Objetivo: identificar o conhecimento produzido e publicado quanto às ações de maior relevância no controle das infecções de sítio cirúrgico (ISC) em neurocirurgia passíveis de intervenção. Método: revisão integrativa de artigos publicados em português, inglês e espanhol, nas bases de dados MEDLINE, CINAHL, LILACS, por meio dos portais BVS, CAPES e PUBMED. Resultados: foram selecionadas e analisadas 23 produções, agrupadas em categorias com enfoque nas ações realizadas no pré, trans e pós-operatório e na vigilância cirúrgica. Discussão: não realização de tricotomia, antibioticoprofilaxia correta, técnica asséptica rígida na cirurgia, cuidados com as derivações ventriculares, curativos no pós-operatório e vigilância cirúrgica foram considerados relevantes no controle das ISC em neurocirurgia nos estudos encontrados. Conclusão: as evidências encontradas contribuirão no direcionamento das ações da enfermeira da CCIH no controle das ISC em neurocirurgia.
Descritores: Neurocirurgia; Infecção de Ferida Operatória; Serviço de Controle de Infecção Hospitalar; Prevenção & Controle.
As infecções de sítio cirúrgico (ISC) ocorrem no local do procedimento cirúrgico e podem atingir as camadas superficiais ou profundas da incisão, órgãos ou espaços que foram manipulados ou traumatizados(1). Sendo assim, por definição as ISC são divididas em superficial, profunda e órgãos/cavidades(2). A importância dessa problemática está associada ao aumento da morbidade, mortalidade e à elevação nos custos hospitalares. As ISC levam ainda a um aumento médio de quatro a sete dias na duração da internação hospitalar em e esses pacientes têm duas vezes mais chance de ir a óbito, duas vezes mais chance de serem internados numa unidade de tratamento intensivo e cinco vezes mais chance de serem readmitidos após a alta(3,4,5). Além disso, há o sofrimento emocional e físico do paciente acometido devido ao prolongamento da doença e hospitalização, o que causa tempo maior de afastamento de suas atividades, convívio social e transtornos familiares em função da piora de seu estado e incerteza quanto ao agravo à saúde.
As ISC em neurocirurgia são infecções importantes pela sua gravidade clínica. São frequentemente associadas a pior prognóstico, alta letalidade e grande número de sequelas entre os sobreviventes. Essas infecções são subdivididas em infecção superficial da ferida cirúrgica, infecção de shunt ou das derivações ventriculares, abscesso intraparenquimatoso e meningite(6).
Em neurocirurgia, a maior parte dos procedimentos é considerada “limpa”, com a manipulação de tecidos estéreis. Falhas nos processos podem ser particularmente importantes, e torna-se imprescindível a execução de procedimentos rígidos e vigilância por parte da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH). No entanto, existem controvérsias quanto às medidas para controle e prevenção, profilaxia efetiva e manejo dessas infecções, com muitas recomendações e variados graus de evidência científica.
Tornou-se necessária a busca das melhores evidências, em que a CCIH possa efetivamente fundamentar sua atuação e garantir os resultados efetivos para prevenção dessas infecções. A busca permitirá a comparação, agrupamento e integração das informações no intuito de apoiar decisões sobre o foco de atuação da CCIH. Nesse contexto, este estudo tem o objetivo de identificar o conhecimento produzido e publicado na literatura nacional e internacional sobre as ações de maior relevância no controle das ISC em neurocirurgia passíveis de intervenção da enfermeira da CCIH.
Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, que consiste em sintetizar múltiplos estudos publicados sobre determinado assunto e identificar lacunas que precisam ser preenchidas com a realização de novos estudos, bem como buscar as melhores evidências para o assunto escolhido(7).
Para operacionalizar a revisão, foi usada a sequência das seguintes etapas:
1- identificação do tema e seleção da questão de pesquisa;
2- estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão de estudos/amostragem;
3- definição das informações a serem extraídas dos estudos selecionados/categorização dos estudos;
4- avaliação dos estudos incluídos;
5- interpretação dos resultados;
6- apresentação da revisão/síntese do conhecimento(7).
Foi realizada a busca online de artigos a fim de responder a seguinte questão de pesquisa: quais são as ações de maios relevância no controle e diminuição das infecções de sítio cirúrgico em neurocirurgia passíveis de intervenção da enfermeira da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar?
A busca foi realizada nas bases de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL) e US National Library of Medicine (PUBMED) utilizando-se os descritores em ciências da saúde (DeCS) Neurocirurgia, Infecção de Ferida Operatória e Controle de Infecção, com suas respectivas traduções padronizadas no Medical Subject Heading (MESH) - Neurosurgery, Surgical Wound Infection e Infection Control - e em espanhol - Neurocirurgía, Infección de la Herida e Control de Infección. Em razão das características específicas de cada base de dados, as estratégias de busca foram adaptadas de acordo com o objetivo e critérios de inclusão deste estudo. A busca foi realizada no período de 15 de janeiro a 15 de fevereiro de 2015, sendo estabelecido 2004 como o ano de início das buscas, seguindo-se até 2015. A escolha deste período justifica-se por 2004 ter sido o ano de lançamento da Aliança Mundial para a Segurança do Paciente pela Organização Mundial da Saúde, e um dos focos das campanhas foi a segurança cirúrgica, nela contida a diminuição das infecções relacionadas às cirurgias(8,9).
Os estudos foram selecionados mediante os seguintes critérios de inclusão: artigos científicos, teses ou dissertações publicadas nos idiomas inglês, português ou espanhol que abordassem medidas para controle, prevenção e vigilância de infecção do sítio cirúrgico em neurocirurgia, e disponíveis na íntegra nas bases de dados selecionadas ou por meio de contato com os autores ou compra virtual. Consideraram-se apenas estudos com neurocirurgias, com ou sem dispositivos, e que expusessem ação com alguma influência sobre a incidência de ISC, passíveis de implantação, execução ou vigilância pela CCIH. Foram excluídos artigos que abordassem técnicas ou procedimentos cirúrgicos, cirurgias de trauma e emergências e que trouxessem fatores de risco intrínsecos para ISC, como comorbidades e tempo de cirurgia, ou fatores independentes da atuação da CCIH, como tempo de internação pré e pós-operatório. Foram encontrados muitos textos com a temática de ISC por s. aureus, com protocolos para controle e vigilância deste patógeno. No entanto, optou-se pela exclusão destes devido à especificidade do assunto. Os relatos de casos informais, capítulos de livros, artigos de reflexão, reportagens, editoriais de jornais sem caráter científico, revisões sistemáticas e integrativas também foram excluídos.
Iniciou-se pela base de dados PUBMED, utilizando o formulário avançado com as combinações dos descritores. Seguiu-se a consulta nas bases CINAHL, LILACS, CAPES e BVS. A busca realizou-se pelos descri¬tores individualmente, em seguida foram feitos os cruzamentos utilizando o operador booleano and entre os descritores. Foi utilizado um instrumento de coleta de dados para avaliação das publicações selecionadas. Nele foram dispostos itens relativos ao artigo, como identificação características metodológicas e relativas ao conteúdo, objetivos, método, intervenções mensuradas e resultados encontrados. Após a leitura na íntegra dos artigos selecionados, foram extraídos os itens para preencher o instrumento de avaliação. Os dados foram digitados em uma planilha eletrônica no formato Microsoft Excel 2007 para análise descritiva. Para a avaliação do nível de evidência científica foi utilizada a classificação de sete níveis em acordo a categorizacao da Agency for Healthcare Researchand Quality (AHRQ)(10).
Nível 1 - revisão sistemática ou metanálise de relevantes ensaios clínicos randomizados controlados ou oriundas de diretrizes clínicas baseadas em revisões sistemáticas de ensaios clínicos randomizados controlados;
Nível 2 – publicações derivadas de pelo menos um ensaio clínico randomizado controlado bem delineado; Nível 3 - ensaios clínicos bem delineados sem randomização;
Nível 4 - estudos de coorte e de caso-controle bem delineados;
Nível 5 - revisão sistemática de estudos descritivos e qualitativos;
Nível 6- estudo descritivo ou qualitativo;
Nível 7- opinião de autoridades e/ou relatório de comitês de especialistas.
Após os cruzamentos, foram encontradas 1.182 publicações. Ao final da primeira etapa (utilização do critério temporal), permaneceram para análise 495 artigos. Destes, 302 foram selecionados para a leitura na íntegra de acordo com o objetivo proposto. Nesta fase, os artigos foram eliminados ao não responder à questão norteadora ou não atender aos critérios pré-estabelecidos. Ao final da busca, foram encontrados 23 artigos. O processo de seleção se encontra na Figura 1.
Figura 1: Fluxograma de seleção dos estudos. Rio de Janeiro, 2015.
Fonte: elaborado pelas autoras
A maior concentração de publicações foi nos EUA (N=6) e na Europa (N=8). O Brasil foi responsável por três publicações. A maior parte dos periódicos foi elaborada por profissionais médicos. Enfermeiros foram responsáveis pela publicação de cinco artigos. Não foram encontradas publicações de outras categorias de profissionais. Quanto ao tipo de publicação, todos foram artigos científicos.
O Qualis - Periódicos é o conjunto de procedimentos utilizados pela Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (Capes) para estratificação da qualidade da produção intelectual dos programas de pós-graduação. Como resultado, é disponibilizado uma lista com a classificação dos veículos utilizados pelos programas de pós-graduação para a divulgação da sua produção. A classificação de periódicos pela Capes é realizada pelas áreas de avaliação e é atualizada anualmente. Esses periódicos são enquadrados em estratos indicativos de qualidade - A1 (o mais elevado); A2; B1; B2; B3;B4; B5; C (com peso zero)(11). Para as revistas que não possuíam a área de avaliação “Enfermagem”, utilizou-se a área “Medicina”.
A tabela 1 apresenta as características dos artigos quanto ao nome do periódico em que foi publicado, ano e a nota Qualis da Capes e grau de evidência segundo a AHRQ.
Tabela 1 - Identificação das publicações quanto ao ano, revista, Qualis Capes e nível de evidencia (N=23). Rio de Janeiro, 2015.
Fonte: elaborada pelas autoras
A maior parte dos artigos foi publicada em 2007 (N=9), com publicações em quase todos os anos do período determinado para a presente pesquisa. Os artigos foram distribuídos em 16 revistas. Dessas, dez possuem a avaliação do Capes Qualis “A”, considerado o melhor conceito em publicação. Quanto ao nível de evidência dos artigos selecionados, 14 periódicos foram categorizados com nível 4, quatro com nível 3 e cinco com nível 2.
Os resultados da presente pesquisa foram organizados em quatro categorias: Ações no pré-operatório, Ações no intraoperatório, Ações no pós-operatório e Vigilância. Esta última categoria foi acrescentada devido à sua relevância no contexto da temática deste trabalho e ao número de publicações encontradas. A tabela 2 mostra os artigos subdivididos de acordo com as categorias:
Tabela 2 – Ações agrupadas em categorias relacionadas aos artigos da revisão integrativa. Rio de Janeiro, 2015.
Fonte: elaborado pelas autoras
Categoria 1: Ações no pré-operatório
Nesta categoria ressalta-se a tricotomia como tema prevalente, emergindo em três das quatro publicações deste grupo. Trata-se especificamente a respeito da realização ou não da raspagem dos cabelos nas craniotomias e dos pêlos nas cirurgias de coluna cervical. Estes estudos trazem resultados contrários ou indiferentes à prática da tricotomia no impacto às ISC. Os achados destas produções corroboram com outras publicações encontradas, a exemplo de revisão sistemática, que buscou as evidências a respeito das vantagens e desvantagens dessa prática. Nesta, foram avaliadas 21 publicações, onde os autores concluíram que não há nenhuma evidência para apoiar a realização rotineira de tricotomia no pré-operatório de neurocirurgia para a prevenção de ISC(12).
Categoria 2: Ações no intraoperatório
O maior número de artigos encontrados nesta busca se referiu a alguma ação no intraoperatório (11 artigos). As publicações desta categoria se dividiram basicamente em artigos que buscaram evidências sobre a importância do uso correto da antibioticoprofilaxia e em artigos focados em ações específicas durante o procedimento cirúrgico.
