Objetivo: caracterizar a produção do conhecimento de enfermagem sobre residência multiprofissional e em área profissional da saúde. Método: Foi realizado um estudo bibliométrico a partir de resumos de artigos, teses e dissertações da área da enfermagem sobre a temática, entre 2005 e 2015. Resultados: 47% da produção sobre o tema é proveniente de artigos; 76% dos estudos estão concentrados nas regiões Sul e Sudeste, com maior produtividade entre 2009 e 2015; 75% dos estudos têm como temática a formação profissional para o SUS. Discussão: A produção está vinculada à pós-graduação stricto sensu e reflete o desequilíbrio distributivo desta, que se concentra onde a capacidade instalada de recursos é maior. A necessidade de um novo perfil profissional para o SUS também contribuiu para o aumento das discussões sobre o tema. Conclusão: A residência é um tema de relevância para a produção cientifica.
Descritores: Internato não Médico; Especialização; Enfermagem.
A produção do conhecimento em Enfermagem propicia a transformação de conceitos considerados hegemônicos do processo de saúde e formação, mudanças nas políticas públicas e sociais, melhoria nas práticas assistenciais, e ainda pode evidenciar fragilidades da formação e do processo de cuidar em saúde. Nesse sentido, os enfermeiros têm buscado, com a produção do conhecimento, reafirmar a enfermagem enquanto ciência, a fim de tornar visível sua constante evolução científica(1).
Pensar a produção do conhecimento em Enfermagem nos remete aos programas de pós-graduação stricto sensu que têm impulsionado pesquisas nessa área de conhecimento a partir dos cursos de Mestrado e Doutorado. Esses cursos que objetivam a produção do conhecimento, o desenvolvimento de lideranças globais e o desenvolvimento da profissão, contribuem para a formação de recursos humanos capacitados, aperfeiçoamento dos sistemas e das ações de saúde, promoção do avanço técnico-científico e fortalecimento do cenário educacional da enfermagem brasileira(2,3).
Assim, desde a criação dos primeiros cursos de Pós-graduação stricto sensu em Enfermagem no Brasil, mestrado em 1972 e doutorado em 1981, evidencia-se a expansão e consolidação da produção científica por meio de teses, dissertações, artigos e livros(2). Essa produção do conhecimento, crescente e diversificada, abrange muitos temas, dentre eles a formação em saúde para o trabalho, que está entre as prioridades de pesquisa em saúde do Brasil(4).
A residência multiprofissional e em área profissional da saúde, enquanto formadora de recursos humanos para o trabalho em saúde, é recomendada para novos profissionais licenciados, pois complementa e amplia a formação, favorecendo a inserção qualificada destes no mercado de trabalho, particularmente nas áreas prioritárias do Sistema Único de Saúde (SUS), possibilita a formação em ato, com articulação entre conhecimentos teóricos e práticos, e permite que o conhecimento produzido e apreendido possa ser aplicado, além de desenvolver habilidades referentes à comunicação, liderança, gerência e ao ensino em áreas específicas(5,6,7).
Diante da expressiva importância desses programas de ensino para a capacitação de recursos humanos para o SUS, considera-se objeto relevante de pesquisa e, assim, questionamos: qual a produção do conhecimento de enfermagem sobre residência multiprofissional e em área profissional da saúde? A partir desse questionamento, esse estudo tem como objetivo: caracterizar a produção do conhecimento de enfermagem sobre residência multiprofissional e em área profissional da saúde. Ao desenvolver este estudo intenciona-se subsidiar pesquisadores para a produção de pesquisas a fim de preencher possíveis lacunas existentes na literatura, ampliando as possibilidades de construção de novas perspectivas e conhecimentos.
Trata-se de um estudo bibliométrico cuja unidade de análise constituiu-se por resumos de artigos, teses e dissertações da área de enfermagem acerca da Residência Multiprofissional e em Área Profissional da Saúde, no período de 2005 a 2015. Definiu-se o marco do ano de 2005 por ser este o ano em que foi criada a Portaria Interministerial MS/MEC Nº 2.117, que institui a Residência Multiprofissional em Saúde e a Residência em Área Profissional da Saúde.
A coleta de dados ocorreu no período de 16 a 20 de maio de 2016 na Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) via MEDLINE, LILACS, IBECS, BDENF, Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e no Banco de Teses e Dissertações da CAPES, utilizando-se a estratégia de busca (internato não médico OR residência não médica não odontológica OR especialização OR áreas de especialidade OR especialista OR especialistas OR especialidades OR especialidade) AND enfermagem, e as palavras-chave “Residência multiprofissional em saúde”, “Residência em área profissional da saúde” e “Residência integrada em saúde”, para ampliar a busca.
