Objetivo: Identificar reações de crianças na administração de medicação endovenosa, realizada anterior e posteriormente à técnica do Brinquedo Terapêutico, e analisar a percepção dos acompanhantes em relação à influência da técnica no preparo para administração da medicação endovenosa. Método: Estudo exploratório, qualitativo, realizado por meio de observações de administração medicamentosa endovenosa e das sessões de Brinquedo Terapêutico com crianças, e entrevista semiestruturada com acompanhantes. Os dados foram submetidos à análise temática. Resultados: Crianças com dificuldade em aceitar a medicação endovenosa apresentaram mudanças positivas no comportamento após realização Brinquedo Terapêutico, principalmente aquelas entre 4 e 6 anos. Acompanhantes recomendam a realização dessa prática para melhoria do cuidado e redução do estresse durante a administração. Conclusão: Brinquedo terapêutico é uma relevante intervenção de enfermagem para minimizar as reações da criança durante o uso de medicações endovenosas, sendo importante a capacitação dos enfermeiros e o fomento da técnica para qualificação da assistência.
Descritores: Administração Intravenosa; Criança Hospitalizada; Jogos e Brinquedos; Enfermagem Pediátrica.
A brincadeira na hospitalização minimiza os traumas na criança, influencia positivamente seu restabelecimento físico e emocional, ajuda no enfrentamento de situações atípicas e acelera a recuperação(1,2).
Dentre as brincadeiras na hospitalização, pode-se citar o brincar terapêutico, que é constituído por atividades específicas guiadas por profissionais para promover o bem-estar físico e emocional da criança que vivencia uma situação de vida incomum à sua idade(3). Assim, o brincar tornar-se um instrumento para os profissionais de saúde durante a hospitalização, a fim de prestar assistência substancial às crianças hospitalizadas(4), proporcionando alívio da ansiedade causada por experiências atípicas para sua idade e percebidas como ameaçadoras(5,6).
Uma das experiências ameaçadoras durante a hospitalização infantil é a administração de medicação endovenosa (EV), um dos procedimentos invasivos mais rotineiro e estressante para crianças e seus acompanhantes(7).
A criança submetida a esse tipo de terapia medicamentosa, não raramente, apresenta resistência e também pode manter-se em constante estado de alerta, tentando reconhecer a sua aproximação. Essa situação gera ansiedade, medo e insegurança, fomentando comportamentos desfavorecedores para a realização da administração de medicação EV(6), mesmo acontecendo por dispositivo de acesso previamente conectado ao vaso sanguíneo(8).
Para minimizar o impacto negativo na criança durante a hospitalização, preconiza-se a utilização do Brinquedo Terapêutico (BT) para uma assistência humanizada e atraumática, na perspectiva atual de cuidado de enfermagem pediátrica(1-3). O BT, segundo resolução COFEN 295/2004(9), é de competência do enfermeiro pediátrico na assistência à criança hospitalizada e família. Contudo, a técnica é pouco empregada nos hospitais(6) e as principais dificuldades apontadas são a falta de tempo para brincar, o despreparo em relação ao emprego da técnica e a falta de recursos materiais(1).
O BT é desenvolvido através de uma brincadeira estruturada, não diretiva, que permite à criança expressar suas percepções acerca de situações difíceis e ameaçadoras(3). Essa técnica pode ser classificada nas categorias dramático ou catártico, que permite aliviar a tensão emocional relacionada a evento; instrucional, que prepara para o procedimento; e capacitador de necessidades fisiológicas(6). O selecionado para este estudo foi o instrucional.
Embora estudos(1-2,5,7-8,10,14,19) comprovem os benefícios do BT no preparo da criança para a realização de punção venosa e outros procedimentos invasivos, pouco se sabe sobre os efeitos da técnica no preparo de crianças para administração de medicação EV, o que demonstra a necessidade de aprofundar o conhecimento sobre a temática.
Nesse contexto, questionou-se: Quais as reações da criança na administração de medicação EV antes e depois da sessão do BT? Qual a percepção do acompanhante em relação à aplicação da técnica do BT no preparo da criança hospitalizada para medicação EV? Portanto, os objetivos deste estudo foram: identificar as reações de crianças na administração de medicação endovenosa, realizada anterior e posteriormente à aplicação da técnica do BT instrucional, e analisar a percepção dos acompanhantes em relação à influência da técnica no preparo para administração da medicação endovenosa.
Estudo exploratório, com abordagem qualitativa, realizado na Clínica Pediátrica de um hospital federal da Paraíba, no período de novembro/2014 a janeiro/2015. Participaram da pesquisa nove crianças hospitalizadas e seus acompanhantes, que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: criança de ambos os sexos, entre 4 e 8 anos, com acesso venoso periférico para administração de medicação EV, acompanhada por seu principal cuidador, que presenciou ao menos duas administrações de medicações EV durante a hospitalização atual. Excluíram-se as crianças com deficiência motora e/ou cognitiva; e acompanhantes com problemas de comunicação e/ou cognitivos.
A obtenção dos dados foi realizada em quatro etapas. Na primeira, utilizou-se um roteiro para observação das reações e do comportamento da criança durante o recebimento de medicação EV antes da sessão de BT, que considerou os seguintes aspectos: I - reação ao saber do procedimento; II - profissional de enfermagem explicou o procedimento para a criança e como se deu essa explicação; III - reação durante a realização do procedimento.
A segunda etapa, que consistiu na aplicação do BT instrucional, ocorreu em uma sessão (de 20 a 35 minutos) realizada após a administração da medicação na presença do acompanhante. No início da sessão, a criança escolhia um nome para um(a) boneco(a) e elaborava-se uma narrativa com sua participação, na qual o personagem adoeceria e necessitaria de hospitalização. Ela era incentivada a atribuir sintomas ao personagem e questionada sobre o que deveria ser feito para sua recuperação. Materiais foram disponibilizados para as crianças utilizarem durante a sessão do BT e simularem procedimentos por via endovenosa. Elas optaram sempre por realizar a punção venosa e, posteriormente, a administrar os medicamentos por via endovenosa, uma vez que os bonecos não possuíam o dispositivo conectado.
Nesta etapa, o roteiro de observação da criança contemplou os seguintes aspectos: I - interagiu; II - atribuiu ao brinquedo comportamento semelhante ao apresentado por ela no momento do recebimento da medicação; III - apresentou alguma dificuldade ou resistência durante a sessão.
A terceira etapa consistiu na observação das reações da criança no recebimento da próxima medicação EV após a sessão do BT (intervalo de 2 a 12 horas), a qual foi direcionada pelos seguintes aspectos: I - reação ao saber da realização do procedimento; II – profissional de enfermagem explicou o procedimento para a criança; III - reações durante a realização do procedimento.
Na última etapa, os acompanhantes das crianças participantes das etapas anteriores responderam a uma entrevista semiestruturada, gravada em mídia digital e norteada pelas seguintes questões: I - comparando a administração da medicação EV realizada antes e depois da sessão de BT, você percebeu alguma mudança no comportamento da criança? II - Qual a sua opinião sobre a influência do BT no preparo da criança para a realização de medicação endovenosa? A saturação dos dados foi o critério de encerramento da coleta(11).
As crianças foram observadas individualmente e, após a conclusão de todas as etapas com uma criança, iniciava-se a observação de outra criança. Todas as observações foram registradas em diário de campo e as entrevistas semiestruturadas foram conduzidas pela mesma pesquisadora com experiência técnica em BT. O foco do estudo foi observar as reações e o comportamento da criança independente da medicação administrada em bólus e/ou por meio de bomba de infusão.
Salienta-se que não ocorreram intercorrências clínicas durante a administração das medicações e nenhuma das crianças necessitou realizar nova punção venosa durante a coleta de dados.
A interpretação dos dados seguiu os passos da análise temática constituída das seguintes etapas: transcrição das entrevistas gravadas e organização dos dados do diário de campo com as observações realizadas junto às crianças; leitura exaustiva e repetida dos textos buscando uma relação interrogativa com os objetivos do estudo, a fim de apreender os núcleos de sentido; reagrupamento dos temas mais relevantes; e construção das categorias temáticas(11).
A pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospital em estudo (parecer nº 1.039.807 e CAAE 30925814.5.0000.5183) respeitou a Resolução n° 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS)(12). Os acompanhantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e as crianças o Termo de Assentimento Informado, após autorização do acompanhante responsável. O profissional de enfermagem responsável pela administração da medicação EV também assinou o TCLE.
Para manter o anonimato dos participantes do estudo, os dados obtidos nas observações foram identificados por meio da letra "C" acompanhada do numeral de 1 a 9 para identificar a criança, correspondente a sequência de realização das entrevistas; seguido da letra "O" referente à observação (O1, O2 ou O3); e da idade da criança (Cn, On, idade da criança). Os dados das entrevistas foram identificados pela letra “E”, correspondente à palavra “entrevistado”, seguida da mesma sequência numeral utilizada na identificação da criança, e da respectiva idade de sua criança.
Das nove crianças participantes (Figura 1), cinco eram acometidas por doenças crônicas; quatro na faixa etária dos 4 aos 6 anos e cinco entre 7 e 8 anos. Nenhuma das crianças participou anteriormente de sessões de BT, segundo seus acompanhantes.
Sobre os acompanhantes das crianças, todos eram do sexo feminino (oito mães e uma tia), alfabetizadas, com idade entre 21 e 39 anos. Nenhuma conhecia a existência e aplicabilidade do BT durante hospitalizações das crianças.
Figura 1: Caracterização das crianças participantes do estudo, segundo idade, sexo, diagnóstico clínico e número de hospitalizações. João Pessoa, Brasil, 2015
A partir da análise dos dados foram construídas duas categorias temáticas: Reações e comportamentos de crianças em uso de medicação EV e o BT, subdividida nas seguintes subcategorias: I- Antes da sessão do BT; II- Durante a sessão do BT; III- Após a sessão do BT; e Percepção das acompanhantes acerca do BT.
A manifestação mais observada nas crianças durante a iminência da administração de medicação EV foi a ansiedade, expressada em olhares e gestos de inquietação, especialmente nas crianças com idade entre 4 e 6 anos:
Criança disse “não”, com características de manha, ao notar a presença da profissional da enfermagem responsável por administrar a medicação; esconde o braço no qual estava o acesso para a medicação. Fechou os olhos quando ela conectou a seringa no dispositivo para administrar o medicamento (C7, O1, 4 anos). [...] geralmente ele fica olhando demais, pergunta se vai doer [...] fecha os olhos esperando a dor. Eu percebi isso hoje também (E7, 4 anos).
As crianças nessa faixa etária se mostraram veementemente contrárias a receber a medicação após terem consciência do procedimento, reagindo negativamente no intuito de impedir sua administração:
Criança dificultou a realização do procedimento escondendo o braço atrás do corpo. A medicação só foi administrada após a acompanhante colocá-la no colo (C5, O1, 5 anos). Quando a enfermeira chega, ela fica bastante irritada. Não quer receber a medicação e às vezes fica querendo puxar a seringa da mão da enfermeira (E5, 5 anos).
Criança dificultou a administração da medicação. Tentou desconectar a medicação do dispositivo de administração (C9, O1, 6 anos). [...] a situação é muito estressante, não só para ela, mas para mim e até para a enfermeira [...] ela chora, grita [...] às vezes eu perco a paciência e digo que se ela não parar de chorar, vai levar uma palmada ou não vai brincar com os brinquedos que trouxe (E9, 6 anos).
Nenhuma das crianças entre 7 e 8 anos apresentou dificuldade em aceitar o procedimento, embora algumas expressaram reações de ansiedade para a finalização:
Criança quieta, tranquila. Aceitou medicação sem dificuldade e informou com calma, no momento em que o procedimento começou a incomodar (C8, O1, 8 anos). O comportamento dela hoje foi o de sempre [...] claro que ela não gosta, mas não dá trabalho. Ela fica tranquila, não faz escândalo. Se doer ou incomodar de alguma forma, ela avisa (E8, 8 anos).
Criança não apresentou dificuldade e permaneceu calma durante a administração medicamentosa, mas demonstrou ansiedade para a finalização, pois queria retomar suas atividades recreativas de desenho (C3, O1, 8 anos). O comportamento dela foi o mesmo de todos os dias desde que começou a receber medicação endovenosa. Eu sei que ela não gosta de estar internada e precisar ser medicada, mas ela fica muito tranquila, não é de fazer escândalo ou chorar [...]. Ela não reclama e já está em uma idade que tem noção de que a medicação vai ajudá-la a ficar bem e ir para casa (E3, 8 anos).
Uma criança do estudo foi hospitalizada nessas duas fases da vida e a acompanhante compara esses momentos:
O comportamento dele estava normal [...]. Ele já entende que precisa da medicação para melhorar e voltar para casa, então, o comportamento dele foi bom, ele estava tranquilo. [...] Ele já precisou de outras internações e só quando era mais novo é que ele dava um pouco de trabalho porque não queria ficar quieto e achava que qualquer coisa ia doer. Com o passar do tempo, [...] ele acabou se acostumando com as medicações (E6, 7 anos).
Algumas crianças com 7 e 8 anos demonstraram timidez, mas empolgadas quando puderam manusear os materiais para simular procedimentos no brinquedo.
Criança tímida no início da sessão de BT, porém, à medida que a história começou a ser contada, ficou mais à vontade para participar do desenvolvimento do conto; atribuiu ao brinquedo os sintomas que a levaram a ser hospitalizada e simulou realizações de punção venosa, e administração de medicação, explicando passo a passo. O personagem criado pela criança não gostava do momento da punção venosa, porque era doloroso, e recebia bem a medicação, pois queria sair do hospital (C2, O2, 8 anos). Durante a realização da brincadeira, inicialmente ele estava constrangido [...] no decorrer se animou [...] a história sobre o boneco ter adoecido e precisar ficar internado, passar pelos mesmos procedimentos que ele está passando [...] foi muito boa e permitiu que ele se envolvesse. [...] ele se entrosou mais e mergulhou na brincadeira [...] aplicou a medicação no boneco. Ele observa com atenção a realização do procedimento e fez parecido (E2, 8 anos).
Na sessão atribuíram seus nomes e condições de adoecimento durante a simulação do BT, reproduzindo nos personagens criados os cuidados recebidos por elas:
A criança atribuiu seu nome ao brinquedo e interagiu bem durante a brincadeira. Especificou que o personagem não gostava do hospital porque tinha remédios e precisava “levar furadinhas”. Quando questionada se o brinquedo seria colocado no colo para poder receber medicação, a criança disse que não precisava, mas dizia para o personagem parar de chorar e ameaçou dar “palmadinhas” caso não se comportasse bem, reproduzindo fala de sua acompanhante (C5, O2, 5 anos). Ela ficou bastante solta, à vontade para brincar; se envolveu na história que começou a contar [...] colocou o nome dela na boneca, fez acesso venoso, medicou na “veia” da boneca [...] ela se comportou como enfermeira da boneca e colocou a boneca para se comportar como ela (E5, 5 anos).
Observou-se maior tranquilidade e melhor aceitação ao recebimento da medicação EV nas crianças anteriormente resistentes ao procedimento após a sessão do BT:
Criança não apresentou reações de insegurança e ansiedade com a realização do procedimento, não tentou dificultar sua realização, e nem fez expressão facial de quem esperava dor (C7, O3, 4 anos). Percebi que ele ficou menos tenso. [...]. Notei que ele não fechou os olhos e nem fez a carinha de que achava que ia doer. Eu não achei que fosse ter diferença entre a medicação antes da brincadeira e a medicação depois [...] (E7, 4 anos).
