ARTIGOS ORIGINAIS

Fatores facilitadores na implantação das estratégias de segurança do paciente: estudo descritivo-exploratório


João Lucas Campos de Oliveira1,2, Gislene Aparecida Xavier dos Reis2, Verusca Soares de Souza2,3, Maria Antonia Ramos Costa3, Ingrid Mayara Almeida Valera2, Laura Misue Matsuda2

1Universidade Estadual do Oeste do Paraná
2Universidade Estadual de Maringá
3Universidade Estadual do Paraná

RESUMO

Objetivo: investigar, na perspectiva de enfermeiros gestores, os meios/fatores que facilitam o processo de implantação de estratégias de segurança do paciente. Método: participaram 72 enfermeiros gestores de quatro hospitais universitários do estado do Paraná, por meio de entrevista individual, gravada e norteada pela questão “Fale-me sobre aspectos que facilitam a implantação das estratégias de segurança neste hospital”. Os depoimentos foram transcritos na íntegra, submetidos à análise de conteúdo na modalidade temática. Resultados: das falas emergiam duas categorias temáticas: “Ferramentas da gestão como facilitadores na implantação das estratégias de segurança do paciente” e “Processos educativos: meios que facilitam a implantação de estratégias de segurança do paciente”. Conclusão: constatou-se que o apoio da alta gerência contribuiu sobremaneira à implantação das estratégias de segurança, além da liderança militante por este bem e o aperfeiçoamento do capital humano — estritamente veiculado à característica de ensino das instituições.

Descritores: Segurança do Paciente; Enfermeiras e Enfermeiros; Papel do Enfermeiro; Gestão em Saúde; Gestão da Segurança.


INTRODUÇÃO

As evidências de que os riscos associados ao cuidado são concretos nas instituições de saúde têm contribuído para que a qualidade, historicamente legitimada por este setor de produção à luz da gestão estratégica de recursos e da satisfação dos consumidores, seja percebida também pela ótica da segurança(1). Nesse enfoque, surge o conceito de segurança do paciente, entendido como a redução, a um mínimo aceitável, do risco de dano desnecessário associado ao cuidado em saúde(2).

A promoção da segurança do paciente deve ser uma preocupação organizacional sistêmica, especialmente no âmbito hospitalar, onde o avanço da densidade tecnológica no cuidado é acelerado; os procedimentos diagnóstico-terapêuticos são mais complexos; a dinâmica de trabalho tende a ser mais atribulada e, com isso, o risco de dano ao cliente/paciente é mais palpável, tornando-se um desafio contínuo às instituições(3).

Pelo reconhecimento dos riscos advindos da assistência (e, também, da necessidade de intervir sobre essa realidade), recentemente no Brasil, por meio de disposições legais e da própria necessidade social, criou-se um movimento em prol da implantação de estratégias de segurança do paciente(2,4). Elas se valem de medidas institucionalizadas, intervenientes ao processo de trabalho, com a finalidade de proteger o cliente de danos, como protocolos, manuais e guias de segurança(2).

Dentre as estratégias de segurança emergentes no cenário hospitalar moderno, tem-se dado destaque para identificação do paciente; atendimento cirúrgico seguro; prevenção de quedas e úlceras por pressão; ênfase na higiene das mãos para prevenção de infecções; prescrição, uso e administração seguros de medicamentos e melhoria nos processos de comunicação entre profissionais de saúde(2,4).

Cabe salientar que a institucionalização de estratégias de segurança deve acompanhar a cultura organizacional favorável ao atendimento seguro(4). Nesse aspecto, a implantação de estratégias simples, porém efetivas, terá potencial para reduzir riscos e diminuir incidentes por meio da viabilização de protocolos e barreiras de segurança associados à educação permanente do capital humano(5).

No bojo da implantação de estratégias de segurança, alude-se sobre a importância do enfermeiro, em virtude de que sua tríade no processo de trabalho passa sinergicamente pelas dimensões assistir/cuidar, pesquisar/ensinar e administrar/gerenciar(6). Desse modo, além de assistir continuamente o paciente (em especial o hospitalizado) e, com isso, impactar diretamente na segurança do atendimento(3), o enfermeiro, por atuar no âmbito administrativo/gerencial, tende a ser um ator crucial no estabelecimento de medidas estratégicas que confluam à segurança do paciente(5).

