Objetivo: estimar a prevalência do consumo de drogas entre adolescentes escolares e a sua associação com variáveis sociodemográficas e sexuais. Método: estudo transversal realizado por meio de entrevista estruturada com 239 estudantes do ensino fundamental de uma escola pública da rede estadual da Bahia, Brasil. Os dados foram processados pelo programa Stata, versão 12, e analisados segundo a estatística descritiva e inferencial. Resultado: a prevalência de adolescentes que haviam consumido drogas no último mês foi de 25,92%. Houve associação estatística entre a variável consumo de drogas e religião (RP = 1,88 e IC95%= 1,03 – 3,41), série de estudo (RP = 2,0 e IC95% = 1,03 – 3,85) e trabalho (RP = 3,68 e IC95% = 1,08 – 12,54). Conclusão: identificou-se elevada prevalência de consumo de drogas entre adolescentes escolares e sua associação com a baixa escolaridade, a falta de prática religiosa e a precocidade no trabalho e na relação sexual.
Descritores: Usuários de Drogas; Adolescente; Promoção da Saúde.
O consumo de drogas sempre fez parte do cotidiano dos seres humanos. Entretanto, a partir do século XX, foi reconhecido como problema de saúde pública, em razão dos efeitos da progressão no consumo/dependência, do poliuso e da intensidade de suas consequências(1).
Trata-se de um fenômeno complexo que não pode ser explicado apenas pelos efeitos fisiológicos, visto que é o conjunto de motivações e as consequências do uso que transformam uma substância psicoativa qualquer em droga(2).
Apesar de o primeiro contato com as drogas poder ocorrer em qualquer fase da vida, estudos nacionais(3) e internacionais(4) indicam o início do consumo principalmente na adolescência, fase de transição entre a infância e a exposição à fase adulta. É justamente nesse período que ocorrem mudanças hormonais, psicológicas e sociais, que impulsionam o indivíduo a começar a impor sua personalidade e seus padrões de identificação(5).
A perda da identidade infantil e do referencial da infância levam o adolescente a se identificar por meio de pares, quando começa a compartilhar convicções e condutas grupais, a exemplo do uso de drogas. A prevalência do consumo de drogas nessa população varia de 11,4% a 91,9%, dependendo da região e do tipo de substância investigada, conforme aponta os últimos levantamentos sobre consumo de drogas realizados com adolescentes no Brasil(3).
Vale ressaltar que essa conduta pode gerar implicações para o jovem consumidor, como, por exemplo, a baixa escolaridade e o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos(6).
A tendência da reprodução de padrões de comportamento e as implicações do consumo de drogas por adolescentes requerem estratégias específicas de prevenção em saúde para esse grupo populacional. Ademais, a heterogeneidade das condições sociodemográficas e de saúde repercutem de diferentes formas no processo de saúde-doença. Diante de tais considerações, elaborou-se a hipótese de que há uma relação de risco entre o consumo de drogas e os aspectos sociodemográficos e sexuais. Nesse contexto, delineou-se a seguinte questão pesquisa: existe associação entre o consumo de drogas e as variáveis sociodemográficas e sexuais em adolescentes?
A escola é o principal local de reprodução de padrões de comportamento e de inserção grupal nesta fase da vida, tratando-se, portanto, de um espaço privilegiado para a identificação precoce de situações problemáticas na adolescência e estratégico para a promoção e prevenção em saúde desse grupo. Partindo-se desse pressuposto, definiu-se o seguinte objetivo: estimar a prevalência do consumo de drogas entre adolescentes escolares e a sua associação com as variáveis sociodemográficas e sexuais.
Estudo transversal vinculado ao projeto “Universidade e escola pública: buscando estratégias para enfrentar os fatores que interferem no processo ensino/aprendizagem”, sob financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb).
Foi desenvolvido em uma escola pública da rede estadual de ensino localizada em um bairro da periferia da cidade de Salvador, Bahia, Brasil. A referida instituição educacional oferece vagas para alunos do ensino fundamental do sexto ao nono anos, nos turnos matutino, vespertino e noturno. Atualmente, é campo de prática para graduandas(os) de enfermagem pelo projeto de extensão: “Atividade curricular em comunidade e sociedade – Abordagem interdisciplinar e transdisciplinar dos problemas de saúde relacionados à violência”, proporcionando, desse modo, a aproximação com o local de estudo e a interação das atividades de pesquisa e extensão.
