Objetivo: compreender a vivência de adolescentes homossexuais frente às relações com seus familiares. Método: pesquisa fundamentada na fenomenologia social de Alfred Schütz. Utilizou-se a entrevista com questões abertas para obter depoimentos de 12 adolescentes homossexuais. Os dados foram organizados e analisados em categorias temáticas, de acordo com o referencial teórico-metodológico. Resultado: emergiram dos depoimentos as categorias: “Descoberta da homossexualidade pelos familiares”; “Relação familiar conflituosa” e, “Ser respeitado e manter os laços com a família”. Discussão: os conflitos vivenciados pelos adolescentes homossexuais no ambiente familiar interferem no modo como expressam a homossexualidade nos espaços sociais. Embora vivenciem rejeição, preconceitos, coerção da liberdade, entre outros, estes adolescentes esperam ser respeitados em sua orientação sexual, mantendo as relações com seus familiares. Conclusão: os resultados deste estudo propiciam reflexões voltadas à inclusão de adolescentes homossexuais nos cenários sociais, considerando o respeito à diversidade afetivo-sexual.
Descritores: Adolescência; Homossexualidade; Relação Familiar; Pesquisa Qualitativa; Relações Interpessoais; Enfermagem.
A vivência da homossexualidade na adolescência pode ser uma questão complexa tanto para os adolescentes como para sua família. Tal expressão da sexualidade humana, apesar da maior abertura para discussão do tema na sociedade, ainda se configura como desencadeadora de conflitos no âmbito das relações familiares e meio social(1).
A ideia hegemônica no meio social defende que a orientação da sexualidade deva ser a heterossexual, marginalizando as demais manifestações da sexualidade humana. Essa marginalização pode ser problemática na adolescência, fase da vida caracterizada por mudanças, incertezas e indefinição identitária(2).
Estudo mostra que os adolescentes homossexuais vivenciam conflitos familiares quando deixam evidente sua orientação sexual(3). Ao tomar consciência da homossexualidade, o jovem depara-se com o medo da descoberta desta orientação sexual por seus familiares e sociedade. Assim, em alguns casos, adota a negação como modo de se autoproteger.
Por outro lado, quando há conhecimento da homossexualidade pelos familiares, os jovens podem experimentar formas concretas de coerção por parte dos membros da família para os adaptarem à norma sexual hegemônica. As violências físicas e psicológicas aparecem como modalidades constantemente adotadas para este fim. Por sua vez, os jovens passam por situações de sofrimento psíquico, incertezas e medo(2).
Salienta-se que a família constitui uma base importante de apoio para a construção da identidade e para a saúde mental de seus membros, desde que as questões familiares sejam dialogadas e os familiares estabeleçam relações harmônicas e de ajuda entre si. Contudo, isso nem sempre ocorre quando a família se depara com a homossexualidade de um de seus membros(4), o que aponta a importância de aprofundar a discussão sobre as questões imbricadas na relação dos adolescentes homossexuais com seus familiares.
O fato de a estigmatização da orientação homossexual criar marcas profundamente negativas na vida das pessoas(5), sobretudo quando se trata de adolescentes que não encontram o apoio de suas famílias, motivou a realização deste estudo. Com base no exposto, as seguintes questões nortearam esta pesquisa: como é para o adolescente vivenciar sua homossexualidade no contexto das relações familiares? O que o adolescente com orientação homossexual espera do convívio com seus familiares? Objetivou-se compreender a vivência de adolescentes homossexuais frente às relações com seus familiares.
Considera-se que a discussão sobre os sentidos atribuídos à experiência do adolescente com orientação homossexual frente às relações familiares poderá subsidiar a reflexão sobre essa realidade multifacetada sob a perspectiva de quem a vivencia – o adolescente homossexual.
Pesquisa de abordagem fenomenológica fundamentada nos pressupostos teórico-metodológicos da fenomenologia social de Alfred Schütz: mundo social, intersubjetividade, acervo de conhecimentos e ação social – motivos porque e motivos para da ação social(6).
O mundo social é considerado como o tempo e o espaço onde os seres humanos compartilham processos conscientes significativos de si e dos outros. A intersubjetividade pressupõe a relação de uns com os outros no mundo social, em que ocorrem influências mútuas. O acervo de conhecimentos constitui-se na bagagem de experiências prévias e de informações transmitidas culturalmente por pais, mestres e pessoas do convívio direto no mundo social. A ação humana é dotada de intencionalidade e está relacionada a um projeto no qual o homem encontra significado, ou seja, as ações são comportamentos motivados. Os “motivos porque” se prendem ao passado sedimentado na consciência do ser humano, estando atrelados à bagagem de conhecimentos adquiridos e experienciados. Os “motivos para” referem-se à intencionalidade que desencadeia a ação e estão fundamentados no acervo de conhecimentos(6).
O cenário da pesquisa foi uma cidade do Estado do Amapá, sendo os participantes adolescentes que se identificaram como homossexuais.
Utilizou-se como critérios de inclusão estar na adolescência, com idade entre 18 e 19 anos e residir com familiares. Pressupõe-se que ao final da adolescência os participantes estejam mais seguros de sua orientação sexual, além de poder responder legalmente por sua participação no estudo.
Para recrutar os participantes, utilizou-se a técnica de snowball sampling (bola de neve)(7). Contatou-se inicialmente um adolescente que fazia parte do convívio com a pesquisadora principal (doutoranda), a partir da participação em projetos de extensão universitária. Após a entrevista, este adolescente indicou outros e assim sucessivamente, obtendo-se o total de 12 participantes. Todos os depoimentos foram utilizados, não havendo perdas amostrais.
Ao serem convidados para participar da pesquisa, os adolescentes receberam informações sobre a proposta do estudo, seus objetivos, questões éticas envolvidas e a importância da sua participação.
A entrevista com questões abertas foi utilizada para acessar o contexto vivido pelos adolescentes homossexuais frente às relações com seus familiares. Antes de iniciar a entrevista, foi solicitada aos adolescentes a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
O encontro com os adolescentes homossexuais ocorreu em diversos locais, incluindo as dependências de uma universidade pública, em sala reservada. Este foi permeado pela empatia, que os deixou à vontade para responder às seguintes questões norteadoras da entrevista: considerando sua orientação homossexual, conte-me sobre sua vivência com seus familiares. O que você espera do convívio com seus familiares? Para caracterizar os participantes, no roteiro da entrevista, foram incluídas perguntas que buscaram informações pessoais e sociodemográficas dos mesmos.
Os adolescentes foram entrevistados no período de setembro a outubro de 2015. Os depoimentos foram gravados em gravador de voz MP4, sendo de 40 minutos o tempo médio das entrevistas.
O número de participantes não foi previamente definido, e foi encerrada a obtenção dos depoimentos quando se observou que o conteúdo era suficiente para permitir o aprofundamento, abrangência e diversidade do processo de compreensão do objeto estudado, conforme estabelecido para a pesquisa qualitativa(8).
A fim de garantir o anonimato, os adolescentes foram identificados pela letra “A” (Adolescente), seguida pelo número correspondente à ordem em que as entrevistas foram realizadas (A1 a A12).
A organização e a análise dos resultados foram realizadas conforme preconizado por estudos da Fenomenologia Social de Alfred Schütz(9):
leituras atentas e criteriosas da íntegra do material transcrito com o objetivo de agrupar o conteúdo significativo dos depoimentos. Esta leitura teve como objetivo identificar a convergência de sentidos para construção das categorias que emergiram da vivência dos adolescentes homossexuais nas relações com seus familiares. O conjunto de categorias foi discutido com base no referencial teórico-metodológico e temático.
Considerando que os adolescentes homossexuais estão incluídos em um grupo social considerado vulnerável, explicitou-se aos mesmos a preservação de seus direitos de liberdade, privacidade e confidencialidade para participação ou não no estudo, assim como a escolha do ambiente para realização da entrevista. O projeto foi aprovado sob Parecer nº 1.197.641/2015. CAAE: 45984815.7.0000.0003.
Participaram do estudo 12 adolescentes homossexuais, com idade de 18 anos (quatro participantes) e 19 anos (oito). Quanto à religião, um referiu ser pagão, outro disse não acreditar em Deus e os demais se declararam católicos. Todos eram estudantes universitários, com renda familiar média de seis salários mínimos e conviviam com seus familiares
As categorias “Descoberta da homossexualidade pelos familiares” e “Relação familiar conflituosa” expressam os motivos porque da vivência dos adolescentes homossexuais frente às relações com seus familiares. Os projetos de vida dos adolescentes quanto a vivência da homossexualidade no contexto familiar (motivos para) estão descritos na categoria “ser respeitado e manter laços com a família”.
Categoria 1– Descoberta da homossexualidade pelos familiares
A descoberta da homossexualidade do adolescente levou muitos familiares a reagiram negativamente frente a esta situação: deixaram de falar com o mesmo e, segundo o adolescente, exteriorizaram seus preconceitos de cunho cultural e religioso. Em alguns casos, a descoberta veio acompanhada de sentimentos de decepção, gerada pela perda da expectativa do filho seguir a heteronormatividade social que prevê a constituição da família tradicional:
Minha mãe disse que já sabia e que já tinha percebido. A primeira reação dela foi chorar muito. Disse que era para eu procurar uma igreja. [...] depois ficou falando: tu não vais me dar nenhum neto? A1.
[...] foi muito difícil para mim e meus pais. [...] minha família é muito religiosa, mas eu já não aguentava mais esconder meus sentimentos. Minha mãe disse que eu iria matar o meu papai de tanto desgosto se eu continuasse gay. Meu padrinho, o padre, chegou para me dar conselhos e disse que, se não mudasse, iria destruir minha família. Eu tinha que mudar, senão carregaria essa culpa para sempre. A2.
Apesar da família, inicialmente, surpreender-se com a descoberta da homossexualidade do adolescente, muitos familiares adotaram uma atitude mais compreensiva frente a sua orientação sexual e ressaltaram cuidados importantes para a sua saúde e vida pessoal:
[...] minha mãe [...] passou uns nove meses sem falar comigo. Voltei a falar com minha mãe, há pouco tempo. [...] temos uma relação muito boa hoje. [...] ela passou a me orientar para me prevenir nas minhas relações [...]. Ela falou para eu ter muito cuidado, e, ainda, para não machucar o coração. A5
[...] minha avó sentou do meu lado, conversou comigo e disse que já sabia que eu não gostava de meninas desde quando eu era criança. Disse que aquele menino que eu levo em casa não é só meu amigo e que, por ela, não tem problema, que eu posso levar qualquer pessoa que seja boa. A6
Categoria 2 - Relação familiar conflituosa
A maioria dos adolescentes convive em uma atmosfera de conflitos gerados pela homofobia internalizada no seio familiar. Esse ambiente é permeado por ameaça, chantagem, ofensa, agressão física e verbal, coerção da liberdade, além de julgamentos morais e religiosos por parte dos pais e familiares.
Quando minha mãe descobriu, chorou muito e eu também chorei, [...] eu amo minha mãe. Ela me disse que me preferia ver grávida a me ver com meninas, que não queria aquilo para mim. Ela contou para meu pai e chegou a me bater [...]. Minha irmã diz que é homofóbica, que não aguenta ver duas pessoas do mesmo sexo se relacionando, que isso é errado e contra nossa religião [...] eu fico triste e com medo de ser excluída da família nos momentos de reuniões por ser homossexual. A3 Um dia, minha mãe pegou o celular, descobriu e perguntou: “que história é essa que tu estás namorando uma menina? Se eu sonhar que eu tenho uma filha sapatão vou me jogar na frente de um caminhão”. A7 Eu tinha um celular e minha mãe me tirou. Tirou também a internet, me encaminhou para um psicólogo e me deixou um bom tempo sem sair [...] me trocou de escola. A10
Categoria 3 – Ser respeitado e manter os laços com a família
Ao serem questionados sobre o que esperam do convívio com seus familiares, os adolescentes expressaram o desejo de serem respeitados no seio familiar como homossexuais.
Eu esperava que eles me aceitassem e respeitassem [...] queria que a cabeça deles fosse mais aberta, mas infelizmente não é. A9 Com relação ao meu cunhado que é preconceituoso, conservador, machista espero que, no decorrer do tempo, possamos conversar, bater no ombro um do outro e cumprimentar. Em relação ao meu pai, eu imagino que tudo pode melhorar porque pior não pode ficar. Minhas irmãs, eu não posso nem falar porque está tudo bem e com minha mãe espero que melhore cada vez mais. A12
Apesar das dificuldades relacionadas à aceitação de sua orientação sexual, os adolescentes reconhecem a importância das relações familiares. Por isso têm como expectativa manter estes laços, morar perto ou com a família.
[...] quero manter contato com meus familiares sempre, pois eu os amo, [...] talvez não sairei de casa. Hoje minha mãe é minha amiga. Conto muita coisa para ela. Espero que nossa relação melhore cada vez mais. A2
[...] espero manter a relação com a minha família, mesmo com todo sofrimento. Não quero me afastar, principalmente da minha mãe. A4 Pretendo conviver com minha mãe, morar ou não com ela, mas sempre estar próximo porque sempre penso que ela abriu mão da vida pessoal dela por nós, filhos. Eu nunca quero deixá-la. A11
Evidenciou-se, no presente estudo, que os familiares, ao descobrirem a homossexualidade do adolescente, tiveram reações negativas, que culminaram em conflitos no seio familiar. Quando ocorre a manifestação da homossexualidade pelos filhos, não raro, há uma quebra da dinâmica familiar. A descoberta da homossexualidade pelos pais, geralmente, vem acompanhada de dramáticas tensões capazes de romper os laços de solidariedade que a família tende a amarrar. A princípio, a rejeição marca a interação entre o jovem e o grupo doméstico(2).
Para cumprir com as premissas da heteronormatividade predominante na sociedade, as famílias tendem a investir pesadamente para que seus filhos se tornem heterossexuais e façam as correspondências das performances de gênero ao sexo biológico. Lançam mão de estratégias que vão do total silenciamento no que se refere à diversidade sexual, produção de estigmas, chegando a segregação do homossexual. Isso para enaltecer e valorizar experiências e modos de existência que consideram levar à heterossexualidade e, assim, banir o que julgam conduzir à dissidência sexual e/ou de gênero(10).
Os resultados do presente estudo mostraram que a descoberta da homossexualidade pelos pais é bastante turbulenta, sendo perpassada por controle, vigilância, perseguição, invasão de privacidade, proibições, ameaças, chantagens e até agressões. Pesquisa realizada no interior de São Paulo, Brasil, mostrou as difíceis situações vivenciadas por homossexuais masculinos, inclusive no momento de contar para suas famílias sobre sua orientação sexual. Mesmo havendo outras pessoas homossexuais em suas famílias, foram mais frequentes os relatos de rejeição do que os de aceitação e de diálogo aberto sobre a homossexualidade. De um modo geral, esta dificuldade apareceu, sobretudo, no relacionamento com o pai. Quando a família não tinha o conhecimento da orientação sexual, a dificuldade do homossexual ficava em torno de disfarçar seus comportamentos e sentimentos(11).
Estudo conduzido com pais de adolescentes homossexuais do meio-oeste americano mostrou que a revelação da homossexualidade dos filhos foi acompanhada de grande tensão, surpresa e emotividade, além de preocupação com o seu bem-estar em relação ao preconceito social.
Alguns pais descreveram que uma das primeiras reações que experimentaram diante da revelação dos filhos foi o sentimento de quebra da imagem que tinham criado para eles, englobando, entre outros aspectos, o casamento e netos(3).
No espaço familiar, as tensões existentes entre o adolescente homossexual e a figura dos pais e demais membros da família que buscam heterossexualizar o seu comportamento deixam este espaço nem sempre como um ambiente tranquilo para as relações familiares(12).
Se, por um lado, a cultura heteronormativa desencadeia conflitos no ambiente familiar do adolescente homossexual, os valores religiosos também contribuem para a cristalização do comportamento heterossexual como norma social e servem como combustível para acirrar os conflitos entre familiares e adolescentes. As instituições religiosas, especialmente as mais ortodoxas, a partir de seus ritos e crenças, instituem quais comportamentos são admitidos social e moralmente para conduzir a vida dos indivíduos. Por meio de suas enunciações religiosas, reforça-se a heterossexualidade como única forma legítima e natural de relação afetivo-sexual(10,13).
Estudo norte-americano evidenciou que a Igreja Cristã foi identificada como influenciadora de uma comunidade negra, no que diz respeito às normas e valores, incluindo a vivência da sexualidade por seus fiéis. No seio dessa Igreja, a homossexualidade é interpretada a partir de dogmas cristãos e interpretações bíblicas, sendo considerada como pecado e abominação que impede a salvação divina. Desse modo, os jovens enfrentavam conflitos significativos entre a sexualidade e a religião, resultando em vergonha, confusão e medo das consequências religiosas sobre o fato de serem homossexuais(14).
Como exposto, observa-se que a família prima pela coerência entre sexo, gênero, prática sexual e desejo na perspectiva da heterossexualidade, e as instituições religiosas, na maioria das vezes, condenam as práticas sexuais que transgridam esta norma(13). Salienta-se, contudo, que a família pode fornecer apoio frente à sua homossexualidade, proporcionando força para que o jovem se sinta bem consigo mesmo, ainda que passe por situações vulneráveis(15). A religiosidade e a espiritualidade, por sua vez, podem ser usualmente integradas positivamente ao bem-estar psicológico, satisfação em viver, felicidade e otimismo(16), além de atuar como fator protetivo, capaz de promover a saúde física e mental, a resiliência e a qualidade de vida em diferentes contextos sociais(17). Nesse sentido, tanto a instituição familiar como a religiosa, ao acolher esses jovens, podem estar contribuindo para a melhoria de suas vidas.
Apesar da maioria dos familiares reagir de modo negativo à revelação da homossexualidade pelo adolescente, no presente estudo, alguns de seus familiares se mostraram mais tolerantes diante da sexualidade expressa. Estudo norte-americano mostrou que, entre adolescentes negros que verbalizaram a orientação sexual à família, a maioria conseguiu algum grau de aceitação e apoio de membros familiares, especialmente das mães e avós. Os níveis de aceitação variaram entre nunca ou raramente discutir o assunto e aceitar, mas não tolerar o fato de o filho manter relações com pessoas do mesmo sexo. Não foi encontrada a aceitação plena, tolerância e apoio por parte da família(14).
A questão que envolve a aceitação da homossexualidade do filho está relacionada também à diferença de temporalidade entre os processos de aceitação de mães e filhos. Enquanto os filhos vivenciam a sua homossexualidade processualmente, em um movimento de descoberta, as mães geralmente vivem este momento mais pontualmente. Esta diferença é importante para compreender a aceitação das mães, as quais precisam reelaborar sua concepção sobre a sexualidade do filho já que para elas, até então, este era heterossexual(18).
Ressalta-se que a aceitação da homossexualidade do adolescente pela família pode contribuir para aumentar a confiança e reforçar positivamente a identidade sexual dele. Pesquisa realizada no Estado de Goiás, Brasil, evidenciou o suporte familiar para vivência da sexualidade como fator fundamental para o bem-estar de pessoas diante da orientação homossexual. Ressaltou, ainda, que as famílias podem contribuir no combate e na superação do preconceito estabelecido pela sociedade, funcionando como uma instituição de proteção às hostilidades externas contra os homossexuais(15).
As experiências do adolescente homossexual no que diz respeito ao convívio com os familiares e demais pessoas do seu mundo social, como a escola e instituições religiosas, perpassam uma relação de intersubjetividade que nem sempre é positiva e geradora de relações harmoniosas. Na maioria das vezes, essas relações deixam vir à tona as crenças, valores, idealizações heterossexistas que fazem parte da bagagem de conhecimentos dos atores sociais envolvidos.
Nesse sentido, aquilo que o adolescente aprendeu com a família, amigos, instituições escolares e religiosas constitui elemento que compõe sua bagagem de conhecimentos sobre a homossexualidade. O acervo de conhecimentos e sua vivência como homossexual determinam seu modo de agir no mundo social, fornecendo elementos que possibilitam ou não a ele assumir perante a família e sociedade em geral sua orientação sexual. Este acervo de conhecimentos pode ser também um elemento desencadeador de conflitos com ele mesmo e com o outro, ou, dependendo da situação permitir, favorecer com que o adolescente homossexual possa viver de modo positivo sua sexualidade.
Diante da situação biográfica marcada pela homofobia na qual o adolescente está inserido, e de sua bagagem de conhecimentos advinda das influências de pessoas significativas como pais, professores, amigos e líderes religiosos, somadas à sua própria vivência com a homossexualidade, o adolescente participante da presente investigação busca agir em direção à transposição da homofobia e estigma social para alcançar a liberdade de vivenciar sua sexualidade.
No presente estudo, quando interrogados sobre seus projetos de vida, considerando a homossexualidade e sua trajetória frente à homofobia internalizada na família e na sociedade, os adolescentes vislumbram ser respeitados em sua orientação sexual, especialmente pela família. Salienta-se que, no caso da homossexualidade, a família apresenta-se como principal fonte de auxílio e simultaneamente como fonte de sofrimento. Os adolescentes convivem com o medo de decepcionar os pais e de deixar de pertencer ao grupo familiar. Porém, quando a família acolhe, este suporte é visto como primordial para a segurança e bem-estar do jovem homossexual(15).
