ARTIGOS ORIGINAIS

 

 

Diagnósticos de enfermagem sobre capacidade funcional na doença de Parkinson: mapeamento cruzado

 

Michelle Hyczy de Siqueira Tosin1, Debora Moraes Campos1, Luciana Blanco2, Rosimere Ferreira Santana1, Beatriz Guitton Renaud Baptista de Oliveira1

1Universidade Federal Fluminense
2Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação

 


RESUMO
Objetivo: realizar o mapeamento cruzado dos diagnósticos de enfermagem não padronizados com o sistema de classificação NANDA Internacional, presentes nos domínios “Atividade/Repouso” e “Segurança/proteção” e relacionados à capacidade funcional de pacientes com doença de Parkinson de um programa de reabilitação.
Método: estudo descritivo com pesquisa documental para realização do mapeamento cruzado. Amostra aleatória simples de 67 prontuários e 335 registros de enfermagem, no período de março/2009 a abril/2013.
Resultados: Dos 93 termos da linguagem de enfermagem, emergiram do mapeamento cruzado 15 diagnósticos padronizados com NANDA Internacional. Os mais mapeados foram “Mobilidade física prejudicada” (22%) e “Risco de quedas” (11%). Para “Mobilidade Física prejudicada”, foram mapeadas sete características definidoras. Dois termos da linguagem de enfermagem não foram passíveis de mapeamento com a taxonomia.
Conclusão: O mapeamento cruzado permitiu identificar os diagnósticos padronizados com NANDA Internacional. Isso possibilita a universalização e a consolidação do papel do enfermeiro reabilitador na doença de Parkinson.
Descritores: Diagnóstico de Enfermagem; Reabilitação; Doença de Parkinson; Limitação da Mobilidade.


 

INTRODUÇÃO

A doença de Parkinson (DP) é uma desordem neurodegenerativa, de incidência em ascensão na população mundial, que acomete 93 indivíduos em 100 mil habitantes na faixa etária de 50 a 59 anos. Esse número aumenta para 5% da população de idosos a partir de 70 anos de idade(1). É uma enfermidade de progressão variável, de hipóteses causais pouco definidas, relacionada a desequilíbrios nos mecanismos dos neurotransmissores no sistema nervoso central(2). Suas manifestações caracterizam-se por sintomas motores, como a rigidez, o tremor de repouso, a lentidão dos movimentos (bradicinesia) e a instabilidade postural; e sintomas não motores, como as alterações neuropsiquiátricas, dos sistemas urinário, intestinal e sexual (1-3).

Desde a descrição original da doença, houve mudanças radicais na sua conceituação, começando com uma melhor compreensão das manifestações patológicas e de sua terapia medicamentosa, assim como dos critérios diagnósticos(1). No entanto, os avanços no campo da pesquisa remetem à necessidade de atualização constante da práxis para a garantia do cuidado prestado à população.  Nesse sentido, conhecer os aspectos fisiopatológicos e farmacoterapêuticos da DP é primordial para a elaboração do plano de cuidados de enfermagem ao indivíduo acometido pela doença. Esses fatores influenciam na capacidade funcional e refletem negativamente na qualidade de vida. Estudos recentes revelam que viver com DP afeta fortemente a vida cotidiana(4). Destacam-se como temas relatados a experiência de perda, a diminuição da independência e da autoestima(4).

Para tanto, a realização do processo de enfermagem, com o uso da taxonomia eleita, deve facilitar o raciocínio diagnóstico para a prescrição de cuidados e a transmissão das informações entre a equipe de enfermagem e os estudiosos do assunto. Sob esse prisma, o uso do sistema de classificação North American Nursing Diagnosis Association International, conhecida como NANDA Internacional (NANDA-I), para definir os diagnósticos de enfermagem descritos por enfermeiros que atuam no cenário da reabilitação de pacientes com DP, possibilita a identificação das necessidades de cuidado desta população. Isso se deve à magnitude proporcionada pelo uso dessa ferramenta tecnológica. Sua estrutura taxonômica, representada em 13 domínios, 47 classes e 201 diagnósticos de enfermagem, está disposta de forma ordenada, sintetizada e baseada nos conceitos teóricos dos padrões funcionais de saúde de Gordon(5-7).

Dessa forma,o uso da taxonomia NANDA-I no processo de enfermagem proporciona condições para a melhoria o cuidado de enfermagem na reabilitação a pacientes com doença de Parkinson, uma vez que estes permitem comunicar e comparar dados de enfermagem entre diversos contextos, países e idiomas. Ademais, destaca-se a escassez de estudos que enleiem essa temática nesta população tão específica(8-9).

Assim, os resultados provenientes desta pesquisa poderão ser utilizados para apoiar a decisão clínica e a construção diagnóstica no que se refere ao contexto reabilitador relacionado à capacidade funcional de pacientes com DP.

Diante do exposto, o presente estudo tem como objetivo realizar o mapeamento cruzado dos diagnósticos de enfermagem não padronizados com o sistema de classificação NANDA Internacional, presentes nos domínios “Atividade/Repouso” e “Segurança/proteção” e relacionados à capacidade funcional de pacientes com doença de Parkinson de um programa de reabilitação.

 

MÉTODO

Estudo de natureza aplicada, quantitativo, com objetivo descritivo, tendo como procedimento técnico a pesquisa documental, utilizando prontuários como fonte de coleta primária dos dados. Possui como quadro teórico-metodológico conceitos e princípios do mapeamento cruzado. Este foi escolhido para comparar linguística e semanticamente a terminologia não padronizada com o sistema de classificação escolhido(8-10).

O cenário foi o Centro Internacional de Neuroreabilitação e Neurociência, na cidade do Rio de Janeiro. Nesse centro são atendidos crianças e adultos que possuem sequela neurológica decorrente de lesão congênita ou adquirida do sistema nervoso central. A equipe de reabilitação é multidisciplinar e o tratamento proposto inclui intervenções e acompanhamento do processo de reabilitação do paciente e orientação aos familiares, considerando as particularidades de cada caso.

Na atualidade, o cuidado prestado ao paciente pelo enfermeiro é registrado em prontuário eletrônico sob a forma textual. Nele, os enfermeiros descrevem os fenômenos por meio de termos contidos na linguagem habitualmente usada pela equipe: a linguagem não padronizada. Para esta pesquisa, os autores consideraram os trechos das evoluções que continham esses termos para identificar os “contextos diagnósticos”, pois não há no sistema eletrônico de prontuários um campo específico para descrição dos diagnósticos de enfermagem.

Desde a inauguração, em março de 2009, até abril de 2013, 1.266 pacientes foram admitidos com o diagnóstico de doença de Parkinson. Destes, 796 possuíam evoluções de enfermagem registradas em prontuário eletrônico. Para definição amostra, foram incluídos os prontuários em que houvesse cinco ou mais registros de enfermagem e excluídos aqueles que continham, além do diagnóstico de doença de Parkinson, outros títulos diagnósticos associados relacionados a outras síndromes parkinsonianas, como o parkinsonismo secundário.

Assim, 148 prontuários foram selecionados. Com base nessa população, realizou-se o cálculo com amostra probabilística, do tipo aleatória simples, utilizando a seguinte fórmula(11):

 

 
5115f2
 


Considerou-se neste caso: 148 prontuários = tamanho da população (N), 9% = erro amostral tolerável (E0), 123 prontuários = primeira aproximação do tamanho da amostra (n0) e 67 prontuários = tamanho da amostra (n).

Dessa forma, compuseram a amostra 67 prontuários, que representaram 45% da população total, admitindo erro amostral de 9%. Desse total, foram consideradas para o mapeamento as últimas cinco evoluções de enfermagem, totalizando 335 registros analisados.

O mapeamento cruzado foi realizado em três etapas:
1) categorização da amostra e extração e normalização de termos;
2) separação e comparação dos diagnósticos de enfermagem não padronizados com NANDA-I;
3) avaliação e refinamento do mapeamento.

Na primeira etapa, realizou-se a extração eletrônica na íntegra das informações que compuseram o banco de dados: caracterização dos pacientes; diagnóstico médico e tempo de evolução da doença de Parkinson; trecho referente ao exato, extraído das evoluções de enfermagem; a extração dos termos da linguagem de enfermagem que indicavam hipóteses diagnósticas (características definidoras ou fatores de risco. Por exemplo: no trecho da evolução onde estava descrito “paciente queixa-se de piora da rigidez, bradicinesia e padrão da marcha”, os termos “bradicinesia” e “piora da marcha” foram destacados pela fragmentação do trecho da evolução. No trecho descrito “paciente possui história de quedas da própria altura”, extraiu-se o termo “história de quedas”).

Estes dados foram arquivados em uma planilha do MicrosoftÒ Excel para Mac versão 15.11.2 e submetidos à normalização por meio da correção de ortografia, adequação de tempos verbais, uniformização de gênero e de número e exclusão das repetições, sinonímias das expressões casuais que não designam conceitos particulares(8-9).

Na etapa seguinte, procedeu-se o mapeamento cruzado dos termos levantados na etapa anterior com os diagnósticos de enfermagem da taxonomia NANDA-I. Para tanto, foram utilizadas as seguintes regras do mapeamento cruzado: mapear o contexto dos termos e o significado das palavras (e não somente as palavras)(8-9).

Os termos da linguagem de enfermagem foram comparados às características definidoras ou fatores de risco de NANDA-I. Foi realizada a categorização dos termos de enfermagem por meio da análise de combinação adaptada. Quando o termo encontrado combinou exatamente com o termo do sistema de classificação, foi categorizado como combinação exata; quando este termo apresentou sinônimos, conceitos similares e termos relacionados, considerou-se combinação parcial. Os termos que não apresentaram alguma semelhança com o sistema de classificação, não tiveram nenhuma combinação, porém, mesmo assim, foram expostos para análise.

Para a apresentação dos resultados das análises, as combinações exatas e parciais foram consideradas com o mesmo valor. Nos exemplos supracitados, os termos “bradicinesia” e “piora da marcha” (extraídos por meio da fragmentação do trecho da evolução, considerado contexto diagnóstico) foram considerados combinações parciais das características definidoras de NANDA-I “movimentos lentos” e “mudanças na marcha”, os quais levaram ao diagnóstico “mobilidade física prejudicada”. Já o termo “História de quedas” foi considerado combinação exata do fator de risco de NANDA-I, que levou ao diagnóstico de risco de quedas.

Os dados levantados na segunda etapa foram organizados de acordo com título diagnóstico, definição, termos da linguagem de enfermagem e termos padronizados de NANDA-I que corresponderam às evidências clínicas confirmatórias da presença do diagnóstico.

A terceira etapa consistiu da avaliação e refinamento do mapeamento cruzado. Para tanto, os dados levantados foram analisados por peritos, sendo dois enfermeiros especialistas na Classificação de Enfermagem e três em doença de Parkinson. Para a seleção dos peritos, considerou-se a experiência prática mínima de cinco anos ou que possuíssem título de doutor e experiência em pesquisas sobre terminologias de enfermagem. Os peritos expuseram a sua concordância ou não, referente à relação estabelecida pelos autores entre os títulos diagnósticos, os termos da linguagem de Enfermagem e as características definidoras ou fatores de risco de NANDA-I. Essa etapa foi realizada em dois ciclos: individual e em grupo. Não foram necessários novos, pois houve consenso total dos avaliadores já no segundo ciclo. Esse fato eximiu a necessidade de análise de concordância estatística entre os peritos, prevista previamente para essa pesquisa.

No que se refere aos diagnósticos de enfermagem, foram identificados 93 termos normalizados, extraídos dos trechos dos registros de enfermagem considerados pelos autores como contextos diagnósticos.

O desenvolvimento deste estudo atendeu àss normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos(12), uma vez que a origem dos resultados foram os prontuários de pacientes.

 

RESULTADOS

O perfil amostral constituiu-se de 63% de pacientes do gênero masculino, com idade média de 69,3 anos (±10). O tempo de evolução da doença de Parkinson variou de 1 a 24 anos. Constatou-se ainda que 75% destes apresentavam de 1 a 8 anos de evolução da DP e apenas 4,5% estavam em estágios mais avançados (entre 17 a 24 anos).


No que se refere aos diagnósticos de enfermagem, após o cruzamento com a taxonomia e o refinamento feito pelos especialistas, os termos da linguagem de Enfermagem resultaram em 15 diagnósticos padronizados de acordo com NANDA-I (tabela 1).

 

Tabela 1 – Diagnósticos NANDA-I relacionados à capacidade funcional de pacientes com doença de Parkinson de um programa de reabilitação (n=67). Rio de Janeiro, 2014.
Domínio NANDA-I Código: diagnósticos de enfermagem NANDA-I n %
Atividade/repouso 00085: Mobilidade física prejudicada 20 30
00200: Risco de perfusão tissular cardíaca diminuída  16 24
00201: Risco de perfusão tissular cerebral diminuída 16 24
00198: Padrão de sono prejudicado 8 12
00108: Déficit no autocuidado para banho 7 10
00088: Deambulação prejudicada 3 4
00165: Disposição para sono melhorado 3 4
00109: Déficit no autocuidado para se vestir 2 3
00090: Capacidade para transferência prejudicada 2 3
00096: Privação do sono 1 1
00091: Mobilidade no leito prejudicada 1 1
00204: Perfusão tissular periférica ineficaz 1 1
Segurança/proteção 00155: Risco de quedas 10 15
00046: Integridade da pele prejudicada 3 4
Fonte: autoria própria

 

Observa-se que no domínio “atividade/repouso” foram mapeados 80 diagnósticos de enfermagem não padronizados com um sistema de classificação que, após o cruzamento com a taxonomia NANDA-I e o refinamento feito pelos especialistas, culminaram em 13 diagnósticos de enfermagem. Isso representa 86% dos diagnósticos presentes nos dois domínios de NANDA-I analisados neste estudo. Ressalta-se também que o conjunto de diagnósticos esteve presente em 100% (n=67) dos prontuários analisados, representados por pelo menos um diagnóstico.

Os diagnósticos de enfermagem NANDA-I mais mapeados e diretamente relacionados à capacidade funcional foram “mobilidade física prejudicada” (30%) e “déficit no autocuidado para banho” (10%). Destaca-se, no entanto, os diagnósticos que, apesar de comprometerem a capacidade funcional do indivíduo, não estão explicitamente relacionados: “risco de perfusão tissular cardíaca ída” e “risco de perfusão tissular cerebral diminuída”, igualmente representados por 24% do total. Da mesma forma, salientam-se os relacionados à qualidade do sono, como “padrão de sono prejudicado” (8%) e “privação do sono” (1%).

Já no domínio “segurança/proteção”, o mapeamento cruzado permitiu identificar 13 diagnósticos de enfermagem não padronizados; após o cruzamento com a taxonomia NANDA-I, resultou em apenas dois (14%). Nesse domínio, os diagnósticos “risco de quedas” (10%) e “integridade da pele prejudicada” (3%) foram os mapeados.

Para melhor compreensão do diagnóstico “mobilidade física prejudicada”, que neste estudo foi mais mapeado, foram apresentadas abaixo, na figura 1, as 32 características definidoras mapeadas. Observa-se que 53% delas estavam associadas às alterações da marcha. Destaca-se ainda que as características definidoras “mudanças na marcha” (53%), “movimentos lentos” (19%) e “capacidade limitada para desempenhar as habilidades motoras grossas” (13%) se repetiram nos registros de enfermagem, pois o mesmo paciente apresentou características associadas. Isso explica o seu maior número em relação ao total do diagnóstico “mobilidade Física Prejudicada” propriamente dito.

 

Tabela 2 – Características definidoras do diagnóstico “Mobilidade Física Prejudicada”, de acordo com NANDA-I, identificados em prontuários de pacientes com doença de Parkinson (n=32). Rio de Janeiro, 2014.
Diagnóstico NANDA-I Características definidoras de acordo com NANDA-I N %
Mobilidade Física Prejudicada Mudanças na marcha 17 53%
Movimentos lentos 6 19%
Capacidade limitada para desempenhar as habilidades motoras grossas 4 13%
Instabilidade postural 3 9%
Amplitude limitada de movimentos 1 3%
Dificuldade para se sentar 1 3%
Total   32 100
5115f1
 
Fonte: autoria própria

Obtiveram-se ainda dois contextos diagnósticos, presentes em 25 prontuários, que não foram passíveis de mapeamento cruzado com a taxonomia NANDA-I (tabela 2).

 

Tabela 3 – Contextos diagnósticos identificados em prontuários de pacientes com DP que não foram passíveis de mapeamento com a NANDA-I. Rio de Janeiro, 2014.
Contextos diagnósticos identificados nas evoluções n %
Independente para as atividades de vida diária 16 24
Marcha eficiente e segura 9 13
Total 25 37
 
Fonte: autoria própria

 

DISCUSSÃO

Apesar da limitação metodológica do mapeamento cruzado, que prevê a coleta retrospectiva de dados e por diferentes profissionais, a confiabilidade e validade interna dos resultados desta pesquisa se dá pelas características do local de estudo. Neste, os profissionais são capacitados de modo uniforme, os registros são padronizados e detalhados e os pacientes são definidos por especialidade.

Além disso, reconhece-se que a adoção de erro de 9% para o cálculo amostral pode ser considerada uma fragilidade, uma vez que usualmente se adota erro máximo de 5%. No entanto, esta é ponderada pela multiplicidade de registros de enfermagem que foram obtidos em cada prontuário, que rendeu aos pesquisadores uma longa coleta de dados.

No que se refere à característica da amostra, os achados convergem com os estudos que mostram que a DP tende a ocorrer com maior frequência nos homens, principalmente na faixa etária acima de 60 anos(1,2). Nesse sentido, destaca-se o envelhecimento, que por si só pode ser considerado um processo individual que leva a déficits progressivos e irreversíveis nos sistemas funcionais. Estes podem estar representados por limitações visuais, auditivas, motoras e intelectuais, bem como pelo surgimento de doenças crônico-degenerativas, ocasionando a dependência nas atividades cotidianas(13). A intensificação dessas limitações pode estar presente no paciente com DP, que cursa com alterações motoras e não motoras, inerentes aos aspectos fisiopatológicos da própria doença(1,2).

Tratando-se do tempo de evolução da doença nos pacientes que compuseram a amostra, há evidências crescentes de que a progressão da DP não é linear e está diretamente relacionada aos aspectos individuais(14). No entanto, reconhece-se que a taxa de degradação é muito mais rápida na fase inicial da doença, levando assim ao comprometimento funcional do paciente, que deve ser avaliado de forma a considerar suas características pessoais(14).

Portanto, os dados referentes à categorização amostral mostram que os enfermeiros atuam no seu cotidiano com pacientes em idade avançada e em franco processo de progressão da doença. Logo, pensando-se no caráter de continuidade inerente à reabilitação, a realização do processo de enfermagem e o registro dos dados levantados são importantes para a avaliação de progressão da doença. Da mesma forma, garantirá o planejamento do cuidado de forma assertiva e fundamentada.

No que se refere aos diagnósticos de enfermagem, durante a análise dos prontuários para a coleta dos dados observou-se que a etapa diagnóstica do processo de enfermagem foi desenvolvida pelo enfermeiro. Percebeu-se também que o profissional se encontrava integrado à equipe interdisciplinar em reabilitação, uma vez que os atendimentos eram realizados tanto individualmente quanto em equipe.

Entre os diagnósticos de enfermagem mais mapeados no domínio “atividade/repouso”, destaca-se a “mobilidade física prejudicada”. Segundo NANDA-I, a mobilidade física prejudicada é definida como a “limitação no movimento físico independente e voluntário do corpo ou de uma ou mais extremidades”(6:283).

Ressalta-se neste diagnóstico o prejuízo à capacidade funcional que pode ser vivenciado pelo paciente. Entende-se por capacidade funcional o potencial que o indivíduo possui para decidir e atuar de forma independente em sua vida(15).

Dessa forma, observa-se que o paciente com a mobilidade física prejudicada pode apresentar limitações diretamente relacionadas aos diagnósticos “déficit no autocuidado para banho”, “deambulação prejudicada”, “déficit no autocuidado para vestir-se”, “capacidade para transferência prejudicada” e “mobilidade no leito prejudicada”. O “risco de quedas”, presente no domínio “segurança/proteção”, também pode relacionar-se ao diagnóstico “mobilidade física prejudicada” tanto pela alteração do padrão da marcha, tão presente em pacientes com DP, como pela alteração da estabilidade postural(16). Ademais, sobreleva-se a característica etária dos pacientes descritos neste estudo, pois sabe-se que na população idosa o risco de quedas é aumentado, se comparado a adultos jovens(17).

As informações geradas pela avaliação da capacidade funcional possibilitam conhecer o perfil do paciente. Nesse sentido, o uso do sistema de classificação NANDA-I possibilita traçar o plano de cuidados fundamentado em evidências científicas. Portanto, reconhece-se a necessidade de avaliar as características definidoras de cada diagnóstico para fundamentação do raciocínio clínico do enfermeiro, pois culminará na garantia da acurácia diagnóstica, possibilitando o planejamento mais adequado do cuidado prestado ao paciente com DP no contexto reabilitação(9).

Os diagnósticos “risco de perfusão tissular cardíaca diminuída” e “risco de perfusão tissular cerebral diminuída” podem comprometer indiretamente a capacidade funcional do paciente com DP. Isso se dá uma vez que a disautomia, definida como a disfunção do sistema autonômico que leva à hipotensão postural, é um sintoma que pode estar presente nessa população(14).

Estudos apontam que esse sintoma correlaciona-se com a terapia dopaminérgica e com a falha da estimulação cardiovascular decorrente da desenervação dopaminérgica no miocárdio(14). Nesse sentido, a presença da hipotensão pode comprometer a capacidade funcional do indivíduo e a sua segurança para a realização das atividades de vida diária.

Entretanto, na análise individual dos prontuários, constatou-se baixa porcentagem da hipotensão como fator de risco associado. Observou-se que outras morbidades, levantadas no estudo como fatores de risco associados, estavam presentes nesses pacientes. Entre elas, destacam-se a hipertensão arterial sistêmica e a diabetes mellitus. Essas morbidades podem interferir indiretamente na funcionalidade do indivíduo, sobretudo se seus parâmetros não estiverem controlados e se estiverem associados a complicações, como a polineuropatia sensitivo-motora e alterações visuais.

Sabe-se que a prevalência da retinopatia diabética após 15 anos de evolução da doença varia de 97% para pacientes diabéticos insulinodependentes a 80% nos diabéticos não insulinodependentes(18). Já a polineuropatia, como um acometimento patológico extenso do sistema nervoso periférico, pode levar a alterações sensitivas que podem comprometer a capacidade funcional do indivíduo por alterar os mecanismos proprioceptivos da marcha(19). Diante disso, destaca-se a importância da definição dos fatores de risco relacionados ao diagnóstico de enfermagem como indicador da acurácia diagnóstica e, consequentemente, da assertividade do cuidado a ser prescrito e implementado.

