ARTIGOS ORIGINAIS

Habilidades psicomotoras, administrativas e segurança autorreferida de discentes de enfermagem: estudo transversal


Flávia Ximenes Vasconcelos1, Grazielle Roberta Freitas da Silva1, Raylane da Silva Machado1, Odinéa Maria Amorim Batista1, Benevina Maria Vilar Teixeira Nunes1

1Universidade Federal do Piauí

RESUMO

Objetivo: Investigar habilidades psicomotoras e administrativas de discentes de enfermagem de uma instituição de ensino superior do Piauí, por meio de frequência e segurança autorreferida na realização de procedimentos assistenciais hospitalares ao adulto. Método: Estudo descritivo, transversal, desenvolvido com discentes de enfermagem, de abril a maio de 2015, utilizando questionário online. Resultado: Procedimentos de administração de medicamentos e relacionados ao sistema tegumentar foram os mais realizados. Os discentes estavam seguros na realização de poucos procedimentos. Discussão: A frequência de realização dos procedimentos está relacionada às oportunidades oferecidas pela universidade e pelos campos de estágio. A segurança dos discentes está associada à frequência na realização dos procedimentos (p<0,00). As atividades extracurriculares complementam a experiência acadêmica e a aquisição de habilidades. Conclusão: As habilidades psicomotoras e administrativas apresentadas pelos discentes foram insuficientes para garantir que se sintam seguros na realização de procedimentos assistenciais.

Descritores: Estudantes de Enfermagem; Competência Clínica; Destreza Motora.


INTRODUÇÃO

A competência é uma habilidade que o profissional desenvolve para atuar com segurança e enfrentar situações, utilizando recursos cognitivos, valores, saberes, atitudes e raciocínio. A competência de enfermagem pode ter várias definições podendo ser dividida em comportamento, teoria das características e holismo. O comportamento se refere à capacidade de desenvolver habilidades essenciais e é avaliada pela demonstração dessas habilidades(1).

A enfermagem é uma profissão intimamente ligada a procedimentos técnicos e manuais, assim, a aquisição de destreza psicomotora é imprescindível para a provisão do cuidado ao paciente(2). Ao levar em conta a segurança do paciente, o desenvolvimento dessa habilidade psicomotora não pode ser negligenciado durante o processo de ensino-aprendizagem na graduação. A graduação também contribui para desenvolver as habilidades gerenciais e administrativas, propiciando experiência na execução de atividades de gerenciamento de enfermagem(3).

O desenvolvimento de práticas assistenciais pode gerar ansiedade, fator estressante e capaz de produzir angústia no discente. Tal fato deve-se principalmente à inexperiência, à insegurança, ao despreparo na execução das técnicas, ao medo de cometer erros e à avaliação(4). O treinamento prévio aos estágios em campo clínico, realizado em sala de aula e em laboratório, contribui para a construção dessas habilidades e desenvolvimento da segurança do discente, diminuindo a influência dos fatores emocionais no seu empenho(3). A necessidade da prática prévia é considerada obrigatoriedade para os currículos de formação superior, na qual as escolas devem fornecer laboratórios para treinamento de habilidades psicomotoras básicas para a formação do enfermeiro generalista brasileiro.

A falta de habilidade técnica é relatada por muitos recém-formados na área da enfermagem como obstáculo a ser superado ao serem incorporados como profissionais nos serviços de saúde, confirmando que a habilidade psicomotora de recém-formados, necessária para desenvolvimento da competência técnica do profissional enfermeiro, não alcança as exigências do ambiente de trabalho. Os novos profissionais são, então, moldados para adequar-se ao tipo de assistência oferecida(5,6).

Para os estudantes, a autoconfiança na prática do primeiro emprego está associada ao quanto foram capazes de aprender e praticar durante a graduação, o que justifica a realização desse estudo(7). Contudo, há de se enfatizar a importância de alinhar as habilidades de enfermagem aos demais componentes da educação superior de qualidade, para cada vez mais afastar a enfermagem do modelo tecnicista ainda encontrado em muitas instituições de saúde.

