ARTIGOS ORIGINAIS

 

Orientações sobre quimioterapia junto à criança com câncer: método criativo sensível

 

Letícia Nunes da Silva1, Liliane Faria da Silva1, Fernanda Garcia Bezerra Goes2, Maria Estela Diniz Machado1, Eny Dorea Paiva1

1Universidade Federal Fluminense
2Universidade Federal do Rio de Janeiro

 


RESUMO
Objetivos: identificar as orientações sobre o tratamento quimioterápico que devem ser realizadas junto à criança com câncer na visão dos familiares; discutir a importância dessas orientações realizadas pelos profissionais de saúde junto à criança.
Método: pesquisa de abordagem qualitativa, implementada segundo o método criativo sensível. Participaram sete familiares de crianças em quimioterapia em um hospital do Rio de Janeiro.
Resultados: com a análise temática emergiram as categorias “orientações sobre quimioterapia realizadas junto à criança com câncer” e “o papel dos profissionais na realização das orientações sobre quimioterapia realizadas junto à criança com câncer”.
Discussão: os profissionais devem passar as orientações às crianças, pois os familiares apresentam dificuldades para realizá-las. Devem-se utilizar estratégias adequadas à criança, e realizá-las no início da quimioterapia.
Conclusão: é preciso levar em consideração a capacidade que as crianças possuem para compreender sua doença e tratamento, e orientá-las respeitando o nível de desenvolvimento.
Descritores: Enfermagem Oncológica; Quimioterapia; Família; Criança.


 

INTRODUÇÃO

O câncer é uma doença estigmatizada como sentença de morte e, quando acomete crianças, os medos e a insegurança são intensificados, pois elas se encontram na fase inicial da vida e poderão não viver seus sonhos e concretizar seus planos(1, 2) .

Apesar desse estigma, estima-se que 70% das crianças com câncer podem ser curadas se diagnosticadas precocemente e tratadas adequadamente em centros especializados(3).

Existem várias modalidades de tratamento para o câncer infantil, sendo as principais a quimioterapia, a cirurgia e a radioterapia. No entanto, a quimioterapia é a mais utilizada, podendo ser associada ou não a outros métodos(4).

Atualmente, parte do tratamento quimioterápico é realizada em nível ambulatorial, favorecendo a permanência da criança no convívio familiar. Nesse sentido, a quimioterapia ambulatorial é uma alternativa para minimizar danos relacionados à quebra de vínculos familiares. Por outro lado, os efeitos colaterais da quimioterapia surgem em casa, e são fontes geradoras de estresse para a criança e sua família(5).

O tratamento da criança com câncer deve ser abrangente, exigindo atenção às necessidades físicas, psicológicas e sociais. A inclusão familiar deve ser realizada, além da busca pela promoção de cuidados atraumáticos, que minimizem os efeitos do tratamento, garantindo sempre o direito à informação. Com relação a este, observa-se que pesquisas apontam a importância do desenvolvimento de ações educativas voltadas aos familiares da criança em quimioterapia. Entretanto, pouco se discute acerca do desenvolvimento de orientações junto às crianças(6, 7).

Embora o familiar faça parte do processo terapêutico, o preparo e as orientações sobre a quimioterapia também devem ser dirigidas às crianças doentes. As que estão em idade escolar (6-12 anos) já possuem um pensamento lógico e coerente. São capazes de identificar, entender e solucionar alguns fatos que ocorrem ao seu redor, além de compreender as mudanças que ocorrem em seu corpo e em sua vida(6, 7).

Quando as crianças não são orientadas de forma adequada, os familiares podem encontrar dificuldades em explicar sua situação(7, 8, 9).
Um estudo sueco com objetivo de explorar o cotidiano das crianças seis meses e um ano após o diagnóstico de câncer entrevistou pacientes e  pais. No texto, destacou-se que as crianças têm o desejo de saber sobre a doença e tratamento, pois isso lhes confere algum controle da situação que estão vivenciando(10). Dessa forma, faz-se importante o estudo que verse sobre a visão dos familiares quanto às orientações a serem feitas junto às crianças com câncer em quimioterapia, visto que eles são fundamentais para sucesso no tratamento da criança.  

Frente ao exposto, as questões que nortearam este estudo foram: quais as orientações sobre o tratamento quimioterápico que devem ser realizadas junto à criança com câncer na visão dos familiares? Qual a importância de que essas orientações sejam pelos profissionais de saúde junto à criança com câncer?

Delimitou-se como objeto de estudo a visão dos familiares quanto às orientações sobre quimioterapia realizadas junto à criança. Teve-se por objetivos identificar as orientações sobre o tratamento quimioterápico que devem ser realizadas junto à criança com câncer na visão dos familiares e discutir sua importância.

 

MÉTODO

A pesquisa qualitativa foi desenvolvida de acordo com o método criativo sensível (MCS), que tem suas bases fundadas na tríade discussão de grupo, observação participante e dinâmica de criatividade e sensibilidade. As etapas acontecem simultaneamente no interior de cada dinâmica. Para isso, além do pesquisador, que atua como coordenador do grupo, existe a necessidade de um auxiliar de pesquisa que, durante as dinâmicas, observa e descreve os comportamentos dos participantes, atua controlando o gravador de áudio e ainda faz os registros fotográficos das produções artísticas(11,12).

Com base nas diretrizes do método criativo sensível (MCS), para o desenvolvimento desta pesquisa utilizou-se a dinâmica de criatividade e sensibilidade intitulada almanaque.  Essa atividade consiste na elaboração de produção artística contendo figuras e textos para abordar o tema de pesquisa. Nela, as produções são feitas por meio de colagens de figuras, desenhos e frases em folha de papel, orientadas por uma questão geradora de debate(12).

No início da dinâmica o pesquisador apresentou os materiais para a produção artística e posteriormente lançou a questão geradora de debate, que ficou escrita ao alcance do olhar de todos. Para essa dinâmica elaborou-se a seguinte pergunta: quais são as orientações que devem ser realizadas pelos profissionais para crianças em quimioterapia? Os indivíduos tiveram tempo para elaborar a produção artística individual. Após cada familiar apresentar o que produziu, iniciou-se a discussão de grupo.

Os participantes da dinâmica foram sete familiares, sendo seis mães e uma avó, de sete crianças em idade escolar e em tratamento quimioterápico. Como critérios de inclusão, ser responsável pelo cuidado direto da criança, conhecer a rotina de tratamento d e ter idade maior ou igual a 18 anos. Excluíram-se familiares de crianças que necessitassem de acompanhantes em tempo integral, impossibilitando o afastamento temporário para participação nas dinâmicas.

Para garantia do anonimato, os participantes foram identificados com a letra “F”, de familiar, seguido de uma numeração por ordem de participação na pesquisa.

Utilizou-se como critério para o encerramento do trabalho de campo o processo de amostragem por saturação teória, na qual a coleta de dados é interrompida quando constata-se que o trabalho de campo já não fornece novos elementos para aprofundar a teorização do objeto de pesquisa(13).

A pesquisa foi realizada em um hospital universitário federal pediátrico localizado no município do Rio de Janeiro. Nesse hospital, utilizou-se como cenários para captação dos participantes e para a realização das dinâmicas os dois setores nos quais a quimioterapia é administrada nas crianças: o ambulatório de quimioterapia e a enfermaria de hematologia.

Foram realizadas três dinâmicas almanaque. A primeira, na enfermaria de hematologia, contou com três participantes: F1, F2 e F3. A segunda, na sala de procedimentos do ambulatório de quimioterapia,  com duas: F4 e F5. A terceira dinâmica, com as participantes F6 e F7, também foi na enfermaria de hematologia. Destaca-se que na etapa de captação dos participantes e em todas as dinâmicas houve a participação de duas pesquisadoras; uma assumiu o papel de coordenadora da dinâmica e a outra auxiliou na condução.