A criança apresentou melhora significativa na aceitação da medicação EV. Não apresentou comportamento irritadiço, não dificultou a realização do procedimento, e permitiu que o profissional administrasse a medicação (C1, O3, 6 anos). [...] o comportamento dela na medicação depois da brincadeira foi muito bom. Ela aceitou bem a medicação, não chorou, não reclamou, não teve resistência e nem ficou dizendo que estava doendo. Teve um comportamento muito bom em relação ao que ela teve antes (E1, 6 anos).
As crianças anteriormente não resistentes para receber a medicação EV mantiveram a boa aceitação do procedimento com pouca mudança nos padrões de comportamento:
Criança continuou aceitando a medicação sem dificuldade e não apresentou comportamentos de ansiedade para a sua finalização. Demonstrou descontração durante a realização do procedimento (C4, O3, 7 anos). Na medicação após a brincadeira ele continuou tranquilo, calmo e aceitou bem, como costuma ser, mas eu percebi que ficou mais descontraído [...] ele tem muita medicação e umas demoram bastante [...] ele aceita, mas não significa que gosta [...] acho que ele aceitou ainda melhor (E4, 7 anos).
As acompanhantes apontaram diferentes finalidades para o BT:
[...] a brincadeira permitiu que ele ficasse mais solto e, assim, pudesse passar para o boneco a situação que ele está vivendo. Isso [...] certamente ajudou para que ele assimilasse melhor a importância da medicação para sua melhora (E2, 8 anos). Com a brincadeira ela pode se colocar do outro lado, de “ser” a pessoa que cuida e não a criança doente que está sendo cuidada. Acho que ela se sentiu importante por poder dar remédio para boneca e quando a enfermeira chegou para dar o remédio dela, ela deixou por influência da brincadeira [...] (E5, 5 anos).
As acompanhantes externaram o desejo da utilização desse recurso no preparo da criança para o acesso venoso periférico (AVP), o qual consideram ser o procedimento que mais causa sofrimento à criança e, por extensão, a elas também.
Com certeza, na hora da punção, seria muito bom que essa brincadeira fosse realizada. [...] ele sofre e eu sofro junto. Se tivesse esse momento [...] que mostra que o procedimento é importante e precisa ser feito, acho que ele ficaria mais tranquilo e resistiria menos (E4, 7 anos). Gostei muito de a brincadeira ter sido realizada com ele, foi muito bom ele ter tido esse momento de diversão junto com aprendizado e até um pouco de responsabilidade, mas não acho que tenha influenciado no comportamento dele para receber medicação [...] creio que se fosse realizada com o objetivo de auxiliar para melhoria da punção, o resultado seria mais evidente (E6, 7 anos).
A administração medicamentosa em crianças é um procedimento comum na assistência de enfermagem. Entretanto, quando realizado por via EV, pode ser uma experiência estressante e de confronto entre a criança, o acompanhante e o profissional que administra a medicação(8). A aproximação evidente da realização do procedimento pode ser vista como um fator que desencadeia os sentidos de alerta e desconfiança na criança.
O estudo constatou que as crianças em idade de 4 a 6 anos apresentaram comportamento mais agressivo e dificuldade em aceitar a medicação EV. Esse fato foi observado tanto nas crianças hospitalizadas pela primeira vez quanto naquelas que tiveram experiências hospitalares anteriores. Ambas apresentaram reações igualmente desfavoráveis ao serem informadas da necessidade de administrar medicação EV, antes mesmo do início do procedimento.
Nessa etapa da vida, essas crianças geralmente utilizam recursos combativos, como gritos, choro excessivo e tentativas de agressões físicas, para sinalizar quando algo não a agrada(6).
Esse comportamento pode ser entendido pelo fato de elas apoiarem-se exacerbadamente em conteúdos de seu imaginário para interpretar situações reais. Diante de uma ocorrência desconhecida, na qual a criança imagina ser ameaçadora, confiará mais em sua imaginação do que em algo dito para fazê-la aceitar a situação(13). Nessa fase, a criança apresenta desenvolvimento acelerado da sua criatividade e, muitas vezes, confunde fantasia e realidade, podendo transformar uma experiência nova em um evento de proporções monstruosas no seu imaginário, resultando na dificuldade em aceitar que a realidade possa não ser tão assustadora(14).
Diferentemente das crianças de menor idade, as de 7 a 8 anos, com ou sem experiência prévia de hospitalização, demonstraram ter consciência de que a realização do procedimento era importante para reverter o quadro de adoecimento e apresentaram comportamentos favoráveis ao procedimento. Isso indica que, com o passar do tempo, o desenvolvimento cognitivo influencia na percepção da criança em relação ao procedimento e, consequentemente, em seu comportamento.
O achado é fortalecido pelo relato de uma acompanhante de criança que teve hospitalizações nessas duas faixas etárias, a qual citou mudança positiva no comportamento.
Compreende-se que a idade da criança influencia em sua reação e esse fator deve ser considerado pelos profissionais ao realizarem procedimentos invasivos. Partindo dessa perspectiva, o profissional pode planejar estratégias de abordagem diferenciadas para essas crianças, de modo a proporcionar bem-estar frente ao procedimento.
Em relação ao brincar, este é um dos aspectos mais importantes na vida da criança e um dos instrumentos mais efetivos para controlar o estresse. Brincar é essencial para o bem-estar mental, emocional e social das crianças e deve ser mantido durante a hospitalização(15). Neste estudo, todas as crianças foram receptivas quanto à realização da sessão do BT, contudo, como constatado, a técnica não é utilizada pelo enfermeiro na assistência à criança hospitalizada e família como preconizado pela Resolução COFEN 295/2004(9).
Durante a sessão de BT, as crianças que tinham 7 e 8 anos detiveram-se em demonstrar o procedimento, explicando a necessidade e importância da sua realização. Para essas crianças, o BT funcionou como uma oportunidade de descontração, de poder expressar seus sentimentos diante da hospitalização e de mostrar que possuíam conhecimento acerca da realização dos procedimentos e da própria doença.
As crianças com idades entre 4 e 6 anos, que apresentaram maior dificuldade em aceitar a medicação, demonstraram maior envolvimento e espontaneidade durante a sessão do BT.
Ao realizar o procedimento no boneco, a criança familiariza-se com ele e o desmitifica, minimizando os medos e angústias associadas ao evento e evita a construção, em seu imaginário, de algo que não condiz com a realidade(8).
Com a simulação, as crianças tornaram-se mais íntimas dos aspectos relacionados à administração de medicação EV e, ao experienciar, tiveram a oportunidade de perceber que a realização satisfatória do procedimento depende também de sua colaboração.
O BT possibilitou a externalização dos sentimentos de insegurança, impaciência e medo em relação à vivência da realização do procedimento, além de também funcionar como uma grande oportunidade de inversão de papéis. As crianças menores foram as que reproduziram mais enfaticamente comportamentos e falas de acompanhantes e profissionais durante a interação com o brinquedo.
Ao assumirem a responsabilidade de “medicar” o brinquedo durante a sessão do BT, as crianças passaram para o objeto inanimado – boneco (a) – os sentimentos que as acompanharam durante a primeira administração medicamentosa e adotaram o papel de profissionais. Assim, conseguiram assimilar melhor o procedimento, antes desconhecido e aterrorizante em seu imaginário.
A observação realizada após a sessão do BT possibilitou identificar mudanças significativamente positivas no comportamento de crianças que tiveram resistência à administração da medicação EV anteriormente. As crianças apresentaram comportamento mais tranquilo e relaxado, além de mostrarem cooperação e confiança no profissional que administrou o medicamento.