Reconhecendo a relevância dos aspectos citados no processo de ensino-aprendizagem em relação às habilidades de enfermagem, este estudo tem como objetivo investigar as habilidades psicomotoras e administrativas dos discentes de enfermagem de uma instituição de ensino superior(IES) do Piauí, de caráter público, na realização de procedimentos de enfermagem em assistência hospitalar ao adulto, identificando a frequência e o nível de segurança autorreferida dos discentes na realização destes.

MÉTODO

Estudo não-experimental, descritivo, de corte transversal, desenvolvido em IES de caráter público, no estado do Piauí, Brasil, de abril a maio de 2015. A população foi composta por todos os discentes regularmente matriculados no curso de Bacharelado em Enfermagem, no primeiro semestre de 2015. Amostragem não-probabilística intencional, com 94 participantes. Foram incluídos discentes matriculados nos campus de Teresina (capital), Picos e Floriano (campus do interior) que cursavam o último ano letivo, ou seja, os estágios supervisionados, chamados de Estágio Curricular I (supervisão direta docente) e Estágio Curricular II (supervisão indireta do docente e direta do enfermeiro de campo) na instituição estudada.

Esses estágios compõem duas disciplinas práticas, com carga horária total de 840 horas ao longo de dois semestres, fundamentados pela Portaria n° 1.721, de 15 de dezembro de 1994, do Ministério da Educação, e propõem a vivência da prática profissional em campo de estágio, a oportunidade de desenvolvimento de habilidades de liderança, manutenção do estudo técnico científico e a participação no gerenciamento da assistência de enfermagem ao paciente(7).

Aplicou-se um questionário online, versão adaptada, intitulado “Diagnóstico de Habilidades para Procedimentos Técnicos e Administrativos de Enfermagem”(8), composto por 190 questões, sendo 188 perguntas fechadas de resposta obrigatória e duas perguntas abertas de resposta facultativa, objetivando avaliar as habilidades psicomotoras e administrativas dos discentes em 92 procedimentos de enfermagem realizados na assistência hospitalar ao adulto.

Os procedimentos foram categorizados de acordo com sua finalidade e natureza e dispostos em 10 grupos:

Sistema tegumentar(13 itens): banho no leito, banho de aspersão com ajuda, higiene dos cabelos, higiene ocular, higiene oral, higiene oral do paciente inconsciente, higiene íntima, higiene dos pés, técnica de curativo, escolha de coberturas para feridas, retirada de pontos, tricotomia, cuidados com estomias.

Sistema cardiorrespiratório(15 itens): oxigenoterapia por cateter nasal, por máscara de Venturi e por macronebulização, instalação de ventilação mecânica, aspiração das vias aéreas por traqueostomia, aspiração em cavidade bucal, aspiração por tubo orotraqueal, troca de sistema de drenagem torácica, extubação de tubo orotraqueal, realização de eletrocardiograma (ECG), manobras de ressuscitação cardiopulmonar (RCP), verificação de pressão venosa central (PVC), montagem do sistema de PVC, monitorização cardíaca, verificação de sinais vitais.

Sistema gastrointestinal(6 itens): avaliação de enfermagem quanto aos tipos de dieta, nutrição enteral e parenteral, sondagem nasogástrica, lavagem gástrica, retirada de sondagem nasogástrica, lavagem intestinal.

Sistema geniturinário(9 itens): sondagem vesical de demora feminina, sondagem vesical de alívio feminina, sondagem vesical de demora masculina, sondagem vesical de alívio masculina, retirada de sondagem vesical feminina, retirada de sondagem vesical masculina, lavagem de pelve renal por nefrostomia, lavagem vesical, cuidados com irrigação vesical.

Sistema musculoesquelético(8 itens): imobilização por enfaixamento, restrição de movimentos, mobilização em bloco, transporte/transferência do leito para a cadeira, transporte transferência do leito para a maca, contenção ao leito, imobilização do paciente gessado, posicionamentos.

Exames(7 itens): coleta de material para exames de sangue, esfregaço em lâminas, gasometria, escarro, fezes, swab(culturas), e verificação de glicemia capilar.

