ARTIGOS ORIGINAIS

 

Qualidade de vida de pacientes durante terapia antineoplásica: estudo descritivo

 

Joselany Afio Caetano1, Julianna Freitas Siqueira2, Andrea Bezerra Rodrigues1, Maria Dalva Santos Alves1, Ana Virgínia Melo Fialho1, Francisca Jane Gomes Oliveira3

1University Federal of Ceará
2Faculdade Integrada da Grande Fortaleza
3Hospital Monte Klinikum

 


RESUMO
Objetivo: avaliar a qualidade de vida de pacientes oncológicos que utilizam dispositivo para infusão contínua de antineoplásicos.
Método: estudo transversal, realizado em uma operadora de plano de saúde de Fortaleza/CE, em 2013, com 28 pacientes, mediante aplicação do instrumento de avaliação de qualidade de vida da Organização Mundial da Saúde (WHOQOL-bref).
Resultados: o domínio mais comprometido foi satisfação com a saúde, ruim em ambos os ciclos de administração do antineoplásico, sendo a percepção quanto à qualidade de vida considerada regular. O domínio de maior média foi o das relações sociais; o de menor média, o psicológico, para ambos os ciclos.
Conclusão: é importante conhecer os determinantes que influenciam a qualidade de vida de pacientes oncológicos, permitindo o aperfeiçoamento de intervenções multidisciplinares para melhorar a adaptação à experiência da doença.
Descritores: Qualidade de Vida; Enfermagem Oncológica; Cuidados de Enfermagem; Serviço Hospitalar de Enfermagem; Participação do Paciente.


 

INTRODUÇÃO

A alta incidência do câncer no Brasil é uma tendência mundial em virtude do aumento da expectativa de vida, da adoção de hábitos não saudáveis, da urbanização desenfreada e dos novos padrões de consumo. É preciso considerar essa doença como um grave problema de saúde pública - especialmente entre os países em desenvolvimento, onde é esperado que, nas próximas décadas, o impacto do câncer na população corresponda a 80% dos mais de 20 milhões de casos novos estimados para 2025. Logo, para os profissionais que atuam na assistência em Oncologia, pensar em qualidade de vida para estes pacientes torna-se um desafio diário(1,2).

O tratamento com antineoplásicos vem sendo bastante empregado, visto que 60 a 70% dos pacientes necessitam desta terapia que utiliza agentes citotóxicos, isolados ou em combinação, com o objetivo de tratar os tumores malignos. É uma das mais importantes maneiras de combater o câncer, pois em nível sistêmico permite o tratamento precoce de micrometástase(3).

Os avanços tecnológicos no tratamento do câncer possibilitam a oferta de algumas formas de quimioterapia antineoplásica por meio da utilização de cateteres totalmente implantados e dispositivos de infusão contínua, com objetivo de oferecer melhoria na qualidade de vida. Estudos sobre qualidade de vida na área da Oncologia têm se intensificado nas últimas décadas, constituindo importantes indicadores de resultados do tratamento para o câncer uma vez que, nesta área, não se pode pensar unicamente em aumento da sobrevida(4,5,6).

Pensando na alta prevalência da doença oncológica, no uso cada vez mais frequente dos dispositivos de infusão contínua para administração de antineoplásicos no domicílio, surgiu o seguinte questionamento: como está a qualidade de vida de pacientes oncológicos, tratados com antineoplásicos, em uso de um dispositivo de infusão contínua?
Logo, objetivou-se avaliar a qualidade de vida de pacientes oncológicos que utilizam dispositivo para infusão contínua de antineoplásicos, em dois momentos do período de tratamento e identificar os domínios de qualidade de vida afetados.

 

MÉTODO

Estudo transversal desenvolvido em uma operadora de planos de saúde localizada em Fortaleza/CE. A referida operadora realiza o acompanhamento dos pacientes que necessitam de terapia com antineoplásicos, inclusive com distribuição do dispositivo para o Sistema Único de Saúde. Vale ressaltar que a responsabilidade da operadora é conferir o protocolo de solicitação, analisar à melhor proposta terapêutica e autorizar o tratamento proposto; a partir de então o paciente será encaminhado para clínicas credenciadas pela operadora para implantação do cateter e seguimento do tratamento. 

A população foi constituída por todos os pacientes da operadora de plano de saúde que tiveram autorização para instalação do dispositivo nos meses de abril a junho de 2013, totalizando 36 sujeitos. Entretanto, ocorreram perdas: pacientes não residiam nesta capital (n=5), recusa (n=2) e óbito (n=1), totalizando 28 sujeitos.

Como critérios de inclusão, ser alfabetizado, ter idade superior a 18 anos, diagnóstico médico confirmado de neoplasia maligna via prontuário, estar em tratamento com antineoplásico, em uso de dispositivo de infusão contínua, não ter feito uso do dispositivo em outras oportunidades.

O contato inicial com o paciente foi realizado por telefone, uma vez que este era identificado no momento em que a solicitação de quimioterapia chegava à operadora. Neste contato, o paciente era abordado sobre a disponibilidade para realizar a pesquisa e receber uma visita, que poderia ser na sua residência ou na clínica durante a administração da terapia, conforme maior comodidade para ele. Após este primeiro contato, seguiram-se os demais momentos para a coleta das informações.

A coleta de dados foi realizada em duas etapas, no primeiro e no terceiro ciclo do tratamento. Esta delimitação ocorreu uma vez que, no primeiro ciclo, o paciente vivencia um momento novo e de descobertas, e no terceiro ciclo o paciente já está familiarizado com o uso do dispositivo, permitindo assim a avaliação da qualidade de vida em dois momentos distintos.

Elaborou-se um instrumento autoaplicável (caso necessário, os pacientes poderiam recorrer ao pesquisador) contendo as variáveis sexo, idade, estado civil, procedência, profissão/ocupação, nível de escolaridade, religião e efeitos colaterais da quimioterapia antineoplásica. As informações relativas aos aspectos clínicos foram obtidas em um único momento, por meio da consulta ativa ao banco de dados na operadora de plano de saúde, como diagnóstico, presença de metástases e realização de radioterapia concomitante.

Para avaliação da qualidade de vida, utilizou-se o instrumento WHOQOL-bref, versão abreviada em inglês de “Instrumento de Avaliação de Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde”, validado para a cultura brasileira(7). É uma versão reduzida do WHOQOL-100, composto por 26 questões, sendo dois itens gerais sobre qualidade de vida e satisfação com a saúde, e as demais representando as 24 facetas que compõem o instrumento original. É composto de quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente(8).  Os domínios foram estratificados em quatro categorias: ruim (1 a 2,9), regular (3 a 3,9), bom (4 a 4,9) e muito bom (5 pontos). As respostas aos itens percepção da qualidade de vida e satisfação com a saúde foram quantificados e estratificados em quatro categorias: ruim (1 a 2,9), regular (3 a 3,9), bom (4 a 4,9) e muito bom (5 pontos).

Após a conferência dos dados coletados e digitação dos instrumentos mediante uso do Microsoft ACCESS 2003, realizou-se a análise exploratória das características sociodemográficas e clínicas e a validação da consistência interna das respostas do WHOQOL-bref mediante aplicação do Coeficiente Alfa de Cronbach. Foi utilizado o teste não paramétrico de igualdade de médias Wilcoxon para dados pareados para verificar diferenças médias entre os ciclos (1º e 3º). O nível de significância adotado foi de 5% (p-valor £ 0,05). Utilizou-se o software estatístico STATA versão 8 para geração dos resultados.

O projeto foi aprovado pelo Comitê De Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará, conforme protocolo 243.289. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias. Houve o consentimento formal da operadora de plano de saúde por meio da assinatura do termo de anuência. Respeitou-se a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

 

RESULTADOS

Quanto às características sociodemográficas dos 28 pacientes em uso do dispositivo de infusão contínua, o predomínio foi de mulheres (15; 53,6%) com idade média de 58,2 anos (dp= ± 13 anos). A faixa etária predominante foi entre 51 e 60 anos (32,1%), casadas (17; 60,7%), católicas (19; 67,9%) e com baixo nível de escolaridade, visto que 12 (42,9%) tinham menos de 10 anos de estudo. No que se refere à ocupação, 10 (35,7%) eram autônomos.

Em relação à caracterização dos aspectos clínicos, o tipo de neoplasia maligna mais frequente foi a de cólon e reto, em 16 (57,2%) pacientes, com metástase (15; 53,6%), sendo o fígado o órgão mais afetado. O tratamento cirúrgico foi realizado em 25 (89,3%) pacientes, a colectomia foi a cirurgia mais frequente. No tocante à finalidade da quimioterapia antineoplásica, a maioria era para tratamento paliativo (16; 57,1%). O principal protocolo antineoplásico foi o FOLFOX (Fluorouracil, folinato de cálcio e oxaliplatina). O medicamento fluorouracil esteve presente em todos (100%) os protocolos.

No concernente à ocorrência de efeitos colaterais durante o tratamento antineoplásico, verificou-se que os pacientes citaram náuseas, vômitos, mucosite, diarreia e cefaleia, além de tonturas e fadiga. Percebeu-se que os sintomas gastrointestinais foram os mais frequentes, pois 23 pacientes (82,1%) relataram a ocorrência de algum efeito gastrointestinal indesejado.

Os resultados obtidos por meio da aplicação do WHOQOL-bref revelaram, por meio da aplicação do Coeficiente Alfa de Cronbach, boa consistência interna entre as respostas aos itens globalmente no primeiro e terceiro ciclos: 0,88 e 0,89, respectivamente (Tabela 1).

 

Tabela 1. Coeficiente Alfa de Cronbach dos domínios do WHOQOL-bref em pacientes que utilizavam dispositivo para infusão contínua de antineoplásicos, no primeiro e terceiro ciclo de aplicação (n=28). Fortaleza, 2013.
Domínios do  Coeficiente Alfa de Cronbach das respostas aos itens*
WHOQOL-bref
  1º ciclo (n=28) 3º ciclo (n=28)
Domínio 1: Físico 0,79 0,81
Domínio 2: Psicológico 0,81 0,83
Domínio 3: Relações Sociais 0,88 0,89
Domínio 4: Meio Ambiente 0,89 0,9
Alfa de Cronbach global (24 itens) 0,88 0,89
Fonte: Elaboração própria. Nota:*Coeficiente Alfa de Cronbach obtido com a retirada dos itens do respectivo domínio.

 

Ao analisar os valores médios dos escores do WHOQOL-bref referente aos itens globais para ambos os ciclos, a percepção da qualidade de vida manteve-se em regular, com pequena redução do escore de 3,1 no primeiro ciclo para 3,0 no terceiro ciclo. A questão satisfação com a saúde foi avaliada como ruim, sendo 2,8 no 1o ciclo e 2,7 no 3º ciclo. Em ambas as questões entre os ciclos, as diferenças não se mostraram estatisticamente significantes (Tabela 2).

Quanto aos domínios, observou-se que a maior média e a menor variabilidade entre as respostas (menor desvio padrão e menor amplitude do intervalo) foi o das relações sociais, permanecendo inalterado em ambos os ciclos, com média de 3,5 e desvio padrão 0,3. Verificaram-se diferenças estatisticamente significantes entre os ciclos para o domínio físico (p-valor = 0,006) e meio ambiente (p-valor = 0,015) (Tabela 2).

 

Tabela 2. Escores obtidos no WHOQOL-bref em pacientes que utilizavam dispositivo para infusão contínua de antineoplásicos entre os ciclos (n=28). Fortaleza, 2013.
Domínios do      
WHOQOL-bref Média (dp) IC95% da média p-valor*
1: Percepção da qualidade de vida      
Primeiro ciclo 3,1 (0,8) (2,7 - 3,4) 0,317
Terceiro ciclo 3,0 (0,8) (2,7 - 3,3)
2: Satisfação com a saúde
Primeiro ciclo 2,8 (0,7) (2,5 - 3,0) 0,157
Terceiro ciclo 2,7 (0,6) (2,5 - 2,9)
Domínio 1: Físico
Primeiro ciclo 3,2 (0,5) (3,0 - 3,4) 0,006
Terceiro ciclo 3,1 (0,5) (2,9 - 3,3)
Domínio 2: Psicológico
Primeiro ciclo 3,1 (0,3) (3,0 - 3,2) 0,219
Terceiro ciclo 3,0 (0,3) (2,9 - 3,2)
Domínio 3: Relações Sociais
Primeiro ciclo 3,5 (0,3) (3,4 - 3,6) 0,317
Terceiro ciclo 3,5 (0,3) (3,4 - 3,6)
Domínio 4: Meio ambiente
Primeiro ciclo 3,5 (0,2) (3,4 - 3,6) 0,015
Terceiro ciclo 3,4 (0,2) (3,4 - 3,5)
Fonte: Elaboração própria. Nota:*Teste de igualdade médias de Wilcoxon para dados pareados.

 

O padrão predominante das respostas em todos os domínios, bem como os itens globais de avaliação da qualidade de vida, foi visto como regular em ambos os ciclos de aplicação do antineoplásico. Quanto à percepção da qualidade de vida, dez (35,7%) respostas no primeiro ciclo apresentaram percentuais variando entre boa e regular. Resultado semelhante foi verificado no terceiro ciclo, em que 11 (39,3%) pacientes consideraram a qualidade de vida regular e nove (32,1%) a classificaram como boa. As diferenças não se mostraram estatisticamente significantes quanto à percepção do grupo sobre a qualidade de vida nos diferentes momentos de aplicação do antineoplásico. No item satisfação com a saúde, observou-se predomínio de pacientes que a classificaram como regular, tanto no primeiro (15 - 50%) quanto no terceiro ciclo (16 - 57,2%), observando-se discreto aumento dos casos de boa para regular (dois - 7,1%) neste último (tabela 3).

Os domínios mais afetados foram o físico e o psicológico, pois no primeiro os pacientes avaliaram como regular tanto no primeiro ciclo (18 - 64,3%), quanto no terceiro (17 - 60,8%). Destaca-se que oito (28,6%) consideraram que este domínio era ruim no primeiro ciclo, e nove (32,1%) no terceiro ciclo. Apenas dois (7,1%) expressaram a avaliação como boa para ambos os ciclos. Quanto ao domínio psicológico, 21 (75%) pacientes avaliaram como regular no primeiro ciclo e 19 (67,9%) no terceiro ciclo. Sete (25%) dos pacientes consideraram a avaliação desse domínio como ruim no primeiro ciclo, proporção que se acentuou para nove (32,1%) no terceiro ciclo.

Os domínios mais preservados foram o das relações sociais e meio ambiente, visto que no primeiro 25 (89,3%) pacientes em ambos os ciclos avaliaram como regular, e não houve avaliação como ruim em ambos os ciclos de aplicação do antineoplásico. O mesmo ocorreu para o domínio meio ambiente, com menor variabilidade de avaliação, já que 26 (92,9%) pacientes avaliaram como regular no primeiro ciclo e 28 (100%) pacientes no terceiro.

 

Tabela 3. Distribuição proporcional dos domínios do instrumento de avaliação da qualidade de vida WHOQOL-bref em pacientes que utilizavam dispositivo para infusão contínua de antineoplásicos, no primeiro e no terceiro ciclo de aplicação do tratamento com antineoplásicos (n=28). Fortaleza, 2013.
Domínios do WHOQOL-bref Tratamento com antineoplásico p-valor*
1º ciclo 3º ciclo
(n=28) (n=28)
n (%) n (%)
1: Percepção da qualidade de vida
Ruim 8 (28,6) 8 (28,6)
Regular 10 (35,7) 11 (39,3)
Boa 10 (35,7) 09 (32,1) 0,86
Muito boa 0 (0,0) 0 (0,0)
2: Satisfação com a saúde
Ruim 10 (35,7) 10 (35,7)
Regular 14 (50,0) 16 (57,2)
Boa 4 (14,3) 2 (7,1) 0,74
Muito boa 0 (0,0) 0 (0,0)
Domínio 1: Físico
Ruim 8 (28,6) 9 (32,1) 0,8
Regular 18 (64,3) 17 (60,8)
Boa 2 (7,1) 2 (7,1)
Muito boa 0 (0,0) 0 (0,0)
Domínio 2: Psicológico
Ruim 7 (25,0) 9 (32,1) 0,56
Regular 21 (75,0) 19 (67,9)
Boa 0 (0,0) 0 (0,0)
Muito boa 0 (0,0) 0 (0,0)
Domínio 3: Relações sociais
Ruim 0 (0,0) 0 (0,0) 1
Regular 25 (89,3) 25 (89,3)
Boa 3 (10,7) 3 (10,7)
Muito boa 0 (0,0) 0 (0,0)
Domínio 4: Meio ambiente
Ruim 0 (0,0) 0 (0,0) 0,15
Regular 26 (92,9) 28 (100,0)
Boa 2 (7,1) 0 (0,0)
Muito boa 0 (0,0) 0 (0,0)
Fonte: Elaboração própria. Nota:* Teste Qui-quadrado de tendência linear.

 

DISCUSSÃO

A análise dos dados permitiu compreender a predominância do câncer de cólon e reto em mulheres, casadas, com idades entre 51 e 60 anos. Este resultado assemelha-se um estudo realizado em Campinas/SP, que avaliou a qualidade de vida com câncer no período da quimioterapia com antineoplásico e mostrou que o tipo de neoplasia mais frequente foi a de intestino grosso, acometendo a faixa etária de 51 a 70 anos, expondo a grande ocorrência deste tipo de tumor oncológico. Em contrapartida, diverge deste e de outro realizado em Terezina/PI com relação ao gênero, onde nestes os homens foram os mais acometidos(9,10).

Com relação ao tempo de diagnóstico, houve igualdade entre os que apresentavam menos de seis meses e mais de 18 meses de diagnóstico da doença (35,7% cada), com ocorrência de metástase (53,6%). A maioria dos pacientes realizou o tratamento combinado de intervenção cirúrgica e antineoplásicos, em que a intervenção cirúrgica mais frequente foi a colectomia. Tais eventos assemelham-se a um estudo recente realizado em Ribeirão Preto/SP, onde a maioria dos pacientes apresentava metástase e a intervenção cirúrgica foi realizada como parte do tratamento(11).

Em relação ao tratamento com antineoplásico, identificaram-se protocolos combinados das seguintes drogas: oxaliplatina, fluorouracil, irinotecano, bevacizumabe, capecitabina, epirrubicina e ácido folínico; porém a medicação utilizada em todos os protocolos foi o fluorouracil.  Os benefícios da quimioterapia antineoplásica para o câncer de cólon e reto, paliativo ou curativo, são mais evidentes com regimes que incluem a oxaliplatina em associação com o fluorouracil, e também com capecitabina e oxaliplatina (12,13).

Quanto aos efeitos colaterais, predominaram os gastrointestinais, como náuseas, vômitos, diarreia e mucosite. As drogas oxaliplatina, irinotecano e fluorouracil, utilizadas na amostra estudada, apresentam potencial moderado para ocorrência de fatores emetogênicos(14).

Os pacientes relataram ainda insônia, tristeza e indisposição. A presença de efeitos colaterais pode influenciar não apenas o domínio físico, como também o psicológico. Os participantes avaliaram positivamente as medidas globais de avaliação da qualidade de vida, mas não estavam satisfeitos com a própria saúde. O item percepção da qualidade de vida foi mais bem avaliado em relação ao item satisfação com a saúde. Isto se justifica provavelmente pela repercussão do tratamento da doença com os respectivos efeitos colaterais apresentados. Um estudo realizado recentemente com pacientes em tratamento com antineoplásico corrobora com os achados desta pesquisa, pois evidencia que a maioria dos pacientes apresentava índice elevado de ansiedade e depressão(15), ocorrências que certamente interferem negativamente na qualidade de vida.

Muito embora a utilização do dispositivo de infusão contínua seja visto como um ponto positivo no tratamento para os pacientes oncológicos, oferece certa autonomia, permite o retorno ao lar e diminui a dependência do serviço de saúde, pode gerar outras repercussões no dia a dia que podem repercutir negativamente na percepção quanto à saúde.

Estudo recente que avaliou a qualidade de vida de pacientes com câncer colorretal em tratamento com antineoplásico mostrou que os pacientes apresentaram maior média em relação à percepção da sua qualidade de vida do que sobre a satisfação com a saúde(16).

Previamente à administração dos antineoplásicos por bomba portátil de infusão, todos os pacientes submeteram-se ao procedimento de inserção de cateter totalmente implantado. Essa intervenção parece exercer impacto na percepção do paciente sobre a saúde, uma vez que no seu corpo há um aparato tecnológico. Isto pode gerar dúvidas e insegurança quanto à utilização, representando lembrança constante de que o estado de saúde requer cuidados. Outro estudo que discute a percepção dos pacientes oncológicos portadores de cateter de longa permanência mostrou que, com relação ao procedimento, os indivíduos consideraram o momento demorado, dolorido e traumatizante(17).

Uma pesquisa que avaliou a qualidade de vida de pacientes com câncer colorretal em quimioterapia ambulatorial(16) apresentou a menor média no domínio psicológico, com média mais elevada no domínio das relações sociais. Tal resposta foi encontrada nos diferentes momentos de aplicação do antineoplásico, mostrando que não houve mudanças significativas entre o início do tratamento e os ciclos posteriores.

Na distribuição proporcional, os domínios físico e psicológico foram avaliados negativamente pelos pacientes, tanto no primeiro quanto no terceiro ciclo de administração do antineoplásico. Os domínios relações sociais e meio ambiente apresentaram avaliação mais favorável em ambos os ciclos. Quanto ao domínio físico, esse resultado pode ser devido à ocorrência dos efeitos indesejados com o tratamento, o que faz com que o paciente sinta-se fisicamente afetado, principalmente quando apresenta algum efeito colateral. Acrescenta-se ao resultado alterações nos itens avaliados por esse domínio, que ficam comprometidos em decorrência da doença, como a capacidade de locomoção e trabalho, desenvolvimento de atividades de vida diária, presença de dor, desconforto, fadiga, bem como dependência de medicação e tratamentos, aspectos que podem gerar influência negativa, inclusive por necessitar realizar procedimentos invasivos, como a implantação de cateteres e utilização de dispositivo de infusão.

Essas alterações refletem na avaliação do domínio psicológico do instrumento de avaliação da qualidade de vida (WHOQOL-bref), uma vez que nele estão englobadas as seguintes facetas: sentimentos positivos, pensar, aprender, memória e concentração, autoestima, imagem corporal e aparência, sentimentos negativos, espiritualidade, religião e crenças pessoais(7).

A autoimagem e a autoestima do paciente que necessita utilizar um dispositivo para infusão de drogas antineoplásicas durante um período prolongado de tratamento pode ser afetada negativamente, pois ter um aparato tecnológico acoplado ao corpo obriga o sujeito a adequar toda a sua rotina aos momentos em que se encontrar nesta condição. Mesmo sabendo que será em seu benefício, as mudanças e as imposições podem gerar conflitos pessoais, resistência, dificuldade de aceitação, momentos de instabilidade naturais de todo indivíduo.

O estudo que descreveu a percepção do paciente quanto ao uso do dispositivo de infusão contínua para a administração de antineoplásicos mostrou que a vivência de uma nova experiência suscita diversos sentimentos e percepções individuais muitas vezes permeados por ansiedade, medo do desconhecido, insegurança e dúvidas(18).

Neste momento de instabilidade emocional, física e espiritual, a família e os amigos são o maior apoio que um paciente acometido pela doença oncológica pode apresentar, reforçando o resultado deste estudo, cujo domínio com a maior média foi o das relações sociais, esclarecendo que este é composto por relações pessoais, suporte (apoio) social e atividade sexual(7).

A utilização dos dispositivos de infusão contínua favorece os pacientes em tratamento com antineoplásicos ao evidenciar que esta tecnologia evita o momento da hospitalização, mostrando que os pacientes sentem-se bem ao ter a possibilidade de ir para casa, dormir na sua cama e ficar ao lado dos familiares, aspectos positivos para o tratamento(18).

A preferência em permanecer no ambiente domiciliar também foi enfatizada em outro estudo, pois embora os pacientes recebam um bom atendimento hospitalar, preferem o aconchego da casa, onde encontram sossego e repouso, difíceis de serem mantidos quando estão internados.

A utilização dessa tecnologia não pode ser vista de forma isolada quando se avalia a qualidade de vida de pacientes oncológicos, porém admite-se que a mesma tende a favorecer alguns determinantes para a qualidade de vida, como independência, segurança física, ambiente do lar, possibilidade de acesso à informação, recreação e lazer, possibilidade de manutenção das relações sociais - facetas tão importantes para a manutenção da saúde e preservação da qualidade de vida.

Para a Enfermagem, é fundamental obter conhecimento ampliado sobre os fatores que influenciam positiva ou negativamente na qualidade de vida do paciente oncológico, uma vez que poderá possibilitar o planejamento de ações de intervenção para a promoção da saúde destes pacientes, importante papel a ser desempenhado não só pela Enfermagem, mas por todos os profissionais que atuam na assistência em Oncologia. Assim, a avaliação da qualidade de vida de pacientes oncológicos que utilizam dispositivo de infusão contínua para a administração de antineoplásicos proporcionará ampliação do conhecimento e consequente melhoria no cuidado de Enfermagem a estes pacientes. Dessa forma, compreender o papel da equipe multiprofissional que o assiste o paciente com este dispositivo poderá contribuir para qualificar a assistência e o alívio dos sofrimentos em todas as suas dimensões, valorizando assim a integridade humana.

As limitações deste estudo relacionam-se ao número de sujeitos e ao local - com uma única operadora, o que impõe a generalização dos achados -, porém estes são considerados válidos já que remetem a dois momentos distintos (primeiro e terceiro ciclo do tratamento) e também em situação especial que são pacientes oncológicos que utilizam dispositivo para infusão contínua de antineoplásico. Quanto à operadora, vale salientar que é uma das maiores do norte e nordeste.

 

CONCLUSÕES

Os achados mostram que a doença oncológica afeta o paciente em muitas dimensões. Vários fatores combinados influenciam na avaliação e na percepção da qualidade de vida - desde o diagnóstico, idade, sexo, tratamentos e procedimentos realizados, efeitos indesejados, utilização de tecnologias, como o dispositivo de infusão contínua. Não sendo possível atribuir que algum fator isoladamente influencia positiva ou negativamente a qualidade de vida de pacientes oncológicos. É importante saber quais são os determinantes neste sentido, para assim poder traçar estratégias para preservar a qualidade de vida desta clientela.

No tocante à utilização do dispositivo de infusão contínua para administração de antineoplásicos, foi possível apreender que essa tecnologia favorece aspectos relacionados à independência, possibilidade de retorno ao lar, desempenho de atividades de vida diárias e laborais, fundamentais na manutenção do bem-estar e da qualidade de vida dos pacientes. Esses aspectos estão relacionados às facetas dos domínios com melhor avaliação pelo grupo estudado: relações sociais e meio ambiente. Porém, não está livre de aspectos negativos, como medo do desconhecido, presença de um aparato no seu cotidiano, desconforto quanto à movimentação, relacionadas às facetas com avaliação mais prejudicada nos domínios físico e psicológico.

Verificou-se, assim, a necessidade de realizar outras pesquisas que comparem a qualidade de vida de pacientes oncológicos em tratamento com antineoplásicos com e sem a utilização de dispositivos de infusão contínua, para assim contribuir com mais subsídios ao conhecimento da qualidade de vida dessa clientela.

É válido concluir que investigar a qualidade de vida dos pacientes oncológicos que utilizam dispositivos para infusão de antineoplásico é uma estratégia que possibilitou ampliação do conhecimento dos problemas vividos por estes, consequentemente, oferecendo subsídios para que a Enfermagem promova ações e condições que favoreçam a qualidade de vida.


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Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a materia em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf

 

 

Recebido: 15/07/2015
Revisado: 18/03/2016
Aprovado: 18/03/2016