Para a coleta de dados, foi calculado um plano amostral estratificado proporcionalmente ao número de alunos por turma do ensino fundamental (276 alunos), o que resultou em uma amostra mínima de 210 alunos, com erro amostral máximo de 2,35%. Em cada turma, o mínimo de estudantes sugerido pelo plano amostral foi incluído no estudo. Adotou-se como critérios de inclusão pertencer à faixa etária entre 10 e 19 anos de idade e ser aluno regularmente matriculado na instituição de ensino. Não participaram da pesquisa os alunos que, por duas vezes consecutivas, faltaram às aulas nos dias correspondentes à coleta, resultando em uma amostra composta por 239 alunos.
A coleta de dados foi realizada no período de outubro de 2014 a janeiro de 2015 mediante a aplicação de um formulário estruturado em blocos, que incluem: variáveis sociodemográficas e sexuais e consumo de drogas no último mês. A aplicação e o preenchimento do formulário se deu por integrantes da equipe de pesquisa, alunas da graduação e da pós-graduação da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia. Toda a equipe de pesquisa foi treinada e recebeu um manual com instruções para a condução da coleta.
Visando atender ao objetivo proposto, estabeleceu-se, como variável dependente, o consumo de drogas com as categorias “Sim” e “Não”, e, como variáveis independentes, os dados sociodemográficos (sexo, raça, faixa etária, religião, série de estudo, convívio familiar e trabalho) e sexuais (relação sexual, idade da primeira relação sexual e uso de preservativo).
Quanto à variável dependente, adotou-se a premissa de que o consumo de drogas lícitas e ilícitas é juridicamente proibido para adolescentes em todo o território brasileiro. Nessa perspectiva, apesar de haver autorrelato de consumo de substâncias como álcool, inalantes, maconha, cocaína e crack, pelos estudantes investigados, não foi feita distinção entre os tipos de substâncias na sistematização e na análise dos dados.
Os dados foram processados pelo programa Stata, versão 12, e analisados inicialmente por meio de frequências e índices percentuais. Para identificar a associação entre as variáveis, foi utilizado o cálculo de razão de prevalência (RP) e os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC 95%).
O projeto foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, parecer n.º 384208. Foi assegurado, em sua execução, o sigilo, o anonimato, a privacidade e a liberdade de participar ou não da pesquisa, conforme orientações da resolução n.º 466/12, do Conselho Nacional de Saúde. Os termos de Assentimento e Consentimento Livre e Esclarecido foram assinados pelos adolescentes e por seus representantes legais, respectivamente.
Quanto às características sociodemográficas dos participantes (Tabela 1), houve predominância entre os adolescentes com idades entre 10 e 14 anos (59,8%), do sexo masculino (54,0%), autodeclarados pertencentes à raça negra (76,6%) e que frequentavam as turmas de sexto e sétimo anos do ensino fundamental (64,9%). A maioria dos estudantes não exercia atividade remunerada (95,4%), não convivia com ambos os pais (55,2%) e não praticava qualquer religião (53,1%).
A prevalência do consumo de drogas, no ultimo mês, entre os 239 estudantes foi de 25,92%. A análise bivariada (Tabela 1) indicou associação estatisticamente significante entre as variáveis consumo de drogas, religião (RP = 1,88 e IC95%= 1,03 – 3,41), série de estudo (RP = 2,0 e IC95% = 1,03 – 3,85) e trabalho (RP = 3,68 e IC95% = 1,08 – 12,54). Também foi identificada associação positiva entre o consumo de drogas e o sexo masculino (RP = 1,14 e IC95% = 0,63 – 2,04), a raça negra (RP = 1,20 e IC95% = 0,59 – 2,43) e a faixa etária entre 15 e 19 anos (RP = 1,10 e IC95% = 0,61 – 1,98).
Tabela 1. Razão de prevalência do consumo de drogas por adolescentes escolares segundo variáveis sociodemográficas, Salvador, Bahia, 2016.