Biossegurança/cuidados com a unidade do paciente(13 itens): precauções padrão, lavagem simples das mãos, lavagem cirúrgica das mãos, colocação de luvas de procedimento, colocação de luvas cirúrgicas, procedimentos de isolamento, paramentação para isolamento, limpeza terminal da unidade do paciente, limpeza concorrente da unidade do paciente, preparo de cama hospitalar fechada, preparo de cama hospitalar sem paciente, preparo de cama hospitalar com paciente, preparo de cama de paciente cirúrgico.

Administração de medicamentos(6 itens): administração de medicamentos nas vias oral, subcutânea, intramuscular, endovenosa e intradérmica, e punção venosa periférica.

Procedimentos administrativos(4 itens): admissão do paciente, passagem de plantão, anotações de enfermagem quanto ao processo de enfermagem, transferência do paciente.

Outros, ou seja, aqueles que não se enquadram nas categorias acima citadas (11 itens): aplicação de frio, aplicação de calor, peso e altura, cuidados pré-operatórios, retirada de drenos, cuidados com derivação ventricular externa (DVE), cuidados com roupas e pertences do paciente, preparo do corpo pós-morte, cuidados com prótese dentária.

Cada procedimento foi questionado sobre sua frequência de realização pelo discente no curso até então. Este tinha três opções de resposta:

nunca realizou, realizou uma ou duas vezes, realizou três ou mais vezes. A segurança na execução dos procedimentos também foi questionada, podendo o discente escolher: inseguro, nem seguro nem inseguro e bastante seguro.

Para cada discente participante foram avaliadas as variáveis: período no qual está matriculado na IES, campus no qual realiza o curso de enfermagem, participação em atividades extracurriculares, todos os procedimentos de enfermagem listados no instrumento e grau de segurança autorreferida em sua realização.

O instrumento foi hospedado na plataforma Google Forms e disponível aos discentes para resposta por cinco semanas. Aos discentes, foram explicados, de forma presencial, pelos pesquisadores e com apoio da coordenação dos cursos nos campus do interior do estado, os objetivos da pesquisa e o Termo de Compromisso Livre e Esclarecido, o qual foi assinado em duas vias pelos participantes. Estes foram contatados via endereços eletrônicos, com disponibilização do link para responder o questionário. Os dados coletados foram então analisados de forma descritiva e apresentados em números absolutos e porcentagens.

Os procedimentos mais e menos realizados foram também analisados dentro das categorias; entretanto, apresentados em resultados relativos à amostra total de participantes e expostos em números e percentagem de realização por procedimento individualmente. Os procedimentos mais realizados foram aqueles realizados por mais de 80% dos discentes, os menos realizados, por sua vez, foram considerados como aqueles com realização inferior a 20% dos discentes.

O nível de segurança na realização dos procedimentos foi analisado por meio da determinação em cada procedimento da alternativa (inseguro, nem seguro nem inseguro ou bastante seguro) com maior número de resposta pelos discentes.

Os dados foram analisados pelo programa Statistical Package for the Social Sciences® versão 18.0. A associação entre a frequência e a segurança na realização dos procedimentos pelos discentes foi feita através de análise bivariada com teste do Qui-quadrado de Pearson. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí parecer n° 1.028.554.

RESULTADOS

Participaram do estudo 94 discentes, dos quais 46 (48,93%) estavam matriculados no campus de Teresina e 48 (51,06%) matriculados nos campus da IES nas cidades de Picos e Floriano;. Do total da amostra, 59,47% estavam matriculados na disciplina de Estágio Curricular I e 40,42% matriculados em Estágio Curricular II.

Frequência de realização dos procedimentos de Enfermagem

No campus de Teresina, a categoria cujos procedimentos tiveram maior frequência de realização pelos discentes foi a de administração de medicamentos (Gráfico 1), todos eles realizados por mais de 50% dos discentes. Em seguida, têm-se, em ordem decrescente, as categorias sistema tegumentar (76,92%), sistema musculoesqueléticos e procedimentos administrativos (75%), sistema gastrointestinal (66,66%), biossegurança e cuidados com a unidade do paciente (61,53%), outros (45,45%), sistema geniturinário (44,44%), sistema cardiorrespiratório (33,33%) e exames (28,57%).

