ARTIGOS ORIGINAIS

Percepções dos profissionais sobre a dor neonatal: estudo descritivo


Danielle Lemos Querido1, Marialda Moreira Christoffel1, Maria Estela Diniz Machado2, Viviane Saraiva de Almeida1, Ana Paula Vieira dos Santos Esteves1, Priscila Borges de Carvalho Matos1

1Universidade Federal do Rio de Janeiro
2Universidade Federal Fluminense

RESUMO

Objetivo: conhecer as percepções dos profissionais de saúde sobre dor em uma unidade de terapia intensiva neonatal. Método: estudo exploratório, descritivo, qualitativo, realizado de março a novembro de 2013 com 10 enfermeiros, 40 técnicos de enfermagem, dois fisioterapeutas e seis residentes de enfermagem de uma Maternidade Escola do Rio de Janeiro. A técnica de coleta de dados foi uma intervenção educativa, onde as falas foram transcritas e submetidas à análise de conteúdo temática. Resultados: emergiram três categorias: "Identificando e avaliando a dor do recém-nascido nas situações dolorosas"; "Promovendo o manejo não farmacológico da dor"; "Identificando as barreiras para o manejo da dor na Unidade Neonatal". Conclusão: na percepção dos profissionais, a dor existe e a avaliação e o manejo estão presentes em seu cotidiano, entretanto, o conhecimento sobre a temática ainda é embrionário e precisa ser aprofundado para que haja uma aplicabilidade na prática clínica assistencial.

Descritores: Enfermagem; Educação em Saúde; Dor; Recém-Nascido; Unidades de Terapia Intensiva Neonatal.


INTRODUÇÃO

Apesar dos inúmeros avanços tecnológicos na área da saúde, as taxas de prematuridade ainda permanecem elevadas em alguns países(1). A sobrevida orgânica do recém-nascido prematuro (RNPT) tem aumentado, fazendo com que neonatos com idades gestacionais extremas e/ou muito baixo peso ao nascimento sobrevivam(1).

Para garantir essa sobrevida, é necessário um grande número de procedimentos terapêuticos invasivos de rotina, realizados pela equipe de saúde na Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal (UTIN) e, nesse contexto, a presença da dor é uma constan­te(2).

Por conseguinte, o manejo da dor neonatal deve ser sempre considerado e os profissionais da UTIN devem ser capacitados e treinados continuamente, de forma que o conhecimento teórico reflita sobre a prática profissional, objetivando uma assistência adequada, qualificada e humanizada(3).

Desde 1970, já existia uma preocupação apontada para o subtratamento da dor, especialmente em recém-nascidos e a dificuldade para reconhecer e avaliar a dor no período neonatal contribuem de forma negativa para que esse panorama seja mantido até os dias atuais(4).

Na literatura, encontram-se diversos estudos(3, 2, 5, 6,7) que evidenciam lacunas em relação à capacitação dos profissionais na gestão da dor neonatal. Esses mesmos estudos apontam hiatos entre a teoria e a prática, e recomendam estratégias dentro da educação permanente para sensibilizar e capacitar os profissionais para a modificação da realidade assistencial.

Nesse sentido, a Política de Educação Permanente do Ministério da Saúde recomenda a reflexão sobre o trabalho e a construção de processos de aprendizagem colaborativa e significativa, a partir do uso de uma metodologia problematizadora que permita a construção conjunta da autonomia dos sujeitos e das equipes, com subsequente transformações efetivas nos processos de trabalho(8).

Diante desse contexto, o presente estudo teve como objetivo conhecer as percepções dos profissionais de saúde sobre dor em uma unidade de terapia intensiva neonatal.

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo, com abordagem qualitativa, que realizou uma intervenção educativa como técnica para coleta de dados com profissionais de saúde que atuavam na Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal (UTIN) de uma Maternidade Escola na cidade do Rio de Janeiro. Todos os encontros foram filmados e gravados, permitindo a obtenção das informações relatadas pelos profissionais. Os participantes do estudo foram 10 enfermeiros, 40 técnicos de enfermagem, dois fisioterapeutas e seis residentes de enfermagem do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Perinatal da instituição.