A família deveria ser uma espécie de rede de solidariedade em que o jovem encontre apoio e receba estímulos para fortalecimento do seu desenvolvimento. No entanto, a família e suas normas preestabelecidas podem se revelar como mecanismos de coerção do indivíduo a se adequar à norma social e/ou familiar(19).
Apesar dos conflitos exteriorizados pelos adolescentes na relação familiar, eles desejam manter os laços afetivos com sua família nuclear. Estudo que analisou o processo de revelação da homossexualidade de jovens no contexto familiar na percepção dos pais, mostrou que esse processo ocorre em quatro fases complementares, indo da resistência e distanciamento à elaboração do significado de ter um filho homossexual e, acolhimento. Nesta última fase, os pais encontram razões para consolidar os laços afetivos, resignificar o conhecimento homofóbico anterior, construir novas ideias e significados em torno da homossexualidade e, acolher o filho(20).
A fase de acolhimento é o momento em que os pais interpretam as experiências vividas no processo de revelação e constroem a concepção das razões para consolidação dos laços afetivos buscando a união da família(20). Se os pais conseguem alcançar esta fase podem proporcionar aos filhos realizar o projeto de manter os laços familiares, ampliando as possibilidades de vivenciar de modo positivo a expressão da sua sexualidade.
No presente estudo, os adolescentes vislumbram o desejo de ter liberdade para expressar sua orientação sexual, o que traria o sentimento de mais pertencimento ao ambiente familiar. Estudo realizado no Sul do Brasil apontou várias condições problemáticas para a vivência da homossexualidade, destacando, entre elas, a rigidez familiar como um dos maiores obstáculos. Na maioria dos casos, há uma incoerência entre o discurso e a aceitação da homossexualidade por parte da família, que afirma ter aceitado, contudo, proíbe quaisquer manifestações homoafetivas no meio familiar. Isso caracteriza um preconceito camuflado na própria família que se apresenta a favor das diferenças e, na prática, acaba reproduzindo inúmeros comportamentos preconceituosos(15).
A fenomenologia social como referencial teórico-filosófico que fundamentou este estudo trouxe a relevância da intersubjetividade inscrita nas relações entre adolescentes homossexuais e seus familiares. Estas relações são marcadas pela influência do contexto social que adota a heteronormatividade como fio condutor das relações afetivo-sexuais, permitindo pouco espaço para manifestações afetivo-sexuais consideradas dissidentes. Tais circunstâncias acabam por marginalizar e impor sofrimento às minorias sexuais, colocando-as em situações de vulnerabilidade ainda na adolescência.
Este estudo traz contribuições relevantes no que diz respeito a demarcar as relações conflituosas de adolescentes homossexuais com seus familiares que podem trazer reflexos negativos no desenvolvimento destes. Por outro lado, evidencia-se como uma limitação o fato de ter sido realizado com um grupo de adolescentes provenientes de famílias que fazem parte de uma comunidade do Estado do Amapá, região norte do Brasil. Isso porque seus resultados podem divergir de investigações realizadas em outras regiões que apresentem contexto sociocultural diverso, o que impede a generalização dos seus achados.
As relações de adolescentes homossexuais e seus familiares são marcadas por conflitos que interferem no modo como os primeiros expressam a homossexualidade no ambiente familiar e outros espaços sociais. Embora vivenciem rejeição, preconceitos, coerção da liberdade, entre outros, estes adolescentes esperam ser respeitados em relação a sua orientação sexual e desejam a manutenção dos laços familiares.
Espera-se que os resultados deste estudo propiciem reflexões voltadas à inclusão de adolescentes homossexuais nos diferentes cenários sociais, sobretudo no âmbito familiar, considerando o respeito à diversidade afetivo-sexual.
Salienta-se, no que concerne às políticas de saúde voltadas para os adolescentes, a necessidade de inclusão de ações direcionadas à promoção da saúde mental de adolescentes homossexuais e seus familiares.
A possibilidade de novos estudos que busquem valorizar a subjetividade dos adolescentes e seus familiares frente à homofobia e estigmas sexuais também poderia ser considerada, pois pode contribuir para a melhor compreensão acerca de suas demandas e expectativas e, assim, fornecer subsídios para ações profissionais com vistas a minimizar o sofrimento psíquico resultante da identificação com esta orientação sexual considerada dissidente.
Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a matéria em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf