ARTIGOS ORIGINAIS

Segurança do paciente: investigação fenomenológica de um grupo de pesquisa


Pétala Tuani Candido de Oliveira Salvador1, Kisna Yasmin Andrade Alves1, Cláudia Cristiane Filgueira Martins Rodrigues1, Yole Matias Silveira de Assis1, Lílian de Andrade Virgílio1, Viviane Euzébia Pereira Santos1

1Universidade Federal do Rio Grande do Norte

RESUMO

Objetivo: desvelar o típico ideal de membros de um grupo de pesquisa na área de enfermagem acerca da segurança do paciente. Método: estudo descritivo, de abordagem qualitativa, que segue como referencial teórico a abordagem compreensiva da Fenomenologia Social. A coleta de dados ocorreu em março de 2015, por meio da técnica do grupo focal. Participaram nove membros de um grupo de pesquisa de uma Universidade Pública do Nordeste do Brasil. Os dados foram analisados a partir da abordagem compreensiva de Schutz. Resultado: a tipificação dos membros do grupo de pesquisa é discutida a partir dos motivos-para consolidar a segurança do paciente; motivos-porque a segurança do paciente ainda não é consolidada; e ações no mundo vida cotidiano em busca da segurança. Conclusão: os membros do grupo de pesquisa apontam ações típicas para consolidar a segurança do paciente, resultante de um trabalho em equipe multiprofissional e da participação efetiva do paciente.

Descritores: Segurança do Paciente; Enfermagem; Pesquisa em Enfermagem.


INTRODUÇÃO

A segurança do paciente, compreendida como eixo basilar da qualidade dos serviços de saúde, tem sido discutida enquanto um tema transversal que deve ser compreendido a partir de uma visão sistêmica que integre a formação dos profissionais de saúde, a assistência em todos os níveis e a pesquisa(1-3).

Busca-se, assim, que a segurança do paciente se insira no panorama sanitário mundial enquanto política prioritária de saúde, compreendendo que a garantia de um cuidado seguro está relacionada a um contexto multifacetado que ultrapassa fatores estruturantes isolados no que concerne à problemática do erro humano(4-5).

Desse modo, reconhece-se mundialmente que o primeiro passo para se fomentar a segurança nos serviços de saúde está na melhoria da cultura de segurança, constatação já denotada em 2003 pelo National Quality Forum (NQF), nos Estados Unidos(6). O que se evidencia, portanto, é que a qualidade dos serviços de saúde deve ser resultado de uma prática imbricada dos profissionais de saúde no que concerne ao cuidado seguro.

Em outras palavras, necessita-se fomentar uma cultura de segurança que se paute na compreensão do caráter multifatorial subjacente às falhas, à luz da teoria do erro humano, proposta por James Reason, bem como na compreensão sistêmica da qualidade dos serviços de saúde, baseada nos elementos da tríade estrutura-processo-resultado, proposta por Donabedian(2), efetivando, portanto, ações que superem a cultura punitiva frente aos eventos adversos, o que promove, em contrapartida, práticas de saúde efetivas e seguras.

Assim, a fim de fomentar a cultura de segurança, torna-se vital ressaltar o aspecto formativo dos profissionais. A literatura demonstra que , ao serem apresentados à segurança do paciente ainda na universidade, os futuros profissionais de saúde reconhecem a relevância do conteúdo para sua formação, mostram-se encorajados e, como consequência, identifica-se grande impacto na assistência prestada ao paciente(7).

Nesse sentido, a formação dos profissionais de saúde é considerada fator chave para contribuir com a promoção da segurança do paciente. Por isso, as instituições formadoras devem, portanto, contar com uma abordagem pedagógica que incorpore transversalmente a temática de qualidade e segurança, de modo que os profissionais em formação conheçam sua contribuição e sua responsabilidade no que concerne à prevenção de eventos adversos(1,3).

A formação dos profissionais de enfermagem é destacada nesse processo porque se compreende que a equipe de enfermagem ocupa espaço representativo no âmbito do cuidado seguro, em decorrência de sua permanência diuturna com os pacientes e das características de suas ações, o que gera uma potencialidade tanto para o risco do erro quanto para a promoção da segurança dos pacientes(3).

Destarte, a participação da equipe de enfermagem em todos os processos de atenção, assim como seu envolvimento com toda a equipe de saúde, exige uma formação que garanta competências para desenvolver ações a favor da qualidade e da segurança do paciente(3).

A discussão acerca da segurança do paciente deve ser, por conseguinte, inserida em todos os níveis de ensino – desde os cursos profissionalizantes até os de pós-graduação – de modo a contribuir para a formação de profissionais de saúde comprometidos com a efetivação de práticas de saúde seguras e que sejam, além disso, disseminadores de uma cultura de qualidade.

Nesse sentido, tendo em vista que é preciso desvelar experiências humanas subjetivas para que se compreenda melhor um fenômeno, buscando a sistematização do típico ideal dos sujeitos investigados(8), e diante da importância de se compreender como que a temática segurança do paciente vem sendo discutida no âmbito dos grupos de pesquisa vinculados a programas de pós-graduação em enfermagem, apresenta-se como questão de pesquisa: qual o típico ideal de membros de um grupo de pesquisa da área de enfermagem acerca da segurança do paciente? Objetiva-se, portanto, desvelar o típico ideal de membros de um grupo de pesquisa da área de enfermagem acerca da segurança do paciente.

MÉTODO

Trata-se de estudo descritivo, de abordagem qualitativa, segundo referencial teórico da abordagem compreensiva da Fenomenologia Social de Alfred Schutz(8). Seguiram-se os preceitos éticos estabelecidos pela Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde, sendo o estudo apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, por meio do Parecer Consubstanciado nº 972.905, de 27/02/2015, CAAE nº 41871915.7.0000.5537. Obteve-se, assim, anuência dos participantes, cujos caráter voluntário e anonimato foram preservados.

A coleta de dados ocorreu em março de 2015, utilizando a técnica do grupo focal. A equipe de pesquisa foi composta por um mediador, um relator e um colaborador. Participaram enquanto sujeitos de pesquisa membros do grupo de pesquisa Laboratório de Investigação do Cuidado, Segurança, Tecnologias em Saúde e Enfermagem (LABTEC), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Como critérios de inclusão, foram estabelecidos: ser membro do grupo de pesquisa LABTEC. Além disso, seguiu-se a recomendação literária de que os grupos focais deveriam ter, para garantir sua eficácia, a participação de 6 a 15 pessoas(9-10). Fizeram parte do encontro nove membros do grupo de pesquisa, os quais foram identificados pela letra P – participante, seguida de um número em ordem sequencial (P1, P2, P3, assim sucessivamente até P9).

Partindo do princípio de que o uso de técnicas projetivas colabora para uma investigação de conteúdos inconscientes, propicia o diálogo e cria um ambiente favorável à investigação de aspectos subjetivos não revelados na verbalização(11), foi utilizada a Pedagogia Vivencial Humanescente (PVH) para facilitar a expressão das subjetividades dos participantes.

A PVH é compreendida como uma abordagem pedagógica que estimula a expressão subjetiva dos sujeitos, utilizando a criatividade como método de trabalho por meio da tríade “montar-escrever-falar” para estimular a expressão das percepções dos participantes a partir das seguintes atividades norteadoras: 1) montar um cenário utilizando os materiais disponibilizados (miniaturas e massas de modelar); 2) escrever a descrição do cenário construído, em um instrumento de pesquisa que contribuiu para a análise das falas dos sujeitos pesquisados; e 3) falar acerca de suas representações, compartilhando ideias e opiniões. Foi utilizada a técnica do sandplay, cuja pergunta chave foi “O que é segurança do paciente para você?”.

As falas foram transcritas e, para o desvelamento do fenômeno, a análise dos dados configurou-se a partir da proposta de princípios orientadores de uma metodologia de pesquisa com base na própria obra de Schutz, realizada por Zeferino(12).

RESULTADOS

O típico ideal constitui o conceito-chave que norteia o estudo. Trata-se da forma como os homens interpretam suas atitudes e as atitudes dos outros de acordo com suas histórias e suas relevâncias, auxiliando os sujeitos a se situarem dentro do mundo social e a manterem as várias relações com seus semelhantes e objetos culturais(8).

Para traçar o típico ideal, é necessário que se desvele a situação biográfica dos sujeitos investigados. Ela é apreendida com a sedimentação de todas as experiências anteriores do sujeito, organizadas de acordo com o seu “estoque de conhecimentos à mão”, determinando o modo como cada ator pensa e age no espaço social(8,12), o que influencia e é influenciado pelas motivações dos sujeitos, englobando seus motivos-para e seus motivos-porque e, enfim, denotando suas ações típicas.

Os motivos-para são essencialmente subjetivos, constituem as metas que se procuram alcançar e, portanto, têm uma estrutura temporal voltada para o futuro, formando uma categoria subjetiva da ação. Já os motivos-porque são pautados na objetividade, evidenciados nos acontecimentos já concluídos, tendo, assim, uma direção temporal voltada para o passado, podendo ser compreendidos em retrospectivo, ou seja, são inconscientes durante a ação(8).

Assim, a tipificação dos membros do grupo de pesquisa acerca da segurança do paciente é discutida a partir dos seguintes pilares temáticos: 1) motivos-para consolidar a segurança do paciente; 2) motivos-porque a segurança do paciente ainda não é consolidada; e 3) ações no mundo vida cotidiano: em busca da segurança do paciente.

DISCUSSÃO

Motivos-para consolidar a segurança do paciente

Tendo por base que os motivos-para referem-se ao estado de coisas a ser estabelecido, ao projeto a realizar e à vontade de fazê-lo(8), os membros do grupo de pesquisa refletiram sobre os motivos pelos quais se busca a consolidação da segurança do paciente, os quais se sintetizam na possibilidade de efetivar um cuidado seguro, livre de danos, conforme evidenciado nas falas de P5, P3 e P4.

[...] é pra se chegar numa assistência que nós idealizamos, que nós queremos, que nós pensamos, que é prestar uma assistência, um cuidado de forma segura ao paciente, sem causar danos, que ele saia com o mínimo de danos possível ou nenhum. (P5)

[...] a segurança do paciente é um conjunto de técnicas e ações com a finalidade de promover uma assistência de enfermagem segura e eficaz ao paciente. (P3)

[...] segurança do paciente que seria a diminuição ao máximo possível, né, aceitável dos riscos. (P4)

Sabe-se que a problemática do erro humano e a segurança do paciente no sistema de saúde têm sido temas de vários estudos. Historicamente, destaca-se a publicação do Institute of Medicine (IOM), dos Estados Unidos da América, evidenciando que o número de mortes decorrentes de erros durante a assistência à saúde é maior que as relacionadas aos acidentes de automóvel, ao câncer de mama e à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida combinadas. No país em questão, cerca de 98.000 pessoas morrem por ano em decorrência de falhas na assistência à saúde(13).

Assim, a publicação do IOM - To Err is Human: Building a better health system – e a criação da Aliança Mundial para Segurança do Paciente pela Organização Mundial da Saúde contribuíram para que a temática segurança do paciente fosse abordada e considerada um desafio no sistema de saúde norte-americano, influenciando outros países e elevando consideravelmente a importância da apresentação dos conceitos e dos princípios da temática em cursos de formação de profissionais da área da saúde.

Reconhecendo que a segurança do paciente é um objetivo antigo, P5 refletiu sobre as contribuições de Florence Ninghtingale na busca de um cuidado seguro, já nos primórdios da enfermagem.

[...] não é uma coisa atual [...] é uma coisa bem antiga, desde os tempos de Florence já vinha se falando sobre segurança do paciente... ela foi quem introduziu isso. (P5)

A partir da década de 2000, a segurança do paciente entra para a agenda de pesquisadores de todo o mundo e passa a ser internacionalmente reconhecida como uma dimensão fundamental da qualidade em saúde. Os EUA e vários outros países com configurações de sistemas de saúde distintos, dentre os quais se destacam Inglaterra, Irlanda, Austrália, Canadá, Espanha, França, Nova Zelândia e Suécia, protagonizam iniciativas como a criação de institutos, de associações e de organizações voltadas à questão da segurança do paciente(2).

O objetivo das ações de segurança do paciente coincide, assim, com a concepção dos membros do grupo de pesquisa: busca-se a qualidade em saúde, definida como o grau em que os serviços prestados ao paciente diminuem a probabilidade de resultados desfavoráveis e aumentam a probabilidade de resultados favoráveis, sendo os resultados desfavoráveis compreendidos como os eventos adversos(2).

No continente europeu, estudos realizados sobre a atenção hospitalar revelaram que cerca de um em cada dez pacientes internados é vítima de eventos adversos em decorrência dos cuidados de saúde recebidos e que mais de 50% desses eventos são classificados como evitáveis(14).

No Brasil, a avaliação da incidência de eventos adversos foi estimada em 7,6%. Os autores observaram que, desse total, 67% foram classificados como evitáveis, e os eventos mais frequentes estavam relacionados à cirurgia, seguidos por aqueles associados a procedimentos clínicos(15).