A fim de obter os dados exclusivamente da temática proposta, foram delimitados como critérios de inclusão: artigos, teses e dissertações da área da enfermagem, que abordassem o tema Residência Multiprofissional em Saúde e em área profissional da Saúde, no período de 2005 a 2015. Como critério de exclusão: duplicadas no momento da busca, documentos que não correspondem à área de enfermagem e documentos que não correspondem aos programas de Residência brasileiros. O detalhamento das seleções e exclusões pode ser observado na Figura 1.
Após a coleta, os dados foram sistematizados em planilhas no Microsoft Office Excel 2013® para preenchimento de um instrumento previamente elaborado. O instrumento foi composto pelas variáveis: título, ano, idioma, procedência, categoria temática e nível de formação (mestrado ou doutorado, para categorização das teses e dissertações). De posse do instrumento devidamente preenchido, foi realizada a análise estatística por frequências absolutas e relativas, com apresentação de tabelas e gráficos para melhor interpretação dos resultados.
Não houve necessidade de aprovação da investigação por um Comitê de Ética em Pesquisas envolvendo seres humanos, visto que a pesquisa apresenta caráter bibliométrico e documental.
Figura 1 – Fluxograma dos critérios de seleção das produções científicas – Salvador, BA – 2016.
Fonte: Dados da pesquisa
A partir da leitura e análise dos resumos, foram selecionados 21 estudos da área de enfermagem sobre a residência multiprofissional e em área profissional da saúde. Destes, 10 (47,61%) correspondem a artigos, três (14,28%) a Teses e nove (38,09%) a Dissertações.
Esses estudos são principalmente oriundos da região Sul, seguida pela Região Sudeste, conforme figura 2, que retrata as publicações por região geográfica brasileira.
Figura 2 – Distribuição das publicações por região geográfica – Salvador, BA – 2016.
Fonte: Dados da pesquisa
Na figura 3, está apresentado o ano de publicação dos artigos e o ano da defesa das Teses e Dissertações. Destaca-se que em 2015 foram publicados quatro artigos (19,04%) sobre a temática, representando o maior quantitativo na análise temporal.
Figura 3 – Distribuição dos artigos, teses e dissertações conforme o ano de publicação/ defesa – Salvador, BA – 2016.
Fonte: Dados da pesquisa
Quanto à categoria temática dos estudos, três artigos (30%) e cinco teses e dissertações (45,45%) abordaram a temática “formação de Recursos Humanos para o Sistema de Saúde”. A distribuição temática dos demais estudos pode ser visualizada na figura 4.
Figura 4 - Distribuição das categorias temáticas por tipo de estudo – Salvador, BA - 2016
Fonte: Dados da pesquisa
Nesta revisão sobre a produção do conhecimento de enfermagem acerca da residência multiprofissional e em área profissional da saúde, verificou-se que o tema é mais abordado em artigos, principalmente oriundos das Regiões Sul e Sudeste do Brasil. Na análise temporal, os anos de 2009 e 2015 destacam-se com maior quantitativo de publicações. Referente à temática, a formação de recursos humanos para o sistema de saúde foi amplamente explanada.
A produção de artigos sobre a residência é maior quando comparada à produção de teses e dissertações sobre o tema. Entretanto, é importante salientar o vínculo desses tipos de estudos, uma vez que artigos possibilitam a divulgação facilitada de investigações realizadas para elaboração de teses e dissertações dos estudantes da pós-graduação. No presente estudo, porém, identificou-se que apenas quatro dos artigos encontrados eram recortes de tese ou dissertação, o que nos leva a questionar qual tem sido o produto das teses e dissertações desenvolvidas na pós-graduação em enfermagem brasileira e como ocorre a divulgação desses trabalhos supostamente engavetados, uma vez que não estão sendo produzidos artigos para facilitar a divulgação dos mesmos.
Ainda assim, os programas e cursos de pós-graduação são os maiores responsáveis pela produção e difusão do conhecimento científico e identificação de avanços e retrocessos nas diferentes áreas do saber(8,9,10).
Aliados aos Programas de pós-graduação e igualmente impulsionadores do conhecimento estão os Grupos de Pesquisa (GP), que, em 2006, apresentavam o quantitativo de 331 no campo da enfermagem brasileira.
Dentre estes, 14% trabalhavam com a temática da educação em enfermagem, o que inclui a produção e divulgação de conhecimento sobre as residências multiprofissionais e em área profissional da saúde. Destaque-se que 83% destes grupos de pesquisa sobre educação em enfermagem estão localizados nas regiões Sul e Sudeste do Brasil(8).
A disposição geográfica desses grupos é similar à distribuição dos programas e cursos de pós-graduação Stricto Sensu, que estão concentrados nas regiões supracitadas e insuficientes nas regiões Norte e Centro-oeste, refletindo um desequilíbrio distributivo. Tal fator reflete na produtividade acadêmica e pode ser observado no presente estudo, pois os locais de maior produção sobre a residência foram as Regiões Sul e Sudeste do Brasil(3,11).
