ARTIGOS ORIGINAIS
Sentimentos de mulheres que vivenciaram a gestação de alto risco: estudo descritivo
Laís Antunes Wilhelm1, Camila Neumaier Alves2, Carolina Carbonell Demori2, Silvana Cruz da Silva3, Sonia Maria Könzgen Meincke2, Lúcia Beatriz Ressel1
1Universidade Federal de Santa Maria
2Universidade Federal de Pelotas
3Universidade Federal do Rio Grande do Sul
RESUMO
Objetivo: conhecer os sentimentos vivenciados por mulheres que experienciaram uma gestação de alto risco.
Metodologia: estudo qualitativo e descritivo, realizado no Hospital Universitário de Santa Maria, no sul do país. As participantes foram selecionadas a partir da relação de prontuários de mulheres atendidas nas consultas de pré-natal de alto risco. Foram entrevistadas dez mulheres com idade superior a 18 anos, consideradas gestantes de alto risco e cujo parto ocorreu no máximo há dois anos. Os dados foram analisados e interpretados conforme a análise de conteúdo temática da proposta operativa.
Resultados: emergiu a categoria “sentimentos de mulheres que vivenciaram a gestação de alto risco” e como subcategorias os sentimentos de medo, ansiedade, tristeza e felicidade.
Discussão: evidenciou-se a exacerbação de sentimentos, muitas vezes contraditórios, pois mesmo com medo e ansiedade sentiam-se felizes, o que também é descrito na literatura.
Descritores: Enfermagem; Saúde da Mulher; Gravidez de Alto Risco; Gestantes; Sentimento.
INTRODUÇÃO
A gestação é um fenômeno fisiológico e, por esta razão, grande parte ocorre sem intercorrências. Entretanto, algumas mulheres podem ter evolução desfavorável durante o período gestacional, com complicações significativas na saúde materno-perinatal, representando o grupo chamado de “gestantes de alto risco”(1).
A assistência para a gestante considerada de risco é um desafio no dia a dia da atenção à saúde, pois os altos índices de mortalidade materna preocupam não só a sociedade, mas também as autoridades(2). Segundo o Sistema de Informação de Atenção Básica(SIAB)(3), no Brasil foram registrados 55.527 casos de mortes maternas só no ano de 2013. Os principais motivos estão relacionados às causas diretas obstétricas, ou seja, aquelas resultantes de fatores de risco maternos e complicações surgidas durante a gravidez, parto ou o puerpério(4). Elas podem ser evitadas com o adequado encaminhamento e manejo das situações de alto risco aos serviços de saúde.
É importante salientar o cuidado no início do pré-natal, pois este é uma ferramenta para a detecção precoce de fatores que podem transformar uma gravidez de risco habitual em uma de alto risco, e fornecer a intervenção oportuna para aqueles que são modificáveis(5). É possível perceber que muitas vezes a atenção ao pré-natal, proposta pelo Ministério da Saúde por meio de programas e ações de atenção à saúde da mulher, não consegue atender algumas demandas das gestantes consideradas de alto risco - especialmente àquelas relacionadas à subjetividade, como os sentimentos que surgem da sua experiência e o apoio emocional que elas necessitam. Por isso, acaba sendo um cuidado negligenciado(6).
O apoio emocional refere-se a “intercâmbios que conotam uma atitude emocional positiva, clima de compreensão, simpatia, empatia, estímulo e apoio; é o poder contar com a ressonância e a boa vontade do outro”(7). Já os sentimentos são considerados reações que alguém apresenta diante de uma situação, evento ou de outra pessoa, e podem ser tanto agradáveis quanto desagradáveis(8).
A gravidez gera sentimentos que acarretam mudanças biopsicossociais, logo é necessário que existam cuidados que oportunizem a saúde a partir da prevenção de possíveis complicações, sendo necessária e obrigatória para minimizar os riscos maternos. As mulheres com gestação de alto risco necessitam de atenção interdisciplinar e avaliação abrangente, além do reconhecimento de aspectos que se relacionam com o seu sentido de vida e espiritualidade(5).
Constata-se que se torna imprescindível conhecer as necessidades e as características de cada gestante por meio da assistência de enfermagem humanizada, que pode contribuir para a melhoria da qualidade durante a atenção pré-natal e auxiliar a reduzir as ansiedades e temores delas, proporcionando uma gestação mais tranquila. Esses aspectos se reforçam mais ainda na situação de gestação de alto risco. Frente ao exposto, este artigo tem como objetivo conhecer os sentimentos vivenciados por mulheres que passaram por essa experiência.
O estudo é resultado de uma dissertação de mestrado que teve como questão de pesquisa: quais os sentimentos, as práticas de cuidado e as superações vivenciadas por mulheres que tiveram uma gestação de alto risco? O objetivo do estudo foi conhecer a vivência dessas gestantes.
MÉTODO
Trata-se de um estudo qualitativo de caráter descritivo realizado no Hospital Universitário de Santa Maria, no sul do Brasil. A seleção das participantes ocorreu a partir da relação de prontuários de mulheres atendidas no ambulatório de pré-natal de alto risco, compondo uma amostra intencional. Para a definição da população do estudo, considerou-se como critério de inclusão mulheres com idade superior a 18 anos, consideradas gestantes de alto risco e com parto ocorrido no máximo há dois anos. Dessa forma, com acesso aos prontuários, elencaram-se aqueles pertencentes às mulheres que atendessem aos critérios de inclusão.
O primeiro contato foi realizado por meio de uma ligação telefônica, na qual as participantes foram convidadas a participar do estudo. Após o aceite, a entrevista foi agendada de acordo com a disponibilidade de cada mulher, sendo o local para a coleta de dados o domicílio de cada uma. Assim, as participantes foram 10 mulheres atendidas na atenção pré-natal de alto risco, a partir de 2011. Destaca-se que a coleta de dados foi encerrada após saturação dos dados, que é definida quando as falas das participantes começam a se repetir(9).
Foi escolhida como método de coleta de dados a entrevista semiestruturada, a qual tem perguntas fechadas, relativas à caracterização das mulheres, e questões abertas, norteadoras à temática em questão. Esse tipo de entrevista permite ao participante a possibilidade de discorrer sobre o tema proposto sem se prender à indagação formulada e sem respostas ou condições prefixadas pelo pesquisador, ampliando a comunicação verbal(9).
As entrevistas foram realizadas entre maio e setembro de 2013, gravadas, transcritas e posteriormente averiguadas por meio da análise de conteúdo temática da proposta operativa(9). Esse tipo de análise se caracteriza por dois momentos operacionais: o primeiro abrange as determinações basais do estudo, sendo delineado na fase exploratória da investigação; já o segundo é a fase de interpretação, estando subdividida em mais duas fases, a de ordenação dos dados e a de classificação dos mesmos. Esta última permite ao pesquisador entender as estruturas de relevância e as ideias centrais, com a elaboração de uma síntese para construção de um relatório final(9).
A pesquisa seguiu as normas da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde, que regulamenta as normas de pesquisa com seres humanos. Para tanto, foi avaliada por um Comitê de Ética em Pesquisa, tendo obtido aprovação sob o número de CAAE 13178713.3.0000.5346. Viabilizou-se o anonimato das participantes com a utilização do sistema alfanumérico de representação dos dados, sendo utilizado o termo “entrevista” e seguido dos números conforme a ordem.
RESULTADOS
Quanto ao perfil das respondentes, obtiveram-se os seguintes resultados: faixa etária entre 24 e 37 anos; predomínio de mulheres com união estável; a respeito do nível de escolaridade, quatro mulheres tinham ensino fundamental incompleto, duas cursaram o ensino fundamental completo, três possuíam ensino médio completo e uma possuía ensino superior incompleto. Quanto à ocupação, três eram donas de casa, duas cozinheiras, uma manicure, uma técnica de enfermagem, uma balconista, uma estudante e uma estava desempregada no momento da coleta de dados.
Os fatores que as caracterizaram como gestantes de alto risco foram diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica, obesidade, número elevado de cesáreas, pielonefrite, pré-eclâmpsia, deslocamento de placenta, placenta marginal, trabalho prematuro de parto, diabetes mellitus gestacional e aborto habitual. Destaca-se que os fatores de risco de maior ocorrência foram diabetes mellitus gestacional (três mulheres) e hipertensão arterial sistêmica (cinco mulheres).
Além desses aspectos, observou-se a multiparidade entre as mulheres, pois os números de gestações que predominaram foram cinco (três mulheres) e duas (três mulheres). No que se refere a abortamento, quatro mulheres passaram por essa situação, e uma delas também vivenciou a ocorrência de um natimorto.
Em relação à última gestação que as caracterizou como gestantes de alto risco, oito mulheres conseguiram ter seus bebês com saúde; uma mulher teve uma criança prematura, a qual após 20 dias do seu nascimento foi a óbito com o diagnóstico de pneumonia e choque séptico; e uma mulher teve um natimorto com 37 semanas de gestação.
Relacionado aos sentimentos relatados pelas mulheres, o medo (depoentes 3, 4, 7 e 10), a ansiedade (depoentes 2, 10 e 6), a tristeza (depoentes 2, 3 e 5) e a felicidade (depoentes 1, 8 e 9) foram mencionados. Em decorrência da análise das falas das mulheres entrevistadas, emergiu a categoria “Sentimentos de mulheres que vivenciaram a gestação de alto risco”, a qual será apresentada na sequência.
Sentimentos de mulheres que vivenciaram a gestação de alto risco.
De acordo com os sentimentos revelados pelas depoentes, comuns em todas as gestações, destacam-se o medo, a ansiedade, a tristeza e a felicidade, que neste estudo foram considerados como subcategorias:
Medo
Esse sentimento foi evidenciado na maioria dos depoimentos. O medo refere-se a um estado emocional resultante de uma ameaça e ou perigo, como se pode perceber por meio do que foi expresso pelas entrevistadas:
A gente sofreu quando descobriu (que a gestação era de risco), porque eu tinha medo realmente, eu tinha medo do que ouvia falar. (Entrevista 3)
Eu tinha um medo né! Medo de não conseguir levar a gestação. (Entrevista 4)
Estava com medo, mas não falei para eles (filhos), que podia morrer né?!(Entrevista 7)
Já com medo, tudo que eles (profissionais do hospital) me mandavam fazer, para mim era lei [...] eu tinha mais medo que acontecesse alguma coisa para ele (bebê) do que comigo. (Entrevista 10)
Nos depoimentos das participantes (3, 4, 7 e 10), foi relatado, de forma exacerbada, o medo. As mulheres diziam ter medo do que ouviam falar sobre a gestação de alto risco, de não conseguir levar a gestação a termo, de morrer e de que acontecesse algo com o bebê.
Durante a gestação de alto risco, a mulher experiencia uma situação constante de tensão. Embora tenda a esperar pelo que deseja, sente medo dos imprevistos que podem surgir. A situação de se sentir classificada num grupo de risco já as coloca em tensão e, na maioria das vezes, não é observada pelos profissionais que acompanham o pré-natal.
Das várias situações de sobrecarga emocional, o medo foi o sentimento mais referido pelas entrevistadas, refletindo insegurança e desamparo diante da situação de risco. Esse fato avigora a necessidade de maior atenção para escuta e explicações acerca do que está acontecendo, pois o desconhecimento sobre o que está ocorrendo pode vir a intensificar o medo e o receio de que surjam complicações. Logo, é importante que a gestante se sinta segura, a fim de que ocorra a adesão e a permanência dela na atenção pré-natal, e que ela tenha neste serviço sua confiança depositada e perceba-se apoiada.
Ansiedade
A ansiedade é atribuída a um misto de sentimentos que afloram nesse período, que vai desde a aceitação da gestação até a espera por atendimento. As depoentes assim se expressaram:
Assim, tanto sentimento junto, tu sente medo, tu sente ansiedade, é muita coisa, tudo muito junto. (Entrevista 2)
Eu tive que esperar, fiquei angustiada, naquela ansiedade de ter que esperar mais um mês pela consulta. (Entrevista 10)
Eu enlouqueci no hospital, tinha uma criancinha, me deu uma ansiedade de ver ela, ainda não tinha aceitado esta gestação. (Entrevista 6)
Durante a gestação de alto risco ela expressa o temor, a angústia e até mesmo o processo de aceitação do risco gestacional. O grau de ansiedade depende das características psicológicas de cada gestante, que muitas vezes tem dificuldade em adaptar-se a esta situação.
A notícia da situação de risco faz com que essas mulheres (re)organizem suas vidas, e esse processo de ajustamento pode potencializar a ansiedade sentida por elas. É nesse momento que os profissionais de saúde, entre eles o enfermeiro, necessitam estreitar o vínculo com a gestante de alto risco, para dar o suporte emocional necessário, auxiliá-las a conviver com esta situação ajustando, dentro de cada necessidade e especificidade, condições para melhorar a qualidade da gestação.
Tristeza
A tristeza é caracterizada por sentimentos de melancolia e aflição, presentes nas falas a seguir:
Tanto eu como meu marido ficamos tristes, tanto que quando eu disse que tinha dado positivo o exame de gravidez, ele ficou paralisado. Nós dois choramos de medo e tristeza, porque a gente já havia perdido um né?! [...] É uma mistura de sentimentos, a felicidade é de ter podido gerar esses anjinhos e a tristeza é por não ter nenhum deles aqui comigo. (Entrevista 2)
Eu queria tanto (o filho) que às vezes eu me sentia triste, às vezes chorava bastante, ficava imaginando o que poderia acontecer. (Entrevista 3)
Foi bem difícil descobrir que era uma gestação de alto risco, parecia que o mundo tinha desabado em cima da gente. Meu Deus do céu, pensava se a criança nascesse com algum problema, imaginava cada coisa na minha cabeça. Eu chorava de preocupação e tristeza, fiquei mais emotiva. (Entrevista 5)
O sentimento de tristeza resultou de várias situações, como já ter ocorrido uma perda em outra gestação, por imaginar todas as circunstâncias negativas que poderiam vir a ocorrer durante a gestação de alto risco e por não ter ocorrido um planejamento reprodutivo.
Na gestação, a tristeza é um dos sentimentos que perturba a mulher. Na maioria dos casos, a tristeza durante a gravidez está relacionada à perda das expectativas. As mulheres imaginavam uma gestação perfeita e acabaram infelizes quando descobriram a situação de risco. Esse sentimento se potencializou também nos casos em que a gestante já havia perdido um bebê, como visto na fala da entrevista 2.
Nessa situação, salienta-se quanto o planejamento da gravidez é importante, pois eventos inesperados podem potencializar sentimentos negativos na gestante. Assim como em outras fases da vida, questões emocionais precisam de equilíbrio, caso contrário a mulher pode ficar fragilizada e sofrer, como no depoimento da entrevista 5.
Felicidade
O sentimento de felicidade também foi evidenciado. Este se refere à emoção de um sentido verdadeiro que motiva as pessoas. Neste caso, relaciona-se à motivação de gerar uma criança, como se pode perceber nos depoimentos:
A conclusão que chego é que apesar de ter sido uma gestação de alto risco, com o apoio que recebi consegui superar meus medos e ansiedade, com isso fiquei muito feliz. Queria estar grávida e consegui. (Entrevista 1)
Quando descobri a gravidez, eu queria né?! Fiquei bem feliz, faceira. Já sabia mais ou menos que estava grávida, fiz o exame e deu positivo. (Entrevista 8)
Eu tive um pouco de medo, mas ao mesmo tempo fiquei feliz com a descoberta da gravidez e por ser um gurizinho. (Entrevista 9)
Apesar da fragilidade emocional e da mistura de sentimentos que ocorre durante a gestação de alto risco, as mulheres se sentiam felizes. Elas expressaram que os sentimentos de medo e ansiedade foram superados pelo apoio recebido, e se sentiram alegres quando souberam que estavam grávidas e quando desfrutavam de momentos como o da descoberta do sexo do bebê.
Frente a essa realidade, vale enfatizar que todos os profissionais que prestam assistência a essa clientela participam dessa miscelânea de sentimentos. Então, a conduta adotada deve ser também direcionada a proporcionar tranquilidade e apoio psicológico a elas. No momento que esses profissionais se tornam receptivos e acolhedores, são corresponsáveis, pois proporcionam conforto, bem-estar e equilíbrio a essas mulheres, participando junto da gestante e de sua família desse momento tão especial em suas vidas.
DISCUSSÃO
Quando a mulher enfrenta a ameaça constante do risco gestacional, ela se torna vulnerável, fica insegura e teme o que poderá acontecer com ela e com seu filho. O medo acaba sendo um sentimento que ronda a existência das gestantes, às vezes de maneira sutil e outras de forma marcante, fazendo com que percam a paz, o sossego e a tranquilidade. É comum durante o período gestacional a mulher sentir medo e se questionar diante das mudanças suscitadas por uma situação ou um fato imprevisto, mesmo que o bebê seja muito desejado(6). Numa situação de alto risco, esse sentimento poderá ser mais presente, tornando-a mais vulnerável.
A maneira como a mulher experiencia a gestação de alto risco, a forma como essa vivência é percebida, a informação que ela recebe ao longo de sua vida sobre o período gestacional e as possíveis complicações, advinda de familiares, pessoas próximas ou situações enfrentadas anteriormente, poderão afetar diretamente sua percepção e expectativas a respeito dos eventos vivenciados. Por esse motivo, é importante que o profissional de saúde, durante a assistência pré-natal, dê um suporte à gestante que abarque também os aspectos emocionais, singularizando a assistência e considerando suas experiências prévias e vivência em família.
Na atenção pré-natal, a avaliação de cada gestante deve observar sua individualidade. O preparo físico e o emocional devem ser condição de excelência nos cuidados do profissional de saúde, exigindo deste uma visão integral que considere a história de vida, os sentimentos e o contexto sociocultural delas, valorizando cada gestante como única(1). Isso implica uma abordagem não apenas dos conteúdos clínicos e obstétricos, como também dos aspectos emocionais envolvidos no processo reprodutivo, uma vez que as alterações físicas interferem no psiquismo e as emocionais podem afetar no curso fisiológico da gravidez(10).
Assim como o medo, a ansiedade também apareceu nos depoimentos como um estado emocional comum a todas as gestantes, que se manifesta por uma sensação difusa, desagradável e vaga de apreensão. Geralmente ocorre quando o indivíduo se defronta com situações novas, desafiadoras ou ameaçadoras e o capacita para tomar medidas a fim de enfrentar a ameaça(11).
Em um estudo semelhante, que teve como objetivo compreender o que significava para a mulher gerar um filho em uma situação de alto risco, as gestantes entrevistadas também expressaram em suas falas medo, ansiedade e sofrimento ao serem rotuladas como gestantes de alto risco. O termo “alto risco” as atemoriza e é aprendido como algo muito grave e complexo, sobre o qual normalmente não se tem controle(6). Os sentimentos como medo e ansiedade, vivenciados durante a gestação de alto risco, podem ser amenizados quando a grávida é bem informada sobre o diagnóstico e os motivos do encaminhamento para o pré-natal de risco(12). O profissional de saúde, ao possibilitar o diálogo, a expressão de dúvidas e de temores, oportuniza um espaço de entendimento no qual as orientações repercutem em maior adesão e segurança durante o período gestacional(13). Deve entender que o diálogo e o apoio emocional, que são competências estratégicas de uma equipe multiprofissionalpara a produção do cuidado humanizado em saúde, podem possibilitar ganhos significativos, minimizando tais sentimentos(14).
No que se refere ao sentimento de tristeza, foi relatado pelas participantes que um dos motivos para elas se sentirem assim seria a situação de perda em gestação anterior. Ao realizarem um estudo a fim de investigar os aspectos que norteiam as práticas de enfermagem voltadas às mulheres em situação de abortamento, pesquisadores(15) descobriram que o acolhimento integral pode incentivar o desabafo de seus sentimentos dolorosos em busca da atenção humanizada. Isso remete que sentimentos dolorosos, como a tristeza, são merecedores de atenção e de um olhar especial no cuidado ofertado pelos profissionais de saúde.
Quando preexiste uma condição clínica patológica, a gestação pode ser considerada uma nova chance de vida para a gestante e sua família. No entanto, a carga emocional da expectativa e o temor das complicações presentes podem gerar ruptura no equilíbrio emocional anteriormente adquirido pela gestante, sendo, nessas situações, importante que a gravidez seja planejada, com avaliação pré-concepcional e início oportuno(16). Já quando a condição de risco é diagnosticada durante a gestação, a gestante passa por reações agregadas à vivência do luto pela “morte da gravidez idealizada”, surgindo sentimentos de tristeza, culpa e raiva(16). Dessa forma, a ausência de informação e diálogo pode ser relatada como negativa, despertando e reforçando sentimentos como o medo, a tristeza e a ansiedade.
Ao contrário da expressão de sentimentos como ansiedade, medo, tristeza e preocupação, percebeu-se que a felicidade também fez parte do período vivenciado. As participantes relataram que a sentiram mesmo na presença de sentimentos muitas vezes contraditórios (mesmo com medo se sentiam felizes), principalmente com a descoberta da gestação e pelo apoio recebido. Definiram sentir felicidade como alegria de estar grávidas e a possibilidade dessa vivência.
A condição de alto risco não impede que a gestante tenha alegria e satisfação com a gravidez e nutra esperança de ter uma evolução satisfatória e um final feliz, contribuindo para o equilíbrio necessário para enfrentar as adaptações e superar tais dificuldades. Vale destacar que essas mulheres podem ser encorajadas a acreditar em si e descobrir como podem se sentir seguras dos seus atos e, assim, o percurso gestacional ocorra de maneira positiva, proporcionando tranquilidade para que possam desfrutar de momentos agradáveis e felizes nesse período único de suas vidas(6).
Destaca-se, também, que os profissionais de saúde que acompanham as gestantes de alto risco precisam estar preparados para captar os sinais subjetivos de emotividade, provindos das adversidades de uma gestação de alto risco. Esse cuidado é fundamental para o equilíbrio e a satisfação na atenção dispensada. Os profissionais podem prestar cuidados significativos capazes de atender às reais necessidades físicas e emocionais dos seres humanos por eles assistidos(17).
CONCLUSÃO
Este estudo permitiu conhecer os sentimentos vivenciados por mulheres que experienciaram uma gestação de alto risco, sendo os principais sentimentos o medo, a ansiedade, a tristeza e a felicidade.
O medo relatado pelas entrevistadas estava relacionado à insegurança do desconhecido, a falta de informação sobre a gestação de alto risco e também pela perda de controle da situação gestacional. No que diz respeito à ansiedade, foram momentos que se tornaram frequentes durante a gestação de alto risco, sendo esse sentimento relacionado à aceitação do fator de risco, angústia que interfere na tranquilidade durante o período gestacional, a qual era fundamental para o estágio prazeroso da maternidade. Relacionado ao sentimento da tristeza, os depoimentos mostraram que a perda de um bebê em outra gestação, o não planejamento reprodutivo e as situações negativas que poderiam vir a ocorrer durante a gestação de alto risco contribuíram para que se sentissem tristes. Porém, apesar dessa mistura de sentimentos que fragilizaram o estado emocional, as entrevistadas relataram a felicidade como reflexo da superação, que também foi conquistada por meio do apoio recebido. Ao mesmo tempo, se sentiram felizes quando descobriram que estavam grávidas e depois com a descoberta do sexo do bebê, momentos especiais durante uma gestação.
Assim, conclui-se que os sentimentos estão interligados e imbricados no vivenciar da gestação de alto risco. Logo, a realização de um pré-natal não pode estar voltada apenas para o acompanhamento do aspecto clínico dos fatores que levam a gestação a ser de alto risco, mas também para o aspecto emocional que faz parte desta vivência, amenizando de tal modo sentimentos como o medo, a ansiedade e a preocupação, ou fazendo com que as gestantes aprendam a lidar com eles e, assim, superem algumas dificuldades acrescidas nesta vivência, e tenham mais tranquilidade no período.
Almeja-se que este estudo contribua na formação dos profissionais da saúde, em especial do enfermeiro, o qual muitas vezes é o que tem contato primário com a gestante no momento das consultas pré-natais, podendo fornecer o apoio emocional que elas necessitarem. Espera-se a formação de profissionais críticos, reflexivos e engajados na humanização da assistência à gestante de alto risco. Da mesma forma, é necessário que essa temática seja refletida pelos leitores e que este estudo sirva de referência para outras pesquisas relacionadas ao estado emocional durante o período gestacional, possibilitando novos olhares acerca dos diferentes sentimentos.
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Recebido: 10/4/2015
Revisado: 17/08/2015
Aprovado: 18/08/2015