Os critérios de inclusão foram: ser profissional de saúde da equipe multiprofissional que atua diretamente no cuidado ao recém-nascido na UTIN. Como a intervenção foi realizada no decorrer do dia em que o funcionário estava de plantão, foram excluídos aqueles profissionais que não conseguiram interromper momentaneamente suas atividades devido à logística do plantão. Os profissionais médicos e residentes de medicina, apesar do convite realizado, não compareceram.

A seleção destes profissionais aconteceu mediante convite verbal, logo pela manhã, para que eles pudessem se organizar e participar do estudo. A coleta de dados ocorreu durante as intervenções educativas no período de março a novembro de 2013 a partir de discussões em grupo relacionadas à metodologia problematizadora. Os temas discutidos foram: "Reflexão sobre a importância dos sentidos a partir da simulação de sensações do bebê internado na UTIN"; "Percepção dos profissionais em relação à identificação e avaliação da dor a partir das reações dos recém-nascidos" e, por último, trabalhamos a questão do "Manejo não farmacológico da dor neonatal".

Para cada tema foi realizada uma dinâmica que se iniciava a partir de uma situação- problema relacionada ao conteúdo previamente determinado e, a partir daí, os profissionais apresentavam suas percepções em relação à temática discutida, refletindo o modo como esses profissionais observam o fenômeno no universo dos seus valores.

A partir daí, foi possível conhecer as percepções sobre a dor neonatal apresentadas pelo grupo, e, apesar de não haver qualquer tipo de avaliação dessas percepções, construiu-se um conhecimento coletivo dos profissionais que participaram do estudo, pois, por vezes, demonstravam uma compreensão equivocada ou superficial em relação à temática. O texto audiovisual obtido a partir da videogravação foi exaustivamente assistido e as discussões transcritas na íntegra. O conteúdo foi organizado e estruturado utilizando-se a proposta da análise temática de Minayo(9).

O material transcrito foi agregado e, assim, procedeu-se à leitura flutuante do mesmo, delimitando as unidades temáticas por meio de palavras-chaves recortadas do texto. Essas unidades temáticas foram agrupadas segundo sua significância dentro da problemática abordada no estudo, e foram quantificadas com o objetivo de identificar os assuntos mais evidenciados pelos participantes. As unidades temáticas foram agregadas a partir de sua representatividade no contexto do manejo da dor neonatal, constituindo as categorias de análise(9).

Como a maioria dos participantes da pesquisa (equipe de enfermagem) trabalhavam em regime de plantão com escala de 24 horas de trabalho por 120 horas de descanso, foi necessária a replicação de cada tema em seis dias distintos, para oportunizar a participação de todos nos diferentes temas. Desta forma, foram realizados 18 encontros.

O estudo foi submetido à apreciação do Conselho de Ética e Pesquisa da própria Instituição, onde seguiram-se os preceitos da Resolução 466/2012 e foi aprovado sob o nº 11257012.2.0000.5275. Os participantes contribuíram de forma voluntária com a pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Após a transcrição e análise do material obtido das videogravações, foram reveladas três categorias: “Identificando e avaliando a dor do recém-nascido nas situações dolorosas”; “Promovendo o manejo não farmacológico da dor”; “Identificando as barreiras para a aplicação do conhecimento à prática”.

Identificando e avaliando a dor do recém-nascido nas situações dolorosas

Nessa categoria, evidenciamos a percepção dos profissionais em relação à identificação e avaliação da dor do recém-nascido diante de inúmeras situações dolorosas e estressantes a que são submetidos durante sua internação na UTIN, pontuadas com precisão pelos próprios profissionais. Com relação à identificação da dor neonatal, os profissionais o fazem a partir de sinais comportamentais (alterações da mímica facial, choro, gritos, irritabilidade e movimentos corporais das mãos e braços) e fisiológicos (taquicardia, bradicardia, apnéia, queda de saturação de oxigênio, alteração de sinais vitais e taquipnéia) apresentados pelos recém-nascidos.

Ele tá sentindo dor, tá incomodado, tá taquicárdico [...] Ele franze a testa [....] (Técnico de enfermagem 1). A gente observa muito a mímica facial e aquela mãozinha assim, às vezes uma queda de saturação ou apnéia que a gente acha que pode ser secreção [...] mas é dor[...](Enfermeiro 2) .

