Objetivo: analisar o olhar do enfermeiro do setor de urgência e emergência no que diz respeito ao cuidado ao paciente que tentou suicídio. Método: estudo exploratório-descritivo, qualitativo, realizado por meio de uma entrevista semiestruturada com 13 enfermeiros de um pronto-socorro público do estado do Rio Grande do Norte. Os dados foram sistematizados em núcleos de significação. Resultados: o cuidado do enfermeiro ao paciente que tenta suicídio configura-se sob uma perspectiva tecnicista, com ênfase em uma abordagem clínica. Ademais, percebeu-se que os profissionais sentem-se despreparados para lidar com a temática abordada. Conclusão: é imprescindível repensar a formação profissional do enfermeiro para lidar com o suicídio, sendo fundamentaia a notificação das ocorrências dos casos nos serviços de saúde e a criação de políticas públicas voltadas para prevenção desse fenômeno.
Descritores: Tentativa de Suicídio; Enfermagem; Serviços Médicos de Emergência.
O sentido da vida tem sido uma inquietação representada em todo o percurso da história da condição humana e um questionamento em instrumentos históricos e filosóficos. Dessa forma, pensar e entender tal sentido, remetendo ao fim da vida por meio do autoextermínio, provoca na sociedade um sentimento de estigma, algo de natureza delicada, que gera polêmica, principalmente quando a vida se encerra por vontade própria.
O suicídio, que representa um dos comportamentos humanos mais enigmáticos e pertubadores, pode ser caracterizado como um ato deliberado e executado pelo próprio indivíduo, de forma consciente e intencional, cujo anseio e objetivo final é o fim da vida. Destarte, o comportamento suicida diz respeito aos pensamentos, aos planos e à tentativa propriamente dita, resultando direta ou indiretamente de um ato que, respectivamente, pode ser positivo – tiro por arma de fogo – ou negativo – greve de fome, infligido pela própria vítima(1). Já a tentativa de suicídio é definida como um ato interrompido antes que resulte em morte.
Mais do que uma questão filosófica, religiosa ou social, trata-se de um grave problema de saúde pública, estimando-se que mais de 800 mil pessoas morrem devido ao suicídio todos os anos(1,2). Ademais, o número de casos de suicídio vem aumentando substancialmente no mundo. No Brasil, estudos mostraram que foram registradas, em 2012, 11.821 mortes, o equivalente a cerca de 30 mortes por dia(3).
Para se lançarem luzes a respeito da compreensão do suicídio, necessita-se de um olhar atento às singularidades das situações e populações onde ocorre, uma vez que a complexidade do fenômeno aponta fatores associativos internos e externos ao suicida. Considerando que este fenômeno esteja presente em todas as civilizações, ele adquire diferentes significados de acordo com cada cultura(4).
Assim, seus significados armazenados no imaginário da sociedade, principalmente entre os enfermeiros dos serviços de urgência e emergência, permitem a atribuição de valores morais que divergem entre si, podendo mostrar-se evidente durante o posicionamento do profissional sobre a problemática em um prontoatendimento, o que pode influenciar a forma de atenção à saúde destinada ao usuário.
Aqui, serviço de urgência configura-se como a porta de entrada de usuários que necessitam de tratamentos de cunho emergencial e de referência psiquiátrica, como os casos de tentativa de suicídio, apresentando-se como um setor fundamental para uma avaliação dos casos atendidos e de potente visualização do fenômeno. Caracteriza-se, portanto, como serviço de cuidado primário ao indivíduo(5).
Diante disso, a literatura atual mostra-se fragilizada no que diz respeito aos estudos acerca do fenômeno suicídio e serviços de emergência. Percebe-se, ainda, que os estudos apontam, cada vez mais, para a falta de manejo clínico para esses usuários, restringindo-se aos compêndios da psiquiatria. Ademais, a falta de orientação acadêmica e profissional dos enfermeiros tem perpetuado uma abordagem com enfoque clínico e físico ao indivíduo, cujo reestabelecimento da saúde biopsicossocial fica comprometido.