Além dos danos e dos prejuízos causados aos pacientes e às suas famílias, os eventos adversos constituem um encargo financeiro considerável para os sistemas de saúde. Em 1999, estimava-se o total de custos anuais com eventos adversos evitáveis nos EUA entre U$ 17 bilhões e U$ 29 bilhões(2).

As ações de segurança do paciente buscam, portanto, modificar esse cenário, promovendo um cuidado seguro e livre de danos. Todavia, os profissionais de saúde ainda vivenciam entraves organizacionais em seu ambiente de trabalho, os quais foram elucidados pelos membros do grupo de pesquisa enquanto motivos-porque as ações de segurança do paciente ainda não são consolidadas.

Motivos-porque a segurança do paciente ainda não é consolidada

Os motivos-porque são evidenciados nos acontecimentos já concluídos, tendo assim uma direção temporal voltada para o passado, podendo ser compreendidos em retrospectivo, ou seja, são inconscientes durante a ação(8). Nesse sentido, os membros do grupo de pesquisa refletiram e chegaram à conclusão de que as condições laborais precárias dos profissionais de saúde, a sobrecarga de trabalho, o multiemprego e as práticas de saúde pautadas em ações inseguras constituem motivos-porque a segurança do paciente ainda não é consolidada. As falas de P4 e P9 revelam tais aspectos.

[...] o profissional ele tem um tempo diminuto, muitas vezes relacionado à carga de trabalho porque ele já tem dois empregos, como já foi citado aqui, ou até mesmo o acúmulo de atividades que ele tem, e isso realmente prejudica o andamento da sua assistência, né... ele faz a assistência muitas vezes “atropelada”, sem tomar cuidado com o que ele pode fazer. (P4)

Em relação ao relógio, também tratando-se do tempo, não só a administração do tempo dos cuidados que a gente vai promover pro paciente mas também o tempo que a gente vai administrar pra nossa vida, pra que a gente não venha a ficar sobrecarregado demais, desgastado e, consequentemente, não promover uma segurança pro paciente. (P9)

Problemas como a limitação ou a escassez de recursos, a sobrecarga de trabalho por insuficiência de profissionais e a carência de qualificação na formação são apontados pela literatura como fatores que influenciam negativamente na segurança do paciente.

No âmbito da enfermagem, essa problemática torna-se ainda mais evidente pelo fato de os profissionais desenvolverem atividades de cuidado direto ao paciente de modo frequente ou ininterrupto e, devido à remuneração insatisfatória que os leva ao múltiplo emprego, potencializam-se o cansaço e o estresse, o que podem induzir aos erros durante a assistência(4).

Estudos evidenciam, assim, que as condições de trabalho do profissional de enfermagem, caracterizadas, por vezes, pela sobrecarga de trabalho e pela jornada em regime de plantões são fatores de risco para a segurança do paciente(16).

Estudo brasileiro que objetivou analisar a carga de trabalho da equipe de enfermagem e sua potencial relação com a segurança do paciente em unidades de internação das áreas clínica e cirúrgica de um hospital universitário demonstrou que, para cada unidade que se aumenta na razão paciente/enfermeiro, aumenta-se em 0,189 a incidência de quedas de leito, 0,157 as infecções associadas com cateter venoso central, 0,171 a rotatividade e 0,268 o absenteísmo.

Do mesmo modo, para cada aumento de unidade na razão paciente/auxiliar e técnico de enfermagem, observou-se uma queda de 10,799 na satisfação do paciente em relação à equipe de enfermagem(17).

Uma pesquisa realizada no Uruguai que buscou conhecer os aspectos envolvidos nas experiências de enfermeiras de terem sido responsáveis por um evento adverso revelou que a ausência de descanso foi um fator comum nas falas das entrevistadas, sendo que, na maioria das vezes, o evento adverso aconteceu com profissionais sobrecarregados(18).

Os aspectos organizacionais da assistência em saúde também foram destacados por um estudo realizado em dois países africanos, o qual elucidou como obstáculos para assegurar uma assistência segura em três principais temas: contexto de material (incluindo infraestrutura física, equipamentos); pessoal e funcionários (incluindo questões em torno da quantidade e da formação do pessoal); e contexto relacional (relações interprofissionais, incluindo o trabalho em equipe)(19).