A categoria com maior percentual de realização nos campus do interior foi também a de administração de medicamentos (83,33%). Os valores decaem, então, com procedimentos relacionados ao sistema tegumentar (69,23%), biossegurança e cuidados com a unidade do paciente (53,84%), procedimentos administrativos (50%), sistema musculoesquelético (37,5%), sistema cardiorrespiratório (20%), exames (14,28%), sistema geniturinário (11,11%) e sistema gastrointestinal (0%).

Gráfico 1: Percentagem de procedimentos, por categoria, cuja realização pelos discentes foi superior a 50%. Teresina (PI), Brasil, 2015

Gráfico 1

Fonte: Dados dos autores.

Os procedimentos mais realizados pela amostra total da pesquisa, independentemente das categorias, foram: técnica de curativo (100%), verificação de sinais vitais (100%), verificação de peso e altura (100%), verificação de glicemia (100%), higienização simples das mãos (100%), colocação de luvas de procedimento (100%), administração de medicamentos via endovenosa (100%), colocação de luvas cirúrgicas (98,93%), administração de medicamentos via oral (98,93%), administração de medicamentos via intramuscular (96,80%), anotações de enfermagem quanto ao processo de enfermagem (96,80%), administração de medicamentos via subcutânea (94,68%), posicionamento do paciente (94,68%), punção venosa (92,55%) e banho no leito (89,36%).

Os menos realizados foram: imobilização do paciente gessado (18,08%), coleta de escarro (14,89%), lavagem gástrica (13,82%), aspiração das vias aéreas por tubo orotraqueal (12,76%), cuidados com próteses dentárias (12,76%), lavagem vesical (12,76%), verificação de PVC (11,70%), instalação de ventilação mecânica (10,63%), gasometria (8,51%), cuidado com peças anatômicas amputadas (8,51%), troca de sistema de drenagem torácica (7,44%), coleta de fezes (6,38%), montagem de sistema para pressão venosa central (4,25%), extubação de tubo orotraqueal (4,25%) e lavagem de pelve renal por nefrostomia (2,12%).

Segurança autorreferida na realização dos procedimentos de Enfermagem

Em Teresina, a maioria dos discentes está insegura para a realização de 33 (35,86%) procedimentos, bastante segura para 32 (34,78%) e nem segura nem insegura para 27 (29,34%) (Gráfico 2). Nos campos do interior, a maior parte está insegura para realizar 36 (39,13%) procedimentos, nem segura nem insegura para 34 (36,95%) e segura para apenas 22 (23,91%).

Gráfico 2: Segurança dos discentes na prática dos procedimentos. Teresina (PI), Brasil, 2015

Gráfico 2

Fonte: Dados dos autores.

As tabelas 1 e 2 apresentam os resultados da associação entre a frequência e a segurança de realização dos procedimentos, cujos valores foram extremamente significativos (p<0,01) e demonstram que a segurança na realização dos procedimentos está diretamente ligada à frequência com a qual os discentes os realizaram.

Tabela 1: Associação entre frequência e nível de segurança na realização de procedimentos relacionados aos sistemas, em amostra de discentes de enfermagem. Teresina (PI), Brasil, 2015

Tabela 1

Fonte: Dados dos autores. *Teste do Qui-quadrado de Pearson.

Tabela 2: Associação entre frequência e nível de segurança na realização de procedimentos relacionados a exames, biossegurança, medicamentos, administração e outros, em amostra de discentes de enfermagem. Teresina (PI), Brasil, 2015

Tabela 2

Fonte: Dados dos autores. *Teste do Qui-quadrado de Pearson.

Atividades extracurriculares versus habilidades psicomotoras e administrativas de Enfermagem

Ao serem questionados sobre a influência das atividades extracurriculares no desenvolvimento das habilidades administrativas e psicomotoras de enfermagem, 95,74% dos discentes acreditam que houve grande influência. As atividades extracurriculares desempenhadas encontram-se detalhadas na Tabela 3.

Tabela 3: Participação dos discentes do curso de enfermagem em atividades extracurriculares. Teresina(PI), Brasil, 2015

Tabela 3

Fonte: Dados dos autores.

