ARTIGOS ORGINAIS

Possibilidade de acompanhar o atendimento emergencial na perspectiva da família: estudo descritivo

Jamyle Rúbio Soares1, Andréa Regina Martin1, Ana Patrícia Araújo Torquato Lopes2, Sonia Silva Marcon3, Mayckel da Silva Barreto1

1Fundação Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Mandaguari
2Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
3Universidade Estadual de Maringá

RESUMO

Objetivo: compreender a percepção da família sobre a possibilidade de acompanhar o atendimento emergencial de seu ente querido. Método: estudo descritivo de abordagem qualitativa. Participaram 16 familiares acompanhantes de pessoas que foram atendidas na sala de emergência dos pronto-atendimentos de três municípios do Sul do Brasil. Os dados foram coletados em agosto de 2015, por meio de entrevistas áudio-gravadas, posteriormente transcritas e submetidas à análise de conteúdo na modalidade temática. Resultados: os familiares gostariam de ter acompanhado o atendimento emergencial. Acreditavam que assim apoiariam o paciente e compreenderiam mais facilmente seu quadro clínico. Ainda, o fato de não terem acompanhado o atendimento emergencial revelou a vivência de sentimentos como tristeza, desespero, impotência e sensação de ter abandonado o familiar. Considerações finais: profissionais de saúde de unidades emergenciais necessitam, na medida de suas possibilidades, permitir que as famílias permaneçam próximas de seus entes queridos durante o atendimento.

Descritores: Família; Serviços Médicos de Emergência; Percepção; Enfermagem.


INTRODUÇÃO

No Brasil, rotineiramente, as unidades de emergência recebem um elevado número de pacientes com distintos níveis de gravidade. Inclusive, acolhem aqueles que poderiam ser tratados em serviços menos complexos da rede de atenção à saúde(1). Isso colabora para que tais unidades trabalhem constantemente sobrecarregadas, já que grande parte delas não apresenta infraestrutura, recursos humanos e materiais na proporção necessária para o atendimento à população com qualidade e resolutividade(2-3). Logo, o cotidiano de imprevisibilidade, gravidade dos casos atendidos, grande número de pacientes e limitação de recursos humanos, materiais e estruturais fazem parte da atuação dos profissionais de saúde e certamente influenciam de maneira direta na qualidade da assistência prestada(1). Tais fatores também têm sido descritos como interferentes no convite e na aceitação da presença dos familiares no espaço de cuidado ao paciente gravemente enfermo(4). Cenário que se repete em distintos países da América Latina, como Chile(5) e Colômbia(6).

A família – primeiro grupo social ao qual somos inseridos e principal fonte de cuidados à saúde – ao vivenciar um momento crítico, como a enfermidade aguda e grave ou o acidente em um de seus membros, compartilha o sofrimento, que se manifesta por meio de inúmeros sentimentos negativos, tais como: frustrações, dúvidas, medos e ansiedade. Portanto, há que se considerar que uma situação emergencial é algo inesperado na vida da família e, por isso, muitas das decisões que ela enfrenta não tem precedentes na magnitude e envolvem circunstâncias com as quais não tem qualquer experiência(7).

Durante o atendimento emergencial os familiares frequentemente ficam estressados e confusos com a falta de notícias em tempo oportuno ou com informações que chegam carregadas de termos técnicos, complexos e difíceis de serem entendidos. Nesta conjuntura, quando inquiridas, as famílias dos pacientes em atendimento emergencial classificam a necessidade de informação compartilhada, comunicação em tempo hábil, apoio e proximidade com seus familiares como as principais prioridades(7-8).

Por isso, a presença da família durante o atendimento nas unidades emergenciais tem despertado a atenção e motivado a realização de debates e estudos por pesquisadores e profissionais de saúde em diversas partes do mundo, como por exemplo, Trinidade e Tobago(9), Austrália(10), Arábia Saudita(11) e Coréia do Sul(12). Contudo, a maior parte das pesquisas se limitam a investigar a percepção dos profissionais de saúde sobre o tema(9-12) ou no caso de entrevistar familiares os dados são originários de situações, na maioria das vezes, hipotéticas ou coletados meses após a vivência do fenômeno(2,5). Até onde se sabe, não há estudos que analisem as percepções de familiares após recentemente terem vivenciado uma situação de atendimento emergencial a um ente querido adulto, o que, por sua vez, já foi realizado para familiares de pacientes pediátricos(13).

No Brasil, a presença da família no ambiente emergencial é uma prática recente, ainda minimamente instituída e pouco investigada(13-14). Assim, são necessários estudos que busquem compreender a maneira como os familiares percebem e se posicionam ante à temática. Diante destes apontamentos surge a seguinte questão de pesquisa: como familiares de pacientes atendidos em unidades emergenciais avaliam a possibilidade de estarem presentes na sala de emergência durante o atendimento? Para responder a esta questão se propôs o seguinte objetivo: compreender a percepção da família sobre a possibilidade de acompanhar o atendimento emergencial de seu ente querido.

MÉTODO

Trata-se de estudo descritivo, de abordagem qualitativa, desenvolvido com 16 familiares de pessoas atendidas nas salas de emergência dos pronto-atendimentos públicos de três municípios de pequeno porte do Sul do Brasil. Tais unidades atuavam de forma ininterrupta como porta-aberta e referência para todos os casos de emergências e apresentavam semelhanças em relação à estrutura física, processo de trabalho e demanda de usuários, com média de 150 atendimentos/dia. Os pacientes críticos, em sua maioria, possuíam agravos clínicos e/ou traumáticos, os quais poderiam ser encaminhados às unidades pela defesa civil, ambulância municipal ou pelos próprios familiares. Optou-se por realizar o estudo nestes três serviços com o intuito de obter maior número de participantes, além de maior variabilidade de vivências e opiniões dos familiares acerca do fenômeno investigado. Por fim, destaca-se que as unidades não possuíam políticas institucionais que permitissem a presença da família durante o atendimento emergencial.

Para selecionar os sujeitos da pesquisa foi solicitado que os doze enfermeiros atuantes nessas unidades registrassem o nome do familiar acompanhante, o endereço de residência e um telefone para contato, de todos os pacientes atendidos na sala de emergência durante o mês de julho de 2015 e que tivessem sido classificados como urgência (cor vermelha), de acordo com o protocolo de acolhimento com classificação de risco, proposto pelo Ministério da Saúde e adotado nos serviços. Ademais, apenas eram registrados dados de familiares que inicialmente aceitassem participar da investigação, após explicação dos objetivos do estudo pelo enfermeiro do serviço de saúde.

Semanalmente os pesquisadores se deslocavam até as unidades e tinham acesso às informações registradas. Os contatos com os familiares e a realização das entrevistas ocorreram, em média, 30 dias após o atendimento no serviço de saúde. Isto permitiu um tempo mínimo para a família refletir sobre a vivência do atendimento emergencial prestado a seu ente querido. Os dados foram coletados no mês de agosto de 2015.

Inicialmente os pesquisadores contatavam, via telefone, os potenciais participantes do estudo e mediante verificação do atendimento dos critérios de inclusão propostos – ter 18 anos ou mais e ter acompanhado o familiar gravemente enfermo até a unidade de saúde – e o aceite em participar do estudo, era agendada uma visita domiciliar, em dia e horário oportunos para os familiares. Do total de 25 familiares registrados, os pesquisadores entraram em contato com 20, sendo que dois não atenderam as chamadas e outros dois se recusaram a participar do estudo. Com o intuito de trazer maior variabilidade às informações coletadas, selecionaram-se, nas listas elaboradas pelos enfermeiros, familiares com diferentes graus de parentesco; e pacientes com variados diagnósticos e desfechos clínicos.

O número final de participantes na pesquisa foi determinado pelo critério de saturação dos dados, sendo que a busca por informações ocorreu até o momento em que os discursos se tornaram repetitivos, não trazendo novas contribuições para o entendimento do fenômeno(15), e o objetivo da pesquisa respondido. Isto foi observado durante a 14ª entrevista. Para confirmar a saturação dos dados outros dois familiares foram entrevistados.

As entrevistas tiveram duração média de 45 minutos e foram norteadas pela seguinte questão: você gostaria de ter estado na sala de emergência com seu familiar durante o atendimento que ele recebeu? Qual sua opinião sobre esse assunto? As informações foram gravadas em aparelho digital e, em seguida, transcritas na íntegra, preservando-se a fala na forma natural dos depoentes para permitir maior fidedignidade nas respostas. Posteriormente, houve um processo de edição das falas para que fossem retirados vícios de linguagem e erros gramaticais, a fim de conferir maior fluidez à leitura dos discursos e evitar constrangimentos para o participante, sem, contudo alterar seu sentido e conteúdo(15).

Durante o processo analítico foram seguidas as etapas preestabelecidas pelo referencial metodológico, a saber: pré-análise; exploração do material; e tratamento dos dados. Na primeira fase ocorreu a organização, transcrição e separação do material empírico, seguida de leitura flutuante dos dados para a identificação dos aspectos emergentes e relevantes que permitissem atender o objetivo do estudo. Na segunda etapa foi realizado um processo de classificação e agregação dos dados a partir de leitura minuciosa, com identificação por cores e recorte dos aspectos comuns e específicos, dando origem às categorias prévias. E, por fim, na terceira fase ocorreu o aprofundamento das categorias mediante a articulação dos dados empíricos com o material teórico(15).

Por meio deste processo exaustivo, pautado sobretudo no exercício da reflexividade – em que as ideias preconcebidas pelos pesquisadores acerca da temática foram reconhecidas e deixadas em suspensão –, se imprimiu rigor a análise e categorização dos dados. Emergiram duas categorias temáticas: a) “Eu queria ter estado lá”: compreendendo a posição da família; b) Sofrimento familiar ao permanecer fora da sala de emergência.

O estudo foi desenvolvido em consonância com as diretrizes disciplinadas pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional da Saúde (CNS) e o projeto aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Instituição signatária (CAAE: 43765315.7.0000.0104). Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias e foram identificados pelo grau de parentesco, seguido pelo nome fictício e diagnóstico do familiar atendido na unidade de emergência, como, por exemplo: (mãe do Sergio, intoxicação exógena).

RESULTADOS

Caracterização dos participantes

Fizeram parte do estudo 16 familiares com idade entre 23 e 80 anos (média de 44 anos). A maioria era do sexo feminino (13 casos). O grau de parentesco dos entrevistados com os pacientes foi de primeiro grau consanguíneo – quatro mães, quatro filhos(as) e dois pais – e primeiro grau por afinidade – cinco cônjuges e uma nora. Com relação aos diagnósticos que motivaram a busca dos pacientes pelo serviço emergencial verificou-se que seis foram por problemas cerebrovasculares; três por causas externas; dois por doenças oncológicas; um por processo alérgico, um por intoxicação exógena; um por crise convulsiva, um por desidratação severa e um por agravamento de doença pulmonar obstrutiva crônica. Como desfecho do caso tem-se que seis pacientes evoluíram para o óbito, cinco foram transferidos para outras unidades de saúde e outros cinco receberam alta, das quais apenas duas no mesmo dia de admissão.

“Eu queria ter estado lá”: compreendendo a posição da família

Verificou-se que todos os entrevistados gostariam que houvesse sido aventada a possibilidade de adentrar na sala de emergência durante o atendimento ao seu familiar. Isso porque entendiam como um direito da família presenciar as distintas etapas do cuidado, a fim de acompanharem, constatarem e, inclusive, avaliarem a oferta da assistência.

Eu queria ter entrado na sala de emergência [...] Eu precisava estar dentro da sala, é meu filho eu tenho esse direito (mãe do Jesus, traumatismo crânio encefálico).

Eu sei que eles estão trabalhando lá dentro e fazendo o possível por ele, mas eu só queria ter estado lá, queria que ele soubesse que eu estava lá também e vendo que tudo foi feito (pai do Miguel, traumatismo crânio encefálico).

Os familiares percebiam como positiva sua presença na sala de emergência, principalmente por entenderem que poderiam representar um suporte para o ente querido que se encontrava enfermo e necessitava de apoio naquele momento.

Se eu pudesse, queria dar um suporte para ele, entrar na sala de emergência para ficar segurando a mão dele. Ele precisava de mim (esposa do Antônio, acidente vascular encefálico).

Os familiares entendiam que o suporte ao paciente consistia em atitudes simples, como, por exemplo, segurar a mão de seu ente querido e fazê-lo saber que a família permanecia preocupada com sua segurança e conforto, mesmo dentro da unidade de emergência.

Assim, os familiares não demonstraram, em suas, falas que esperavam ter um papel ativo no processo de prestação da assistência ou nas decisões terapêuticas, especialmente porque reconheciam que os profissionais de saúde estavam executando seu trabalho de maneira adequada. Na verdade, ansiavam somente por estar presente e apoiar, por meio do afeto e carinho, o familiar.

Outro aspecto que impulsionava os entrevistados a quererem estar presentes durante o atendimento emergencial era a falta de informações. Assim, os discursos apontaram para a vivência aflitiva e angustiante da espera por informações. Neste sentido, revelaram as tentativas implementadas com o intuito de solicitar atenção e informações junto aos profissionais de saúde, sendo que em onze casos, tais informações chegaram somente depois de transcorridas horas do atendimento e foram relatadas de forma rápida, superficial e não esclarecedora.

Como eu queria estar dentro da sala para acompanhar de perto o que estava sendo feito [...] só vieram falar comigo depois de duas horas. Isso é horrível, fiquei o tempo todo angustiada esperando por respostas, informações ou algo parecido (filha da Maria, infarto agudo do miocárdio).

É difícil ficar com aquela aflição, aquela angústia, esperando alguém vir te contar o que está acontecendo, é lamentável (pai do Pedro, reação alérgica).

Assim, ficou evidente que um dos fatores preponderantes que direcionavam os familiares a manifestarem o desejo por acompanhar o atendimento emergencial era a necessidade de receber notícias sobre seu ente. Outros entrevistados destacaram também que essas informações deveriam ser ofertadas precocemente, de maneira clara e objetiva.

[...] não entendi nada do que ele falou, além de falar correndo, falou umas palavras difíceis, nem meu marido que estava perto entendeu o que o enfermeiro disse. Se a gente pudesse ter ficado junto, acho que teria sido mais fácil [...] (nora do Estevão, câncer de intestino).

O médico não me disse quase nada, só que ele estava vivo e falou alguma coisa sobre oxigênio, mas eu não entendi. A gente que não conhece essas coisas, fica complicado de entender, só entende vendo, se eu estivesse lá perto iria entender melhor [...] (esposa do Luiz, infarto agudo do miocárdio).

Ao todo, treze entrevistados fizeram referência à necessidade de serem informados precocemente sobre a situação clínica de seu familiar. Quando essas informações tardavam em chegar ou eram repletas de termos técnicos, pouco compreensíveis para seu entendimento, despertava-se a necessidade de estar com o familiar na sala de emergência. Acreditavam que assim seria mais fácil compreender sua situação.

Em síntese, pode-se observar que os familiares gostariam de estar com seus entes queridos na sala de emergência durante o atendimento e percebiam isso como um direito da família. O objetivo de estar com o familiar era poder acompanhar a prestação da assistência, ofertar suporte e apoio e obter maiores e melhores informações, o que facilitaria o entendimento do quadro clínico.

Sofrimento familiar ao permanecer fora da sala de emergência

Diante da impossibilidade de entrar na sala de emergência e sem qualquer contato com seus entes queridos que estavam recebendo atendimento, todos os familiares relataram a vivência de sentimentos negativos, como tristeza, desespero, impotência e a sensação de terem abandonado seu familiar em um momento tão delicado de sua vida.

Eu queria muito ter entrado para ficar ao lado dela. Fiquei muito triste com o fato de não poder estar com ela naquele momento de sofrimento (filha da Julia, acidente vascular encefálico).

Parecia que eu tinha abandonado ele lá, foi assim que eu me senti (filha do José, infarto agudo do miocárdio).

Uma entrevistada revelou que se sentia impotente por não ter conseguido estar com seu filho durante o atendimento, pois sabia que ele necessitava da sua presença. A vivência dessa situação de exclusão dentro do serviço de saúde colaborou para o surgimento, manutenção e potencialização de sentimentos negativos que naturalmente já estavam sendo experimentados e percebidos pela família frente ao medo do desfecho desconhecido e do tratamento em uma unidade de emergência.

Eu sinto que fui fraca porque não pude fazer nada para ajudar meu filho. Como eu posso ficar do lado de fora enquanto ele precisa de mim do lado dele? Isso me desesperava e destruía por dentro (mãe do Sergio, intoxicação exógena).

Os entrevistados destacaram, também, que apesar do possível despertar de uma sensação de sofrimento e dificuldades em permanecer na sala de emergência durante o atendimento, ainda assim, preferiam estar com os familiares. Isto porque percebiam que as vivências dos sentimentos negativos eram maximizadas diante da exclusão da família da sala de emergência.

Aquele dia foi sofrido para todos nós. Mesmo que eu não fosse fazer nada e tivesse que ver todo o atendimento, que deve ser difícil, eu preferia ter ficado lá dentro. Do lado de fora passa um milhão de coisas na sua cabeça, é o medo da morte, insegurança, aperto no peito, tudo de ruim que você pode imaginar (Filha da Manoela, insuficiência cardíaca congestiva).

Os discursos de dez familiares demonstraram a necessidade de estar com o ente querido no momento do atendimento emergencial, mesmo reconhecendo que tal vivência pode constituir uma situação difícil. Aos serem tolhidos de permanecerem com seus familiares, os entrevistados revelaram o surgimento de diferentes sentimentos negativos como, por exemplo, tristeza, insegurança, incertezas e impotência.

DISCUSSÃO

Os resultados do presente estudo permitiram identificar que os entrevistados ansiavam estar presentes na sala de emergência enquanto seu familiar era atendido. Diferentes motivos impulsionaram essa necessidade de “estar com”. Por exemplo, o fato de entender a prática como um direito da família foi um deles. Ainda, por acreditar que a presença poderia dar suporte ao familiar ou melhorar a compreensão do quadro clínico a partir do acompanhamento do cuidado prestado e/ou aquisição de maiores informações, também impulsionaram o familiar a manifestar o desejo por estar presente na sala de emergência.

Atualmente, no Brasil, bem como em diferentes partes do mundo, a possibilidade de a família acompanhar, ou não, o atendimento ainda é uma decisão tomada exclusivamente pelos profissionais de saúde, os quais comumente são contrários e impedem a sua presença. As justificativas para a exclusão dos familiares se centram fundamentalmente no medo deles perderem o controle emocional e isso interferir na assistência prestada e/ou que as famílias sofram com memórias psicologicamente estressantes relacionadas ao atendimento, especialmente quando os desfechos forem desfavoráveis (óbito/sequelas)(14,16).

Contudo, faz-se importante considerar que as famílias, ao vivenciarem o adoecimento agudo e grave em um de seus membros, demonstram a necessidade de estarem presentes(17). Estudo fenomenológico realizado em Hong Kong junto a 18 familiares de pacientes gravemente enfermos, dos quais nenhum acompanhou as intervenções de manutenção da vida, demonstrou que a maioria indicou forte preferência por estar presente se lhe fosse facultada a opção. Segundo os entrevistados, havia uma intensa ligação emocional entre os familiares; eles conheciam as necessidades do paciente; e percebiam como vantajosa a possibilidade de, ao acompanhar o atendimento, verificar possíveis inadequações na assistência(17).

Corroborando com o exposto anteriormente, os achados desta investigação revelam o desejo e a necessidade de o familiar estar próximo ao seu ente querido no momento do atendimento emergencial, dando apoio e consolo e podendo observar que todos os recursos necessários foram empregados pela equipe, garantindo uma assistência de qualidade. Quando esses anseios não são investigados, percebidos e atendidos pelos profissionais de saúde causam maior estresse e sofrimento aos familiares, pois estes querem vivenciar junto com o ente todo o processo de assistência, o que inclui desde o momento em que o paciente é socorrido (atendimento pré-hospitalar), perpassando pelo atendimento na unidade emergencial e ao possível desfecho (óbito/internação/alta). Em síntese, eles gostariam de se sentir parte integrante do cuidado, manifestando apoio.

Estudo realizado em um município brasileiro, com profissionais de saúde que já haviam vivenciado a prestação da assistência a crianças em uma unidade emergencial com a presença da família, evidenciou que entre os motivos para que houvesse o consentimento estava o fato de assim permitir a família observar os esforços da equipe de saúde para salvar a vida da criança. Ademais, revelaram que, além de ser um direito da família, ela fornece importantes informações sobre o histórico clínico do paciente, o que auxilia na prestação da assistência emergencial(14).

Na presente investigação, os familiares também enfatizaram a necessidade de notícias claras e objetivas, o que inclui uma linguagem menos técnica e científica às informações ofertadas pelos profissionais de saúde. É consenso na literatura que oferecer informações ao familiar é de extrema relevância, principalmente para esclarecer o diagnóstico médico que motivou a busca pela unidade de emergência, a maneira como o paciente está sendo assistido pelos profissionais na unidade e sua evolução clínica. Deste modo, promove-se na família maior sensação de segurança diante da qualidade da assistência que seu ente querido está recebendo. Por sua vez, isso tem potencial para facilitar a reestruturação familiar diante da vivência de uma doença aguda e grave(18).

Ademais, vale ressaltar que no momento do atendimento emergencial é comum que as famílias estejam estressadas e confusas com a falta de notícias(7). Sabe-se que tanto o paciente como o familiar quando bem informados facilitam e auxiliam no tratamento da doença(16). Portanto, os profissionais de saúde devem informar sobre a doença, os sinais e sintomas, o diagnóstico, o tratamento e o encaminhamento para outras unidades de saúde. O conhecimento prévio pode facilitar o processo de aceitação da doença, permitindo à família se reorganizar para superar a situação estressora e pensar na reabilitação do ente querido(2).

Para além, deve-se levar em consideração a indicação dos familiares de que ao se possibilitar a presença das famílias nas salas de emergência seria potencializada a chance de elas entenderem mais precoce e facilmente o quadro clínico dos pacientes. Assim, os profissionais de saúde devem entender esse anseio das famílias e oportunizar que as mesmas acompanhem o atendimento. Para tanto, as famílias também devem ser assistidas com cuidado e atenção. Desta forma, pode-se evitar, ou ao menos diminuir, o sentimento de impotência que as famílias revelam sentir diante da vivência de uma situação de emergência(14,16).

Nos resultados do presente estudo, encontrou-se tristeza, impotência e sensação de ter abandonado o familiar como sentimentos experienciados pelos entrevistados ao vivenciarem a espera pela finalização do atendimento de emergência. Desta maneira, mostra-se a importância da inclusão da família na prestação do cuidado agudo ao paciente gravemente enfermo. Isto, somado a outros aspectos, garantem uma assistência mais prestativa, segura, holística e voltada para os anseios do outro, não só para os pacientes como para a sua família, diminuindo o sofrimento. Analogamente, estudo realizado com familiares de pacientes atendidos em uma unidade de emergência no Sul do Brasil identificou que eles apresentavam sentimentos de gratidão com relação aos profissionais de saúde e de cumprimento do seu dever como família por terem tido a possibilidade de verificar a melhora no estado de saúde do ente querido e por terem ajudado no alívio do sofrimento e no cuidado, especialmente emocional, ao familiar(2).

Ao considerar-se a viabilidade real de se inserir as famílias nas salas de emergência, é preciso destacar que cada pessoa reage de forma diferente quando vivencia o atendimento emergencial de um familiar. Alguns podem estar menos preparados para acompanharem seus familiares. Isto se deve ao fato de cada indivíduo possuir sua singularidade e particularidade. Entretanto, aqueles que se sentem dispostos ou instruídos, sobretudo emocionalmente, devem ter a possibilidade de estar com seus familiares, pois as evidências(10,19) sugerem que é benéfico para pacientes e famílias e, para além disso, ética e humanisticamente as famílias não podem ser ignoradas ou excluídas durante o processo terapêutico, independentemente de onde ele esteja sendo desenvolvido.

Mesmo assim, muitos dos profissionais de saúde justificam suas condutas pouco receptivas às famílias pelo fato de considerarem o atendimento emergencial como um tratamento intensivo, invasivo, crítico e unicamente destinado a salvar a vida do paciente(14). Nestes casos, a assistência deve ser rápida, eficaz e com qualidade técnica. Logo, o foco do profissional se centra no paciente, o que é importante e necessário, porém, se esquece da família, a qual também compartilha e necessita de cuidados(14,20).

Desse modo, a promoção da presença da família nos procedimentos de emergência pode ser possível e aceita pelos profissionais de saúde se existir um programa/treinamento de sensibilização da equipe para permitir o acesso dos familiares neste contexto e anuir sobre as benfeitorias assumidas pela família ao cuidado de emergência(8,19). Este treinamento pode ser realizado pelos gestores e profissionais das próprias unidades de saúde a fim de que não sejam criadas demandas formativas onerosas e, sobretudo, que os profissionais se sintam parte integrante do processo de construção de uma identidade institucional que valoriza as famílias.

Limitações do estudo

Faz-se importante destacar que este estudo possui limitações. Uma delas decorre do fato de o registo dos potenciais participantes haver sido realizado pelos enfermeiros das unidades e para esta atividade não foi empregado nenhum modelo sistematizado, além dos critérios de inclusão. Isto pode ter interferido na seleção e registro dos familiares. Contudo, objetivando diminuir tal limitação, antes de iniciar a coleta de dados, os pesquisadores certificavam-se do atendimento dos critérios de inclusão e da história clínica e desfecho dos casos dos pacientes para, somente então, incluir os familiares na pesquisa.

Outra limitação se relaciona ao fato de as entrevistas terem sido realizadas aproximadamente um mês após a vivência do fenômeno, o que implica no viés de esquecimento. Porém, optou-se por permitir às famílias que refletissem sobre a situação que vivenciaram durante o atendimento emergencial e, assim, com mais tempo e maior entendimento, significassem e resignificassem o fenômeno, para só então ele ser investigado. Percebeu-se que, em geral, as respostas elaboradas foram ricas em detalhes, construtivas e encorajadoras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que os familiares querem e sentem necessidade de estar com seu ente querido no decorrer do atendimento na unidade emergencial e que atualmente essa demanda não é atendida. Deste modo, surgem sentimentos de pesar, tais como tristeza, impressão de abandono ao familiar, desespero e impotência, ocasionados, muitas vezes, pela falta de informações em tempo hábil ou em linguagem clara.

Acredita-se que para uma atenção mais humanizada aos familiares de pacientes atendidos em unidade de emergência, os profissionais de saúde e, mais especificamente, os enfermeiros devem considerar a possibilidade de inseri-los no espaço físico de cuidado ao paciente. Contudo, intervenções de enfermagem adequadas só poderão existir se sustentadas por políticas e diretrizes institucionais voltadas para o atendimento das necessidades familiares. Por isso, faz-se premente discutir e implementar o ensino deste tema na formação de enfermeiros e demais profissionais da saúde, bem como manter as discussões, por meio de atividades de educação continuada, nos serviços de saúde. Somente assim, poder-se-á paulatinamente modificar o atual panorama de exclusão familiar dos serviços de emergência.

Diante dos resultados deste estudo, os quais apontam que os familiares apresentaram sentimento de tristeza, insegurança, incerteza e impotência ao permanecerem fora das salas de emergência, sugere-se a realização de estudos de intervenção que insiram os familiares para acompanhar o atendimento emergencial e em seguida procurem compreender o nível de sofrimento destes indivíduos. Isto permitiria ampliar os resultados da presente investigação e melhor compreender o fenômeno da vivência familiar do atendimento emergencial.


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Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a matéria em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf

Recebido: 09/06/2016 Revisado: 06/05/2017 Aprovado: 05/06/2017