Assim, pode-se pensar acerca das contribuições do profissional de enfermagem nesse processo e de que forma uma assistência humanizada, principalmente dentro do contexto de urgência e emergência, é capaz de influenciar a prevenção de outras possíveis tentativas.
Dessa forma, é possível que o cuidado humanizado, a assistência e o acolhimento do profissional de enfermagem ao paciente que vivencia o contexto do suicídio influenciemo processo de recuperação biopsicossocial do indivíduo? Neste sentido, o presente estudo objetiva analisar o olhar do enfermeiro do setor de urgência e emergência no que diz respeito ao cuidado ao paciente que tentou suicídio.
Trata-se de uma pesquisa de caráter exploratório-descritivo, cuja abordagem é qualitativa, uma vez que envolve um universo de significados, relações, atitudes e valores mais profundos, em que o nível de realidade não pode ser quantificado(6).
O estudo foi desenvolvido em um pronto-socorro do município de Natal, localizado no estado do Rio Grande do Norte, que atende, mensalmente, cerca de 12.000 usuários vindos da cidade-sede e do interior do estado, uma vez que o serviço é referência e dispõe de equipamentos para atendimento de urgência e internamentos de média e alta complexidade. Por isso, muitas ocorrências de suicídio e de tentativas de suicídio são encaminhadas para essa unidade.
A população foi constítuída por enfermeiros que atuavam em escalas de plantão fixas no pronto-socorro em questão, compreendendo o total de 33 profissionais. Consideraram-se critérios de inclusão: atuarem há, no mínimo, um ano no setor, pois um maior tempo no serviço pode oportunizar uma maior vivência no que se refere à assistência ao paciente que tentou suicídio; e terem presenciado atendimento ou oferecido assistência a pacientes de agressões autoinfligidas. Excluíram-se do estudo os enfermeiros que se encontravam em período de férias ou de recesso durante a coleta de dados. Assim, constituíram-se como população de estudo 13 enfermeiros, pois dois encontravam-se em recesso durante o período da coleta de dados; sete recusaram-se a participar do estudo; dois não deram retorno aos pesquisadores após contato realizado; e nove atuavam no serviço há menos de um ano.
Coletaram-se os dados no período de 10 de junho a 12 de julho de 2015 por meio de uma entrevista semiestruturada, uma vez que, por meio dela, busca-se a obtenção de informações contidas na fala dos atores sociais, havendo uma abordagem livre do tema proposto, com o auxílio de perguntas previamente elaboradas(6).
Para tanto, elaborou-se uma entrevista com questões abertas relacionadas ao atendimento da enfermagem ao paciente vítima de tentativa de suicídio, abordando aspectos acerca da humanização da assistência ao paciente e à família, das principais dificuldades encontradas na abordagem ao paciente e do olhar do profissional ao paciente. As entrevistas foram realizadas individualmente após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), gravadas com consentimento dos participantes e realizadas em ambiente escolhido pelo participante da pesquisa. Visando garantir o anonimato, os entrevistados foram identificados pela letra “E”, precedida de um algarismo arábico.
O processo de análise dos dados se deu à luz da constituição de núcleos de significação. Para tanto, realizou-se a transcrição das falas, objetivando familiarizar-se com o texto que expressa a experiência vivida. Posteriormente, foram realizadas várias releituras, destacando-se os pré-indicadores que, uma vez articulados, permitiram a elaboração de significados a partir da expressão emocional do sujeito. O processo de análise seguiu com a aglutinação dos pré-indicadores, na medida em que se apresentaram similares, complementares ou contrapostos, dando origem aos indicadores. A partir disso, elencaram-se núcleos significativos, evidenciando o fenômeno estudado e os as¬pectos a ele relacionados. Por fim, procedeu-se com a inter-pretação dos dados, apontando para a articulação dos elementos traduzidos na entrevista, nos pressupostos do pes¬quisador e nos marcos teóricos de referência(4,7,8).
No que tange às questões éticas, o projeto respeitou as normas e os procedimentos previstos na Resolução Nº 466/13 do Conselho Nacional de Saúde, que regulariza em âmbito nacional as pesquisas com seres humanos, e obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob Parecer Nº 1.086.418 de 29/ 05/2015, (CAAE 44895315.3.0000.5568).
Os dados que emergiram das entrevistas realizadas foram analisados e categorizados em quatro núcleos de significação: A enfermagem e o atentado à vida pelo autoextermínio; urgência no atendimento ao suicída; o cuidado àquele que vivencia a escolha pelo suicídio; dificuldades encontradas na abordagem ao paciente que tenta suicídio.
A enfermagem e o atentado a vida pelo autoextermínio
Os participantes do estudo demonstraram um discurso cuja realidade traduz um cuidado exclusivamente clínica, sem levar em consideração o contexto biopsicossocial do indivíduo que tenta suicídio, conforme é apresentado nos relatos abaixo:
E1: O tratamento é como qualquer outro. Chega no pronto-socorro e a gente faz o atendimento inicial, do médico, depois da enfermagem [...].
E2: Na chegada do paciente, ele é visto pelo médico, e a gente vai fazer os cuidados prescritos. No caso, quando há ingestão de veneno ou de medicação, a gente passa a sonda nasogástrica, dependendo da substância, e vai saber se pode fazer lavagem gástrica ou não [...].
E3: O paciente é atendido, sai de risco de vida e vai pra casa da mesma forma que veio. Não existe um negócio de dar aquela continuidade [...].
Urgência no atendimento ao suicida
As falas a seguir apontam que o cuidado de enfermagem baseado no modelo biomédico articula-se com a ausência de um ambiente propício para realização de práticas mais humanizadas, fato característico dos ambientes de urgência.
E4: Geralmente, como o pronto-socorro é bem corrido, a gente tenta dar prioridade. O paciente com intoxicação exógena, que é o que mais chega aqui, a gente providencia acomodação. Às vezes não tem maca, só tem cadeira. Aí a gente tem que passar a sonda na poltrona mesmo. Mas o atendimento é esse: acomodar e fazer o procedimento, que é a passagem de sonda nasogástrica, fazer lavagem, dar medicações [...].
E5: A gente fica angustiado porque vê que aquilo que está sendo oferecido não é o adequado, não é o que ele deveria ter. Um dia de hoje, por exemplo, um paciente chega e você não tem como dar uma atenção adequada a ele, infelizmente. A sobrecarga é demais. O próprio setor não tem um ambiente adequado para colocar essa pessoa [...].
E3: O paciente estabiliza e, se viver, vai pra casa. Mas essa parte da gente abordar e tentar dar um encaminhamento não acontece. Nunca vi.
O cuidado àquele que vivencia a escolha pelo suicídio
Os enfermeiros do estudo compreendem que existe um grande número de fatores externos, associados ao contexto do suicídio, que contribuem para que um indivíduo decida pôr um fim à vida. Observou-se, ainda, que muitos reconhecem a importância de ser oferecida uma assistência humanizada, mas acabam não realizando esse cuidado.
E6: Eu acho que um atendimento humanizado vai fazer diferença nessa pessoa, mas não sei se posso dizer que fará a ponto de evitar outras tentativas, pois os fatores que geraram não dependem da assistência,mas, sim, estão lá fora. Se ele voltar com o mesmo estímulo, vai voltar a tentar o suicídio. Eu acho essa parte muito intrínseca do paciente, e a recorrência disso não depende da assistência.
E7: O meu contato é muito rápido. Não tem quase tempo de conversar, de tentar fazer alguma coisa. A conversa é pouca. A gente tem que tentar convencer a passar uma sonda.
E8: Aquele acolhimento na entrada não é feito, porque não dá tempo. Normalmente, a gente pergunta por que ele fez aquilo.
E9: Usa a contenção física. Se ele tiver se machucando com a contenção, vai para química. A justificativa é que não temos profissionais suficientes para fazer esse cuidado integral; e, quando você tira esse paciente da urgência, é como se o dever da gente já tivesse acabado ali. O depois é só um paciente que está gritando [...].