Habilidades psicomotoras e administrativas adquiridas durante o curso: opinião discente

Dos 46 discentes participantes de Teresina, 18 expressaram sua opinião sobre o assunto. As práticas extracurriculares como determinante principal das habilidades adquiridas foi citada por 22,22% dos discentes; 38,88% mencionaram existir aquisição de conhecimentos teóricos em detrimento da realização de práticas; 16,66% relataram que existem poucas oportunidades para realização de procedimentos durante as práticas; a ausência da prática de cuidados a pacientes críticos foi queixa de 16,66%; e 5,55% encontravam-se satisfeitos com as habilidades adquiridas até então.

Nos campus do interior, 16 dos 48 participantes responderam à pergunta; 5 (31,25%) identificaram como principal dificuldade para aquisição de habilidades a ausência de campos para prática e 2 (12,5%) expressaram satisfação com os conhecimentos teóricos adquiridos, mas não com as habilidades na prática. A prática extracurricular foi reconhecida como importante meio de adquirir as habilidades por apenas 1 (6,25%) discente. A ausência de práticas em nível terciário de atenção à saúde e de oportunidades para desenvolver habilidades administrativas foram mencionadas por 1 (6,25%) participante, cada. Foi ainda exposto o fato de que teoria e prática, quando desenvolvidas por professores diferentes, causa dificuldade na aquisição das habilidades devido à distinção entre as informações repassadas ao aluno (6,25%). Os demais discentes (5; 31,25%) apenas relataram estarem insatisfeitos.

DISCUSSÃO

Frequência de realização dos procedimentos de Enfermagem

A administração de medicamentos foi a categoria com maior realização. Mesmo sendo atividade predominantemente desenvolvida por técnicos de enfermagem nos serviços de saúde do Brasil, a alta frequência em sua realização pode estar associada a fatores como a elevada demanda desta classe de procedimentos nos serviços de saúde hospitalares e a sobrecarga dos técnicos, que facilmente abrem mão do procedimento para discentes.

A administração de medicamentos é um dos procedimentos com maior susceptibilidade ao erro. Estudos norte-americanos apontam que os principais erros cometidos pelos estudantes estão relacionados à dose do medicamento e ocorrem principalmente devido à falta de experiência e de organização. O grande número de erros, porém, sugere que a supervisão direta não é realizada em todos os momentos durante a prática clínica(9).

Procedimentos envolvendo cuidados com o sistema tegumentar aparecem logo após, podendo ser justificado pelo fato de serem rotineiros na assistência hospitalar e, em sua maioria, inerentes a todos os pacientes, pois estão diretamente ligados às necessidades básicas de higiene e conforto. Além disso, grande parte destes – exceto os relacionados a curativos, estomas e retirada de pontos - podem gerar menor apreensão nos discentes por implicarem menor risco de erros e/ou iatrogenias.

A prática de curativos, entretanto, requer grande conhecimento teórico e habilidade técnica devido à variação e particularidade das feridas, sendo necessária sua ampla abordagem durante a formação. Estudo desenvolvido em universidade do Mato Grosso do Sul mostrou que a maioria dos discentes não se julgava capaz de identificar os estágios de uma lesão por pressão, não sabia aplicar bandagem compressiva, não realizava avaliação da pele de todos os pacientes aos quais prestavam assistência e alegou não receber informações suficientes sobre feridas crônicas durante a graduação(10). A alta frequência na realização desse procedimento pode não estar, então, acompanhada da habilidade necessária para desenvolvê-lo.

Os procedimentos relacionados ao sistema cardiorrespiratório apresentaram pequena realização pelos discentes. Por requererem, em geral, maior conhecimento e estarem associados a agravos em pacientes críticos, são normalmente realizados apenas em unidades de terapia intensiva (UTI) ou emergência. O próprio relato de discentes sobre as habilidades aprendidas durante o curso e a ausência de práticas clínicas nesse ambiente pode justificar os resultados desfavoráveis nesta categoria.

Houve distinção entre os campi na frequência de realização dos procedimentos relacionados ao sistema gastrointestinal. Não se identificou o fator determinante dos resultados, exceto, talvez, o fato de que, com exceção do procedimento de sondagem nasogástica, os demais procedimentos podem não ser práticas comuns nos campos clínicos do interior.

Segurança na realização dos procedimentos

Os resultados relacionados à segurança na realização de procedimentos foram negativos se considerarmos sua repercussão na prática assistencial aos pacientes. A maior segurança na prática dos procedimentos pelos discentes de Teresina (Gráfico 2) pode estar diretamente ligada a sua maior frequência de realização em todas as categorias (Gráfico 1), já que o desenvolvimento de competências técnicas está relacionado às oportunidades para a prática de habilidades.

Os resultados demonstram a importância da prática para a aquisição de habilidades e de segurança para a realização da assistência (Tabelas 1 e 2). Somente por meio da prática efetiva do exercício profissional o processo formativo se realiza, independente da estrutura curricular, de conhecimentos anteriormente adquiridos e das exigências formais avaliativas durante o período da graduação. O cotidiano do fazer no campo de práticas gera um processo permanente de produção e reafirmação de conhecimento(11).

Entretanto, não só a repetição na prática é necessária. É indispensável haver acesso a recursos, tempo, energia e motivação, além de um feedback de performance, o que permite corrigir erros e, consequentemente, aumentar a autoconfiança. Esses fatores variáveis também podem ter influenciado os resultados(6).

A segurança ou confiança de uma pessoa em sua habilidade para desenvolver tarefas pode variar de acordo com o nível de dificuldade da tarefa a ser desenvolvida e a percepção da pessoa sobre sua aptidão ou falta desta em relação à tarefa(12).

O laboratório de simulação clínica é um eficiente meio de prover treinamento de habilidades, principalmente psicomotoras, onde o discente pode realizar o mesmo procedimento repetidas vezes para aperfeiçoamento da técnica sem colocar pacientes em risco(13). Contudo, ao se treinarem habilidades psicomotoras, é essencial que, em um segundo momento, os discentes providos de mais segurança e conhecimentos adquiridos em ambiente controlado possam vivenciar a prática supervisionada.

As ações vivenciadas crítica e reflexivamente durante os estágios supervisionados são as principais responsáveis pelo crescimento pessoal e profissional do discente, lhe propiciando maior segurança ao término do curso. Essa experiência leva a construção de uma identidade à sua atuação, levando-o a mostrar-se cada vez mais preparado e competente(14).

O enfermeiro preceptor exerce papel importante nessa vivência, pois representa o elo entre a universidade e o local de trabalho. É necessário, de sua parte, que tenha disposição para orientar e ensinar os alunos, ser tecnicamente capacitado e estar preparado psicologicamente para atender às necessidades dos alunos. Assim, o enfermeiro preceptor tem ligação direta com o desenvolvimento das habilidades pelos discentes, podendo este fator ter influenciado o resultado da pesquisa em questão(14).

Influência das atividades extracurriculares na aquisição de habilidades

A prevalência de opinião (95,74%) sobre a grande influência das atividades extracurriculares no desenvolvimento das habilidades pode ser melhor entendida quando se apresentam os objetivos de tais atividades na formação acadêmica. Os projetos de extensão, do qual participaram a maior parte dos discentes, proporcionam espaço para aquisição de conhecimentos e aprendizagem por meio da associação da teoria com a prática(15).

A monitoria, segunda atividade extracurricular mais desenvolvida, fomenta a iniciação à docência e, consequentemente, o aperfeiçoamento das habilidades técnicas, tornando possível a execução dos procedimentos com maior destreza e segurança(16). Na nossa realidade, a maioria dos monitores exercem suas atividades em laboratório.

Já o estágio extracurricular possui função educativa que busca melhorar a qualidade da prática e desenvolver as competências profissionais aos estudantes, principalmente as que exigem técnica(17). Em estudo desenvolvido em 2017, em São Paulo, com egressos de universidades de enfermagem, a ausência de prática profissional na graduação foi apresentada como uma dificuldade encontrada em relação à formação. A realização de cursos e estágios extracurriculares foi apontada como uma das facilidades para inserção do profissional no mercado de trabalho(18).

A participação em atividades extracurriculares, entretanto, nem sempre está ligada apenas ao desejo de aprender e aperfeiçoar habilidades psicomotoras, administrativas ou quaisquer outras inerentes à profissão. A necessidade do cumprimento das atividades extras exigidas pelas universidades e a possibilidade de receberem remuneração influenciam na tomada de decisão(15).