Ressalta-se, assim, que a segurança do paciente está inserida em um contexto ampliado, denotando como principais entraves para sua concretização: a organização e a infraestrutura da assistência sanitária; a escassa protocolização e a ausência de liderança; os recursos materiais escassos; a inadequação de proporção de profissionais e a falta de trabalho em equipe; a pressão assistencial e o tempo; a falta de incentivos e de motivação; além da ausência de indicadores confiáveis de segurança(20).

No que concerne às práticas inseguras como ações que precisam ser modificadas, P1 refletiu sobre a existência de barreiras de formação dos profissionais de saúde.

[...] a gente sabe que ainda tem que mudar a mentalidade de muitos profissionais que estão no serviço. (P1)

Uma pesquisa prospectiva que teve como objetivo identificar a compreensão de alunos de graduação em enfermagem e em medicina de uma universidade pública do Município de São Paulo sobre erro humano e segurança do paciente trouxe como resultado o fato de 100 alunos (91,6%) concordarem que existe uma grande diferença entre o que os profissionais sabem, o que é certo e o que é visto no dia a dia da assistência à saúde(5).

De forma semelhante à preocupação ressaltada por P1, essa pesquisa revela que profissionais de saúde capacitados produzem melhores resultados no cuidado ao paciente, aumentando a satisfação e a confiança do usuário com o sistema de prestação de assistência, mas, sobretudo, reduzindo morbidade e mortalidade. Essa ainda não é uma realidade vivida pelos alunos no contexto brasileiro, aspecto que pode desfavorecer a assimilação dos conteúdos teóricos apresentados pela inexistência de correlação com a prática(5).

Destaca-se, ainda como motivo-porque a segurança do paciente ainda não é consolidada, uma preocupação realçada por P4: as distrações no ambiente de trabalho.

[...] distração dentro do ambiente de trabalho, que eu coloquei a bebida, mas pode ser representado por um som, por conversas paralelas e outros tipos de situações que podem ocorrer que atrapalham... é muito comum isso acontecer... Então isso acaba realmente fazendo com que os profissionais percam o seu rumo. (P4).

Uma pesquisa realizada na Colômbia que buscou identificar as distrações do profissional de enfermagem durante o processo de administração de medicamentos revelou que, dos 192 processos observados, existiram, em média, 18 distrações por processos realizados. As distrações mais frequentes foram: outros membros da equipe multiprofissional e estudantes (34,9%), conversas (32%), ligações telefônicas e médico (10,5%)(21).

Evidencia-se, desse modo, que a prevenção de ações inseguras envolve fatores múltiplos: desde um profissional de saúde capacitado, em condições laborais adequadas de trabalho, até aspectos estruturais e organizacionais, principalmente relacionados à existência de recursos humanos e de materiais apropriados. Frente aos entraves destacados, os membros do grupo de pesquisa apontaram ações típicas que podem contribuir para a efetivação da segurança do paciente.

Ações no mundo vida cotidiano: em busca da segurança do paciente

O mundo vida cotidiano constitui o espaço em que os homens se situam com seus problemas diários em uma relação de intersubjetividade com seus semelhantes, não integrando apenas um mundo natural mas também um mundo social, histórico e cultural(8,12). Trata-se de um espaço onde se ecoam as origens das experiências dos sujeitos, e, nesse sentido, constitui, no microespaço da investigação em tela, a possibilidade de visualizar as estratégias para se efetivar a segurança do paciente. A figura 1 retrata as ações típicas evidenciadas pelos sujeitos e suas falas.

Figura 1 - Ações típicas para efetivar a segurança do paciente. Natal, 2015.

Figura 1

Fonte: dados da pesquisa

Nesse sentido, enfatizou-se que a prevenção dos eventos adversos em saúde deve advir de uma visão sistêmica, superando a visão minimalista, individual e punitiva da problemática. Tal visão sistêmica caracteriza-se pela promoção da cultura de segurança do paciente, definida como o produto de valores, de atitudes, de competências e de padrões de comportamento individuais e grupais, os quais determinam o compromisso, o estilo e a proficiência da administração de uma organização saudável e segura(6).

O uso de estratégias prioritárias é subjacente, portanto, aos protocolos e aos programas definidos mundialmente como norteadores das ações de segurança do paciente, destacando-se a Aliança Global para Segurança do Paciente, em âmbito global, e o Programa Nacional de Segurança do Paciente, no contexto brasileiro, que define como ações prioritárias: 1) identificação do paciente; 2) comunicação efetiva; 3) prescrição, uso e administração de medicamentos; 4) cirurgia segura; 5) higienização das mãos; e 6) prevenção de quedas e úlceras por pressão(22).

O uso de protocolos e de ações prioritários é compreendido, assim, como estratégia fundamental e, por isso, o planejamento é etapa prioritária. Para tanto, a identificação de incidentes é um desafio, mas é sabido que ela é fundamental para melhorar a segurança do paciente, tanto que esforços para superarem o problema da subnotificação têm resultado significativo no desenvolvimento de sistemas informatizados como meio de melhorar tal realidade(23).

Além disso, a aplicação de checklist e a implantação de protocolos, além da Sistematização da Assistência de Enfermagem, são ressaltados como ferramentas importantes e efetivas. Um estudo realizado na Índia que teve por escopo avaliar a aplicação de um checklist de cirurgia segura denotou que a implementação de uma lista de verificação da OMS modificada sobre segurança cirúrgica foi associada a uma diminuição da mortalidade e ao número de complicações. A mortalidade foi significativamente menor no grupo em que esta lista foi usada em comparação ao grupo em que não foi (10 vs 5,7%; p = 0,04)(24).

Uma investigação realizada no Taiwan sobre administração de medicamentos quimioterápicos também revelou que a falta de protocolos e o subjacente conhecimento deficiente dos profissionais foram as principais causas de eventos adversos, sendo que a intervenção com a implantação de protocolos trouxe uma diminuição significativa dos erros de medicações(25).

Os recursos tecnológicos, assim, são evidenciados enquanto elementos promotores da segurança do paciente, sendo fundamental que haja a capacitação dos profissionais de saúde para que os recursos sejam utilizados de forma efetiva.

O aspecto educativo foi, portanto, ressaltado como ação fundamental para consolidar a segurança do paciente, o que também é evidenciado pela literatura(3-5,26). Um estudo realizado na Nigéria que almejou avaliar intervenção educativa sobre higienização das mãos denotou um aumento na realização da prática de lavagem das mãos após a ação educativa(26), comprovando que o aspecto formativo constitui ação basilar para a promoção da segurança do paciente não apenas no ambiente acadêmico mas também no âmbito da educação permanente e em serviço.

Destaca-se, por fim, a segurança do paciente enquanto resultante de um trabalho em equipe multiprofissional e do envolvimento do próprio paciente. Um estudo sobre a participação ativa dos pacientes internados em sua terapêutica encontrou uma relação positiva entre o envolvimento de pacientes internados em hospitais na participação de seus cuidados, seu julgamento favorável sobre a qualidade do cuidado recebido e a redução dos riscos de sofrer um evento adverso durante a hospitalização(27).

Desse modo, promover um cuidado seguro significa incentivar a participação do paciente por meio de seu empoderamento, o que se traduz na necessidade de contribuir para que o paciente compreenda o seu papel na promoção, na vigilância e no restabelecimento de sua saúde, o que torna imperativa a promoção de um ambiente facilitador(28), de modo que o paciente seja a última barreira para a interceptação de um incidente, bem como um importante avaliador da segurança e da qualidade da assistência recebida.

CONCLUSÃO

Neste estudo, foi desvelada a tipificação dos membros do grupo de pesquisa acerca da segurança do paciente: eles apontam os motivos-para consolidar a segurança do paciente enquanto caminho para efetivar um cuidado seguro, mas reconhecem que ainda existem motivos-porque que explicam a não efetivação de tais ações, que se traduzem em um mundo vida ainda permeado por condições laborais deficitárias; defendem a transformação desse mundo vida por meio de ações típicas que contribuam para a efetivação de um cuidado seguro, resultante de um trabalho em equipe multiprofissional e da participação efetiva do paciente.

Realça-se, então, que os resultados apresentados representam uma realidade específica, influenciada pelo currículo de formação dos membros do grupo de pesquisa, aspecto bastante para justificar a limitação do estudo. Nessa perspectiva, sugere-se que as reflexões sejam reproduzidas em outros espaços de formação de profissionais de enfermagem.

Espera-se contribuir para que a temática da segurança do paciente seja discutida no âmbito dos espaços de formação dos profissionais de saúde, de modo a elucidar, cada vez mais, ações típicas que possam nortear a efetivação de práticas seguras na assistência em saúde.


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Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a materia em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf

Recebido: 05/04/2016 Revisado: 31/01/2017 Aprovado: 02/02/2017