Objetivo: identificar os aspectos demográficos e socioeconômicos de mulheres em situação de violência conjugal. Método: Trata-se de um estudo descritivo e quantitativo, vinculado a um projeto de pesquisa-ação sob financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia. Realizou-se uma pesquisa documental a partir de informações contidas em 212 processos registrados em 2014 sob a jurisprudência da 1ª Vara de Violência Doméstica e Familiar contra Mulher de Salvador. A análise dos dados foi efetuada por meio das distribuições das frequências. Resultado: A investigação dos processos registrados em 2014 revelou que a denúncia da violência conjugal é realizada, na sua maioria, por mulheres com idade entre 25 e 49 anos, negras, solteiras, mães, que concluíram pelo menos o nsino médio e com vencimento de até dois salários mínimos. Discussão: A esse perfil de mulheres, já sensibilizadas para romper com a violência, devem ser investidas ações para que não desistam de lutar por uma vida livre de violência.
Descritores: Aspectos Socioeconômicos; Violência Contra a Mulher; Saúde Pública.
A violência contra a mulher, especialmente a que acontece na relação conjugal, é um grave problema de saúde pública. Estudos internacionais revelam: sete em cada dez mulheres serão espancadas, estupradas, abusadas ou mutiladas pelo menos uma vez durante sua vida(1).
Independentemente das formas de expressão, vivenciar a violência adoece as mulheres: estudos sinalizam associação com problemas gastrointestinais e circulatórios, dores e tensões musculares, doenças sexualmente transmissíveis, gravidez indesejada e abortamento espontâneo(2). Além dessas manifestações físicas, diversos fatores evidenciam o comprometimento psicológico. Dentre eles, destacam-se: ansiedade, isolamento do convívio social, medo, baixa autoestima, estresse pós-traumático, ideação suicida e tentativa de suicídio(2).
Apesar das implicações na saúde física e mental, é notória a dificuldade de identificação desse agravo nos diversos cenários da saúde, principalmente no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS), no qual as mulheres dão entrada com queixas clínicas comuns, como, por exemplo, cefaleia e dor epigástrica, e cujos profissionais de saúde, raramente, as relacionam com a violência.
Corroborando, estudiosas(2) acreditam que a dificuldade no reconhecimento desse agravo contribui para a invisibilidade do fenômeno nos serviços de saúde, sobretudo quando não existe uma vinculação à agressão física.
Essa invisibilidade ancora-se na desigualdade entre os gêneros, historicamente construída e reproduzida, permitindo-nos compreender o sigilo que permeia a violência contra a mulher e a dificuldade de identificação do agravo pelos profissionais de saúde. Assim, nota-se a necessidade de um preparo profissional durante a formação acadêmica e/ou em serviço para o reconhecimento da violência doméstica enquanto agravo associado aos problemas de saúde manifestados nas mulheres.
Nesse sentido, os profissionais que compõem a Estratégia Saúde da Família (ESF), com destaque para a enfermagem por integrar as equipes de referência e por ocupar cargos de gestão nas unidades, encontram-se em posição estratégica para identificar possíveis vítimas e para articular os serviços de saúde com as instituições de apoio às vítimas, de modo a constituir uma rede de intervenção, tanto na prevenção quanto na assistência ao dano instalado(2). A relevância do profisisonal de enfermagem é corroborada por um estudo realizado na Jordânia com 125 enfermeiros, que defende a criação de estratégias (por exemplo, o ensino e a formação adequados para tais profissionais) como uma forma de aumentar, nos serviços de saúde(3), a triagem de mulheres vítimas de violência.
Diante da importância de um olhar sensível para a suspeita e para a investigação da vivência de violência como agravo à saúde feminina, considera-se que o conhecimento sobre as características mais frequentes apresentadas por mulheres com história de violência subsidiará, teoricamente, o processo de formação profissional. Neste sentido, questiona-se: Como se caracterizam as mulheres em situação de violência conjugal?
Delineou-se como objeto de estudo: mulheres em situação de violência conjugal; e como objetivo geral: identificar os aspectos demográficos e socioeconômicos de mulheres em situação de violência conjugal.
Trata-se de uma pesquisa documental, de caráter descritivo(4), com abordagem quantitativa, vinculada à pesquisa-ação intitulada “Reeducação de homens e mulheres envolvidos em processo criminal: estratégia de enfrentamento da violência conjugal”, sob financiamento da Fundação de Amparo à pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB).
O estudo foi realizado a partir da consulta de processos de violência conjugal registrados de janeiro a dezembro de 2014, sob a jurisprudência da 1ª Vara de Violência Doméstica e Familiar contra Mulher de Salvador, Bahia, Brasil. Em geral, as denúncias relacionadas à violência contra a mulher são realizadas nas delegacias especializadas em atendimento à mulher e, após a conclusão da investigação, encaminha-se o inquérito para o judiciário. Inicialmente, o juiz da Vara Especializada de Violência Doméstica analisa o inquérito que, em seguida, é apreciado pelo Ministério Público (responsável pelo oferecimento da denúncia formal contra o acusado).
Apesar do percentual menor, a comunicação do crime pode ser realizada em delegacias comuns ou diretamente para o Ministério Público, o qual, inclusive, pode oferecer denúncia sem a abertura de inquérito se a comunicante apresentar um mínimo de provas que demonstre a ocorrência de um fato criminoso. Quanto aos casos envolvendo menores, cabe ressaltar que a comunicação pode ser realizada nas delegacias de proteção à criança e ao adolescente, e o processo, por sua vez, tramitará junto à Vara de Violência Doméstica e Familiar.
Em 2014, foram registrados 252 processos. Dentre eles, 212 referiam-se à violência conjugal. Os demais relacionavam-se a outras formas de violência que envolvem questões de gênero no âmbito da família. Para a coleta de dados, elaborou-se um instrumento estruturado baseando-se em um formulário institucional que contém dados referentes à mulher e à sua história de violência. Esse documento, que integra o processo, foi preenchido pela psicóloga e/ou assistente social, funcionárias do serviço, durante a entrevista, para um acompanhamento psicossocial. O instrumento construído para coleta de dados contemplou variáveis referentes aos aspectos demográficos (idade, cor), socioeconômicos (estado civil, número de filhos, escolaridade, atividade remunerada, renda).
Para a coleta de dados, realizaram-se onze visitas, previamente articuladas com a juíza, representante legal da 1ª Vara de Violência Doméstica e Familiar contra Mulher. Essa coleta ocorreu no turno matutino, sendo realizada por uma mestranda, com auxílio de graduandas e de outras pós-graduandas integrantes do grupo de estudos, todas devidamente treinadas.
O processamento dos dados foi efetuado por meio das distribuições das frequências, possibilitando a caracterização das mulheres em vivência de violência conjugal. Os dados quantitativos obtidos foram armazenados em planilhas do programa Excel e analisados no programa STATA, versão 11.0 (Stata Corp, College Station, TX, EUA).
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, sob protocolo n.º 877.905. Foram respeitados os aspectos éticos preconizados pela Resolução n.º 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, considerando os princípios da bioética: autonomia, não-maleficência, beneficência e justiça.
A partir da análise dos 212 processos de violência conjugal registrados no ano de 2014 na 1º Vara de Violência Doméstica e Familiar contra Mulher, foi possível identificar aspectos demográficos e socioeconômicos de mulheres que vivenciaram esse fenômeno.
Observou-se que a idade das mulheres que compõem a amostra do estudo variou de 22 a 79 anos, com predomínio da faixa etária de 25 a 49 anos, equivalente a 84,9% (Gráfico 1).
A respeito da variável cor da pele, a maioria das mulheres se autodeclarou parda (43,3%), seguida da cor preta (32,55%), que, juntas, representam a raça negra (75,85%), conforme define o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O percentual de mulheres brancas foi 13,68%, e o sem informação, 10,38%.
No que tange à situação conjugal, a maioria das mulheres se declarou solteira, representando 46,7% do universo analisado (Gráfico 2).
Considerando o número de filhos, predomina a composição familiar com apenas um filho (43,87%), seguida de dois filhos (26,42%), de nenhum filho (13,68%), de três filhos (12,74%) e, por fim, de quatro ou mais filhos (3,31%). Quanto à escolaridade, houve prevalência do ensino médio, seguido do ensino superior (Gráfico 3).
A maioria das mulheres em vivência de violência na conjugalidade exerce atividade remunerada (79,23%). No que se refere à renda mensal dessas mulheres, os vencimentos variaram entre um e mais de cinco salários mínimos, destacando-se aas com rendimentos de até um salário (Gráfico 4).
A partir da análise dos 212 processos relacionados à violência conjugal registrados em 2014, pode-se inferir que as mulheres na faixa etária de 25 a 49 anos são as que mais recorrem aos equipamentos de cunho jurídico-policial voltado para a atenção à mulher em situação de violência conjugal. Trata-se da faixa etária semelhante à identificada em uma pesquisa realizada no Iraque, a qual, ao analisar 800 fichas de mulheres atendidas em hospitais públicos na cidade de Erbil, revelou que a maioria (67,1%) das mulheres tinha idade entre 25 e 44 anos(5).
Todavia, isso não significa dizer que essa seja a faixa etária em que as mulheres mais sofrem violência. Talvez seja esse o período da vida em que elas, após tentativas de conter as agressões, decidam pela denúncia ou iniciem o processo de perceber-se em situação de violência. O fato de o estudo não apontar mulheres de 18 a 21 anos que denunciaram, bem como o baixo percentual de mulheres com idade entre 22 e 24 anos, pode estar relacionado justamente a essa não percepção de que vivenciam o agravo. A dificuldade das mulheres em se reconhecerem no contexto de violência também foi apontada em outros estudos(6), situação que acaba por favorecer a subnotificação da violência. Nota-se, portanto, a necessidade de estratégias que permitam às mulheres se perceberem em situação de violência, e, consequentemente, perceberem a transgressão da invisibilidade desse fenômeno que permeia as relações conjugais. Ao se reconhecer na situação de violência, a denúncia passa a se constituir uma possibilidade.
Vale salientar que, embora o ato de denunciar sugira compreensão feminina do contexto de crime que permeia a relação conjugal, algumas mulheres recorrem aos equipamentos jurídico-policiais com objetivo de que els, com o poder da lei, façam cessar a violência vivenciada.
Uma pesquisa sobre o estigma da violência sofrida por mulheres na relação com seus parceiros íntimos, realizada na Região Nordeste do Brasil, revela que elas esperam que a delegacia repreenda ou aconselhe seus companheiros para mudarem seu comportamento, de modo a anular a violência na relação conjugal(7). Ademais, um estudo realizado na Região Sul do Brasil também corrobora que, ao denunciarem seus agressores, as mulheres não desejam incriminá-los nem divorciar, e, sim, impedir a reincidência da violência para sua proteção(8).
Percebe-se, assim, que, ao denunciar, a principal finalidade das mulheres é uma vida conjugal livre de violência, e não necessariamente romper o vínculo com o companheiro. Não vislumbrar a separação como possibilidade de ruptura do ciclo de violência sugere a influência do modelo patriarcal hegemônico que permeia a visão socialmente compartilhada do modelo de família nuclear, do casamento indissolúvel, do estigma da mulher separada, da ausência da figura paterna. Essas e outras concepções sociais impõem às mulheres o papel de zelar pela unidade familiar. Por isso, elas continuam com seus cônjuges.
A força da cultura patriarcal permite compreender o porquê da permanência das mulheres na relação ancorada no desrespeito e na violência bem como o da perpetuação do comportamento feminino de se conformar com a situação(9). Pesquisas assinalam que, embora efetuem a denúncia, as mulheres decidem retomar a relação conjugal em função dos filhos ou devido à crença na transformação dos companheiros(8,9). A esperança de que os parceiros mudem também foi sinalizada em um estudo realizado no estado do Ceará, Brasil(7).
Outra justificativa para conservar a união relaciona-se com o receio de ficarem sozinhas, sem a figura do marido(9). Esses elementos, ancorados na construção desigual entre os gêneros, contribuem para permanência das mulheres no ciclo de violência.
Com o movimento de mulheres, surgem questionamentos quanto aos papéis e aos atributos considerados inerentes a cada sexo. A violência contra a mulher tem suas raízes na naturalização da desigualdade entre os sexos, responsável pela visão social de inferioridade, submissão e subserviência da mulher em relação ao homem. A crença socialmente compartilhada na superioridade masculina sobre a mulher, construída historicamente pela sociedade patriarcal, demonstra a necessidade de maior discussão sobre a perspectiva de gênero(10). Entender o processo de construção social do que é ser homem e do que é ser mulher talvez seja o primeiro passo para que as mulheres se percebam em situação de violência e acreditem na possibilidade de uma vida livre de violência.
Em que pese a importância das discussões em torno da categoria gênero para a visibilidade social da problemática da violência contra a mulher, inclusive praticada pela própria mulher, devemos pontuar que houve um fortalecimento somente na década de 1970. Isso nos leva a inferir que mulheres nascidas antes dessa década, a priori, teriam menos possibilidades de se reconhecerem em vivência de violência conjugal e de criarem meios para saírem dessa situação.
Esse cenário permite entender a redução acentuada nos percentuais de denúncia de mulheres com idade acima de 50 anos de idade, nascidas quando o modelo patriarcal não era questionável. Todavia, não se pode deixar de considerar que, mesmo na velhice, as mulheres buscam uma vida livre de violência, conforme evidenciam as 14 idosas requerentes dos processos estudados.
Independentemente da faixa etária, a maioria das mulheres em processo na 1ª Vara de Violência Doméstica e Familiar contra Mulher de Salvador se autodeclarou negra. Considerando Salvador uma cidade predominantemente habitada por negros, com uma população feminina representada por 78% do total de 1.426.759 milhões de mulheres(11), não se pode concluir, apenas como este estudo, que as negras sejam as mais vulneráveis à vivência de violência conjugal. Todavia, um estudo realizado no Sul do Brasil, em Porto Alegre, onde a população é predominantemente branca, corrobora com maior percentagem de mulheres negras que iniciaram processo na justiça devido à violência na relação conjugal(12). O Dossiê “Mulheres Negras”, ao retratar as condições de vida da população negra feminina no Brasil, alerta-nos para a interface entre a vulnerabilidade à violência e as desigualdades raciais e de gênero(13).
Em relação ao estado civil, chama atenção que as solteiras são quem mais denunciam. Um estudo realizado com 38.009 mulheres atendidas em Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) da região metropolitana do Rio de Janeiro, no Brasil, revelou uma prevalência de 50,3% de mulheres solteiras(6). Este percentual mostra consonância com os dados achados neste estudo, os quais apontaram que cerca de 50% das mulheres são solteiras, o que representa quase o dobro do percentual de mulheres que vive em união estável, incluindo as casadas. Estas, por sua vez, são responsáveis por menos de um quarto das denúncias.
A dificuldade de mulheres em união estável em denunciar seus companheiros estabelece relação com a valorização social de ter um marido e um casamento estável, considerados símbolos de verdadeiras riquezas(14). Ao não atender a esse padrão imposto pela sociedade, as mulheres são julgadas, sobretudo por não terem conseguido manter a família nuclear, única forma de composição familiar durante séculos. Ainda há resquícios do modelo de família que tem como base o homem na condição de chefe da casa; a mulher, submissa a ele; e os filhos, obedientes aos pais(15).
Outra situação que pode estar associada ao menor percentual de denúncia de mulheres casadas em relação às solteiras refere-se à dependência econômica. Uma pesquisa realizada por meio da análise de 886 fichas de mulheres atendidas em uma pousada que abriga temporariamente mulheres violentadas e necessitadas de proteção, na capital do Paraná, Brasil, confirma que as casadas ou em união estável encontram-se em contexto de maior dependência financeira e aponta que esse é um dos fatores que dificulta a denúncia dos seus parceiros íntimos(16). A dependência econômica, associada à falta de abrigo para si e para os filhos, também foi assinalada em um estudo o qual define três categorias representativas dos motivos relacionados à permanência da mulher na relação conjugal.
A categoria “desamparo” consiste na dependência econômica. A categoria “sentimentais” inclui o amor pelo cônjuge e a esperança de recompor a família e foi apontada como associada à interrupção da separação. Por fim, a categoria “maternal” relaciona-se ao bem-estar dos filhos e à falta do pai que eles sentem (17).
A preocupação com filhos é, possivelmente, uma realidade para a grande maioria das mulheres que denunciaram seus cônjuges em 2014, visto que apenas 13,68% declararam não ter filhos. Em um estudo realizado com 64 mulheres que denunciaram a vivência de violência em um centro estadual de referência e apoio à mulher (CERAM), na cidade de Fortaleza, Ceará, Brasil, evidenciou-se um percentual bem mais reduzido de mulheres sem filhos: 3,2%(18).
Embora o estudo sugira que as mulheres com filhos sejam as que mais denunciam, chama atenção que as pesquisas apontam justamente o contrário: ter filhos dificulta a denúncia(16,8). Outro estudo, também realizado com mulheres em situação de violência, revela que apenas 10% das agressões sofridas são denunciadas e que filhos, medo, vergonha e dependência econômica contribuem para o silêncio e para a permanência na relação(19). Esse cenário nos faz refletir acerca dos sub-registros, sugerindo que o número de processos envolvendo mulheres com filhos, certamente, não é representativo das mulheres em vivência de violência.
