EDITORIAL

 

Jogo dos sete erros no processo de submissão de artigos científicos (Parte 5): a corrida de sapinhos

 

Dalmo Valério Machado de Lima1, Eny Dórea Paiva1, Ana Lúcia Abrahão1, Antônio Claudio Lucas da Nóbrega1

1Universidade Federal Fluminense

 


RESUMO
Diferentes estratégias de mensuração daquilo que é publicado em um periódico científico vem sendo desenvolvidas a fim de salvaguardar e referendar a qualidade dos seus respectivos conteúdos. As aludidas estratégias são baseadas em modelos matemáticos que, com o passar dos tempos, se adaptaram às distintas formas de expressão do conhecimento científico. A corrida desenfreada por índices de citação, fator de impacto, bibliometria, cientometria, webmetria, numerolatrias deságuam em numerofobias, sejam por sofismas ou paralogismos. Em qualquer método de análise bibliométrica existem dois postulados implícitos: a representação da atividade de pesquisa do autor tem como resultado a publicação e; a publicação científica é resultante do confronto de ideias entre outros autores e do conhecimento que ele já possui. O abrigo de periódicos pelas instituições de ensino e pesquisa fortalece seu papel de percussor da ciência e salvaguarda de áreas chaves do conhecimento que, em última análise, determinam a independência de uma sociedade.
Descritores: Qualidade em Publicação; Acesso à Informação; Enfermagem Baseada em Evidências.


 

Era uma vez uma corrida de sapinhos. Eles tinham que subir uma grande ladeira e, do lado havia uma grande multidão, muita gente que vibrava com eles. Começou a competição. A multidão dizia: – Não vão conseguir! Não vão conseguir!(1)

Essa história, que continuará adiante, representa bem o momento vivido pelos editores de periódicos no Brasil e no mundo, donde cada um se faz representar por um dos sapinhos da fábula de Monteiro Lobato.

Diferentes estratégias de mensuração daquilo que é publicado em um periódico científico vem, ao longo dos anos, sendo desenvolvidas a fim de salvaguardar e referendar a qualidade dos seus respectivos conteúdos. As aludidas estratégias são baseadas em modelos matemáticos que, com o passar dos tempos se adaptaram às distintas formas de expressão do conhecimento científico.

A corrida desenfreada por índices de citação, fator de impacto, bibliometria, cientometria, webmetria, numerolatrias deságuam em numerofobias, sejam por sofismas ou paralogismos. Fantasmas contemporâneos que fazem inveja ao mais fiel dos discípulos de Pitágoras.

Nessa esteira, surge a bibliometria, a qual se refere à aplicação dos métodos estatísticos ou matemáticos sobre o conjunto de referências bibliográficas de uma obra(2). Em qualquer método de análise bibliométrica existem dois postulados implícitos: a representação da atividade de pesquisa do autor tem como resultado a publicação e; a publicação científica é o resultado do confronto de ideias entre outros autores e o conhecimento que ele já possui adquiridos pela leitura de trabalhos já produzidos.

A bibliometria é sustentada por três leis clássicas: (i) lei de Lotka ou lei do Quadrado Inverso, que estima o grau de relevância dos autores em dada área do conhecimento(3); (ii) lei de Bradford, a qual discorre sobre o grau de produtividade dos periódicos(4) e; (iii) lei de Zipf, que descreve a frequência de ocorrência das palavras(5). Em linhas gerais: autores mais renomados alavancam a citação de um determinado periódico; aumentar o número de periódicos de uma área sob uma determinada temática finda por afogar os menos consultados; quanto mais curtos os termos maior a chance de citação.

O Science Citation Index, apresentado por Eugene Garfield em 1963(6), foi a primeira proposta amplamente aceita pela comunidade científica. Em 2005, Jorge Hirsch propõe o h-Index, que representa o número de artigos com citações maiores ou iguais a esse número(7).

Mas qual o impacto dos fatores de impactos e congêneres, valendo o trocadilho, para autores, editores e consumidores de pesquisa? Tudo, uma vez que o que se desvela é visibilidade, prestígio, acesso a subvenções no processo de produção científica, ou seja, em última análise, é a modulação do conhecimento por alguns e para alguns.

E qual o paradoxo não descrito nas leis de bibliometria que foi devidamente deturpado pelos indexadores mundiais? É que a varredura das citações somente leva em conta os periódicos de uma mesma base indexadora. Por exemplo, a agência Thomson Reuters possui um grupo de revistas o qual denomina como Journal of Citation Reports (JCR), cujo número médio de vezes em que artigos do JCR foram citados nos dois anos anteriores por revistas JCR determina o fator de impacto de determinado periódico no terceiro ano(8).

O h-Index vem sendo adotado por diferentes agências, bases e repositórios, incluindo a Scopus (Elsevier) e SciELO(9).

Considerando o universo de periódicos nacionais de enfermagem, chega-se a um “seleto” grupo de quatro revistas JCR (entre as quais uma se encontra atualmente suspensa), sete Scopus e sete SciELO, que somam nove e não 18, dada as redundâncias. Portanto, a produção científica mensurável da enfermagem brasileira está restrita a nove periódicos que se retroalimentam.

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Ministério da Educação (Capes/MEC), em seu relatório quadrianual de área leva em conta os referidos indicadores para avaliação dos programas de pós-graduação e, por conseguinte, para estratificação dos periódicos em A2, A1, B1, B2, B3, B4, B5 e C que, somados, totalizam mais de 40 títulos de enfermagem, para manter o exemplo.

A REVENF é uma base que segue o mesmo modelo tecnológico e de formatação da SciELO10, e hoje contempla 16 periódicos de enfermagem, contudo, aqueles que também estão contidos na base SciELO são omitidos da base REVENF, esvaziando a sua visibilidade. Isto é, embora a base abarque 16 revistas, aquelas que estão contidas concomitantemente na SciELO não são apresentadas como REVENF para o leitor, de maneira que, publicamente, trata-se de um periódico estritamente SciELO, posto que são mutuamente exclusivas.

Agravando essa situação, seja por necessidade de equalização a padrões internacionais de publicação, seja por digressão, a SciELO vem sinalizando aos editores para um aumento de custo operacional para a manutenção dos periódicos em sua coleção e, por conseguinte, da REVENF, ao mesmo tempo que praticamente inviabiliza a entrada de outros(9). A consequência imediata disso se manifestará de duas maneiras, eventualmente concomitantes: aumento de taxas para os autores e/ou absorção do custo por parte dos periódicos, que, a julgar que são majoritariamente vinculadas a instituições públicas de ensino, transfere-se o ônus para o contribuinte.

Essa lógica perversa, ora representada pelo segmento Enfermagem, se projeta a todas as áreas do conhecimento. No caso em tela, o aumento de custo incidirá de maneira desigual aos periódicos SciELO e REVENF, já que a “proposta” é que os primeiros paguem  o triplo do que pagarão as revistas SciELO. Não é difícil antever o que ocorrerá com a coleção REVENF, dado que, em comparação com a SciELO, possui revistas menos “impactantes”. Ademais, o que ocorrerá com os periódicos que não tiverem condições de absorver esse custo adicional? Serão simplesmente excluídos da coleção REVENF? Que resposta se dará a sociedade após a injeção sistemática de recursos públicos para a inserção em uma coleção de difusão de conhecimento científico?

Majoração de custos que, a julgar pela situação econômica em que o país se encontra, além de anacrônica, é autofágica, na medida em que restringirá ainda mais a opção de espaços para a publicação, constituindo-se, portanto, um desserviço à produção científica da enfermagem nacional, para manter o exemplo, e um desrespeito ao povo brasileiro.

A produção científica em enfermagem está em ampla expansão no Brasil(11). Expansão que se põe em risco com esse tipo de política de exclusão que nada inclui o debate pela qualidade da ciência.
O abrigo de periódicos pelas instituições de ensino e pesquisa fortalece seu papel de percussor da ciência e salvaguarda de áreas chaves do conhecimento que, em última análise, determinam a independência de uma sociedade. Portanto, internacionalização não pode ser confundida com subserviência ou colonização.
Prosseguindo com a fábula:


Os sapinhos iam desistindo um a um, menos um deles que continuava subindo. E a multidão a aclamar: – Não vão conseguir! Não vão conseguir! E os sapinhos iam desistindo, menos um, que subia tranquilo, sem esforço. No final da competição, todos os sapinhos desistiram, menos aquele. Todos queriam saber o que aconteceu, e quando foram perguntar ao sapinho como ele conseguiu chegar até o fim, descobriram que ele era SURDO!(1)

Assim como o sapinho surdo, os periódicos brasileiros de enfermagem podem transgredir o mais fácil, qual seja, ceder. Para tanto, tem-se o seu legítimo representante, a REVENF, guiada pela Capes. Esta, de certa forma, já tem seu grupo de revistas pré-avaliadas pelo sistema Qualis, e iniciativa nesse sentido já foi apresentada no 17º Seminário Nacional de Pesquisa em Enfermagem, realizado em Natal-RN em 2013, por meio de um trabalho-piloto sobre a criação de um índice, livre e democrático, de citação com base no Qualis-Capes.

A REVENF pode retornar ao leito do projeto Bireme, o que a habilita para captação de subvenções de organismos nacionais e internacionais. Existe projeto colaborativo já em andamento de desenvolvimento de bibliometria no ambiente, igualmente gratuito, do Open Journal Systems (OJS).

Atualmente, 20% dos acessos ao OBJN se dão a partir dos Estados Unidos e em nenhum momento de sua história o OBJN pertenceu a coleção SciELO.

Portanto, que sejamos o sapinho surdo. Façamos um esforço coletivo e integrado para o bem comum, desoneremos os autores e o contribuinte, disponibilizemos nossos técnicos para o aperfeiçoamento de ferramenta de bibliometria em ambiente open access, alavanquemos a REVENF e Capes como guardiões da qualidade da publicação científica da enfermagem brasileira. Sonhemos esse sonho possível, neguemos quando a regra é ceder!

 

REFERÊNCIAS

1. Lobato JBRM. Fábulas. São Paulo: Globo; 2008.

2. Rostaing H. La bibliométrie et ses techniques. Tolouse: Sciences de la Société; 1996.

3. Guedes V, Borschiver S. Bibliometria: uma ferramenta estatística para a gestão da informação e do conhecimento, em sistemas de informação, de comunicação e de avaliação científica e tecnológica. In: Proceedings of CINFORM – Encontro Nacional de Ciência da Informação; 2005; Salvador, BR. Salvador: ICI/UFBA; 2005.

4. Brookes B. Biblio, sciento, infor-metrics? What are we talking about? In: Egghe L., Rousseau R. (Editors). Informetrics 89/90. Amsterdam: Elsevier; 1990. p. 31-43.

5. Fairthone R. Empirical hyperbolic distribution ( Bradford – Zipf- Mandelbrot) for bibliometric description and prediction. Journal of Documentation. 1969 Dec; 25 (4): 521-34.

6.  Garfield E. Science Citation Index. New York: Thomson Reuters; 1964. Available from: http://garfield.library.upenn.edu/papers/80.pdf

7.  Hirsch JE. An index to quantify an individual’s scientific research output. PNAS  [ internet ] 2005 [ cited 2015 Mar 13 ] 102 (46): 16569-72. Available from: http://www.pnas.org/content/102/46/16569.full.pdf

8. Web of Science (Unites States of America). Journal Citation Reports: Impact Factor [ internet ]. New York: Thomson Reuters; 2012. Available from: http://admin-apps.webofknowledge.com/JCR/help/h_impfact.htm

9. Scientific Electronic Library Online (Brasil). Critérios, política e procedimentos para a admissão e a permanência de periódicos científicos na Coleção SciELO Brasil [ internet ]. São Paulo: Scielo; 2014. Available from: http://www.scielo.br/avaliacao/20141003NovosCriterios_SciELO_Brasil.pdf

10.  Biblioteca Virtual em Saúde – Enfermagem (Homepage). São Paulo: Biblioteca Virtual em Saúde; 20-? [ updated 2014; cited 2015 Mar 13 ]. Available from:  http://www.revenf.bvs.br/

11.  Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Brasil).  Relatório de Avaliação 2010-2012 de Enfermagem [ internet ] Brasília; 2013. Available from: http://www.capes.gov.br/component/content/article?id=4667:enfermagem

 


Referência da imagem:
Oliveira IJ. The Frog’s Race [ Ilustração ]. 19-?

 

Recebido: 04/03/2015
Revisado: 6/3/2015
Aprovado: 22/3/2015