Nas instituições de saúde, os enfermeiros, por vezes, ocupam cargos na gestão de pessoas e também na liderança de programas/sistemas de qualidade hospitalar(7). Mediante a isso e em confluência com o panorama atual, certamente esses profissionais militam pelo atendimento seguro(5,7), possibilitando enfatizar que o trabalho gerencial na enfermagem é um alicerce às estratégias de segurança do paciente(5) e, por isso, a articulação entre gerência do enfermeiro e estabelecimento de estratégias de segurança pode e merece ser investigada.

Ante ao exposto, alude-se que investigar sobre a atuação do enfermeiro na implantação de estratégias de segurança (inclusive no que diz respeito às facilidades percebidas por este profissional quando atua na gestão) é importante porque as suas percepções/opiniões poderão subsidiar o (re)planejamento de ações mais eficazes e eficientes, com vistas à superação de dificuldades e alcance da implantação efetiva das desejáveis estratégias de segurança do paciente.

Com base no explanado anterior, questiona-se: como os enfermeiros gestores de hospitais de ensino percebem os fatores que facilitam a implantação das estratégias de segurança do paciente na instituição? Na tentativa de responder essa indagação, o presente estudo teve como objetivo investigar, na perspectiva de enfermeiros gestores, sobre os meios/fatores que facilitam o processo de inserção desses métodos.

MÉTODO

Estudo descritivo-exploratório, qualitativo, realizado com enfermeiros gestores de quatro hospitais públicos de ensino, de médio e grande portes, localizados nas regiões Norte, Noroeste, Oeste e Sudeste do estado do Paraná.

A saber, os participantes elegíveis à participação do estudo foram enfermeiros indicados pela Direção De Enfermagem de cada organização hospitalar que exerciam cargos de liderança, ou seja, atuavam na gerência/supervisão de unidades de internação e/ou setores hospitalares de cuidado indireto, entendidos como serviços de organização hospitalar, ao exemplo da própria Direção de Enfermagem, Serviço de Educação Continuada, Serviço de Controle de Infecção Hospitalar, Gerência de Risco, Gestão da Qualidade, Núcleo de Vigilância Epidemiológica, e outros, a depender de cada peculiaridade dos locais de inquérito.

Vale destacar que a elegibilidade de participação, intencionalmente delimitada à luz dos serviços de gerência hospitalar, se deu porque coaduna com o propósito da investigação. Entende-se que, apesar da implantação das estratégias de segurança depender do apoio organizacional sistêmico, usualmente cabe às lideranças a iniciativa da sua implantação e difusão(2,4).

A coleta de dados compreendeu o período entre janeiro a março de 2015 e foi procedida da seguinte forma: após autorização formal das instituições, contatou-se a Direção de Enfermagem de cada hospital, via telefone ou correspondência eletrônica, com intuito de realizar o levantamento dos participantes elegíveis ao estudo. Com esses dados em mãos, entrou-se em contato com os enfermeiros elencados e fez-se o esclarecimento do objetivo e da forma de condução da pesquisa. Mediante o aceite prévio à participação, firmou-se agendamento para posterior entrevista.

As entrevistas ocorreram de forma individual, em data, horário e local acordado com cada profissional. Nesta ocasião, reiterado o objetivo de estudo e o meio de condução do mesmo, houve a confirmação do aceite em participar da pesquisa de cada um dos enfermeiros, mediante a leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), seguido de aplicação de formulário para caracterização sociodemográfica e laboral dos participantes e entrevista semiestruturada, gravada e norteada pela questão “Fale-me sobre aspectos que facilitam o processo de implantação das estratégias de segurança neste hospital”.

O número de entrevistas foi delimitado ao alcance do objetivo do estudo. Para isso, o pesquisador definiu como critério a repetição sucessiva do conteúdo (falas) dos participantes, em cada hospital, separadamente.

Todo material empírico (depoimentos) foi integralmente transcrito, por digitação. Depois disso, o corpus foi submetido à análise de conteúdo, na modalidade temática, respeitando-se as etapas de pré-análise, exploração do material e interpretação dos dados(8). A saber, a pré-análise compreendeu a identificação das ideias centrais dos depoimentos, que significam os pontos-chave de suas falas devidamente destacados pelo pesquisador por meio da leitura flutuante (primária)(8).

A exploração do material empírico valeu-se de repetidas leituras sobre o corpus, procedimento que evidencia as ideias centrais anteriormente destacadas e dá luz aos núcleos de sentido, que são oriundos da leitura aprofundada do conteúdo emitido pelos depoentes(8). Por meio da análise dos núcleos de sentido, efetuou-se a interpretação dos dados, originando-se as categorias e, possivelmente, subcategorias temáticas, advindas das etapas anteriores e que significam a sistematização do conteúdo semântico emitido pelos depoentes(8).

Os excertos/falas/trechos/verbatins contidos nos agrupamentos temáticos foram editados à sua coesão textual e gramatical, sem, no entanto, alterar o sentido primário da fala. Alguns termos/palavras foram acrescidos entre colchetes para facilitar a compreensão do conteúdo emitido pelos entrevistados. Os depoentes foram identificados com a notação “E” de “enfermeiro” acrescido de um número arábico que remete à ordem cronológica da realização de cada entrevista por local. Na sequência, a notação “H” sinalizando “hospital” seguido de um número de um a quatro, que se relaciona às regiões do estado do Paraná: “H1” situado na capital, região Sudeste; “H2” na região Norte; “H3” na região Noroeste e “H4” na região Oeste.

Cumpre salientar que todos os preceitos éticos inerentes às pesquisas envolvendo seres humanos dispostos na Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde foram respeitados e o projeto desta investigação está registrado sob CAAE: 32206414.6.1001.0104.

RESULTADOS

Ao todo, participaram 72 enfermeiros gestores, assim distribuídos: 19 do hospital 1; 28 do hospital 2; 11 do hospital 3 e 14 do hospital 4. Entre estes, houve prevalência do sexo feminino (90%). A maior parcela dos participantes (37%) tinha idade entre 30 e 39 anos e atuava na instituição entre um e nove anos (39%). Das falas dos participantes, foi possível apreender conteúdo para duas categorias temáticas.

Ferramentas da gestão como facilitadores na implantação das estratégias de segurança do paciente

Os enfermeiros legitimaram o pressuposto de que, apesar de a implantação das estratégias de segurança do paciente ser um dever comum a todas as esferas organizacionais, a gestão, desde a alta cúpula até o manejo direto dos processos gerenciais operacionais, é fator decisivo ao alcance das metas(2,4). Ratificam essa assertiva os depoimentos que sinalizam o apoio da alta direção como elemento facilitador na implantação de estratégias de segurança:

O apoio da direção, isso é o que facilitou mais. Todas as reuniões, os contatos [...] não foram tão efetivos como quando a direção chegou e disse: estamos apoiando (E7H1). Então, esse apoio da diretoria como um todo [...] eles estão realmente interessados nesse processo de segurança [...] essa consciência da importância desse processo é o que auxilia a implantação (E15H2). [...] outra coisa que facilita também é quando os gestores têm a mesma visão. Tem um pessoal que apoia muito a implantação das estratégias de segurança (E9H3).

Os enfermeiros gestores não delimitaram apenas o apoio da alta gerência como fator determinante à facilitação no estabelecimento de estratégias de segurança, visto que a gestão, por meio de outras facetas, como a liderança do enfermeiro e da equipe multiprofissional militante pela segurança, foi o aspecto gerencial que contribuiu com o processo investigado:

Os facilitadores na implantação das estratégias de segurança do paciente são os coordenadores das áreas, das diversas áreas, não só da enfermagem, mas da equipe multiprofissional [...] é necessário identificar essas lideranças para que elas possam ser multiplicadoras [das estratégias de segurança] (E5H4). As potencialidades são os líderes. Não só os enfermeiros [...], mas são os enfermeiros que sempre estarão fazendo supervisão relacionada à segurança. (E16H2).

Reforçando o papel da liderança do enfermeiro em prol da implantação das estratégias de segurança do paciente, há quem tenha expressado a importância do alto cargo nesse processo:

A gente tem uma diretora superintendente que é enfermeira. Então, o olhar dela é diferenciado em relação à implantação e ao desenvolvimento das estratégias de segurança do paciente (E5H1).

Reconhece-se a importância do apoio da alta gestão e do engajamento de líderes para o desenvolvimento exitoso de medidas de redução de riscos relacionados ao cuidado do paciente(2,4), conforme dito pelos entrevistados. Contudo, eles também pontuaram a gestão da qualidade e o gerenciamento de riscos como balizadores no que concerne aos aspectos gerenciais e à facilitação do alcance dos objetivos organizacionais no bojo da segurança do paciente.

Eu vejo que uma questão bastante importante [para a implantação das estratégias de segurança do paciente] é termos o Serviço de Gestão da Qualidade e uma equipe multiprofissional que trabalha com isso (E4H1). É importante [para a implantação das estratégias de segurança do paciente] o empenho da Gerência de Risco, de trabalhar o assunto e divulgar a respeito. Existe um esforço muito grande. (E4H3).

Processos educativos: meios que facilitam a implantação de estratégias de segurança do paciente

Além do apoio da alta direção e de outros aspectos inerentes à gestão hospitalar, os enfermeiros coadunam com um dos princípios básicos que regem a qualidade na saúde e que influencia na segurança do paciente: a melhoria contínua dos processos de trabalho por meio da educação permanente(2,4-5). Corrobora com essa afirmação o seguinte excerto:

[...] nós temos a questão da capacitação promovida pelo Serviço de Educação Permanente. Essa capacitação às vezes acontece individualmente nas unidades, mas com a Direção de Enfermagem, temos uma Comissão de Educação Permanente em Enfermagem que tem apoiado a implantação das estratégias de segurança do paciente (E9H1).

Vale ressaltar que os enfermeiros, apesar de reconhecerem a educação permanente como facilitadora da implantação das desejáveis estratégias de segurança do paciente, por vezes denotam que as práticas educativas são viabilizadas porque os hospitais investigados são universitários ou de ensino:

[...] o grupo que nós temos aqui é um grupo que está sempre estudando. Tanto a enfermagem como a equipe médica, a equipe da Farmácia [...] Todo o grupo está envolvido por ser um hospital universitário, que sempre realiza pesquisas [...]. Então, isso é uma facilidade [para implantação das estratégias de segurança] (E2H1). Eu acho, assim, que uma facilidade para implantar as estratégias de segurança é você ter um grupo de pessoas [...] em função de estar trabalhando em um hospital-escola. Isso facilita a oferta de capacitações para a equipe durante o horário de trabalho (E5H2).

Ainda no que concerne às facilidades referidas pelos enfermeiros gestores, ao estabelecimento de estratégias de segurança, mediadas pelos processos educativos, houve menção favorável aos programas de pós-graduação, com destaque para o curso de residência tanto no que tange à capacitação do capital humano organizacional como na operacionalização das ações/estratégias.

[...] eu vejo essa questão de termos incentivado a capacitação por meio de aperfeiçoamento, especialização e também na parceria com o Departamento de Enfermagem [da Universidade], com a pós-graduação, por meio do mestrado profissional, mestrado acadêmico e também residências (E8H1). Eu acho que os residentes mesmo [...] Eu vejo mais o empenho dos residentes de enfermagem. A participação dos residentes foi um grande facilitador na implantação das estratégias de segurança (E4H4).

DISCUSSÃO

Os participantes, que atuam em cargos de gerência em diversos âmbitos, afirmam que o apoio da direção hospitalar foi um facilitador à implantação de estratégias de segurança. Isso é relevante porque, quando a alta cúpula organizacional demonstra compromisso com a qualidade e a segurança do paciente, a busca pelo alcance de metas, inclusive a implantação de estratégias pontuais de melhoria, tende a ser facilitada(2).

Reconhece-se que, na atualidade, muitos hospitais ainda apresentam estruturas organizacionais arcaicas, onde os modelos de gestão tendem a ser centralizadores, dificultando as linhas de comunicação e, consequentemente, a efetiva implantação de melhorias e mudanças nos processos de atendimento(9-10). Neste sentido, acredita-se que é salutar a percepção dos entrevistados no que concerne ao apoio gerencial em prol da implantação das medidas de segurança porque isso, ainda que timidamente, pode ser um indicativo de mudança na cultura organizacional hospitalar.

Vale destacar o excerto de E7H1 que manifestou que a direção do hospital, aparentemente, sinalizou franco apoio aos enfermeiros gestores na implantação das estratégias de segurança. Isso, possivelmente, coaduna com os princípios da gestão colegiada, em que o poder decisório é compartilhado entre os membros de uma dada equipe, não se restringindo à divisão hierárquica natural do trabalho hospitalar(9). Desse modo, converge-se à reflexão de que a aproximação da alta cúpula para com a equipe de trabalho é elementar para a busca necessária do atendimento seguro.

Contraria os achados antes descritos uma investigação recente realizada em um dos locais deste inquérito(10) que, inclusive, representa o hospital que não mencionou o apoio da alta direção como fator facilitador ao estabelecimento de medidas de segurança no cuidado. Destarte, a investigação(10), que teve por objetivo analisar as percepções de profissionais de saúde quanto à cultura de segurança do paciente em sua interface com a liderança, demonstrou que diversos trabalhadores hospitalares mencionaram que a alta gestão, ao contrário da chefia imediata, não favorece a promoção do atendimento seguro.

No mundo globalizado, competitivo e dinâmico em que as organizações prestadoras de serviços encontram-se hodiernamente, a liderança emerge como competência gerencial indispensável ao alcance eficaz dos objetivos em comum de um grupo(11). No contexto investigado, os enfermeiros gestores legitimaram que o objetivo (implantar as estratégias de segurança do paciente) teve seu alcance facilitado por intermédio da liderança do enfermeiro e, também, da equipe multiprofissional, sensibilizada pelo atendimento seguro.

Coadunando com o que os participantes desta investigação enunciaram acerca da liderança na interface com a segurança do paciente, um estudo de origem asiática(12), que objetivou avaliar um programa intitulado “Patient Safety Leadership Walkabout”, o qual identifica os fatores intervenientes ao processo de trabalho na segurança do paciente, indicou que, apesar das potencialidades expressas desse programa, este não é a solução para todos os problemas relacionados à segurança porque, é necessário o real compromisso dos líderes e liderados para com a assistência reduzida de riscos. Essa constatação reitera a importância da equipe multiprofissional em prol da segurança, como expresso pelo participante E5H4.

Os fragmentos antes descritos demonstram que a liderança militante pela segurança do paciente se deu na forma de supervisão e disseminação das metas a serem alcançadas. Estas ações podem ser entendidas como elementares à gestão nos serviços de saúde. Talvez por isso, o papel do enfermeiro tenha sido salientado: o processo de trabalho deste profissional engloba naturalmente a gerência(6), o que não significa sinônimo de liderança, mas pode facilitar o desenvolvimento desta competência(11).

O excerto de E5H1 harmoniza os núcleos de sentido em relação ao apoio da alta direção e da liderança (em especial do enfermeiro) em prol da implantação das estratégias de segurança. Respaldada pelas assertivas mencionadas e também pela literatura(5,11), levanta-se a hipótese de que, pelo desenho de sua função, o enfermeiro(6) é o profissional mais habilitado para gerir as estratégias de segurança do paciente.

Paulatinamente, a segurança, que não é sinônimo de qualidade, vem se consolidando como um de seus elementos críticos(4). Isso possivelmente se deve ao fato de que as organizações prestadoras de serviços necessitam lançar mão de estratégias racionais de gestão para alavancar a qualidade e assegurar a satisfação dos seus clientes — o que, por sua vez, advém do próprio movimento da gestão da qualidade, que pauta-se num conjunto de políticas, ferramentas e práticas gerenciais sistemáticas, com uso assíduo da avaliação periódica para subsidiar a melhoria contínua(13).

Ante ao exposto, percebe-se que a gestão da qualidade nos serviços hospitalares, em resposta às mudanças sociais e ao dinamismo das necessidades organizacionais, precisa englobar a segurança do paciente como um bem desejável a ser gerenciado(1,4,13). Neste aspecto, um participante ratificou que o serviço de gestão da qualidade foi um importante alicerce para promover o estabelecimento das estratégias de segurança. Esse fato é louvável porque a harmonia entre a segurança e a qualidade merece ser desenvolvida com afinco no cotidiano organizacional como um todo.