Os aspectos dinâmico, terapêutico lúdico e inclusivo do BT contribuem para a criança compreender melhor a necessidade da realização do procedimento em questão, tornando-a mais cooperativa. Desse modo, consegue ter mais domínio sobre seu aspecto emocional, diminuir o medo, a ansiedade e, consequentemente, a resistência que possuía em ser medicada(16,17).
Mesmo as crianças sem dificuldades em receber a primeira medicação tiveram benefícios, pois mostravam sinais de tensão e ansiedade ao receber diversas medicações de longa duração. Após ter o momento de descontração com o BT, ficou mais relaxada e tranquila para o recebimento da medicação posterior.
A utilização do BT instrucional é de grande importância no preparo da criança para procedimentos, por promover a sua cooperação e adesão ao tratamento e diminuir a ansiedade gerada ao longo do processo(8), embora haja a possibilidade de que o comportamento permaneça inalterado(18).
As acompanhantes, inclusive as de crianças que não apresentaram dificuldade em aceitar a medicação, perceberam diferentes finalidades para o BT, que foi percebido como facilitador para melhor compreensão da criança sobre o procedimento, como alternativa de descontração e como modo de expressar o aprendizado de suas observações em relação ao ambiente.
Outro estudo(7), que abordou a percepção de pais sobre o BT no preparo de crianças para punção venosa, revelou decorrer o comportamento instável e irritadiço durante a realização de AVP, em razão da associação que as crianças fazem da execução da prática com a invasão e mutilação do seu corpo e/ou punição por terem feito algo errado. Os pais desse estudo aprovaram e reconheceram os benefícios do BT no preparo da criança para a punção venosa, por promover maior tranquilidade e calma para a criança, além de favorecer a compreensão e aceitação da realização do procedimento.
Apesar dos benefícios identificados acima, essa prática ainda é pouco utilizada nas instituições de saúde e tem como principais fatores a ausência de profissionais capacitados e falta de estrutura e/ou recursos(2,17).
Os resultados deste estudo revelaram que a variação de reações comportamentais das crianças em uso de medicação EV pode estar diretamente ligada à idade. A maioria das crianças participantes com idade entre 4 e 6 anos mostrou insatisfação e apresentou dificuldades para aceitar a realização do procedimento anterior à aplicação do BT, independentemente de terem ou não passado por hospitalizações anteriores. Entretanto, as mesmas crianças não apresentaram mais empecilhos significativos e aceitaram melhor o recebimento da medicação após a sessão do BT.
Os acompanhantes das crianças que apresentaram alguma dificuldade em aceitar a medicação reconheceram o BT como fator importante na melhoria desse aspecto. Já os acompanhantes das crianças que não apresentaram dificuldades evidenciaram a importância do BT como elemento recreacional e apontaram sugestão de uso da técnica para outros procedimentos.
Vale salientar que nenhum dos profissionais explicou o procedimento às crianças e nem utilizou BT ao realizar a administração da medicação EV. Frente às evidências da importância do BT na assistência à criança, de sua pouca utilização nos serviços de saúde e do desconhecimento da existência da prática por parte dos acompanhantes, emerge necessidade de que as instituições pediátricas fomentem sua utilização entre os profissionais.
Sensibilizados para a importância dessa estratégia no cuidado e atenção à saúde da criança, poderão empregar esse recurso em suas intervenções, para que as crianças sejam beneficiadas por intermédio de uma assistência qualificada e humanizada, como evidenciado no presente estudo.
Espera-se que o estudo estimule e colabore para a realização de outras pesquisas sobre os benefícios da aplicabilidade do BT em todas as suas formas de abrangência, contribuindo para maior reconhecimento e valorização desse tipo de intervenção para a melhoria da assistência de enfermagem pediátrica.
Recibido: 20/05/2016 Revisado: 16/08/2016 Aprovado: 16/08/2016