ARTIGOS ORIGINAIS
O técnico de enfermagem na sistematização da assistência: investigação fenomenológica
Pétala Tuani Candido de Oliveira Salvador1, Kisna Yasmin Andrade Alves1, Cláudia Cristiane Filgueira Martins Rodrigues1, Yole Matias Silveira de Assis1, Viviane Euzébia Pereira Santos1
1Universidade Federal do Rio Grande do Norte
RESUMO
Objetivo: compreender o típico ideal de acadêmicos de Enfermagem acerca da participação do técnico na Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE), à luz do referencial teórico de Alfred Schutz.
Método: trata-se de uma investigação utilizando o método fenomenológico compreensivo de Alfred Schutz.
Resultados: a coleta de dados ocorreu por grupo focal, com oito acadêmicas de enfermagem de uma universidade pública norte-riograndense.
Discussão: a análise das falas permitiu desvelar o típico ideal das participantes a partir de dois eixos temáticos - motivos-para e motivos-porque o técnico de enfermagem deve participar da SAE.
Conclusão: o típico ideal é traçado delineando a ação investigada – o técnico de enfermagem deve participar da SAE – ao lado de seus motivos-para e de seus motivos-porque; elucidando, ainda, o boneco típico do acadêmico de enfermagem que acredita na consolidação da SAE por meio de um trabalho em equipe.
Descritores: Planejamento de Assistência ao Paciente; Processos de Enfermagem; Estudantes de Enfermagem.
INTRODUÇÃO
A Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) é reconhecida, atualmente, como a ferramenta essencial para a consolidação da enfermagem enquanto profissão de bases científicas sólidas. Em outras palavras, apreende-se, cada vez mais, que a ausência da SAE leva à execução de um mero fazer, comprometendo a qualidade da assistência e desvalorizando o ofício(1).
Para justificar tal assertiva, a literatura destaca inúmeros benefícios proporcionados por uma enfermagem sistematizada: a valorização do cuidado como essência da profissão, transformando o modo de pensar em busca da qualidade do cuidar(1,2-3); a possibilidade de se alçar a excelência da qualidade assistencial, individualizando o cuidado(4); a propulsão do aperfeiçoamento, de desenvolver o conhecimento, favorecendo uma prática efetiva e eficaz, que dá credibilidade ao trabalho(5).
Em contrapartida ao reconhecimento de tais benefícios, tanto o estado da arte atual quanto a situação biográfica das autoras do estudo em relevo compreendem que a SAE ainda enfrenta múltiplos desafios (despreparo profissional, recursos laborais deficientes, sobrecarga de trabalho), sendo que um dos alicerces para superação desses entraves, reconhecidamente, é a solidificação de um trabalho em equipe.
Isto é afirmado a partir da constatação de que a enfermagem consiste numa profissão composta por classes heterogêneas que devem fomentar um processo de trabalho unificador, com o escopo comum de atender/assistir ao usuário de forma resolutiva e qualificada. Nesse contexto, é enfático que a SAE “ ] somente será uma prática efetiva se for discutida e defendida pela própria categoria profissional”(6:406), ou seja, se for resultante de um processo conjunto de todos os profissionais de enfermagem.
É nessa perspectiva que se destaca o papel fundamental do profissional técnico de enfermagem (TE) no panorama de efetivação da SAE. Este, de acordo com o Decreto nº 94.406/87, que regulamenta a Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986 – a Lei do Exercício Profissional da Enfermagem – é um profissional componente da equipe de enfermagem, tendo como pré-requisitos para exercício de sua profissão ser titular do diploma ou do certificado de TE, expedido de acordo com a legislação e ser registrado no órgão competente(7).
Ele exerce as atividades auxiliares, de nível médio técnico, atribuídas à equipe de enfermagem, cabendo-lhe, conforme o artigo 10 desse Decreto: assistir o enfermeiro no planejamento, programação, orientação e supervisão das atividades de assistência de enfermagem; na prestação de cuidados diretos de enfermagem a pacientes em estado grave; na prevenção e controle das doenças transmissíveis em geral em programas de vigilância epidemiológica; na prevenção e controle sistemático da infecção hospitalar e na prevenção e controle sistemático de danos físicos que possam ser causados a pacientes durante a assistência de saúde; executar atividades de assistência, excetuadas as privativas do enfermeiro; integrar a equipe de saúde(7).
Trata-se, portanto, de um componente ímpar da equipe, que legalmente deve auxiliar o enfermeiro em suas atividades assistenciais e de planejamento.
Além de sua relevância qualitativa para a profissão, realça-se sua representatividade quantitativa: os TE representam, nacionalmente, a classe com maior contingente de profissionais no âmbito da enfermagem. Segundo dados do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), em 2011, existiam 750.205 TE no Brasil, valor que correspondia a 40,41% de todos os profissionais da área(8).
Contradizendo esse cenário de relevância do TE no que concerne à prática assistencial da profissão e, por conseguinte, à solidificação da SAE, é referenciado na literatura o fato de esse profissional ainda ter sua participação na SAE como um campo que necessita de clarificações, em que predominam questionamentos e dúvidas quanto às competências necessárias para participar da SAE e às possíveis contribuições deste profissional nas fases do processo de enfermagem, o que pode decorrer de vários fatores (desconhecimento, processo formativo deficiente, subestimação da categoria) que necessitam de investigação.
Desse modo, tendo em vista a necessidade de se melhor compreender como os diferentes atores da enfermagem compreendem a participação do TE na SAE e levando em consideração que o processo formativo desempenha papel primordial na lapidação dos pensamentos dos futuros profissionais, estabeleceu-se a seguinte questão de pesquisa: como os acadêmicos de enfermagem tipificam a participação do TE na SAE?
Objetiva-se, assim, compreender o típico ideal de acadêmicos de enfermagem acerca da participação do TE na SAE, à luz do referencial teórico de Alfred Schutz.
MÉTODO
Trata-se de um recorte dos resultados obtidos a partir da ambientação com o campo e com o instrumento de estudo da dissertação de mestrado intitulada “Compreensão do típico ideal de técnicos de enfermagem acerca da sistematização da assistência de enfermagem”, defendida em agosto de 2013 pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
O estudo constitui uma investigação utilizando o método fenomenológico compreensivo de Alfred Schutz, que tem por base a realidade cognitiva incorporada aos processos de experiências humanas subjetivas.
Adotar o referencial de Schutz significa tecer uma investigação que gira em torno do ator social, no âmbito do qual este se relaciona com os outros, e dos projetos de ação que eles formulam, que só podem ser compreendidos por meio das motivações dos sujeitos(9-11).
A pesquisa em tela se alicerça em três conceitos-base da fenomenologia sociológica de Schutz: os motivos-para; os motivos-porque; e a tipificação. A compreensão de tais pilares se deu em função da ação investigada: o TE deve participar da SAE.
Nesse contexto, partindo da premissa de que é necessário compreender as percepções dos sujeitos a partir de suas próprias significações para que se possam interpretar seus comportamentos, Schutz desenvolveu os conceitos de motivos-para e motivos-porque, integrantes dos denominados contextos motivacionais: “ ] contexto motivacional es, por definición, el contexto de significado dentro del cual se encuentra una determinada acción en virtud de su status como proyecto o acto de un determinado actor”(9:116-117).
Enquanto que os motivos-para são essencialmente subjetivos, constituem as metas que se procuram alcançar, tendo uma estrutura temporal voltada para o futuro, os motivos-porque são pautados na objetividade, evidenciados nos acontecimentos já concluídos, tendo assim uma direção temporal voltada para o passado, podendo ser compreendidos em retrospectivo(9-10).
Para que o investigador entenda as motivações dos sujeitos, Schutz ensina que é necessário que se apreenda o típico ideal: “no que tange à investigação da realidade da vida cotidiana, o que possibilitará a compreensão de um fenômeno social pelo pesquisador é a sistematização dos seus traços típicos”(11:43).
O conceito típico-ideal de Schutz está intrinsecamente relacionado ao que ele denomina mundo dos contemporâneos: aquele em que o outro “[…] coexiste conmigo y es simultáneo con mi duración. No obstante, aun viviendo con él, no vivo a través de él como cuestión de experiencia directa”(9:172).
O contemporâneo é, desse modo, alguém que se sabe coexistir no mundo mas que não se vivencia de forma imediata, de forma que o conhecimento que se tem dos contemporâneos é inferencial e discursivo, isto é, se dá a partir da construção de “tipos ideais”, ou “tipificação”.
Para tanto, utilizou-se o grupo focal, que consiste numa técnica rápida e de baixo custo para avaliação e obtenção de dados e informações qualitativas. Permite identificar sentimentos, atitudes e ideias dos participantes a respeito de um determinado assunto ou atividade(12).
O grupo focal, intitulado “O que eu penso acerca da SAE”, aconteceu em setembro de 2012 no Departamento de Enfermagem da UFRN. Como critérios de inclusão, ser bolsista de iniciação científica e estar cursando a partir do 5º período do curso de enfermagem. Foram convidados, via e-mail, 12 acadêmicos, dos quais oito compareceram ao encontro, todos do sexo feminino.
A fim de compreender um pouco da situação biográfica das acadêmicas, foi aplicado, no início do encontro, um questionário composto por perguntas fechadas e dividido em dois eixos: dados sociodemográficos e dados acadêmicos.
O estudo seguiu os princípios éticos e legais que regem a pesquisa científica em seres humanos, preconizados na Resolução n° 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, atualizada pela Resolução nº 466/2012, preservando o caráter voluntário dos participantes e o anonimato dos interlocutores, sendo aprovado pelo Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisa da UFRN, nº 98.424, de 31 de agosto de 2012, CAAE nº 05906912.0.0000.5537.
A partir da concordância das participantes, o grupo focal foi gravado e fotografado, contando com a cooperação de um relator, que anotou aquilo que não pode ser captado pelas gravações(expressões faciais e corporais, entre outros aspectos), e de outro colaborador, responsável pelo registro fotográfico e apoio.
A transcrição foi realizada pela própria pesquisadora após ouvir as gravações repetidas vezes, e teve como apoio primordial os registros realizados pelo relator do grupo. Utilizou-se o Microsoft Word 2010 para a realização da transcrição do encontro e o Microsoft Excel 2010 para sintetização dos resultados por meio de uma planilha.
Os textos foram agrupados por sujeito; cada um identificado pelas letras AE (Acadêmico de Enfermagem) seguidas pelo número sequencial, de um a oito (AE1, AE2, assim sucessivamente, até AE8).
Assim, procedeu-se com a organização das falas a partir de múltiplas leituras, o que possibilitou, a partir do referencial de Alfred Schutz, desvelar o típico ideal dos acadêmicos de enfermagem acerca da participação do TE na SAE, elucidando os motivos-para e os motivos-porque da ação investigada – se o TE deve participar da SAE – revelada a partir da análise das falas dos sujeitos.
RESULTADOS
O encontro totalizou 125 minutos e contou com a colaboração de oito acadêmicas de enfermagem, de 19 a 24 anos, cursando o 5º (3; 37%), o 6º (2; 26%) ou o 7º período (3; 37%).
O perfil etário das acadêmicas diferiu de outros estudos que também investigaram tal público em períodos de curso semelhantes, em que apareceu a predominância de 21 a 32 anos(13) e de 17 a 30 anos(14). Essas pesquisas também contaram com a participação de acadêmicos do sexo masculino. Elucida-se, porém, que esses foram estudos com amostra maior, o que pode explicar a diversidade encontrada.
Quando interrogadas acerca de seu primeiro contato com a SAE em sua formação acadêmica, em unanimidade as participantes responderam que ocorreu no 4º período do curso por meio da disciplina de Semiologia e Semiotécnica da Enfermagem. Isto revela que tal matéria promove a articulação de aspectos teóricos e práticos da profissão, ensinando as técnicas de enfermagem aliadas aos saberes acerca da SAE.
Após a evidência da situação biográfica das participantes do estudo, seguiu-se com a investigação por meio do grupo focal, tendo como pergunta norteadora: “Como você visualiza a participação do TE na SAE?”.
Ao buscar a interpretação do típico ideal dos acadêmicos de enfermagem acerca da participação do TE na SAE, reconheceu-se a relevância de compreender a experiência desses sujeitos e suas motivações, o que possibilitou o conhecimento do fenômeno investigado e contribuiu para a elucidação de mecanismos importantes que se traduzem em possibilidades de melhorias práticas para a profissão de enfermagem.
DISCUSSÃO
A análise das falas das acadêmicas permitiu, assim, a compreensão do típico ideal do acadêmico de enfermagem acerca da participação do TE na SAE, delineado a partir da ação realçada no discurso dos sujeitos: o TE deve participar da SAE. A seguir são elucidados os motivos-para e os motivos-porque tal ação é defendida. Por fim, descreve-se o boneco típico desse acadêmico, que defende uma SAE que integre o TE para sua efetivação.
Motivos-para o TE participar da SAE
As acadêmicas de enfermagem acreditam que o TE constituiu um elemento-chave para que a SAE seja efetivada, sendo um ator de fundamental importância para o sucesso da assistência.
Elas visualizam tal aspecto a partir da constatação de que a SAE exige a coesão do cuidado de todos os envolvidos, não funcionando como uma “receita teórica” em que planejamento e execução são fases independentes e fragmentadas, mas sim como um processo contínuo de cuidado em que planejamento, execução e avaliação são fatores interdependentes que interagem cotidianamente:
] às vezes só o técnico que escuta o que o paciente fala, alguma informação bem importante que ele não fala para o enfermeiro. Então isso pode ser importante para mudar totalmente, isso pode ser determinante para mudar totalmente o seu plano de cuidados para aquele paciente. (AE1)
A visão das acadêmicas coaduna com a percepção de um estudo realizado no Mato Grosso do Sul, que conclui positivamente quanto à participação dos auxiliares e técnicos na SAE juntamente com os enfermeiros, apontando a importância da integração da equipe no planejamento do cuidado como um fator motivador da qualidade assistencial(15).
Nesse contexto, as entrevistadas acreditam que os TE desempenham atividade fundamental em quase todas as etapas do processo de enfermagem: determinantes para um histórico adequado, são os atores mais próximos dos usuários; suas percepções e proximidade com o paciente devem ser vistas como importantes na escolha dos melhores diagnósticos pelo enfermeiro (que deve reconhecer o papel auxiliar do TE no planejamento de sua assistência), já que os estão diuturnamente em contato com os pacientes e, portanto, podem identificar relevantes informações acerca dos cuidados; são os principais efetivadores da implementação da assistência de enfermagem; por serem elementos essenciais de todo o processo, devem ser ouvidos e participar efetivamente da avaliação de enfermagem.
Apreende-se, dessa forma, que apenas a formulação dos diagnósticos e do planejamento é vista como atividade privativa do enfermeiro, mas que tem seu planejamento e implementação influenciados e, por vezes, determinados pela integração do TE na SAE.
Tal compreensão é condizente com a normativa do COFEN (Resolução nº 358, de 2009): ao enfermeiro incumbe a liderança na execução e avaliação do processo de enfermagem, cabendo-lhe, privativamente, o diagnóstico e a prescrição das ações ou intervenções a serem realizadas(16).
Visualiza-se, assim, que as acadêmicas tipificam a participação do TE na SAE de maneira mais abrangente e reflexiva quando comparadas a um estudo realizado em 2012 que afirma que, na operacionalização da SAE, a equipe de enfermagem pode auxiliar o enfermeiro na coleta dos dados e na implementação dos cuidados estabelecidos por este último(17).
Ressalta-se que esta última visão, ultrapassada pelas acadêmicas de enfermagem componentes deste estudo, traduz-se numa lacuna significativa de compreensão que necessita ser superada. Não se deve restringir a atuação do TE como mero executor da prescrição realizada pelo enfermeiro, negligenciando a atribuição respaldada legalmente de participação no planejamento, programação, orientação e supervisão das atividades de assistência.
Em outras palavras, entende-se que a consolidação de uma prática sistematizada, humanística e qualificada requer a compreensão de que ela é resultado de um trabalho em equipe, em que os componentes agem em uníssono para que a SAE se efetive em busca da melhor assistência de enfermagem.
Motivos-porque o TE participar da SAE
O motivo-porque que leva as acadêmicas a acreditar e defender a participação do TE é sua formação acadêmica, defensora de uma SAE que só será efetiva quando resultar de um trabalho em equipe.
É válido que se destaque que as reflexões das participantes foram enriquecidas por uma constatação coletiva: a ação por elas defendida – de que o TE deve participar da SAE – não está sendo vivenciada pela enfermagem atual.
As participantes compreendem que tal limitação é resultante de um processo complexo que envolve, de forma interdependente, a dicotomia entre o pensar e o fazer, característicos, respectivamente, do trabalho do enfermeiro e do TE; o desconhecimento do TE acerca da SAE; o desinteresse do TE; a subestimação do seu papel e a existência de conflitos na equipe de enfermagem.
Ao refletir sobre a lacuna ainda existente de participação do TE na SAE, evidencia-se que ainda persiste uma dissociação cartesiana do processo de cuidar, que é reflexo do percurso histórico de legalização profissional da enfermagem, uma vez que, desde que foi institucionalizada como profissão, a partir de meados do século XIX, é caracterizada pela divisão do exercício por meio da consolidação de várias modalidades de trabalho auxiliar, cabendo ao enfermeiro as atividades de ensino, supervisão e administração e aos auxiliares a maioria das atividades assistenciais(18).
De forma preocupante, evidencia-se que persiste a dicotomia entre profissionais de nível superior que planejam a assistência e de outros de nível técnico que a executam, inexistindo ou acontecendo de maneira tímida a comunicação entre eles. Como consequência desse fato, assiste-se de forma preocupante o fato de que “fica subtendido que o enfermeiro nesse contexto não consegue conquistar o respeito e a confiança necessários [...](15:299).
É justamente isso, eles fazem, mas não sabem por que estão fazendo. (AE1)
Mas essa falta de interesse pode vim daquela ideia de que já tem que eles estão formados pra fazer e não pra pensar. Então eu não preciso pensar porque eu só vou fazer. (AE3)
Então eu acho que eles fazem a técnica pela técnica mesmo, sem saber o que estão fazendo. (AE4).
Ele deveria ser um parceiro do enfermeiro e não só alguém que não pode pensar, que só pode fazer. (AE6).
Nesse ínterim, resgatar o TE como integrante fundamental da SAE significa, segundo a concepção de Schutz, afirmar a profissão como uma ação, em contraste com a visão reducionista de conduta: “ ] lo distintivo entre acción y conducta es que la acción es la ejecución de un acto proyetado”(9:90).
Superar a simples conduta significa apreender a enfermagem não mais como prática espontânea, isenta de planejamento e cientificidade. Apreendê-la como ação traduz-se na defesa de uma profissão de bases científicas sólidas, aspecto que ainda carece ser solidificado.
Para tanto, segundo as acadêmicas do estudo, é preciso superar uma dificuldade ainda vivenciada: a formação deficiente do TE no que concerne à SAE.
Eu acho assim: o técnico é de fundamental importância pro sucesso da SAE, só que eles não têm, acho que eles nem sabem o que é SAE, porque eu, por exemplo, fiz o técnico e eu não sabia que tinha isso, não sabia o que, não sabia de nada, de que tinha todos esses espaços antes pra o enfermeiro desenvolver a sua atividade, entendeu? (AE4).
Na verdade, eu acho que o técnico é muito subestimado desde a formação dele. Se ele é tão importante, ele é um indivíduo tão importante na SAE, então por que não educar ele desde a formação? (AE6).
Compreende-se, desse modo, que o reconhecimento do TE como ator essencial à SAE constitui o primeiro passo a partir do qual se entende que a formação de enfermagem, em todos os níveis, deve se pautar numa SAE resultante de um trabalho em equipe.
Típico ideal do acadêmico de enfermagem acerca da participação do TE na SAE
A figura 1 sintetiza o típico ideal percebido a partir das falas das acadêmicas, no que condiz à ação “o TE deve participar da SAE”.
Figura 1 – Típico ideal do acadêmico de enfermagem acerca da ação “o TE deve participar da SAE”. Natal, 2013. |
Fonte: autoria própria, 2015. |
A ação típica elucidada pelas participantes é de que o TE deve participar da SAE para: contribuir na qualidade do histórico; auxiliar o enfermeiro no planejamento de sua assistência, auxiliando-o na escolha dos melhores diagnósticos de enfermagem; implementar efetivamente a SAE; participar da avaliação da assistência prestada; consolidar a real efetivação da SAE, que resulta do trabalho em equipe.
As acadêmicas acreditam e defendem a participação do TE na SAE porque sua formação acadêmica apreende que SAE só pode ser efetivada quando resultar de um trabalho em equipe, cujo primeiro contato com a temática se deu no 4º período por meio da disciplina Semiologia e Semiotécnica da Enfermagem.
O acadêmico de enfermagem típico é, portanto, um sujeito crítico e reflexivo, com uma visão abrangente e integral acerca do processo de trabalho da enfermagem, que acredita que a SAE só será efetivada quando resultar de um trabalho em equipe que integre o TE, e que reconhece que múltiplos desafios ainda se colocam para que a ação defendida seja edificada, os quais se alicerçam na fragmentação do cuidado e no processo de formação deficiente do TE no que se refere à SAE.
CONCLUSÃO
O objetivo do estudo foi alcançado: compreender o típico ideal de acadêmicos de enfermagem acerca da participação do TE na SAE. O estudante, sujeito crítico e reflexivo, defende que o TE deve participar da SAE porque sua formação foi defensora de tais aspectos e por acreditar que a ação defendida é essencial para uma SAE realmente efetiva e qualificada, que se pauta na coesão do cuidado.
O referencial de Alfred Schutz foi essencial para o enriquecimento das discussões alçadas, compreendendo que investigar os tipos ideais dos sujeitos constitui aspecto fundamental quando se é necessário investigar um fenômeno subjetivo e complexo – como é o caso da real efetivação da SAE – que envolve múltiplos atores que precisam ser ouvidos e compreendidos, em sua essência, para que se tracem caminhos de melhoria para a enfermagem.
Destaca-se, ainda, que as reflexões tecidas são influenciadas pelo ambiente em que foram fomentadas, sobretudo pelo processo formativo das participantes investigadas, aspecto que constitui o limite do estudo. É imperativo, para uma apreensão mais abrangente, que sejam pesquisadas as visões de outros sujeitos, em outros ambientes e em outros níveis de ensino.
O estudo tem como impacto sua contribuição para que a coesão do cuidado seja continuamente buscada e efetivada, reconhecendo o papel fundamental de todos os componentes da equipe de enfermagem, integrando o pensar e o fazer como elementos de um processo assistencial único e edificando uma SAE que resulte de um trabalho em equipe qualificado.
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Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a materia em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf
Recibido: 23/04/2015
Revisado: 25/01/2016
Aprobado: 02/02/2016