Fonte: dados da pesquisa
Quanto às variáveis sexuais (Tabela 2), mais da metade (63,6%) dos adolescentes não haviam tido nenhuma experiência sexual. Entre os adolescentes que já haviam tido a primeira relação sexual (82,8%), a maioria referiu que esta ocorreu entre 10 e 14 anos e sem o uso de preservativo (50,6%).
Tabela 2. Razão de prevalência do consumo de drogas por adolescentes escolares segundo variáveis sexuais, Salvador, Bahia, 2016.
Fonte: dados da pesquisa
Referente à análise bivariada das variáveis sexuais (Tabela 2), foi identificada associação positiva, com significância estatística entre o consumo de drogas e a primeira relação sexual. Outra variável que revelou associação com o consumo de drogas foi a não utilização regular de preservativo.
A prevalência do consumo de drogas (25,92%) entre adolescentes baianos identificada neste estudo assemelha-se à encontrada em pesquisas realizadas com adolescentes nas Regiões Norte (24,0%)(7) e Sudeste (23,6%) do Brasil(8). Em âmbito internacional, uma pesquisa realizada com 26.503 adolescentes mexicanos, estudantes dos ensinos básico e secundário, apontou uma prevalência de consumo semelhante, que variou entre 21,5% e 24,4%(9). Outro estudo realizado no Brasil alerta ainda para o crescente consumo de substâncias psicoativas entre adolescentes escolares(5). Essa tendência de crescimento no consumo de drogas na adolescência também foi observada em pesquisa realizada nos Estados Unidos, que avaliou o consumo por escolares entre os anos de 2011 e 2015(4).
O estudo identificou maior vulnerabilidade em adolescentes na faixa etária entre 15 e 19 anos, e considerável frequência de uso entre adolescentes com idades entre 10 e 14 anos. Os índices de iniciação precoce do consumo por escolares foram constatados por outras pesquisas sobre drogas no Brasil(5,6). A iniciação precoce do uso drogas pode acarretar transtornos psiquiátricos, infecções sexualmente transmissíveis (IST), problemas hepáticos e cardiovasculares, bem como potencializar conflitos familiares, atitudes violentas, abandono ou dificuldades no contexto escolar, entre outros fatores(8,10). Para além dos efeitos maléficos à saúde, vale destacar que trata-se de um grupo cujo consumo em âmbito nacional é ilegal, chamando a atenção para a ineficácia do combate e da repressão às drogas no país.
Com relação ao sexo, no presente estudo, houve maior proporção de meninos que consumiram algum tipo de droga. Outros estudos realizados no Brasil chamam a atenção para a atual predominância masculina no consumo da maioria das substâncias psicoativas, podendo estar relacionada a fatores culturais, pautados em questões de gênero, que naturalizam socialmente o uso de drogas por homens, ao passo que descrimina o consumo por mulheres(6,7). No entanto, também foi significativo o número de meninas que relataram o consumo. O último relatório mundial sobre o uso de drogas destaca a tendência de aumento do número de mulheres consumidoras e alerta para o fato de que estas são mais propensas aos efeitos da embriaguez, ao desenvolvimento de dependência e à situações de violência, além de terem menos acesso aos serviços de tratamento(11).
Outro elemento de vulnerabilidade quanto ao uso de drogas refere-se à associação positiva entre raça negra e consumo de drogas. Um estudo recente demonstra maior prevalência de consumo entre estudantes de escola pública pertencentes à raça negra e de baixa renda, confirmando a teoria de complexidade do fenômeno das drogas, que ultrapassa questões de saúde, estando atrelado a contextos de vulnerabilidade individual e social(3). É importante destacar que a predominância de adolescentes negros é condizente com o perfil da população da cidade e do bairro onde foi realizado o estudo(12).
Quanto à escolaridade, os dados mostraram maior vulnerabilidade para o consumo de drogas entre os adolescentes que cursavam as séries iniciais do ensino fundamental. Isso direciona para as repercussões do consumo no rendimento escolar, conforme também apontado em outros estudos, nacionais(6) e internacionais(13).