Outros diagnósticos que também chamam a atenção no domínio “atividade/repouso” são “padrão de sono prejudicado”, “disposição para sono melhorado” e “privação do sono”. Sabe-se que as alterações comportamentais do sono estão presentes em 40 a 50% dos pacientes com DP(1). Elas repercutem direta e indiretamente em todas as funções fisiológicas e funcionais do indivíduo, caracterizando um sintoma de extrema relevância na sua identificação e tratamento. Os mecanismos fisiopatológicos da DP levam a diversas alterações do padrão sono: fragmentação do sono, distúrbio de comportamento do sono REM, sonolência diurna excessiva, alteração do ciclo sono-vigília e ataques de sono induzido por drogas(1). A caracterização dos sintomas para definir o diagnóstico de enfermagem é imprescindível para sua acurácia. Isso possibilitará que o enfermeiro reabilitador atue nos aspectos não farmacológicos do tratamento.

O diagnóstico de enfermagem “integridade da pele prejudicada”, encontrado no domínio “segurança/proteção, teve como característica definidora, segundo NANDA-I, o rompimento da superfície da pele. Esse diagnóstico esteve registrado nos prontuários de pacientes que, por cursarem em estágio avançado da DP, apresentavam úlcera por pressão como complicação relacionada ao déficit funcional. Estudos citam a DP como uma das causas de úlcera por pressão em idosos com doenças neurodegenerativa(20). Logo, destaca-se a redução da aptidão física e da capacidade funcional em pacientes em estágios avançados da DP que cursam com limitação motora e restrição ao leito e à cadeira de rodas, sendo necessário um olhar criterioso do enfermeiro para os riscos dessa complicação para preveni-la e se, for o caso, tratá-la.

Para os diagnósticos identificados nas evoluções de enfermagem que não foram passíveis de mapeamento com a taxonomia NANDA-I, destacam-se os relacionados à promoção da saúde. Isso se deve ao fato de terem sido levantados diagnósticos que não podem ser configurados como alterações e, portanto, não são passíveis de intervenção corretiva, e sim preventiva. Os registros mostraram que os enfermeiros buscam por sinais e sintomas que possam interferir na capacidade funcional do indivíduo para realização de suas atividades cotidianas, como a marcha e a capacidade de desempenho nas atividades de vida diária. Mesmo na ausência destes, os deixam registrados a fim de acompanhamento longitudinal desse paciente que cursa com uma doença progressiva e de caráter flutuante.

 

CONCLUSÃO

O mapeamento cruzado permitiu identificar os diagnósticos NANDA-I relacionados à capacidade funcional de pacientes com DP, por meio da padronização da linguagem.

Os resultados provenientes desta pesquisa mostram uma porcentagem reduzida de diagnósticos relacionados diretamente à capacidade funcional. Isso pode estar relacionado ao grande número de pacientes em fase inicial da doença. No entanto, reconhece-se o tamanho amostral como a principal limitação deste estudo.

Contudo, constata-se que o uso do sistema de classificação NANDA-I poderá contribuir para o avanço do conhecimento nessa área peculiar de atuação do enfermeiro, uma vez que a padronização da linguagem permite a universalização e a consolidação científica da práxis. Sobrelevam-se nesse contexto os diagnósticos que não foram passíveis de mapeamento de acordo com NANDA-I, mas que são de importante destaque nas doenças progressivas e de caráter flutuante, como é o caso da DP.

 

REFERÊNCIAS

1. Olanow CW, Schapira AHV. Therapeutic Prospects for Parkinson Disease. Ann Neurol. 2013;74:337–47

2. Kim SR, So HY, Choi E, Kang JH, Kim HY, Chung SJ. Influencing effect of non-motor symptom clusters on quality of life in Parkinson's disease. J Neurol Sci. 2014;347:310–5.

3. Berg D, Postuma RB, Bloem B, Chan P, Dubois B, Gasser T, et al. “Time to redefine PD? Introductory statement of the MDS task force on the definition of Parkinson's Disease.” Mov Dis. 2014;29(4):454-62.

4. Young-Mason J. The fine art of caring: people with Parkinson disease and their care partners. Clin Nurse Spec. 2015;29(2):121-2.

5. Souza JM, Veríssimo M. Child Development in the NANDA-I and international classification for nursing practices nursing classifications. Int J Nurs Knowl. 2013 Feb;24(1):44-8.

6. North American Nursing Diagnosis Association (NANDA International). Diagnósticos de enfermagem da NANDA: definições e classificação 2012-2014. Porto Alegre: Artmed; 2013. 456 p.

7. Jones D, Duffy ME, Flanagan J, et al. Psychometric Evaluation of the Functional Health Pattern Assessment Screening Tool (FHPAST). Int J Nurs Knowl. 2012 Oct;23(3):140-5.

8. Tosin MH, Campos DM, Blanco L, Santana RF, Oliveira BG. Mapping nursing language terms of Parkinson’s disease. Rev Esc Enferm USP. 2015 July;49(3):409-16.

9. Campos DM, Tosin MH, Blanco L, Santana RF, Oliveira BG. Nursing diagnoses for urinary disorders in patients with Parkinson’s disease. Acta Paul Enferm. 2015;28(2):190-5.

10. Kim TY, Hardiker N, Coenen A. Inter-terminology mapping of nursing problems. J Biomed Inform. 2014;49:213-20.

11. Hulley SB, Cumming SR, Browner WS, Grady DG, Hearst NB, Newman TB. Delineando a pesquisa clínica: uma abordagem epidemiológica. 3a ed. Porto Alegre: Artmed; 2008.

12. Resolução nº 466 de 12 de dezembro de 2012. Publicada no DOU nº 12 – quinta-feira, 13 de junho de 2013 – Seção 1 – Página 59. [ site ] Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf. Acesso em 22/03/2014.

13. Aires M, Paskulin LMG, Morais EP. Functional capacity of elder elderly: comparative study in three regions of Rio Grande do Sul. Rev latinoam enferm. 2010 Jan-Feb;18(1):11-7.

14. Fahn S, Jankovic J, Hallett M. Principles and practice of movement disorders. 2nd ed. New York: Elsevier; 2011.548p.

15. Castaneda L, Bergmann A, Bahia L. The International Classification of Functioning, Disability and Health: a systematic review of observational studies. Rev Bras Epidemiol. 2014 Apr-Jun;17(2):437-51.

16. Hershey LA, Lichter DG. Freezing of gait in PD has a REM correlate: Twice cursed with a shared pathophysiology? J Neurol. 2013;81;1026-7.

17. Ebersbach G, Moreau C, Gandor F, Defebvre L, Devos D. Clinical syndromes: Parkinsonian gait. Mov Disord. 2013;28(11):1552-9.

18. Saldanha IJ, Dickersin K, Wang X, Li T. Outcomes in cochrane systematic reviews addressing four common eye conditions: an evaluation of completeness and comparability. PLoS One. 2014;9(10):1-10.

19. Guler EK, Eser I, Khorshid L, Yucel SC. Nursing diagnoses in elderly residents of a nursing home: a case in Turkey. Nurs Outlook. 2012;60:21-8.

20. Pereira AGS, Santos CT, Menegon DB, Mello B, Azambuja F, Lucena AF. Mapping the nursing care with the NIC for patients in risk for pressure ulcer. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(3):454-61

 

 

Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a materia em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www. objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf

 


Recebido: 16/12/2014
Revisado: 14/09/2015
Aprovado: 16/09/2015