Além da própria gestão da segurança como importante fator a ser considerado na busca pela qualidade da assistência, mais recentemente tem-se dado destaque ao gerenciamento de riscos —evidenciado por E16H2 — como fator que facilita a implantação das estratégias de segurança. Destarte, o gerenciamento de riscos tem potencial para identificar sistematicamente (com ferramentas próprias) os processos não conformes com aquilo que se preza como qualificado e seguro, fortalecendo a tomada de decisão em prol da redução dos riscos inerentes ao cuidado(14).

Ainda no âmbito do gerenciamento de riscos, um estudo nacional(14) realizado também com enfermeiros gestores identificou que as melhores práticas no gerenciamento de riscos se conformam pela análise crítica da realidade, múltiplas dimensões da gestão e pela educação permanente como eixos balizadores de melhorias dos processos de cuidado. Nesse sentido, foi possível apreender também que, na voz dos enfermeiros entrevistados, as ações educativas também se postam como facilitadoras das estratégias de segurança do paciente.

O depoimento de E9H1 ratifica o pensamento já consolidado de que o processo de trabalho em saúde, produzido e consumido por pessoas, merece ser continuamente melhorado. Por isso, o participante revela a importância da educação permanente do capital humano como meio facilitador à implantação das estratégias de segurança do paciente que, notoriamente, se conforma numa das principais metas de toda organização de saúde(2,4).

A educação permanente em Saúde (EPS) determina um processo de aprendizagem que se utiliza da problematização da realidade local com vistas à construção de conhecimentos e capacitação de profissionais no sentido de transpor os conceitos de educação em serviço e de educação continuada(15), possibilitando a reorganização das práticas profissionais para melhoria do processo de trabalho.

Destaca-se que a exigência de segurança do paciente nos serviços de saúde, e consequentemente, na qualidade do atendimento, tem provocado mudanças no processo de trabalho em saúde e na necessidade de aprimoramento constante do profissional de enfermagem. Nesse contexto, a EPS, que tem como objetivo transformar as práticas possibilitando a construção de estratégias contextualizadas que promovam o diálogo entre as políticas gerais e as singularidades do processo de cuidar(16), se alinha com o processo de implantação das medidas de segurança do paciente porque, por meio das ações educativas, pode contribuir para a inserção e empoderamento dos profissionais no contexto organizacional e também na formulação de estratégias seguras(17).

A questão do ensino no trabalho e até de pesquisas nos hospitais universitários/de ensino (presentes nos excertos) corresponde com a literatura(18), a qual aponta que essas organizações tendem a facilitar os processos de aprendizagem, de investigação e, como se vê nos excertos, de implantação de estratégias de segurança. Destarte, fica a hipótese (e a necessidade de pesquisas futuras) sobre o engajamento das instituições privadas em prol da educação dos trabalhadores e do investimento em pesquisas — visto que estes são, inegavelmente, fatores preditores às melhorias. O tipo de instituição, portanto, não deve ser tomado como condição essencial para o processo em foco.

Reconhece-se, no entanto, que tanto a vivência pessoal e quanto a laboral dos participantes certamente influem nas suas percepções sobre o andamento da implantação das estratégias de segurança do paciente. Neste aspecto, é esperado que os enfermeiros legitimem que os hospitais universitários possuem peculiaridades valiosas à busca pelo estabelecimento de medidas inovadoras, conforme ratifica E2H1.

Conjectura-se então que, sem o apoio da alta gestão, o envolvimento e a valorização dos profissionais e da educação permanente, e as estratégias de segurança terão dificuldades à sua implantação. Emerge, portanto, um paralelo interpretativo de achados entre a primeira e segunda categoria deste estudo: a importância do enfermeiro como gerente em prol de novas estratégias ao cuidado. Nessa perspectiva, tem-se que o enfermeiro, enquanto profissional que precisa da habilidade gerencial além do conhecimento técnico, precisa reconhecer a importância de se envolver e de se responsabilizar com a própria educação (incluindo o planejamento de atividades) e, também, de se colocar como facilitador das ações educativas propostas para si e para sua equipe(19).

Outro estudo(20) aponta que a implantação de novas estratégias no ambiente de trabalho pode ser facilitada pelo encontro diário dos interlocutores do cuidado, que estimula momentos de reflexão sobre o serviço. Por isso, considera-se que a educação permanente se coloca como uma potencial estratégia à equipe que almeja a qualidade e à segurança do cuidado em todos os tipos de instituições de saúde porque, conforme mencionado, esta modalidade de educação no trabalho visa superar as práticas centralizadoras do conhecimento por envolver todos os atores sociais no processo educativo(15).

A fala de E8H1 sinaliza para o fato de que o Departamento de Enfermagem da universidade-sede do hospital instituiu parceria ao aperfeiçoamento teórico-científico dos enfermeiros. Isso é produtivo e salutar, já que o ensino e a prática das estratégias de segurança demandam amplo conhecimento sobre o tema a ser aplicado no campo assistencial(5). Diante disso, alvitra-se que a capacitação formal, especialmente de enfermeiros, que não raras vezes gerenciam as estratégias de segurança do paciente(7), tende a ser um alicerce às boas práticas de gestão.

No que tange ao avanço do conhecimento formal em segurança do paciente, vale destacar um dos objetivos específicos do Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), o qual dispõe que se deve fomentar a inclusão do tema segurança do paciente nos ensinos técnico, de graduação e pós-graduação na área da saúde(2). Com base nesse pressuposto e nos resultados apresentados, possivelmente a capacitação por meio da pós-graduação dos enfermeiros, em parceria com o Departamento de Enfermagem, alavancou sobremaneira a implantação e a operacionalização das estratégias de segurança do paciente.

Em relação à pós-graduação no estabelecimento das medidas de segurança, E4H4 infere claramente a importância da residência em enfermagem desenvolvida no campo hospitalar investigado. Destarte, sabe-se que a residência, modalidade de pós-graduação caracterizada pelo treinamento em serviço, tem potencial para desenvolver habilidades e competências atreladas ao desenvolvimento teórico-científico e técnico necessárias para a superação de problemas encontrados na realidade do trabalho(18).

Vale destacar a menção sobre a importância do curso de residência no contexto da enfermagem. Isso é importante porque dois dos hospitais universitários investigados são campos de ensino para a residência na especialidade Gerência dos Serviços de Enfermagem(18). Isto pode ser um dos fatores que fortalecem o trabalho do enfermeiro com vistas ao desenvolvimento, implantação e disseminação de medidas, metas e estratégias que alavancam a segurança do paciente e a qualidade do cuidado.

CONCLUSÃO

De maneira geral, os enfermeiros gestores referiram à importância da educação permanente na implantação de estratégias de segurança e, com isso, no aperfeiçoamento da assistência prestada ao paciente por meio da capacitação dos trabalhadores. Somado a isso, ressaltaram o apoio da alta gestão e da própria liderança que milita pelo atendimento seguro.

Com base nos achados, considera-se que o processo de implantação das estratégias de segurança é um bem que merece ser gerenciado sistematicamente no cotidiano organizacional e que alguns aspectos inerentes aos hospitais de ensino podem facilitar o processo de implantação dessas medidas. Contudo, ficou evidente que a alta cúpula (presente em todos os hospitais) precisa fomentar as ações voltadas ao atendimento seguro.

Vale destacar que o estudo tem limitações, como a participação de uma população muito homogênea e o emprego de entrevistas individuais e únicas. Apesar disso, os seus achados podem contribuir para o aporte de conhecimento relacionado ao tema segurança do paciente, especialmente por abordar aspectos que facilitam a implantação das suas estratégias.

Por fim, espera-se que novos estudos sejam fomentados a fim de que o tema Segurança do Paciente seja continuamente pesquisado e divulgado no meio acadêmico e social. Diante disso, sugerem-se investigações com diferentes abordagens metodológicas — ao exemplo dos estudos analíticos, debruçados sobre o impacto da atuação gerencial do enfermeiro em prol do estabelecimento de medidas de segurança e, também, relacionados aos indicadores de segurança, inerentes ao trabalho da equipe de enfermagem.


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Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a matéria em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf

Recibido: 13/03/2016 Revisado: 06/02/2017 Aprobado: 20/02/2017