O desequilíbrio distributivo dos cursos de pós-graduação Stricto Sensu pode estar relacionado a questões financeiras, como a maior quantidade de investimentos públicos onde a capacidade instalada de recursos e infraestrutura preexistentes já é consideravelmente elevada. Essa lógica não somente equivale para os cursos stricto sensu, mas também para o lato sensu. Por isso, observa-se que nas propostas de incentivo à Residência multiprofissional há uma expressiva oferta de bolsas na Região Sudeste, composta por metrópoles como São Paulo, onde existe maior Produto Interno Bruto (PIB) e maior número de cursos, abarcando assim elevados investimentos(12).
Esses investimentos dos Ministérios da Saúde e Educação para a Residência Multiprofissional visam o fortalecimento desse modelo de ensino no país, e possibilitam a rápida expansão do número de programas, como ocorreu entre 2005, ano de sua implementação, e 2009.
Ao longo desse período os investimentos foram crescentes, chegando ao valor global de R$178 milhões entre 2007 e 2009. Destaque-se que em 2010 foi implementado o Programa de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde da rede de Hospitais Universitários Federais, para os quais foram disponibilizadas 500 bolsas, a um custo anual estimado de R$11 milhões. No ano seguinte a oferta de bolsas para a residência multiprofissional duplicou, com o equivalente a 1.193, revelando a tendência expansionista dos programas. Esta expansão é expressa na produção científica, observando-se o aumento de publicações sobre o tema ao longo dos anos(13,14).
Quanto à categoria temática, a maioria dos estudos revela que a Residência tem ganhado notoriedade na produção brasileira por sua capacidade de fornecer recursos humanos especializados para os sistemas de saúde. Estas discussões sobre a formação de profissionais refletem a preocupação quanto ao suprimento das necessidades de saúde, e teve visibilidade nas últimas décadas frente à parceria entre os Ministérios da Saúde e Educação para gerir a formação de trabalhadores de saúde, com vistas a reorientar a educação nessa área e aproximá-la dos princípios e diretrizes do SUS(15).
Um dos princípios preconizados é a integralidade, que visa o rompimento com as bases reducionistas e fragmentadas do cuidado, por isso as propostas de especializações como os programas de residências multiprofissionais possibilitam a formação para práticas colaborativas entre diversos profissionais da saúde, por meio da educação interprofissional(16,17). Essa especificidade foi abordada em alguns estudos, que buscavam compreender os limites e as potencialidades das residências multiprofissionais para a educação interprofissional, bem como os cenários favoráveis ao desenvolvimento desta, tendo em vista a reorientação da formação profissional em saúde como um fator de impacto para alcançar a integralidade e até mesmo contribuir para a consolidação do sistema de saúde brasileiro(18).
Nesse sentido, alguns estudos encontrados avaliam os resultados dos programas de residência para o SUS e para a atuação profissional, por meio da análise das estratégias metodológicas, da execução dos programas, das estruturas dos serviços e dos recursos ofertados. Outros estudos que contribuem para a avaliação dos programas, mas que foram pouco encontrados nesta revisão são as pesquisas com egressos e preceptores. Esses estudos possibilitam visualizar o impacto do currículo nas transformações dos alunos e os modos de fazer dos preceptores, que precisam adotar um modelo educativo que supere a mera transmissão de conhecimentos(19,20). Desse modo, esse tipo de pesquisa poderia ser mais explorado, bem como, as demais categorias temáticas, que mesmo sendo relevantes, apresentaram-se de modo pontual entre os estudos encontrados.
No processo de elaboração desta revisão, a ausência de artigos, teses e dissertações sobre a residência brasileira publicados em outros países e idiomas denotou-se como uma limitação, pois a inclusão de estudos desse tipo poderia enriquecer a discussão com a perspectiva internacional dada ao modelo de residência nacional. Ainda assim, o estudo é potencializado por evidenciar lacunas na literatura sobre a temática, podendo subsidiar novas pesquisas que preencham as lacunas existentes.
A produção do conhecimento de enfermagem sobre a residência multiprofissional e em área profissional da saúde é majoritariamente oriunda de artigos, que em geral não são produto de teses e dissertações, o que nos leva a questionar como esses estudos estão sendo divulgados. Ainda assim, a produção sobre o tema está ligada aos programas de pós-graduação stricto sensu. Estes, por sua vez, estão distribuídos de maneira desigual pelo Brasil, o que é refletido também na produção, que é maior no Sul e Sudeste. Este desequilíbrio é fruto dos maiores investimentos onde a capacidade instalada de recursos é elevada. Os investimentos na residência seguem essa lógica e são fator de visibilidade do tema, como observado na análise temporal relacionada aos incentivos. Outro fator de visibilidade para o tema residência é a sua capacidade de formar recursos humanos para a saúde, o que se configura como condição para a consolidação do SUS.
Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a matéria em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf