HIV/AIDS and nursing in thesis and dissertations - 1980 to 2005
HIV/AIDS e enfermagem nas teses e dissertações - 1980 a 2005
Sonia Acioli*, Ariádina Heringer*, Denize Cristina de Oliveira*, Antônio Marcos Tosoli Gomes*, Gláucia Alexandre Formozo*, Tadeu Lessa da Costa*, Alain Giami**
*UERJ, RJ, Brazil; ** Université Paris-Sud 11, France
Abstract: This is a bibliographical research, aiming to identify and analyze the dissertations about the Acquired Immunodeficiency Syndrome (AIDS) and nursing presented in brazilian graduate programs, from 1980 to 2005. Methodology: 128 studies were selected in on-line and digital data bases, using the descriptors “HIV or AIDS and nursing”. The data analysis was quantitative and through thematic content analysis, according to: year of presentation; graduate programs; area of knowledge; theoretical referential; type of study; field of study; subjects; and thematics. The analysis gives evidence that the majority of the studies were about HIV positive patients in hospital settings, using qualitative approaches. It is concluded that there is a need for more reflections on the methodological approaches and the thematics related at the HIV/AIDS.
Keywords: Public Health Nursing; Nursing Research; Acquired Immunodeficiency Syndrome
Resumo: Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, objetivando identificar e analisar dissertações e teses apresentadas em programas de pós-graduação brasileiros, abordando o HIV/AIDS e enfermagem, no período de 1980 a 2005. Foram identificadas 128 pesquisas em bases de dados on-line e digital (CD-ROM) utilizando como descritores “AIDS or HIV and enfermagem”. Na apuração dos dados realizou-se análise quantitativa e de conteúdo temática de acordo com: ano de apresentação; área de conhecimento e o programa de pós-graduação; base teórica; tipo de estudo; campo de estudo; sujeitos; e temática. Os resultados apontam a maioria dos estudos sendo desenvolvidos com portadores de HIV/AIDS em hospitais com a utilização da abordagem qualitativa. Conclui-se ser necessário um aprofundamento das abordagens metodológicas e das temáticas relacionadas ao HIV/AIDS.
Palavras-chave: Enfermagem em Saúde Pública; Pesquisa em Enfermagem; Síndrome da Imunodeficiência Adquirida; Enfermagem; Cuidado de Enfermagem
1-Introdução
Este trabalho propõe uma analise das teses e dissertações desenvolvidas nos programas de Pós-Graduação no Brasil, no período de 1980 a 2005, relacionadas à infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) e/ou à Síndrome da Imunodeficiência adquirida (AIDS) e enfermagem.
O interesse por este assunto surgiu a partir do ingresso no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da participação na pesquisa “A Enfermagem no Contexto da AIDS: Contemporaneidade e mudanças Sócio-profissionais”, que tem como proposta geral identificar e analisar as representações e a memória social da epidemia do HIV/AIDS no Rio de Janeiro e em Santa Catarina e sua influência na prática profissional do enfermeiro.
Nesta pesquisa, realizada em parceria com o Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e o Institut National de la Santé et de la Recherche Médicale (INSERM) da França, iniciamos um trabalho de busca bibliográfica, em banco de dados de teses e dissertações sobre a temática, o que resultou em subsídios para desenvolvimento deste artigo.
Atualmente a AIDS é uma pandemia que atinge diferentes grupos sociais. No mundo, estima-se que 40,3 milhões de pessoas estejam vivendo com o vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), enquanto no Brasil 372 mil casos foram registrados até o ano de 2004(1).
No país, os primeiros casos da AIDS foram identificados no ano de 1982 na Cidade do Rio de Janeiro e de São Paulo, sendo que, em princípio, a doença parecia restrita ao sexo masculino. No final dos anos 80 a proporção de casos homens/mulheres era de 8/1. Hoje, este número é de 2/1 equiparando em algumas regiões(1).
Com o passar do tempo, vários foram os significados e os estereótipos atribuídos à epidemia e aos portadores da síndrome(2), estando inicialmente associada à homossexualidade e à promiscuidade(4). A partir de 1990, houve um período de mudança no perfil epidemiológico com incidência entre heterossexuais, principalmente mulheres, o que caracteriza a feminização da epidemia(1-2).
A AIDS é tida como um dos mais graves problemas de saúde pública, repercutindo, inclusive, na economia do país. Estima-se que, em 1997, o Brasil gastou cerca de US$ 10,5 mil dólares/ano por cada pessoa com AIDS(3). Além disso, a maior parte dos acometidos é composta por adultos jovem (20 a 35 anos), comprometendo diretamente a parcela da população que se apresenta como economicamente ativa.
Outros trabalhos refletem sobre o impacto da doença e de sua trajetória epidemiológica nas práticas e nas atitudes dos profissionais de saúde, inclusive nas do enfermeiro. Estas pesquisas apontam para o fato de que as representações dos enfermeiros a respeito da AIDS influenciam nas práticas e nas relações interpessoais estabelecidas com os pacientes(2,5).
A história da AIDS continua tão complexa após duas décadas de sua descoberta, que muitos esforços são empreendidos na tentativa de compreendê-la. Atualmente, as ciências da saúde, os sistemas da saúde, os profissionais da saúde e a sociedade em geral vivenciam a incapacidade de vencê-la, enquanto a sociedade convive com formas de isolamento entre os homens. Enquanto doença indica a incapacidade no avanço das estratégias de controle e prevenção, tornando-se um empecilho para a sociedade e alterando o convívio entre as pessoas(5).
Entender a AIDS num contexto mais amplo requer analisar as diversas representações e situações nas quais está inserida. Percebe-se a preocupação de diversos profissionais em produzir trabalhos enfocando aspectos que permeiem esse contexto.
Sendo assim, na tentativa de perceber as tendências e preocupações em relação ao HIV/AIDS, no campo de produção de conhecimento em enfermagem, construímos o seguinte objetivo: identificar e analisar as dissertações e teses apresentadas em todos os programas de pós-graduação brasileiros de mestrado e doutorado, no período de 1980 a 2005, relacionadas à AIDS/HIV e enfermagem, de forma a estudar as relações entre enfermagem/enfermeiros e HIV/AIDS.
Com o desenvolvimento deste trabalho, pretendemos contribuir para a reflexão dos profissionais, principalmente enfermeiros, envolvidos no campo da saúde e da AIDS a respeito do que é produzido cientificamente e a relevância desses estudos para a atualidade.
A análise dos trabalhos realizados nesse campo pode facilitar a compreensão das respostas dos profissionais enfermeiros frente ao HIV/AIDS, e como essa resposta foi construída com o desenvolvimento da epidemia.
2-Abordagem Metodológica
Este estudo, de natureza exploratória e descritiva, foi realizado a partir da análise de resumos de teses e dissertações selecionadas em bases de dados on-line e base de dados disponíveis em meio digital (CD-ROM).
As bases on-line utilizadas foram as da “Universidade Estadual de São Paulo” (USP), “Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior” (CAPES), “Centro de Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde” (LILACS); e “Scientific Eletronic Library Online” (SCIELO), “Biblioteca Regional de Medicina” (BIREME) e “Biblioteca Virtual em Saúde – Enfermagem” (BVS Enfermagem), e em CD-ROM utilizamos a do “Centro de Estudos e Pesquisas em Enfermagem” (CEPEN), organizado pela Associação Brasileira de Enfermagem (ABEN). As buscas foram realizadas nos meses de março e abril de 2006.
Como descritores para seleção dos resumos foram utilizados “AIDS or HIV and Enfermagem” para as bases da USP, CAPES, SCIELO e BIREME. Para o CEPEN e BVS Enfermagem, por se tratar de bases exclusivas de enfermagem, utilizamos como descritores: “AIDS or HIV”, pois gostaríamos de selecionar todas as pesquisas realizadas por enfermeiros voltadas para o HIV/AIDS e não somente as que tinham como objeto de estudos a enfermagem.
Em relação ao recorte temporal, delimitamos os anos compreendidos entre 1980 a 2005. Quanto à área de conhecimento, realizou-se a busca de dissertações e teses voltadas para esta temática em todos os programas de pós-graduação brasileiros no intuito de identificar quais as áreas apresentam interesse em estudar a enfermagem. Dentre as produções encontradas, selecionamos as que obtiveram como campo de estudo esse mesmo país. Dessa forma, foram encontradas 128 pesquisas: 103 correspondentes a dissertações de mestrado e 25 à teses, das quais 121 compreendem trabalhos realizados na área de enfermagem, 05 em saúde coletiva, 01 em ciências da saúde e 01 em educação.
Devido a esse quantitativo, não foi possível analisar as teses e dissertações separadamente, sendo mais interessante agrupá-las e, assim, realizar uma análise geral respeitando as seguintes variáveis: ano de apresentação; programa de pós-graduação; área de conhecimento do programa de pós-graduação; base teórica; tipo de estudo (abordagem metodológica); campo de estudo; sujeitos do estudo; e objeto/ temática.
Para a categoria objeto/temática foi utilizada a análise conteúdo temática de acordo com Bardin(6). Em relação às outras variáveis, foi realizada uma análise quantitativa baseada nas informações contidas nos referidos resumos.
A discussão dos dados foi realizada a partir da apresentação dos resultados em quadros de acordo com as variáveis e contextualizados com autores pertinentes aos assuntos abarcados. No entanto, em alguns momentos, apresentaremos as variáveis por intervalo de tempo (05 anos) para melhor visibilidade da freqüência.
3-Análise e discussão dos resultados
Ao analisar os resumos das dissertações e teses produzidas no Brasil, observamos algumas tendências importantes no campo da pesquisa em enfermagem relacionadas ao HIV/AIDS, ressaltando que o universo encontrado foi de 128 pesquisas, das quais 103 (80,47%) correspondem a dissertações e 25 (19,53%) a teses relacionadas à temática.
Das pesquisas desenvolvidas, a primeira foi uma dissertação de mestrado apresentada a Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1987. O estudo tratava da assistência do enfermeiro ao portador de HIV/AIDS hospitalizado. Seis anos mais tarde, foi apresentada na Faculdade de Enfermagem da USP a primeira tese, a qual tratava de um estudo com enfoque na prevenção da doença entre adolescentes.
Comparando as datas desses estudos aos primeiros casos da doença no Brasil – em 1982(1,3) – e a identificação do vírus em 1983(7), parece ser possível afirmar que os estudos em relação a AIDS e enfermagem, principalmente no que refere às pesquisas de mestrado, aconteceram prontamente ao aparecimento da doença no Brasil. Visto que 1987 compreende a data de apresentação da pesquisa, esta provavelmente iniciou-se, no mínimo, no ano de 1985.
Ao observarmos a freqüência das pesquisas, percebemos uma predominância de dissertações e teses após o ano de 1995 (85,16%), o que pode ser justificado de diferentes formas. Uma das hipóteses seria a dificuldade de se discutir assuntos que tratam de sexualidade/sexo, principalmente no início da década de 80(7). Após os anos 90, há aumento da incidência das infecções pelo HIV, porém com diminuição das taxas de mortalidade devido à descoberta de antiretrovirais(3), o que tornou imprescindível conhecer novos métodos de convivência com a doença e com as pessoas afetadas(5).
A segunda hipótese estaria associada ao aparecimento de casos em homens heterossexuais, mulheres e crianças (heterossexualização e a feminilização da epidemia)(2-3,8), o que provavelmente explica o preconceito (ou a desatenção) que envolvia a discussão do tema quando o alvo da síndrome era basicamente o público homossexual e usuários de drogas injetáveis na região sul do Brasil. Ela deixa de estar restrita aos grupos de risco e trabalha-se então com atitudes/comportamentos de riscos. Mais tarde é incorporado o conceito de vulnerabilidade adotado até então(9).
A vulnerabilidade e o comportamento de risco são verificados por um conjunto de fatores e atitudes que se articulam e determinam se o indivíduo apresenta maior ou menor probabilidade de adoecer. Nesse sentido ressalta-se a diferença do conceito de vulnerabilidade e comportamento de risco.
Por vulnerabilidade, entende-se a possibilidade que um indivíduo tem de adoecer devido a determinantes sociais que não lhe permitem direito de escolha ou poder de decisão. Já comportamento de risco envolve fatores mais simples como o direito e a vontade de se proteger ou não, no caso da AIDS, o indivíduo apresenta todas as condições e conhecimentos para se proteger, porém por outros motivos, não o faz(10). Sendo assim, encontram-se mais susceptíveis à contaminação, pessoas com múltiplos parceiros sexuais sem proteção e usuários de drogas injetáveis, tendo sido caracterizados como comportamentos e práticas de risco(9,10).
Em relação aos programas de pós-graduação, foram identificadas dissertações e teses em 11 programas, no entanto, a maior concentração das pesquisas se encontra na região Sudeste com 97 (75,77%), seguida do Nordeste com 17 (13,28%), do Sul com 12 (9,37%) e Centro-Oeste com 02 (1,86%) pesquisas, o que já poderia ser esperado, visto que a maioria dos programas se concentra na primeira região referida. Além disso, na região sudeste foram identificados os casos iniciais de AIDS e registra, atualmente, a maior prevalência de infecções pelo HIV do país(1).
Quanto às Universidades, a USP/Faculdade de Enfermagem apresenta um maior número de pesquisas, seguida da UFRJ/Escola de Enfermagem Anna Nery, o que tende a ser explicável pelo fato de a USP compreender um número maior de programas de pós-graduação e a UFRJ ser a primeira universidade a possuir programa de pós-graduação na área de enfermagem.
Considerando a área de conhecimento dos programas de pós-graduação, a maior parte das teses e dissertações é referente aos programas de enfermagem (94,53%), seguida por saúde coletiva (3,91%), ficando por último os programas de ciências da saúde e educação (1,56%). Com isto, nota-se que a maior parte das pesquisas sobre a enfermagem relacionada ao HIV/AIDS é desenvolvida em programas de Pós-graduação em Enfermagem, o que pode indicar o pouco interesse das outras áreas de estudar a enfermagem.
Em relação ao tipo de estudo, verificamos que este dado não foi exposto na grande maioria dos resumos (39,05%). Os que informaram, por vezes, não o fizeram por completo, dificultando a apreensão das opções metodológicas efetuadas pelos pesquisadores ao longo do período estudado. Contudo, percebe-se a predominância da abordagem qualitativa (36,72%), fato este observado como tendência em outros estudos na área de pesquisa em enfermagem(12,13,14).
Ao analisarmos a variável base teórica, notamos que 64,06% dos autores não mencionaram nos resumos qual o referencial utilizado nas dissertações e teses. Dos que referiram, foram identificados 19 estudos nos quais os autores relataram utilizar a Teoria das Representações Sociais (14,84%) e 13 estudos (10,15%) no qual mencionaram Teorias de Enfermagem como suporte teórico. Cabe salientar, que é comum observarmos em outros trabalhos de enfermagem a utilização desta última como suporte teórico de estudos(13).
