Etapa essencial à implementação da prática informada por evidências é a chamada síntese da evidência. Entretanto, sua concepção e aplicação é ainda distante dos pesquisadores, intituições de ensino e pesquisa, profissionais etc. Com o objetivo de facilitar a compreensão dos leitores acerca do tema, concatenando conceitos e prática, seguirão os editoriais de primavera e verão do OBJN. Uma das formas mais aceitas para desenvolver síntese da ciência é a revisão sistemática da literatura (RSL). Os métodos explícitos, sistemáticos e reprodutíveis utilizados na RSL têm por objetivo minimizar diferentes tipos de viés, incluindo a avaliação crítica da qualidade dos estudos que atendam aos critérios de inclusão da revisão em causa. Quando a evidência produzida gera recomendações para a prática ou política, a inclusão de evidências de baixa qualidade e com elevado risco de viés é problemática.
Descritores: Formatos de Publicação; Acesso à Informação; Enfermagem Baseada em Evidências.
A prática informada por evidências (PIE) imprescinde de três elementos à sua real implementação ao longo do mundo, a saber: características pessoais, liderança e clima organizacional(1).
Etapa essencial à aludida implementação da PIE é a chamada síntese da evidência. Entretanto, sua concepção e aplicação é ainda distante dos pesquisadores, intituições de ensino e pesquisa, profissionais etc. Assim, com o objetivo de facilitar a compreensão de seus leitores acerca do tema, concatenando conceitos e prática, seguirão os editoriais de primavera e verão do OBJN, respectivamente.
Dada a explosão do conhecimento, com cerca de dois milhões de novas entradas de publicações científicas em bases da literatura a cada ano, é difícil para os clínicos desenvolverem processos de síntese da ciência, pela perícia e recursos que um processo desta natureza exige. Por esta razão, devem existir equipes especializadas e treinadas para utilizar métodos rigorosos com vistas a reunir e avaliar todas as evidências disponíveis em determinados tópicos de interesse, aliviando os clínicos deste fardo(2).
Há vários fatores que podem motivar os autores a proceder à síntese de evidência: clarificação de evidências conflituantes, abordagem de questões cuja prática clínica é incerta, exploração de variações na prática, confirmação da adequação das práticas correntes, ou destaque de necessidade de investigações futuras(3).
Uma das formas mais aceitas para desenvolver síntese da ciência é a revisão sistemática da literatura (RSL).. Há, assim, um número crescente de colaborações especializadas, institutos e centros com pessoal qualificado para treinar revisores, realizar revisões sistemáticas e facilitar a cooperação entre os colaboradores(2).
A RSL é uma investigação secundária complexa, detalhada e reprodutível que envolve um compromisso significativo de tempo e outros recursos. Nessa metodologia é utilizado um processo para localizar e sintetizar/agregar, a partir da literatura primária, todas as evidências existentes sobre um determinado tópico, e, para isso, o revisor usa uma fonte secundária de dados. A RSL é uma tentativa de integrar os dados empíricos, provenientes dos estudos primários, com a finalidade de descobrir a evidência internacional e produzir declarações que devem orientar a tomada de decisões clínicas. Requer, portanto, comunicação explícita e exaustiva dos métodos utilizados(2,3).
Mesmo quando a evidência é limitada ou inexistente, as RSL resumem as melhores evidências disponíveis sobre um tema específico, fornecendo a melhor delas para subsidiar a tomada de decisões e para futuras necessidades de investigação clínica(4).No caso de não existir informação primária sobre um determinado tópico, a opinião de peritos pode constituir a melhor evidência disponível(2).
Os métodos explícitos, sistemáticos e reprodutíveis utilizados na RSL têm por objetivo minimizar diferentes tipos de viés, proporcionando, assim, resultados mais fiáveis que sustentem as conclusões e as decisões tomadas. A RSL é: uma metodologia reprodutível e explícita; uma procura sistemática que tenta identificar todos os estudos que satisfazem os critérios de elegibilidade; uma avaliação da validade das conclusões dos estudos incluídos, por exemplo, por meio da avaliação do risco de viés; uma apresentação sistemática e sintetizada das características e resultados dos estudos incluídos(2,4).
Assim, para qualquer RSL deve desenvolver-se os seguintes passos: formular uma pergunta de revisão; definir critérios de inclusão e exclusão; localizar os estudos; selecionar os estudos; avaliar a qualidade metodológica dos estudos; extrair os dados; analisar/resumir e sintetizar os estudos relevantes; apresentar os resultados; interpretar os resultados; e determinar a aplicabilidade dos resultados(4).
Para orientar uma revisão deverá ser previamente desenvolvido um protocolo orientador e ajustado à tipologia de revisão. Um protocolo de RSL deverá ser composto por diferentes seções, como o título, informações sobre a autoria, background, critérios de inclusão e exclusão para a seleção dos estudos, e por métodos de pesquisa para identificação de estudos, de avaliação crítica da sua qualidade, bem como de extração e síntese dos dados. No background devem ser apresentados os argumentos que sustentam a necessidade de desenvolver a revisão e definidos os conceitos em análise. Devem ainda ser colocados em contexto os diversos elementos da estratégia PICO ou da respetiva adaptação específica para cada revisão. A seção de métodos que especifica os critérios de inclusão e exclusão para a seleção dos estudos inclui o tipo de estudos, tipo de participantes, tipo de intervenções, tipo de medidas de resultado, sendo que os critérios a especificar podem variar dependendo do tipo de RSL planejada(4).
Após realizar a RSL, os revisores apresentam um relatório cuja estrutura deverá ser inerente ao desenvolvimento das seções do protocolo. Ele deverá conter, genericamente: (i) dados respeitantes ao risco de viés dos estudos incluídos e decorrentes do processo da análise da qualidade metodológica; (ii) descrição de estudos incluídos na revisão; (iii) resultados que dão resposta à questão de revisão; (iv) discussão dos resultados, indicação das fragilidades da revisão e dos estudos incluídos, bem como as implicações para a prática e para a investigação; e, finalmente, (v) uma conclusão relativa à questão de revisão(4).
Um passo crítico em qualquer RSL é a avaliação crítica da qualidade dos estudos que atendam aos critérios de inclusão da revisão em causa. A noção de métodos para minimizar o viés e estabelecer a credibilidade nas revisões sistemáticas tem sido amplamente desenvolvida e debatida em termos de evidência quantitativa e qualitativa.
O objetivo da avaliação crítica é estimar até que ponto os riscos potenciais de viés e de consistência da qualidade foram minimizados durante a conceptualização e a realização dos estudos primários individuais, e se há utilização adequada do método e da metodologia. Cada estudo elegível deve ser avaliado com base num conjunto de critérios para estabelecer a validade e a confiabilidade do processo e dos resultados. Esta avaliação crítica deve ser apresentada no relatório, na seção de resultados da revisão, sendo acompanhada de uma discussão relativa à qualidade metodológica e ao potencial risco de viés de todos os estudos incluídos e excluídos com base neste juízo crítico.
Quando a evidência produzida gera recomendações para a prática ou política, a inclusão de evidências de baixa qualidade e com elevado risco de viés é problemática. Nas revisões preconizadas pelo Joanna Briggs Institute (JBI) a equipe de revisores pode definir um ponto de corte que oriente a decisão de excluir estudos considerados de baixa qualidade ou com alto risco de viés. Pode considerar, contudo, abordagens alternativas, tais como meta-regressão ou análise de sensibilidade, no caso de haver lugar para a meta-análise(4).
As evidências sobre os efeitos das intervenções podem ser constituídas a partir de estudos com risco diversificado de viés. Há duas abordagens que são igualmente razoáveis na condução de uma revisão sistemática de eficácia. A de incluir somente estudos com baixo ou moderado risco de viés, justificando como este risco é determinado e o que se considera como o grau de risco de viés e excluindo todos os estudos considerados de alto risco. E a de incluir todos os estudos, independentemente do seu risco de viés, e explicitamente considerar o risco dos diferentes estudos durante a síntese de dados(5).
A avaliação da qualidade dos estudos quantitativos de eficácia incluídos numa revisão deve enfatizar o risco de viés dos seus resultados, ou seja, o risco de superestimar ou subestimar o efeito da intervenção(3). O viés não deve ser confundido com imprecisão. O primeiro refere-se ao erro sistemático, enquanto a precisão refere-se ao erro aleatório e reflete-se no intervalo de confiança em torno da estimativa de efeito da intervenção de cada estudo e no peso dado aos resultados de cada estudo numa meta-análise. Os resultados mais precisos têm mais peso na meta-análise(3,4).
A colaboração Cochrane estabelece a diferença entre risco de viés e qualidade metodológica. O termo avaliação da qualidade metodológica tem sido utilizado para fazer referência à avaliação crítica dos estudos incluídos e sugere que o estudo foi desenvolvido sob os mais elevados padrões metodológicos(3).
Um estudo pode ser realizado com os mais altos padrões possíveis de qualidade, mas ter um elevado risco de viés relacionado, por exemplo, com a impraticabilidade para ocultar aos participantes a intervenção a que estão a ser sujeitos. Esta é, de fato, uma condicionante das intervenções não farmacológicas comparadas com os cuidados usuais (exemplo da estimulação cognitiva), contrariamente a intervenções farmacológicas sobre as quais é possível fazer estudos cegos com um fármaco e um placebo. Outro exemplo é o de uma intervenção cirúrgica em que é impossível ocultar essa intervenção. Assim, é inadequado julgar estes estudos como tendo baixa qualidade, não significando, contudo, que estão livres de viés resultante do conhecimento pelos participantes da intervenção a que estão sujeitos(3).
O risco de viés nos resultados de cada estudo, que contribui para uma estimativa do efeito, é um dos vários fatores que devem ser considerados ao avaliar a qualidade de um corpo de evidência. Nos estudos de eficácia, o controle do risco de viés orienta-se para as características dos estudos em relação à seleção, intervenção, detecção, atrito, e publicação, entre outros.
Também nas RSL de estudos qualitativos se justifica a síntese da evidência porque os resultados a partir de um único estudo qualitativo não devem ser considerados para produzir recomendações para a prática(4). Também, tal como na investigação quantitativa, a avaliação crítica dos estudos primários qualitativos é fundamental para estabelecer a sua qualidade(4,6).
Tradicionalmente, os termos usados para avaliar criticamente o rigor da investigação são a confiabilidade (reliability) e a validade. Geralmente, a confiabilidade é a medida em que os resultados de um estudo relativos a uma medição são reprodutíveis em diferentes circunstâncias. Por sua vez, a validade refere-se ao grau em que um estudo reflete ou avalia o conceito específico que o investigador está a tentar medir com precisão. Mas a avaliação crítica de estudos qualitativos apresenta contornos diferentes. Questões de natureza ontológica, epistemológica, metodológica, ética, afiliação, background, experiência e contexto do investigador são fundamentais para aferir o valor da investigação qualitativa primária e podem fazer da síntese dos resultados qualitativos uma tarefa complexa e assustadora(4,6,7).
A confiabilidade/reprodutividade das medidas, a validade interna e externa e a objetividade são critérios considerados essenciais para a qualidade de estudos quantitativos. Nos estudos qualitativos devemos considerar critérios correspondentes. Neste sentido, os conceitos de dependability, credibility, transferability e confirmability, apontados por Lincoln e Guba(8) deverão ser considerados para estabelecer o valor de um estudo qualitativo.
Recebido: 09/08/2016 Aprovado: 09/08/2016