Apesar da faixa etária e da baixa escolaridade para o trabalho, houve registro de adolescentes que exerciam atividades remuneradas. Entre os estudantes que trabalhavam, a maioria relatou uso de drogas. Embora o trabalho de pessoas em faixa etária precoce promova certa autonomia e permissibilidade ao uso de drogas, essa inserção ocorre de maneira precária, dando continuidade ao ciclo de pobreza(8).
O estudo mostra ainda que a maioria dos adolescentes que conviviam com ambos os pais relatou consumo de drogas, dado que diverge de outra pesquisa, que identificou a estruturação familiar como fator de proteção para o consumo(14).
Um fator de proteção para o consumo identificado neste estudo foi a prática religiosa. Um estudo realizado com 6.264 adolescentes do ensino médio da rede pública no estado de Pernambuco, Brasil, sinalizou que a prática religiosa é um fator de proteção para o consumo de drogas, pois inibe comportamentos de risco à saúde e interação com pares desviantes, além de promover atitudes conservadoras(15). Esses dados ressaltam a importância do incentivo e do respeito à abordagem religiosa, em sua pluralidade cultural, no ambiente escolar e no atendimento em saúde como estratégia de prevenção do consumo de drogas na adolescência.
Para além dos aspectos sociais, o estudo indica associação entre consumo de drogas e relação sexual. Uma pesquisa, com o objetivo de avaliar o consumo de substâncias psicoativas e o padrão de comportamento sexual em alunos do ensino médio, realizada no Rio Grande do Sul, Brasil, discute ainda o efeito modulador do consumo de substâncias psicoativas sobre as práticas sexuais, com evidente prejuízo na adoção de comportamentos seguros em grande parte da população sexualmente ativa(16).
Destaca-se que os adolescentes que relataram idade da primeira relação sexual entre 15 e 19 anos apresentaram maior proporção de consumo de drogas. A associação entre o uso de substâncias psicoativas, a iniciação sexual precoce e a adoção de comportamentos sexuais de risco foi identificada entre adolescentes de uma escola pública do ensino médio do Mississippi(17). A abordagem de temas relacionados à sexualidade é fundamental para a formação de adolescentes e para a prevenção de agravos em saúde.
O estudo direciona ainda para a relação entre o consumo de drogas e o não uso de preservativo. Uma outra pesquisa, realizada em Feira de Santana, Brasil, identificou associação significante entre uso de drogas e infecção pelo HIV em ambos os sexos(18). A literatura internacional aponta usuários de drogas como população vulnerável a infecções sexualmente transmissíveis e a pontes de infecção para a população geral(19).
Vale destacar que os estudantes que não relataram consumo também tiveram alta prevalência de não uso de preservativos. Pode-se inferir que, apesar do efeito modulador das drogas sobre as práticas sexuais, existe também o risco associado à idade(20). Nesses casos, o indivíduo encontra-se duplamente exposto e vulnerável às IST e à gravidez não planejada. Isso remete à necessidade de atividades educativas com a finalidade de prevenção do consumo de drogas entre adolescentes, bem como à redução dos danos.
O presente estudo identificou elevada prevalência de consumo de drogas entre adolescentes escolares com associação estatística entre baixa escolaridade, falta de prática religiosa e precocidade no trabalho e na relação sexual. As demais variáveis apontam para a maior prevalência de consumo em adolescentes do sexo masculino, pertencentes à raça negra, com idades entre 15 e 19 anos, que não fazem uso de preservativo.
Embora os dados sejam limitados, por se tratar de uma única instituição de ensino, e pela impossibilidade de identificação de causa e efeito, o estudo traz elementos para subsidiar ações futuras de intervenção no sentido de prevenir o consumo de drogas por adolescentes. Os achados poderão nortear a capacitação de profissionais da saúde e da educação para o desenvolvimento de tais ações. Nesse ínterim, ressalta-se o Programa Saúde na Escola (PSE), estratégia que favorece a articulação entre as ações de saúde e a educação, essencial para a prevenção do uso e do abuso de drogas entre os adolescentes escolares.
Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a matéria em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf
Recebido: 04/09/2016 Revisado: 27/11/2016 Aprovado: 27/11/2016