Quanto ao campo de estudo, a maioria das teses e dissertações foi realizada em área hospitalar (24,22%), o que pode estar relacionado a este ter sido o primeiro lócus dos serviços de saúde diretamente atingido pelo surgimento da AIDS, ou pelo fato da gravidade da doença e o grande número de pessoas doentes requererem mais atenção no momento do que a prevenção da mesma. (Quadro 2).
Quadro 2: Campos de estudo utilizados nas dissertações e teses no período de 1980 a 2005. Brasil, 2006.
Os estados mais utilizados como campo exploratório foram São Paulo (25%) e Rio de Janeiro (12,9%), o que pode ser interpretado como um reflexo, mais uma vez, da concentração de programas de pós-graduação na região Sudeste e da trajetória epidemiológica do HIV/AIDS, uma vez que a síndrome sempre se concentrou nestas metrópoles.
No que tange aos sujeitos, a maior parte das pesquisas foi realizada com portadores de HIV/AIDS (42,19%), seguido de estudantes e adolescentes (19,53%), profissionais enfermeiros (17,19%), mulheres não portadoras de HIV/AIDS (4,69%), profissionais de saúde que não enfermeiros (3,91%), e por último, homens não portadores de HIV/AIDS (3,91%), grupo no qual se inseriu o único estudo realizado com travestis e garotos de programa.
O restante dos estudos (8,58%) compreendeu resumos, ora desprovidos da indicação de sujeitos (6,24%), ora não relacionados com nenhuma das categorias descritas anteriormente (0,79%), e, ainda, estudos nos quais não se aplicava a utilização de sujeitos, como em pesquisas bibliográficas (1,55%).
Ao identificar o período de desenvolvimento dos estudos, percebemos, primeiramente, pesquisas realizadas com portadores homens, de um modo geral. Os primeiros trabalhos com mulheres e crianças surgem a partir de 1995, devido à já descrita feminilização da epidemia, com impacto, inclusive, na transmissão vertical do vírus(1-2,15). No entanto, não há nenhum trabalho cujos sujeitos de estudo foram homossexuais portadores. Com usuários de drogas, apenas dois trabalhos foram detectados, sendo um com portador de HIV/AIDS e o outro não, ambos desenvolvidos após 1997. Assim, nota-se, mais uma vez, a dificuldade de incorporação de temas fortemente marcados por normas e valores sociais tradicionais.
A partir de 1995, há, também, um aumento de estudos com adolescentes, o que é justificado pelo aprofundamento da vulnerabilidade presente nessa faixa etária, já que, nessa fase, o indivíduo é acometido por um processo brusco de transformação física associada à psicossocial. O adolescente busca reafirmar sua identidade social de acordo com as tendências grupais e a manifestar, às vezes de forma pouco controlada ou com conhecimentos necessários a uma decisão, a sua sexualidade(9). Alia-se a isto, a constatação de que metade das pessoas infectadas pelo HIV se contaminam entre 15 e 24 anos de idade(16).
Observa-se a associação do desenvolvimento de estudos com adolescentes com o aumento da freqüência de pesquisas relacionadas à prevenção da AIDS. Nessas pesquisas, trata-se a AIDS como uma doença incurável, na qual não apresenta mais fronteiras de raça, sexo, idade e grupo social. Discutem-se então, questões voltadas para práticas e comportamentos de risco(11).
O grupo de enfermeiros foi o terceiro grupo mais investigado. Este fato pode ser justificado como uma tentativa de adaptação e entendimento das novas demandas de trabalho após a AIDS(5). Considerando que o trabalho para o ser humano representa uma forma de reafirmação perante a sociedade(17), torna-se necessário estabelecer uma relação de convivência com o mesmo.
No que diz respeito à variável temática/objeto de estudo notamos predominância de pesquisas relacionadas a: vulnerabilidade de determinados grupos e prevenção do HIV/AIDS (31,26%); representação da AIDS (17,19%); assistência/interação de enfermagem ao paciente portador de HIV/AIDS (16,41%); significado de viver com AIDS (13,28%); estratégias utilizadas pelos enfermeiros para melhoria da qualidade da assistência e vida dos portadores da doença (9,38%) e avaliações dos serviços de saúde e práticas de enfermagem (8,58%).
