sem proteção, o que acaba aumentando a vulnerabilidade e a incidência de doenças entre elas(2,15,17).
Neste estudo também se identificou que as mulheres, de certo modo, justificam os “descuidados” ao afirmarem que seus parceiros realizam exames periodicamente no ambiente prisional. Este tipo de justificativa aponta que elas precisam ser esclarecidas sobre os exames que são realizados, os quais visam a detecção e não a prevenção de doenças.
Ainda, algumas mulheres justificaram a não utilização do preservativo pelo fato de fazerem uso de outros métodos contraceptivos (tabelinha, anticoncepcional oral e pílula do dia seguinte). Isto nos mostra que a disponibilização do preservativo nas penitenciárias, embora fundamental para facilitar o acesso, é insuficiente se não acompanhada de um trabalho educativo. Atitudes como estas mostram que a função do preservativo de prevenir as IST é totalmente desconsiderada. Isto pode ser decorrente de desinformação sobre os diversos tipos de IST, de as mulheres poderem ser assintomáticas, da ausência de trabalhos educativos que poderiam favorecer a identificação dessas patologias por parte da população e da subestimação desses acometimentos(13,15).
Nas falas de algumas mulheres parceiras de apenados, é perceptível o sentimento de solidão, carência e sobrecarga de problemas em seu cotidiano. Diante deste cenário, a mulher se torna vitimada, tentando sair da situação em que se encontra, podendo, inclusive, se envolver em outros relacionamentos. Estudo longitudinal qualitativo, realizado com mulheres parceiras de apenados africanos-americanos, destaca que o envolvimento dessas mulheres com outros parceiros também está associado às condições financeiras, ou seja, elas tentam garantir um abrigo e o sustento à família(18).
Ressalta-se que algumas mulheres referiram conhecimento de que seus parceiros possuem relacionamentos extraconjugais, e mesmo assim se mantêm submissas a eles. Estudo de coorte realizado em um presídio na Carolina do Norte (EUA) demonstrou a influência do encarceramento nas relações pessoais e na transmissão de IST/Aids, decorrente da instabilidade nos relacionamentos devido às barreiras substanciais para manter contato com o parceiro apenado(16).
Ao lidar com condições que são específicas das mulheres, os profissionais de saúde devem atentar para os aspectos da doença que são diferentes nas mulheres ou apresentam implicações de gênero importantes. A habilidade de aplicar essa informação requer que os profissionais adotem atitudes e comportamento cultural e genericamente sensíveis, atribuindo o cuidado de forma integralizada para as mulheres(6,8).
Conhecer o cotidiano dessas mulheres, seus saberes de experiência, suas compreensões de saúde, suas práticas populares de cuidado à saúde e seus comportamentos sexuais abre possibilidades de ampliar a compreensão sobre as necessidades de saúde da mulher de apenado. Isso potencializa novas investigações e a criação de novas estratégias no campo da atenção à saúde no SUS, com o intuito de ampliar a inclusão e o diálogo com as compreensões e com os modos populares de cuidar da saúde, em especial de grupos vulneráveis.
Os resultados mostram que as mulheres de apenados, além de vivenciarem a situação de vulnerabilidade, negligenciam cuidados à sua própria saúde, priorizando a saúde do parceiro e dos filhos. Além disso, apresentam comportamento sexual de risco favorecido pelas condições do encarceramento do parceiro e relações extraconjugais desprotegidas.
Diante disto, as estratégias de promoção da saúde sexual em ambiente prisional devem englobar a complexidade e peculiaridades vivenciadas pelas mulheres de apenados. O fortalecimento da autonomia dos sujeitos como essência do processo educativo deve considerar que a ciência, saberes e opiniões congreguem os contextos das vulnerabilidades ambientais, sociais e culturais. Ademais, sugere-se que os profissionais de saúde estejam atentos ao comportamento sexual e de saúde em contextos de grande vulnerabilidade, como os presídios, para que possam atuar de maneira integral e qualificada.
Como limitação do estudo, destaca-se a impossibilidade de generalizações, visto a natureza qualitativa e o propósito de estudar a realidade de um cenário específico. Assim, sugere-se a realização de novas investigações, em outros contextos e com outras abordagens metodológicas a fim de ampliar a compreensão do comportamento sexual e de saúde dessas mulheres.
Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a matéria em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf
Recebido: 14/10/2016 Revisado: 19/12/2018 Aprovado: 30/12/2018