Nesse sentido, a pesquisa demonstra uma lacuna a ser melhor investigada em outros cenários, que não aqueles vinculados ao sistema jurídico-policial, buscando como foco a vivência de violência, e não o registro do fato.
Outra variável estudada foi a escolaridade. Este estudo revelou maior prevalência de mulheres com pelo menos o ensino médio concluído. Mesmo com menor percentual (53,7%), a Central de Atendimento à Mulher, por meio do disque denúncia-180, confirma que a maioria das mulheres tem escolaridade acima do nível médio(20).
Assim, pode-se deduzir que, quanto mais anos de estudo, maior o conhecimento da mulher acerca de seus direitos e, assim, maiores as chances de encontrar estratégias para romper com o ciclo de violência, inclusive a partir da denúncia.
Embora este estudo aponte relação entre maior escolaridade e vivência de violência, as diversas e consolidadas publicações indicam o contrário(5,18). Essa aparente contradição nos alerta, mais uma vez, sobre o fato dos sub-registros e sobre a necessidade de estudos com uma amostra que não seja exclusivamente de mulheres que comunicaram o crime em delegacias, com o intuito de possibilitar, de fato, a identificação da associação entre o grau de instrução com a vivência de violência, e não com a denúncia.
Convergindo com o percentual de escolaridade, a maioria (75%) das mulheres estabelece vínculo empregatício. No entanto, ter emprego não significa independência econômica, tendo em vista que mais de 60% delas recebem, no máximo, dois salários mínimos. Essa situação financeira torna-as vulneráveis a uma relação conjugal de dependência econômica que, por vezes, poderá contribuir para permanência no ciclo da violência. Uma análise de 4.478 boletins de ocorrência registrados por mulheres vítimas de violência mostrou que 47,3% delas eram dependentes financeiramente de seus parceiros. Tal situação comprometia a decisão de denúncia e favorecia a permanência na situação de violência. Enfim, mulheres com menor poder aquisitivo denunciam menos por dependerem economicamente de seus cônjuges, sobretudo no que tange ao seu sustento e ao de seus filhos(21).
A investigação dos processos registrados em 2014 revelou que a denúncia da violência conjugal é realizada, na sua maioria, por mulheres com idade entre 25 e 49 anos, negras, solteiras, mães, que concluíram pelo menos o ensino médio e que exercem atividades remuneradas, embora com vencimento de até dois salários mínimos.
Tais achados sinalizam ser esse o perfil de mulheres já sensibilizadas para romper com o ciclo de violência, sendo a denúncia uma das possibilidades. A esse público específico devem ser investidas ações que empoderem as mulheres a não desistir da luta por uma vida livre de violência.
Vale atentar, todavia, que a caracterização identificada não é representativa das mulheres as quais vivenciam violência conjugal, e sim das que denunciam o agravo. Considerando o sub-registro da violência doméstica, pode-se afirmar que o número de mulheres em situação de violência conjugal em Salvador no ano de 2014 é muito maior que 212. Essa limitação de estudo aponta para a necessidade de novas investigações com grupos populacionais não específicos que permitam conhecer, de fato, os aspectos demográficos e socioeconômicos de mulheres que experienciam o fenômeno a fim de melhor orientar medidas de reconhecimento precoce do agravo, bem como estratégias preventivas. Além disso, acredita-se que esse tipo de estudo indicará o percentual de mulheres que já denunciaram sua situação de violência. Ademais, serão conhecidas as semelhanças e as diferenças entre os grupos.
Chama atenção que, dentre as variáveis estudadas, a maioria apresentou algum percentual de quesitos não informados, embora, nesse estudo, não tenha ultrapassado 11%. O não/inadequado preenchimento de quesitos dos instrumentos que alimentam o sistema de informação da saúde pode encobrir dados relevantes. Isso potencializa o risco de viés no perfil epidemiológico e, consequentemente, o desenvolvimento de ações preventivas equivocadas. Daí, tem-se a necessidade de orientação e de acompanhamento dos profissionais responsáveis pelo preenchimento dos instrumentos de informação cujos dados, se fidedignos, direcionarão adequadamente as ações para a prevenção e enfrentamento da violência em determinado grupo vulnerável.
Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a materia em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf
Recibido: 08/10/2015 Revisado: 03/08/2016 Aprobado: 15/08/2016