Os demais (3,90%) tratam de estudos epidemiológicos (2,34%) e estudos nos quais a temática não se enquadra nas categorias formadas (1,56%), que, por suas freqüências pouco significativas, não serão discutidos.
Ao analisarmos a evolução das temáticas, observamos, inicialmente, a predominância de estudos voltados para a “assistência do enfermeiro ao portador de HIV/AIDS”, até o ano de 1995. Após este período, a mesma apresentou um decréscimo significativo.
Nesta temática, até meados da década de 90, percebe-se uma maior preocupação com o enfermeiro que estava cuidando do portador da AIDS, seguida por estudos que passam a voltar-se para com a interação enfermeiro/paciente e a construção de um processo de cuidado. Processo este entendido como uma relação de “con-vivência”(17).
A temática “vulnerabilidade ao HIV/AIDS e prevenção” foi a que apresentou maior freqüência e crescimento nos dias atuais. Teve início na década de 90, com enfoque na prevenção, seguida de trabalhos que buscavam a compreensão de determinados grupos sociais sobre o processo saúde-doença e a identificação de comportamentos de riscos.
Com isto, nota-se uma mudança que acompanha o desenvolvimento da doença. Não se trabalha mais com grupos de riscos. Percebe-se que a prevenção, por si só, não muda o comportamento das pessoas. É preciso entender as formas como as pessoas estabelecem suas atitudes e práticas sexuais para que possamos construir atividades preventivas voltadas à realidade de cada grupo(11). Nessa categoria, a maior parte dos estudos foi dedicada aos adolescentes, pelas razões de vulnerabilidade já explicadas anteriormente, vale dizer, o período de mudanças físicas e psicossociais vivenciado pelo grupo(9). Outra importante parcela dos estudos está voltada à vulnerabilidade da mulher, desencadeados pela mudança do perfil epidemiológico e um maior acometimento das mesmas(1-2,18).
Entretanto, percebe nos estudos a ausência de trabalhos de prevenção voltados para o adulto homem como se a vulnerabilidade fosse determinada apenas pelo grau de desenvolvimento humano e com isso, existisse apenas entre adolescentes, crianças e mulheres grávidas.
Os estudos da categoria “AIDS e sua representação” tiveram início na década de 90 e apresentam a segunda maior freqüência, atualmente. Procurou-se, nesses casos, identificar qual a representação da AIDS para diversos grupos. Muitas pessoas ainda vêem a doença como uma possibilidade apenas para os outros, e por isso não se preocupam com a prevenção. Para os enfermeiros, a doença influencia diretamente em sua prática e, algumas vezes, ainda representa dor, doença incurável e morte(2,18).
Os estudos relacionados à categoria “significado de viver com AIDS” surgiram na década de 90, atingindo seu ápice em 1995 e diminuindo a sua freqüência no ano 2000. Tais trabalhos procuraram identificar as formas de enfrentamento das pessoas em relação a sua doença, suas crenças e medos.
Em momentos de adoecimento na vida diária é comum às pessoas estabelecerem laços e redes, na maioria das vezes invisíveis para profissionais e serviços de saúde, como forma de apoio social. No entanto, os profissionais de saúde em geral não os identificam como práticas voltadas ao enfrentamento de problemas de saúde(19), não valendo-se, portanto de seu potencial para a promoção da saúde dos grupos populacionais
As dissertações e teses que utilizaram temáticas voltadas à categoria “estratégias utilizadas pelos enfermeiros para melhoria da qualidade da assistência e vida dos portadores” também iniciaram na década de 90 e se mantiveram em crescimento ao longo dos anos. Nesse momento, procurou-se identificar e criar formas de trabalho que atendessem às necessidades humanas dos portadores HIV/AIDS.
Entendemos que tais necessidades devem ultrapassar os fatores físicos, perpassando por diferentes dimensões da vida humana: física ou biológica, social, cultural, política, psicológica, moral ou afetiva(20). Nessa categoria, encontram-se atividades grupais e utilização de outras metodologias que privilegiam o aumento da qualidade de vida.
A última categoria a ser comentada, devido a sua menor freqüência, é a “Avaliação dos serviços de Saúde e das práticas de enfermagem”. Os trabalhos relativos a esta categoria tiveram início na década de 90, permanecendo até os dias atuais, porém sempre em número reduzido. Isto se deve, possivelmente, ao fato de que, no cotidiano dos serviços de saúde, percebe-se a pouca valorização e emprego de avaliações nas práticas de saúde. Quando realizada, é na maioria das vezes mal empregada. Com isto, transforma-se o instrumento avaliador em punitivo e autoritário(21).
4-Conclusão
Após a realização deste estudo, percebemos algumas tendências no campo da pesquisa em enfermagem e no trabalho com HIV/AIDS que necessitam de reflexões. Neste sentido, um dos grandes desafios do enfermeiro consiste na valorização de sua prática profissional e do seu potencial científico. Há debates sobre a necessidade de construção de um campo de conhecimento/pesquisa na área da enfermagem(12-14).
No entanto, ao analisarmos os resumos, notamos pouca apropriação ou explicitação de metodologias e referenciais teóricos de pesquisa, sendo constatado, em muitos casos, a ausência de partes essenciais do trabalho no resumo, tais como: objeto, objetivos, referencial teórico e metodológico, campo de estudos, dentre outros. Cerca de 65% dos autores não construíram resumos que representassem o corpo do seu trabalho.
Ao observarmos os campo de práticas de saúde nos estudos notamos que a maioria dos mesmos apresentam enfoque nas pessoas doentes ou nos profissionais relativos a este campo diretamente, abordando questões pertinentes ao momento epidemiológico da AIDS e aos avanços na qualidade da assistência/cuidado do enfermeiro. No entanto, não percebemos o desenvolvimento de trabalhos que mencionassem diretamente a prática de saúde desenvolvida pelo enfermeiro nesse campo.
Além disso, poucos estudos voltaram-se para trabalhos de prevenção da doença em espaços que extrapolam o convívio das mesmas, como unidades de programas saúde da família, comunidades dentre outros, Os poucos que apresentaram restringiram trabalhos à grupos de adolescentes em escolas e universidades.
Mais uma vez, constata-se a presença do profissional enfermeiro em diferentes espaços e com distintas atuações no campo da AIDS, porém, oficialmente não há estudos que ressaltem essa prática. Em tempos de interdisciplinaridade, isto ameaça a atuação dos enfermeiros, que necessitam organizar-se para viabilizar a construção e a delimitação dos saberes e práticas específicos de sua área, pois do contrário, perderão espaço para profissionais de outros campos.
Para tanto, é preciso utilizar metodologias e estratégias que dêem visibilidade aos trabalhos científicos e práticos da área de enfermagem. É necessário nos apropriarmos de metodologias avaliativas, a fim de construir trabalhos e métodos de registros delimitadores da atuação do enfermeiro.
Assim, pensamos que este estudo contribui para o conhecimento acerca da produção científica desenvolvida sobre a temática em tela, bem como para uma maior reflexão sobre nossas práticas profissionais.
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Endereço para correspondência:
Sonia Acioli. Rua Maestro José Botelho, 171 - apto. 808, Bloco I - Vital Brasil / Niterói CEP: 24.230.410. Rio de Janeiro – Brasil TEL.: 021-2542-9385. E-mail: soacioli@uerj.br
Received:
Oct 15th , 2006
Revised: Oct 22nd
Accept: Nov 10th , 2006