Quanto à avaliação da dor na UTIN, os participantes desta pesquisa, de uma forma geral, desconheciam as escalas específicas para essa finalidade, que poderiam ser utilizadas em sua prática.

Já em relação às situações dolorosas e estressantes a que são submetidos os recém-nascidos durante sua internação na UTIN, os profissionais relataram: sensações desagradáveis de frio, quente, medo, dor, insegurança e susto; além das características do próprio ambiente da UTIN, como iluminação, ruídos, inúmeras manipulações do recém-nascido e conversas excessivas entre os profissionais. Estes foram capazes de identificar como procedimentos dolorosos a punção lombar, punção arterial, punção venosa, punção de calcâneo, aspiração, retirada de adesivo, troca de fralda, uso do Continuous Positive Airway Pressure (CPAP), inserção de sonda oro e nasogástrica, intubação orotraqueal e administração de colírio.

[...] eu já fui aspirada [...] é muito ruim [...] (Fisioterapeuta 2). [...] toda hora vem um e fura, abre a incubadora, interrompe o sono (Técnico de enfermagem 2). Barulho, ruído, luz [...] (Enfermeiro 1).

Promovendo o manejo não farmacológico da dor

Nesta categoria, os profissionais conseguiram pontuar inúmeras medidas não farmacológicas: uso de glicose a 25%, sucção não nutritiva, amamentação, medidas de conforto, enrolamento, aconchego, acalento, contenção facilitada e posição canguru como estratégias que poderiam ser empregadas para alívio da dor na UTIN.

[...] dois minutinhos, glicose a 25 % [...] (Enfermeiro 7). [...] sempre que for fazer procedimento doloroso, usar uma forma de prevenir aquela dor, como sucção não nutritiva [...] (Enfermeiro 1). [...] E, dependendo da criança, dá pra fazer, no seio da mãe, amamentando, diminui a dor [...] (Enfermeiro 1). [...] Aconchegar a criança [...] todo mundo faz um rolinho do jeito que sabe, a criança vai ficar menos estressada (Técnico de enfermagem 3). [...] às vezes tá numa posição, você muda, ele não chora mais (Técnico de enfermagem 7). [...] método canguru que a gente utiliza até mesmo quando o bebê tá com dor... (Enfermeiro 9).

Identificando as barreiras para o manejo da dor na UTIN

Nesta categoria, os depoimentos demonstraram algumas dificuldades encontradas pelos profissionais quanto à identificação, avaliação e manejo da dor neonatal na prática clínica diária, como: falta de um conhecimento apropriado, falha de comunicação e entrosamento entre a equipe multiprofissional e a falta de protocolos institucionalizados para o manejo da dor neonatal.

[...] ninguém sabia disso [...] isso sempre foi a 50% [...] [se referindo a concentração incorreta de glicose que utilizou] [...] (Técnico de enfermagem2). [...] desanima [...] a gente faz e deixa-o [recém-nascido] arrumadinho e depois o médico vem, examina e deixa de qualquer jeito [...] [se referindo a atitude de um médico que após examinar o recém-nascido não o posicionou corretamente no leito] (Técnico de enfermagem 6). Eu acho que pra amenizar a dor tinha que ser feito isso [...] condutas, rotinas [...] (Técnico de enfermagem 6). Se tivesse uma escala de dor, as pessoas se importariam mais de ver pra poder observar. E poder identificar se tem alguma coisa. E se tivesse alguma coisa nos balanços [referindo-se ao impresso onde se registra os sinais vitais e o balanço hídrico] né? Correspondente a isso [...] (Enfermeiro 2). A escala eu acho que teria que ser usada todos os dias [...] como rotina (Técnico de enfermagem 15).

DISCUSSÃO

A identificação da dor é primordial, pois somente após esse reconhecimento os profissionais são capazes de realizar condutas direcionadas ao seu tratamento. Vale ressaltar que uma abordagem preventiva à dor também é essencial, mas, para isso, os profissionais precisam ter conhecimento de métodos para o seu manejo na UTIN. A dor é capaz de afetar diversos sistemas do organismo, em especial o neuroendócrino e o cardiovascular. Como consequência, observam-se alterações hormonais envolvendo a hipófise, adrenal e o pâncreas, gerando distúrbios no metabolismo das proteínas e dos carboidratos. Tem sido também documentado o aumento nas concentrações de catecolaminas, hormônio do crescimento, glucagon, cortisol, aldosterona e outros corticosteróides, bem como a supressão da secreção de insulina. Já no sistema cardiovascular, observam-se arritmias, hipertensão arterial e taquicardia(1).

Com relação à identificação e avaliação da dor do recém-nascido nas situações dolorosas, os profissionais de saúde deste estudo percebem alguns parâmetros fisiológicos e comportamentais que devem ser associados à dor, e servem como instrumento para a avaliação da mesma. Entretanto, não foi mencionado o uso de escalas como ferramentas para avaliar a dor.

Em uma pesquisa realizada com enfermeiras de um Hospital Universitário de VitóriaES, a dor neonatal também teve seu reconhecimento a partir de indicadores comportamen­tais (choro, atividade motora e mímica facial, como olhos espremidos, boca estirada, boca aberta, fronte saliente, o sulco nasolabial aprofundado) e indicadores fisiológicos (frequência cardíaca e saturação de oxigênio)(2). Esse mesmo estudo referiu, ainda, que apenas uma enfermeira conhecia alguma escala de avaliação da dor, neste caso, a Neonatal Infant Pain Scale (NIPS)(2).

Alterações fisiológicas e comportamentais também foram citadas por enfermeiros de seis hospitais públicos de Curitiba e Região Metropolitana (PR) que participaram de uma pesquisa entre dezembro de 2014 e julho de 2015. Além disso, esses enfermeiros concordaram que o uso de escalas para avaliação da dor neonatal era importante para a prática profissional, apesar de somente 20% destes referirem que utilizam alguma escala para essa finalidade na sua prática(10).

A implementação do uso da escala como rotina, entretanto, não garante que os profissionais serão capazes de avaliar de forma adequada a dor, uma vez que faz-se necessária a confiança desses profissionais na escala escolhida, bem como sua concordância de que o instrumento é uma ferramenta precisa de avaliação da dor(2).

A avaliação criteriosa da dor é uma das responsabilidades dos profis­sionais de enfermagem que prestam assistência aos recém-nascidos internados em UTIN. Esse controle e prevenção da dor são necessários não somente pela questão ética, mas, principalmente, pelas consequências que repetidas exposições dolorosas podem ter no desenvolvimento in­fantil a médio e longo prazo(2).

Diante dos depoimentos, a percepção apresentada pelos profissionais sobre as situações dolorosas a que os recém-nascidos estão expostos no ambiente da UTIN demonstra que eles compreendem que trata-se de um local estressante e potencialmente gerador de sofrimento.

Outros autores verificaram que os profissionais que atuam na UTIN de fato percebem que a presença da dor é constante nesse ambiente e citam o cateterismo umbilical, a sondagem gástrica, punção de calcâneo, injeção intramuscular ou subcutânea, punção lombar, dentre outros(11,12,7), como procedimentos dolorosos ou potencialmente dolorosos.

No entanto, quando investigam-se as percepções dos profissionais de saúde, pode-se dizer que nem todos percebem os fenômenos da mesma forma. Em uma pesquisa, a aspiração traqueal e o exame de fundo de olho não foram citados pelos profissionais de saúde enquanto procedimentos em que é necessário o uso de analgésicos ou medidas não farmacológicas(12). Já uma outra pesquisa(11) demonstrou que a percepção da dor pelas enfermeiras em relação a alguns procedimentos, como intubação orotraqueal, punção venosa e cateterismo vesical é superior quando comparada à dos médicos.

Uma vez que os profissionais são capazes de perceber o potencial doloroso de cada procedimento realizado no cotidiano da UTIN, também estão aptos a antecipar-se à dor, realizando métodos farmacológicos ou não farmacológicos específicos de acordo com cada situação. Nesse contexto, no tocante à percepção dos profissionais deste estudo em relação ao manejo não farmacológico da dor, podemos concluir que eles se referiram às medidas não farmacológicas amplamente citadas na literatura com fortes evidências científicas.

O resultado encontrado assemelha-se ao de alguns estudos onde foram citadas o uso de glicose a 25% e sucção não nutritiva(3,10,12). Além disso, similar a outros estudos, o posicionamento, a contenção facilitada e o colo materno também apareceram como medidas não farmacológicas para alívio da dor neonatal nessa pesquisa(3,10,12).

Em uma investigação realizada no Ceará com técnicos de enfermagem de uma Unidade Neonatal, observou-se que os profissionais realizam algumas medidas de alívio da dor, como sucção não nutritiva, posicionamento, agrupamento de cuidados, dentre outras, entretanto, apesar disso, não existem protocolos ou padronização dessas medidas para o manejo da dor(13).

Nota-se que os profissionais deste estudo citaram a amamentação e a posição canguru como medidas de alívio da dor em consonância com o que diz a literatura(14). Essas medidas não aparecem citadas em outros estudos(3,12), o que reforça mais uma vez a premissa de que a compreensão do fenômeno que envolve a gestão da dor é individual.

A amamentação se apresenta como intervenção para diminuição da dor de recém-nascidos submetidos a punção de calcâneo e venosa. Esse efeito é potencializado pela combinação do contato pele a pele, sucção e estímulos multissensoriais presentes nesse ato(15). Já a colocação do bebê na posição canguru reduz sinais fisiológicos e comportamentais de dor, sendo indicado que se inicie antes, se mantenha durante e após o procedimento doloroso(15).

Essas intervenções, apesar de parecerem muito simples em alguns momentos, esbarram na necessidade de mudanças comportamentais da equipe como um todo e talvez, por esse motivo, sejam tão difíceis de serem implementadas na prática clínica.

Com relação às barreiras identificadas para o manejo da dor na UTIN, em alguns momentos, a falta de um conhecimento condizente com o recomendado pela literatura foi identificada.

De fato, parece não haver uma valorização da temática do manejo da dor neonatal, o que se reflete nas pesquisas(16,3,5) que apontam uma lacuna do conhecimento da equipe em relação a alguns aspectos.

Até mesmo naquelas que apresentam grande parte de resultados positivos sobre o conhecimento dos profissionais em relação à avaliação e ao manejo da dor, ainda encontramos alguns profissionais que discordam sobre a capacidade dos neonatos de sentir dor e dos efeitos adversos da dor a longo prazo. Embora sejam uma minoria, o fato de estarem presentes é perturbador(6).

Uma pesquisa que objetivou conhecer as ações da equipe de enfermagem referentes à avaliação da dor em neonatos e crianças durante o processo de hospitalização em unidades de terapia intensiva reforçou achados desse estudo, apontando como barreira para tratar a dor em pediatria o déficit de conhecimento dos profissionais de enfermagem(17).

Além disso, a dor muitas vezes é desvalorizada e preterida diante dos inúmeros acontecimentos de uma UTIN e os profissionais tendem a dar mais importância a tecnologias de grande porte e às patologias de uma forma geral, suprimindo, conscientemente ou não, o real valor da dor.

Um fator que também apareceu na percepção dos profissionais como desfavorável para gestão da dor neonatal foi a falha na comunicação entre enfermeiros, médicos e pacientes.

De fato, uma comunicação inadequada entre os membros da equipe de saúde é apontada como uma barreira no processo de trabalho, dificultando a implementação de evidências na prática. A dificuldade de compartilhamento de informações entre gestores e funcionários da assistência e até mesmo entre a equipe de um mesmo plantão se reflete na falta de colaboração interprofissional, com consequente prejuízo à assistência(18).

Enfermeiros de cinco hospitais do estado de Connecticut (Estados Unidos da América) elencaram, como umas das três principais estratégias percebidas para melhorar a gestão da dor, o fato de se ter uma comunicação mais aberta e contínua dentro da equipe de saúde(6).

Essa interlocução prejudicada no âmbito hospitalar, há muito tempo constitui-se como um problema na relação entre os profissionais, influenciando negativamente no cuidado. Os profissionais inseridos na equipe multidisciplinar muitas vezes atuam separadamente, cada um dentro de sua especificidade, quando deveriam se complementar, assistindo o recém-nascido de forma integral.

Um incremento para melhorar a gestão da dor seria o uso de protocolos de avaliação e tratamento da dor (10). Desta forma, a falta de um protocolo sistematizado na unidade estudada nesta pesquisa constitui-se em uma importante barreira para o manejo da dor.

Todavia, essa ainda é realidade de algumas instituições(19) e a existência de um protocolo não garante a sua efetiva implementação na prática, com mudanças de atitude.

Tal situação pode ser ilustrada por meio dos resultados de pesquisas que referem que apesar da existência de protocolos institucionais, os profissionais muitas vezes não tem sequer conhecimento dessa ferramenta. Além disso, mesmo conhecendo os protocolos, alguns profissionais não o utilizam como diretriz nas suas atividades assistenciais (6,7,10).

Intervenções educativas constituem estratégias dentro da Política de Educação Permanente para serem empregadas no sentido de transcender a simples aquisição de habilidades intelectuais e psicomotoras e se apresentam como uma alternativa para o desenvolvimento de potencialidades individuais e coletivas, com impacto positivo no aprimoramento dos processos de trabalho(8).

Estudo realizado no Recife, após a organização de um grupo operativo com profissionais de uma UTIN, voltado para melhorias na avaliação e manejo da dor, demonstrou que os profissionais envolvidos nessa intervenção educativa perceberam mudanças no manejo da dor na unidade e as relacionaram às estratégias definidas e implementadas pelo grupo operativo(16).

Uma investigação realizada em um hospital de ensino na Índia, para avaliar uma intervenção educativa voltada para a avaliação de dor pediátrica por enfermeiros, contou com a participação de enfermeiros que trabalhavam na unidade de terapia intensiva neonatal, enfermaria pediátrica, unidade de terapia intensiva pediátrica e setor de cardiologia pediátrica. Os resultados evidenciaram melhorias significativas entre os resultados totais pré e pós-teste e sugere que esses efeitos podem melhorar ainda mais a longo prazo, quando associados a mudanças curriculares na formação dos profissionais e à sensibilização da equipe(20).

CONCLUSÃO

Diante do exposto, as percepções dos profissionais de saúde sugerem que existe um conhecimento por parte desses profissionais em relação aos indicadores fisiológicos e comportamentais indicativos de dor neonatal e à identificação de situações dolorosas a que estão expostos os recém-nascidos.

Além disso, os profissionais foram capazes de perceber inúmeras medidas não farmacológicas de manejo da dor, como a sucção não nutritiva e o uso de glicose a 25%. Inferiram, inclusive, medidas que são pouco identificadas em outros estudos, como o contato pele a pele do método canguru e o uso da amamentação no alívio da dor. Embora essa percepção fique evidente, o conhecimento por vezes é desatualizado e raso, revelando uma necessidade de inserção da temática da dor neonatal na política de educação permanente da instituição.

Essa falta de conhecimento, associada à falha de comunicação entre a equipe e à falta de protocolos, foi percebida como barreira para a aplicação do conhecimento na prática em relação à gestão da dor.

Esse estudo traz contribuições para a área de saúde do recém-nascido e para a pesquisa científica na enfermagem, uma vez que a identificação das percepções dos profissionais de saúde em relação à dor neonatal funciona como alicerce para um plano de ação de gestores que, diante desse panorama, podem propor algumas estratégias para o incremento da qualidade no manejo da dor neonatal.

Embora o presente estudo tivesse como objetivo conhecer as percepções dos profissionais de saúde, a metodologia utilizada para a coleta de dados foi uma intervenção educativa e, desta forma, foi possível, durante a realização do estudo, contribuir para a construção de um conhecimento coletivo da equipe, implicando em uma prática mais segura e humanizada.

Diante disto, acentua-se a necessidade constante de sensibilização e capacitação profissionais com relação à identificação, avaliação e manejo da dor, pautados em evidências científicas, e reforça-se que a capacitação deve acontecer no cotidiano da unidade, a partir de uma metodologia problematizadora e com envolvimento de todos os profissionais da equipe multidisciplinar.


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