Utilizou-se a análise temática nos dados tomando-se por base os textos gerados nas dinâmicas de criatividade e sensibilidade.  Foram seguidas as seguintes etapas próprias do método analítico: leitura flutuante, exploração do material, tratamento e interpretação dos resultados obtidos(14).
A pesquisa seguiu as determinações da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do instituto onde foi realizada, considerada aprovada com o parecer de número 747.383CAAE número 32908214.6.0000.5264.

 

RESULTADOS

Com a operacionalização do processo de análise emergiram duas unidades temáticas: Orientações sobre quimioterapia realizadas junto à criança com câncer e O Papel dos profissionais na realização das orientações sobre quimioterapia realizadas junto à criança com câncer.

Orientações sobre quimioterapia realizadas junto à criança com câncer
Entre as orientações a serem realizadas junto às crianças em idade escolar, os familiares apontaram que os profissionais devem falar sobre a doença:
Acho que devem orientar as crianças sempre. Não esconder delas a doença que elas têm. (F2)

Eu acho que eles devem saber de tudo, principalmente a partir dos cinco anos, porque já têm noção do está acontecendo. Um bebezinho não sabe, agora uma criança igual a minha, mocinha com 10 anos, entende tudo. (F6)

Destacaram, ainda, a necessidade de se explicar todo o processo do tratamento, incluindo informações sobre os medicamentos administrados: efeito, dose, tempo de administração, tipos de cateteres venosos; em caso de transfusão, o porquê do procedimento e todas as condutas necessárias para realizá-lo:
As crianças fazem muitas perguntas, querem saber de tudo, entender sobre os remédios, tipos de cateter, tudo eles querem saber! Até quando vai transfundir, pergunta o porquê, fico com medo de ter piorado. (F2)

O meu filho pergunta tudo; mesmo que eu não pergunte, ele tem as dúvidas dele. Ele quer saber quantas quimioterapias vai fazer, quantas horas vai demorar; porque o negócio dele é a demora, é ter que ficar aqui esperando. Fica ansioso, pede para parar e ir embora, porque ele está uma “eternidade” na quimioterapia. (F5)

Os efeitos colaterais dos quimioterápicos também são orientações que os familiares julgaram importantes:
Tem vezes que ele (filho) não quer comer nada, fica sem fome ou a boca dói por causa das feridinhas (mucosite). Essas informações são importantes né? Para ajudar a entender o porquê que isso acontece (F4).

Eles devem saber do enjoo, porque sentem muito enjoo, não conseguem comer, não conseguem beber, só fazendo vômito e diarreia (F6).

Outro aspecto citado pelos participantes como importante a ser abordado nas orientações dos profissionais foi a possibilidade de alterações da imagem corporal, como a alopécia, ganho e perda de peso e o uso de máscaras:
A queda do cabelo, que é uma questão muito complicada. É melhor que os profissionais falem da possibilidade da queda de cabelo, que aí a criança já vai se preparando. (F7)

Ele ficou muito magro, emagreceu bastante. Depois ficou todo inchado, bem gordo mesmo, tive que comprar roupa pra ele. A aparência muda muito. (F1)

A questão da máscara. Porque, para ele, o uso da máscara causa um transtorno, uma vergonha, porque as pessoas olham e não sabem o porquê dele está usando, o que ele tem. (F6)

Os responsáveis falaram ainda sobre algumas limitações impostas pelo tratamento, afirmando que é difícil manter as crianças dentro de casa, não deixá-las ir à praia, piscina, praticar algumas atividades de maior esforço físico, frequentar a escola ou comer frutas cruas:
Acho que devem falar sobre as limitações, porque até o final do tratamento, infelizmente, ele não tem a vida normal. A criança não pode comer frutas porque a imunidade cai e fica neutropênica, não pode jogar uma bola, brincar no sol, tomar banho de piscina, muito menos ir à praia, então muitos lazeres são privados e isso também causa sofrimento. Eles têm que entender o porquê disso. (F6)

Ele não pode ir pra escola, porque é um ambiente fechado, e às vezes tem criança doente e a gente não sabe e ele não pode ter contato com essas crianças. Ele sente falta de ir para o colégio, estudar (F4).

Algumas pessoas relataram que quando as crianças ficam sabendo que outra criança também em tratamento morre, elas questionam o porquê e sentem medo de morrer como o colega. Nesse sentido, acreditam que os profissionais devem abordar esse assunto:
Nós tivemos um caso (falecimento de criança em tratamento) aqui, né? A minha filha ficou com muito medo, tudo o que acontecia ela achava que ia morrer igual. (F7)

Quando as crianças veem algum coleguinha que está em tratamento que vai embora (falece), elas não conseguem entender, ficam com medo, perguntam o porquê, já que eles estavam se tratando, e questionam se isso vai acontecer com eles também. (F2)

O papel dos profissionais na realização das orientações sobre quimioterapia realizadas junto à criança com câncer
Os familiares afirmaram ter dificuldades em abordar a doença e os efeitos do tratamento, destacando ser esse papel dos profissionais de saúde:
Ele não tinha muita noção do que era a doença e eu não contava para ele. Ele ficava pedindo para eu falar e eu só chorava. (F1)

Eu acho melhor os profissionais falarem porque eles falam e a criança ouve, já vai pra casa sabendo (...) os cuidados que tem que ter, ele aceita mais fácil, em casa eu só dou uma reforçada do que foi dito. Assim é mais fácil, ele compreende melhor. Porque quando eu falo, ele acha que pai e mãe estão mentindo. (F4)

Citaram também as possíveis estratégias, usadas pelos profissionais, para realização das orientações. Houve destaque para os desenhos, figuras, metáforas lúdicas como fábrica de sangue, brincadeiras e linguagens voltadas para a idade das crianças, como facilitadores das orientações e compreensão das crianças:
O profissional tem que dizer, deixar as coisas bem claras, falar de um jeito que as crianças possam entender (...) Elas entendem melhor com figuras, desenhos e brincando. (F6)

Por exemplo, uma doutora explicou sobre a fábrica do sangue, que é na medula onde o sangue é fabricado, dos soldadinhos e ele entendeu. Com desenhos, bonequinhos, soldadinhos (...) eu acho que a cabeça deles entende melhor. (F2)

Os participantes afirmaram ainda que as orientações devem ser realizadas pelos profissionais antes ou no início da quimioterapia, para que a criança saiba tudo o que vai e o que pode acontecer ao longo do tratamento:
Eu acho melhor explicar tudo antes da quimioterapia. (F3)

É melhor antes da quimioterapia, sentar e explicar tudo sobre a quimioterapia. (F2)

 

DISCUSSÃO

Os dados da pesquisa apontaram que os responsáveis entendem que crianças em idade escolar (seis a 12 anos) são capazes de entender a doença que possuem, e os profissionais devem orientá-las. Quando informadas, passam a ser sujeitos ativos em seu processo saúde-doença. Os profissionais de saúde não devem negligenciar essa capacidade de compreensão a ponto de apassivá-las no tratamento(1).

Ser envolvida no processo terapêutico com as devidas orientações, participar das tomadas de decisão, ter liberdade para exprimir suas preferências, além de ser um direito da criança, diminui a chance de não adesão ao tratamento, promove confiança nos profissionais de saúde e a cooperação, assim como ajuda no enfrentamento da doença e terapia(15, 16).

Apesar disso, estudo brasileiro realizado junto a profissionais de enfermagem mostrou que ainda é comum orientarem os responsáveis e não envolverem as crianças no processo educativo. Alguns profissionais afirmam saber que as crianças em idade escolar possuem a capacidade de compreender a sua doença, mas admitem que pouco as orientam e, quando fazem, as informações são mínimas(7).

Os participantes do estudo acreditam que os profissionais devem falar tudo sobre o tratamento para as crianças, responder suas perguntas e sanar as dúvidas, sem esconder quaisquer informações. Esse achado vai ao encontro de outro estudo que destacou o papel do profissional de saúde como educador que deve orientar as crianças sobre o seu tratamento, objetivando que a compreensão de todos os aspectos do processo(1). A partir desse conhecimento, sabendo o que os medicamentos podem causar, acredita-se que a criança estará mais preparada para sua a administração. Também sente mais confiança em ser submetida à implantação de cateter e a realizar a manutenção do mesmo e a esperar o tempo determinado para a sessão de quimioterapia, sem ser consumida pela ansiedade(6).

Como destacado pelos familiares, os quimioterápicos antineoplásicos podem causar inúmeros efeitos colaterais que geram sintomas desagradáveis. Com relação a isso, um estudo realizado no Reino Unido, com objetivo de explorar a visão de crianças e adolescentes em tratamento de câncer e apresentar um modelo conceitual de comunicação e compartilhamento de informações, mostrou que as crianças se preocupam com os sintomas e com sua permanência, e que gostariam de ter uma comunicação mais direta com os profissionais de saúde(17). Observou-se que os efeitos citados pelos participantes são os que causam dificuldades na alimentação, como náuseas, vômitos, mucosite e falta de apetite, podendo prejudicar a situação nutricional da criança. A literatura afirma que a alimentação da criança submetida à quimioterapia requer uma maior atenção, visto que o estado nutricional da criança interfere diretamente na gravidade dos efeitos colaterais, aumenta ou diminui o risco de infecção, interfere positiva ou negativamente no tratamento(18). É importante que saibam que  precisam se alimentar apesar desses efeitos, evitando complicações e interferência negativa no tratamento(6).

Quanto às alterações de imagem corporal, foram citadas o uso de máscara, ganho e perda de peso, queda de cabelo, entre outros. Relatou-se que as crianças já entendem as mudanças que ocorrem em seu corpo e se preocupam com isso. Estudos(6,19) apontam que a criança em idade escolar já possui preocupação com a autoimagem, e que para minimizar os prejuízos das variações provocadas pela doença e o tratamento quimioterápico, os profissionais de saúde devem orientá-las sobre quais mudanças podem acontecer, principalmente as que são visíveis a seus olhos e aos olhos das pessoas que a rodeiam e causam estranhamento.

Os responsáveis destacaram ainda as questões relativas às limitações impostas pelo tratamento. Aponta-se que a descoberta do câncer e o tratamento em si alteraram o ritmo de vida das crianças e da família e são impostos alguns limites referentes aos hábitos de vida e alimentação. O brincar, que antes era prioridade, dá lugar ao cuidado redobrado; as crianças são impedidas de ir à praia e à escola; não podem comer determinados alimentos e praticar esportes(4). É preciso lembrar que as crianças mantêm o desejo de participar de atividades em grupo, mas podem se sentir diferentes e, mesmo se esforçando para se ajustar em sua nova condição, solitárias(10). Quando são orientadas pelos profissionais de saúde, além da oportunidade de conhecerem suas novas necessidades, compreendem que tais limites impedem complicações. Com isso, as restrições deixam de ser uma imposição e começam a acontecer mais naturalmente, pois as crianças começam a colaborar para que seu tratamento seja um sucesso(6).

Com relação ao medo da morte segundo as falas dos participantes, as pesquisas afirmam que o câncer ainda é uma doença muito estigmatizada, associada à ideia de óbito e geradora de sentimentos como o medo(19).

Embora consideradas ingênuas, crianças em idade escolar são capazes de perceber e assimilar tudo o que é dito e apresentado ao seu redor(7). Portanto, ao saberem da morte de outra criança, segundo os familiares, sentem-se inseguras quanto ao sucesso de seu tratamento. Assim, o medo de passar pelas mesmas situações que o colega passou, com a mesma doença e realizando o mesmo tratamento, pode ser minimizado se houver espaço para o diálogo e orientações.

Quando é confirmado o diagnóstico de câncer, comumente os pais recebem essa notícia sem que a criança esteja presente(19). Inseguros, os participantes deste estudo relataram não conseguir dizer à criança seu diagnóstico.

Quando os familiares orientam  sobre as limitações, as crianças costumam associar à superproteção e acabam não realizando os cuidados necessários. Já quando são realizadas pelos profissionais de saúde, há maior compreensão.

O profissional de saúde, considerado um educador, possui a aptidão e deve orientar toda a família sobre a doença e seu tratamento, objetivando compreensão e participação da criança durante todo o processo terapêutico(1).

Os responsáveis enfatizam que os profissionais devem explicar tudo para as crianças, utilizando uma linguagem de fácil compreensão. Além do diálogo, existem outras estratégias para realização da orientação à criança em idade escolar, como uso de histórias, brinquedos, dramatização, fantoches e jogos(5, 9).

Todas as atividades citadas são boas maneiras de informar sobre a doença e o tratamento quimioterápico. Entretanto, os profissionais de saúde nem sempre estão instrumentalizados para realizá-las.

É mais frequente que essas orientações aconteçam por meio de diálogo - o que não é ruim, mas o profissional deixa de utilizar outros recursos, às vezes, mais adequados à compreensão infantil(7).

Os familiares destacaram ainda que é importante que as crianças iniciem o tratamento sabendo tudo que pode acontecer durante esse processo. Ratifica-se, assim, que o preparo das crianças é uma ação preliminar, que deve anteceder todos os procedimentos terapêuticos para que a criança compreenda a sua doença, esteja ciente do que é esse tratamento, sua importância e efeitos colaterais(9).

A falta de informação leva ao despreparo, baixa autoestima, insegurança e medo. As crianças precisam ser orientadas e envolvidas no processo terapêutico para que sentimentos negativos sejam minimizados. Esse envolvimento também faz com que a criança colabore com o tratamento, além de gerar vínculo e confiança nos profissionais(9,16) .

 

CONCLUSÃO

Na visão dos familiares participantes do estudo, é importante que as crianças em idade escolar, com câncer e em tratamento quimioterápico sejam orientadas sobre a doença, o tratamento implementado, seus efeitos colaterais, a possibilidade de mudanças na imagem corporal e as limitações impostas pelo tratamento (sejam elas relacionadas aos hábitos de vida cotidianos ou alimentação). A situação de morte deve ser encarada de forma natural. Prioriza-se o destaque de que cada criança reage de forma diferenciada ao tratamento, minimizando seu medo.

As orientações devem ser realizadas pelos profissionais de saúde, pois os familiares encontram grandes dificuldades em abordá-las. Para tanto, os profissionais precisam assumir seu papel de educador, especialmente o enfermeiro, coordenador do cuidado à criança e sua família no cotidiano de prática assistencial. Cabe a esses profissionais instrumentalizarem-se quanto aos aspectos que envolvem o cuidado à criança com câncer, desenvolvendo estratégias e recursos adequados ao seu entendimento, como brincadeiras, jogos, desenhos e figuras, exercendo esse papel desde a admissão da criança.

Recomenda-se a realização de novas pesquisas voltadas para orientações junto às crianças em tratamento quimioterápico, já que os atuais estudos abordam orientações voltadas para familiares, além de pesquisas que abordem estratégias de orientações voltadas às crianças com câncer submetidas à quimioterapia.

 

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Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a matéria em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf

 

 

Recebido: 4/9/2015
Revisado: 18/11/2015
Aprovado: 19/11/2015