Dificuldades encontradas na abordagem ao paciente que tenta suicídio
Os entrevistados afirmam terem dificuldades em abordar o paciente que tentou suicídio e não se sentirem capacitados para realizar tal ação. Ademais, o contato com o familiar que acompanha o paciente está restrito ao recolhimento de informações associadas ao ato.
E10: Eu tenho dificuldade de entrar no assunto. Às vezes, tenho a vontade de comentar, mas não sei exatamente como fazer. Por isso que eu já puxo a assistente social [...].
E11: Existem dificuldades sim, e muitas pessoas não estão preparadas para isso. Deveria ser um ponto abordado com mais clareza tanto na graduação quanto em educação continuada. Eu acho que o fator suicídio é um assunto que ainda gera desconforto, um tabu, que a gente não acaba vivenciando na parte da educação [...].
E12: Sinto muita dificuldade. O hospital poderia oferecer mais cursos, palestras, pra gente ter um diálogo mais acessível. A gente estuda psicologia, teoria e prática, mas esas disciplinas não são muito vivenciadas no nosso dia a dia. Essa deficiência vem desde a graduação. Tem que ter mais essa prática voltada para assistência ao suicídio [...].
E12: Eu acho que são pessoas fracas, tanto do ponto de vista emocional, espiritual [...].
E08 A humanização foca justamente no familiar, conversar com o familiar pra tentar colher informações que possam fazer com que a gente previna uma reincidência.
O processo saúde-doença passa, cada vez mais, por uma evolução histórica, ampliando, aos poucos, o pensamento e o conhecimento científico reducionista, centrado na fragmentação do saber, dando espaço a um olhar engajado na subjetividade do sujeito e na complexidade das relações sociais(9).
No entanto, embora se observe um discurso teoricamente pautado em uma dimensão biopsicossocial na assistência ao paciente, norteado pela promoção da saúde, por parte dos profissionais que atuam nos serviços de saúde, tem-se percebido, na prática, uma atuação em que o enfoque está centrado na doença, não no doente(9).
Os profissionais dos serviços de urgência, em especial os enfermeiros, por apresentarem um contato mais próximo e direto com o paciente, a exemplo daquele que tenta suicídio, acabam por se tornar atores fundamentais no cuidado. Entretanto, muitas vezes, esse processo é traduzido em uma perspectiva clínica, pautada na intervenção técnica, sem reconhecer a subjetividade e a história de vida do indivíduo.
O acolhimento ao sofrimento, tão característico de um paciente vítima de uma tentativa de suicídio, também é deixado de lado, tornando-se evidente, a partir disso, que os motivos psíquicos que envolvem toda e qualquer tentativa de suicídio são negligenciados.
Os profissionais de saúde necessitam superar o modelo biomédico de assistência à saúde, voltado para a doença, o diagnóstico e a conduta terapêutica, e investir no modelo de atenção com foco na promoção da saúde, levando em consideração as dimensões sociocultural, biológica, psicológica e a história de vida do paciente que tenta suicídio(9).
Nesse sentido, o primeiro contato com o paciente que tentou suicídio deve ser capaz de gerar o estabelecimento de um vínculo que possa garantir confiança e colaboração, visto que o indivíduo encontra-se enfraquecido emocionalmente e,muitas vezes, não colaborativo com os profissionais, tornando-se essencial ouvi-lo atenciosamente(10).
Em contrapartida, muitos enfermeiros reconhecem e atribuem o cuidado de enfermagem exclusivamente clínico à ausência de um ambiente acolhedor e favorável para realização de práticas mais humanizadas, fato característico dos ambientes de urgência.
Entretanto, percebe-se que, além da problemática referente a um ambiente desfavorável para realização de um cuidado integral e contínuo, que leve em consideração o contexto de vida do paciente vitimizado pela tentativa de suicídio, a sobrecarga de trabalho, presente no cotidiano dos profissinais de enfermagem, pode contribuir para um maior agravamento dessa realidade.
Logo, o enfermeiro deve estar capacitado para lidar com o ambiente de trabalho no qual está inserido e, principalmente, estar preparado para agir com o paciente que se encontra em sofrimento psíquico a ponto de querer interromper sua vida. Ademais, a busca pela melhoria nas condições de trabalho necessita ser pensada e colocada em prática pelos profissionais, a fim de culminar em um melhor desempenho profissional e, consequentemente, em um cuidado de enfermagem mais efetivo.
O profissional de saúde inserido no serviço de emergência necessita estar preparado para compreender a situção e para se deparar com as características comumente observadas no paciente suicida, principalmente pensamentos que retratem desesperança, medo, desespero e desamparo. Nesse sentido, o contato empático empobrecido e apressado e o próprio ambiente de urgência e emergência podem impedir uma avaliação clínica e um relacionamento terapêutico eficaz(10).
A troca de plantões entre os profissionais no estabelecimento acaba por dificultar a continuidade de uma assistência. Desse modo, há uma quebra na continuidade do cuidado ao paciente, e o enfermeiro, muitas vezes, não se articula com a equipe a fim de promover essa assistência contínua por meio da referência do paciente para outros serviços após a alta hospitalar. Com isso, a recorrência desse fenômeno poderá sofrer forte influência.
Nesse sentido, a fragmentação de um cuidado contínuo nos seviços de saúde de emergência pode ser superada na medida em que houver um enfoque no trabalho multiprofissional e, sobretudo, no registro dos casos de tentativa de suicídio no prontuário. Assim, a interdisciplinaridade apresenta-se como importante estratégia terapêutica que possibilita a integração dos profissionais responsáveis pelo cuidado ao paciente de tentativa de suicídio, culminando em uma assistência qualificada e eficaz no âmbito da complexidade do comportamento do suicida. Assim, há uma fragilidade no que diz respeito ao reconhecimento da pessoa que tenta suicídio enquanto um ser que necessita, além de um olhar clínico e de urgência, de um olhar diferenciado, humanizado, continuado e global que essa problemática exige.
Por outro lado, a humanização refere-se à oferta de uma assistência de qualidade, permitindo que haja a articulação dos avanços tecnológicos com acolhimento, melhoria dos ambientes de cuidado e das condições de trabalho dos profissionais(11).
Dessa maneira, um atendimento humanizado, com ênfase em escuta qualificada, diálogo, informação e emprego de atitudes que reflitam positivamente a assistência, como, por exemplo, o toque ao paciente, pode influenciar, de forma significativa, a tomada de decisão do profissional durante uma emergência, contribuindo para prevenção de outras possíveis tentativas de suicídio.
Entretanto, acredita-se que, na maioria das vezes, essa assistência não é um fator determinante para a prevenção da recorrência do fenômeno, uma vez que um grande número de fatores externos, vinculados à história de vida do sujeito e associados ao contexto do suicídio, contribui para que um indivíduo decida pôr fim à vida.
Desse modo, o encaminhamento adequado do indivíduo a outras especialidades, tais como a psiquiatria, quando necessário, e a psicologia, torna-se fundamental, uma vez que os sentidos e os significados que estão por trás do desejo de perder a vida serão refletidos e aprofundados. Por isso, é importante a equipe estar ciente de que , além de um cuidado com perspectivas e práticas humanizadas, um trabalho multiprofissional faz-se necessário.
Percebe-se, ainda, que os profissionais reconhecem a importância de ser oferecida uma assistência humanizada, baseada na necessidade de ouvir atenciosamente o paciente, na promoção de um cuidado acolhedor e, sobretudo, na compreensão acerca dos determinantes socioculturais que cercam a vida do indivíduo. Porém, em virtude principalmente da alta demanda de serviços, acabam não realizando esse cuidado.
O indivíduo que tenta suicídio, por sua vez, encontra-se em sofrimento psíquico, e realiza tal ato numa tentativa de externar seu sofrimento. No entanto, esse contexto, muitas vezes, não é compreendido pelo enfermeiro, gerando uma abordagem inadequada e desumanizada, caracterizada principalmente por um diálogo inquisidor das razões para a escolha de tal ato.
Por outro lado, o ambiente de urgência e emergência, tido como estressante na maioria das vezes, ou o despreparo dos profissionais para lidarem com a temática em questão, acaba por contribuir negativamente para tal abordagem humanizada. Nesse sentido, durante a abordagem aos pacientes nesse contexto em especial, deve ser levado em consideração o comportamento do indivíduo no momento do atendimento. A partir disso, serão pensados o modo como o profissional vai dialogar e a conduta que irá estabelecer frente ao paciente.
Estudos corroboram com essa ideia, refletindo acerca do uso da contenção física e química durante esse processo, geralmente rotineiro em alguns serviços de emergência, principalmente dentro da perspectiva de saúde mental (12). Desse modo, não há o favorecimento da prática acolhedora e humanizada tanto questionada na assistência ao indivíduo que tenta suicídio. A partir disso, o uso da contenção física deve ser utilizada em casos necessários, a exemplo de um paciente agitado, agressivo e não colaborativo, e não como prática rotineira dos serviços de urgência.
Algumas técnicas, como a comunicação terapêutica, em que o enfermeiro utiliza habilidades de comunicação objetivando apoiar, informar e promover educação e capacitação do indivíduo no processo de transição de saúde doença, constitui-se de um conjunto de intervenções terapêuticas com foco na recuperação do paciente. Com isso, os métodos que promovam a desumanização do cuidado podem ser evitados e minimizados, favorecendo a recuperação biopsicossocial do indivíduo que tenta suicídio(12,13).
Percebeu-se, ainda, que os enfermeiros que vivenciam diariamente o cuidado ao paciente que tentou suicídio nos serviços de urgência, muitas vezes, não são capacitados para realizar esse atendimento. A partir disso, acabam designando essa ação para os demais profissionais que constituem o serviço de saúde, como psicólogos e assistentes sociais.
A fragilidade encontrada na realização de uma abordagem efetiva ao paciente de caráter integral e multiprofissional, muitas vezes, está atrelada a uma deficiência na formação profissional. Desse modo, acredita-se que os cursos de graduação em enfermagem necessitam incorporar, cada vez mais, à grade curricular disciplinas capazes de gerar uma maior discussão e um melhor olhar sobre a dimensão biopsicossocial das doenças e do doente, como aquele que tenta suicídio, tanto na teoria quanto na prática.
Assim, tendo em vista a busca pessoal e individual dos profissionais por uma educação continuada, os serviços de saúde também necessitam oportunizar, estimular e promover cursos de capacitação, culminando, assim, em uma assistência eficaz ao paciente que tenta suicídio. Por outro lado, as dificuldades em realizar uma abordagem adequada ao paciente que tenta suicídio também estão atreladas ao estigma e às crenças relacionadas a esse fenômeno, fundamentadas em aspectos religiosos, sociais e morais, que atravessam a formação do profissional enquanto pessoa e, sobretudo, influenciam a postura e o acolhimento oferecido a esse tipo de paciente.
Pôde ser observado, ainda, que a relação dos profissionais com a família do paciente que tenta suicídio está intimamente limitada ao recolhimento de informações inerentes ao ato. Desse modo, o aspecto biopsicossocial que permeia a vida dessas pessoas fragilizadas é deixado de lado.
Dados de estudos estimam que 60 pessoas sejam diretamente afetadas em cada morte por suicídio, incluindo família, amigos e colegas de classe. Assim, a terapia familiar apresenta bastante utilidade, uma vez que pode contribuir para a melhora da comunicação com o paciente, do suporte social e da adesão ao tratamento(3).
Logo, o trabalho com a família é fundamental nesse processo, principalmente no sentido de oferecer apoio frente ao sofrimento e de propiciar uma conscientização sobre a importância da psicoterapia e do acompanhamento psiquiátrico, quando necessário, ao indivíduo que tentou suicídio, alertando para a possibilidade de outras tentativas futuras caso não tenham tratamento adequado.
Por outro lado, o registro de dados completos sobre a tentativa de suicídio não ocorre na maioria dos casos, o que acaba por desencadear a falta de conhecimento da realidade epidemiológica desse fenômeno. Assim, acredita-se que o fato de os profissionais de enfermagem negligenciaremaa história de vida do paciente vitimizado pela tentativa de suicídiocontribui para a falta de registro dos casos.