Opinião dos discentes sobre as práticas durante a graduação

O campus de Teresina oferece ampla variedade de instituições de saúde para a prática clínica. Como capital do Piauí, concentra a maior quantidade de hospitais gerais e especializados do estado e diversos cursos de graduação. Quando inseridos dentro dos hospitais, a quantidade de discentes pode ser superior ao número de oportunidades para realização de determinados procedimentos, principalmente os mais complexos.

As poucas oportunidades para desenvolvimento das habilidades práticas pelos discentes dos campi do interior possuem diferente causa: o reduzido número de hospitais especializados. O aprendizado teórico em detrimento da prática relatado pelos discentes está relacionado à maior carga horária de ensino direcionada às aulas em sala de aula, contrariamente ao que ocorre na Grã-Bretanha, onde é exigido que 50% da carga horária seja direcionada para a prática clínica(19).

Embora a universidade possua matriz curricular com grande carga horária prática, no início do curso é essencial a realização de práticas laboratoriais. Laboratórios de simulação estão em processo de implementação e aperfeiçoamento nos campi e sua incorporação à metodologia de ensino deve, em médio e longo prazo, proporcionar mudanças positivas no perfil dos discentes em relação às suas habilidades técnicas e, consequentemente, no raciocínio critico.

Observou-se reduzido contato dos discentes com a prática de cuidados a pacientes críticos, o que está diretamente ligado à formação generalista em Enfermagem no Brasil. Muitos estudantes entram em contato com as UTI apenas em seu último ano de graduação, oportunidade não disponível a todos.

É inegável, porém, os benefícios que esse contato pode trazer para o desenvolvimento das habilidades de enfermagem. As UTI, por proverem cuidados a pacientes de várias especialidades, propiciam aplicação da teoria na prática de grande quantidade de procedimentos e habilidades e o contato dos discentes com uma ampla equipe multidisciplinar. A incorporação de alunos a esses cenários, todavia, apresenta obstáculos, como a necessidade de adequada preparação dos preceptores para realizar a supervisão; ambiente restrito, reduzindo o número de discentes e docentes em campo; e o fato de que o ambiente pode gerar ansiedade pelo constante risco iminente de morte e a alta especialização requerida(19).

CONCLUSÃO

As habilidades psicomotoras e administrativas dos discentes de enfermagem apresentam-se insuficientes para atender às exigências dos serviços de saúde, corroborando a ideia de que recém-formados podem enfrentar dificuldades de adaptação à execução da prática como enfermeiros, no que concerne à assistência direta e execução de procedimentos técnicos assistenciais.

Ao mesmo tempo, existe o reconhecimento de que apenas habilidades psicomotoras e administrativas não são suficientes para garantir uma prática de enfermagem segura e eficiente. As habilidades aqui abordadas fazem parte de um amplo espectro, no qual diversas outras exercem influência sobre a forma como o profissional desempenha suas atividades. O desenvolvimento das habilidades de enfermagem, em geral, sofre influência de diversos fatores determinados pela instituição de ensino, pelo próprio discente e pelos campos de prática nos quais as atividades assistenciais são desenvolvidas. É necessária a descoberta e a implementação de estratégias para minimizar possíveis efeitos negativos desses fatores.

Assim, os resultados da pesquisa contribuem para a reflexão sobre o ensino de enfermagem em todas as instituições formadoras que têm metodologia de ensino semelhante; instigam os responsáveis pela base do ensino em enfermagem e lhes permitem questionar as ações desenvolvidas atualmente e sua eficácia na formação do perfil profissional de futuros enfermeiros; e incitam a pesquisa de outras habilidades de enfermagem e sobre como elas estão sendo trabalhadas dentro das instituições de ensino.

A escassez de produções literárias diretamente ligadas ao tema proposto foi a principal limitação encontrada, o que dificultou a associação dos resultados com teorias previamente estabelecidas. Existe, ainda, a possibilidade de que a extensão do instrumento de coleta tenha dificultado a realização da pesquisa, pois a grande quantidade de questões a serem respondidas pode haver contribuído para o reduzido número de participantes nos campos do interior.


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Recebido: 24/09/2016 Revisado: 04/08/2018 AproVado: 14/08/2018