A antibioticoprofilaxia cirúrgica correta depende de fatores como horários de administração durante a cirurgia, posologia e duração do tratamento. Três artigos selecionados tiveram a intenção de analisar o impacto nas ISC do uso correto dos antibióticos em neurocirurgia. Um deles (Estudo 13) encontrou a ausência desta prática como fator independente para ISC e mostrou que a correta profilaxia diminuiu a taxa de infecção de 9,7% para 5,8%. Já outro citou a redução da taxa pela metade nas infecções superficiais em neurocirurgia, porém sem impacto nas meningites (Estudo 18). Reforçando esses achados, outro estudo relata que o prolongamento da antibioticoterapia por tempo maior que o preconizado não traz benefícios, e pode-se ocorrer a indução da resistência dos microorganismos e aumento de custos, sem benefícios quanto à redução de ISC(13).
A aplicação de técnica asséptica rígida na colocação de derivação ventricular externa (DVE) foi aplicada em dois estudos (Estudos 7 e 15): na Inglaterra (2004) em adultos, e em crianças na Bélgica (2007). Ambos mostraram redução significativa nas taxas de ISC relacionadas a dispositivos.
Duas outras produções desta categoria se referem a intervenções com uso de luvas: um deles (Estudo 9) mostrou a redução de 50% das infecções com a adoção de uso duplo de luvas à manipulação das DVE no intra operatório; o outro provou a hipótese de que a troca de luvas ao manipular este dispositivo no período intraoperatório também reduz as ISC (Estudo 21).
As ações encontradas nesta categoria reforçam a necessidade da CCIH traçar estratégias de vigilância no período intraoperatório. Sabe-se que grande parte das ISC acontece em decorrência de falhas nos processos realizados no Centro Cirúrgico, o que torna a atuação de vigilância da enfermeira da CCIH imprescindível neste local(4).
Categoria 3: Ações no pós-operatório
Observa-se um predomínio na discussão acerca dos cuidados com a ferida cirúrgica. Dois artigos discutiram o curativo pós-operatório. A implantação de protocolo de curativos com a manutenção do curativo oclusivo até a retirada dos pontos e lavagem da cabeça após 48h da cirurgia não demonstrou redução de ISC em neurocirurgia (Estudo 3). No entanto, a escolha de oclusão simples mostrou benefícios quando comparado ao uso de ataduras de crepom (Estudo 17). Outro estudo analisado investigou a lavagem dos cabelos no pós-operatório. Os autores concluíram que não houve benefício quanto à redução de ISC ao adotarem esta prática.
A assistência realizada no pós-operatório é quase que em sua totalidade realizada ou prescrita pelo enfermeiro. O manejo adequado da incisão no pode reduzir a infecção do sítio cirúrgico, e a detecção precoce de sinais e sintomas relativos a ISC podem ser observados no cuidado diário ao paciente(4,17). Porém, alguns conhecimentos específicos sobre as infecções em neurocirurgia, como infecções relacionadas à DVE e meningites, devem ser de domínio desses enfermeiros(14). A atuação da enfermeira da CCIH também consiste em ações educativas referentes à capacitação desses profissionais, tendo em vista a obtenção de menores taxas de ISC.
Categoria 4: Vigilância
Os artigos relacionados à vigilância ressaltam o predomínio no interesse em comparar a vigilância ativa com a vigilância passiva nas infecções em neurocirurgia e seu reflexo na diminuição das ISC (Estudos 10 e 12). Ambos ressaltaram a diferença nas taxas de ISC obtidas quando foi realizada a busca ativa e passiva, que usa os dados notificados pelo médico cirurgião. Ressaltam-se também como vantagem da vigilância ativa as ações educativas que podem ser desenvolvidas a partir dos dados de inadequações verificados.
A implementação de protocolos padronizados também tem sido descrita como fator para diminuição das ISC, a exemplo do artigo 11. As listas de verificação têm sido implementadas com sucesso na redução de riscos ao paciente(4). Em revisão sistemática com análise de 33 estudos, o uso destas listas foi associado à maior detecção de potenciais riscos à segurança e menor complicações cirúrgicas, incluindo a ISC(16).
A contribuição deste estudo implica direcionar as ações da enfermeira da CCIH no que se refere ao controle das ISC em neurocirurgia, baseado nas melhores evidências apresentadas, no intuito de otimizar o tempo empregado nestas ações e obter melhores resultados no controle dessas infecções.
Artigo derivado da dissertação de mestrado intitulada "Instrumento para controle e prevenção de infecção de sítio cirúrgico"
Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a materia em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf
Recebido: 07/10/2015 Revisado: 22/06/2016 Aprovado: 29/06/2016