Diante disso, o olhar dos profissionais que lidam cotidianamente com a problemática do suicídio nos serviços de urgência, em especial o enfermeiro, configura-se sob uma perspectiva tecnicista, com enfoque em um cuidado exclusivamente clínico.
Entretanto, a habilidade para lidar com essa temática, a partir de uma assistência permeada por um eixo biopsicossocial, humanizado e acolhedor ao individuo que tenta suicídio, poderá diminuir consideravelmente o índice desse fenômeno, principalmente se os fatores internos e externos associados à tentativa, intrínsecos ao paciente e ao meio sociocultural em que ele está inserido, forem levados em consideração.
Percebe-se, assim, que este estudo evidencia a necessidade de um maior suporte no que diz respeito ao estabelecimento de processos de educação continuada e permanente, uma vez que dificuldades na abordagem a esses pacientes ainda são comumente relatadas nas práticas assistenciais.
Ademais, temáticas referentes à finitude da existência, a exemplo do suicídio, ainda gera nos profissionais uma série de conflitos cuja essência moral, religiosa e histórica provoca uma série de pensamentos com diferentes significados. Desse modo, o suicídio acaba sendo visto como tabu, resultando em uma assistência exclusivamente clínica.
Percebe-se, ainda, a necessidade da notificação das ocorrências e do desenvolvimento de estratégias que visem aprimorar o cuidado ao paciente que tenta suicídio, desconstruindo conceitos preconcebidos relacionados a esse fenômeno, vendo-os a partir de sua totalidade. Além disso, acredita-se ser fundamental a elaboração de políticas públicas voltadas para prevenção desse fenômeno.
A relação do enfermeiro com o paciente, por sua vez, com ênfase na escuta, é uma importante ferramenta no planejamento efetivo do cuidado humanizado, uma vez que ele deve ser realizado com segurança, prontidão e qualidade e deve envolver um trabalho multiprofissional para, consequentemente, ajudar a minimizar a angústia e o sofrimento presentes frequentemente nas famílias, contribuindo, dessa forma, para prevenção de outras possíveis tentativas.
Desse modo, a escuta e a acolhida do profissional ao paciente irão demarcar, principalmente, o modo como a relação entre ele e o enfermeiro será construída. A partir disso, tornará possível perceber se tal relação será permeada pela confiança, pelo medo ou pela resistência.
Sugere-se a continuidade de estudos que reflitam e demonstrem os benefícios de um cuidado humanizado ao paciente suicida dentro do contexto de urgência e emergência, principalmente para a prevenção de um ato fatal. É válido reforçar a importância do desenvolvimento de estratégias para prevenção do fenômeno pelo enfermeiro, uma vez que a literatura aponta o fato de pacientes que tentaram suicídio tenderem a repetir tal ato.
Logo, a acolhida adequada e a realização de encaminhamentos devidos, como psicoterapia e/ou psiquiatria quando necessárias, são fundamentais para a prevenção de outras tentativas, principalmente por contribuírem com o processo de construção dos sentidos e dos significados trazidos ao longo da história de vida do sujeito.
O registro do máximo de informações sobre a tentativa no prontuário do paciente contribui para continuidade da assistência nos serviços de urgência e emergência. Ademais, permite o fornecimento de dados para melhor conhecer essa realidade e subsidiar futuras pesquisas na área.
A formação do enfermeiro e dos demais profissionais da saúde necessita ser repensada, uma vez que temáticas como suicídio são ainda pouco abordadas nas grades curriculares dos cursos de graduação. Assim, para agir e intervir em um fenômeno ainda pouco estudado e tão presente nos serviços de saúde de urgência e emergência, faz-se necessário o conhecimento da realidade em que o indivíduo está inserido.
Dessa forma, olhar o paciente a partir de sua totalidade, realizar um cuidado integral e humanizado e, sobretudo, junto com uma equipe multiprofissional, atuar na ressignificação da vida daquele que decide pôr um fim a vida ainda representam um desafio que necessita ser superado nos serviços de urgência e emergência.
Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a materia em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf
Recebido: 07/12/2016 Revisado: 31/01/2017 Aprovado: 02/02/2017