ARTIGOS ORIGINAIS

 

Fatores sociodemográficos na autoeficácia em prevenir a diarreia infantil: estudo longitudinal

 

Lucilande Cordeiro de Oliveira Andrade1, Elizamar Regina da Rocha Mendes2, Ismaelle Ávilla Vasconcelos2, Emanuella Silva Joventino3, Paulo César de Almeida4, Lorena Barbosa Ximenes2

1Prefeitura Municipal de Fortaleza
2Universidade Federal do Ceará
3Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira(UNILAB)
4Universidade Estadual do Ceará

 


RESUMO
Objetivo: Verificar associação entre dados sociodemográficos de mães residentes em microáreas de risco e sua autoeficácia em prevenir diarreia infantil.
Método: Estudo longitudinal realizado em Fortaleza, com 90 mães de crianças menores de cinco anos. A coleta ocorreu utilizando-se a Escala de Autoeficácia Materna para Prevenção da Diarreia Infantil (EADPI) e por contato telefônico. Os dados analisados pelos testes qui-quadrado e razão de verossimilhança.
Resultados: Constatou-se significância nos níveis de autoeficácia com as variáveis: idade entre 15 e 29 (ρ<0,001); casada (p=0,035), união consensual (ρ=0,039), solteira (p=0,033); mais de cinco anos de escolaridade (ρ<0,001); renda per capita menor que R$ 169,50 (ρ<0,001), acima de R$ 169,50 (ρ<0,001); dona de casa (ρ<0,001), outras ocupações (ρ<0,001) equantidade de filhos (ρ<0,001).
Conclusão: O enfermeiro ao aplicar a EAPDI pode monitorar a autoeficácia e associá-la às condições socioeconômicas das mães que influenciam na ocorrência da diarreia, a fim de intervir com ações educativas.
Descritores: Diarreia Infantil; Autoeficácia; Condições Sociais; Promoção da Saúde; Enfermagem.


 

INTRODUÇÃO

A diarreia infantil é uma manifestação comum das doenças infecciosas e parasitárias, sendo causada por inúmeros agentes etiológicos e caracterizada por episódios de fezes amolecidas ou líquidas em um período de 24 horas(1). Essa doença constitui-se como um grave problema de saúde pública, estando entre as principais causas de consultas, hospitalizações, busca por emergências e letalidade em crianças menores de cinco anos de idade(1).

Os fatores que determinam a ocorrência de diarreia infantil são múltiplos, englobando, direta ou indiretamente, aspectos de ordem ambiental, socioeconômica, cultural e comportamental, podendo variar a depender da população investigada(2). Por isso, percebe-se que essas variáveis necessitam ser investigadas nos diversos contextos para que os enfermeiros possam intervir de maneira mais direcionada com ações compatíveis à população-alvo.

Vale ressaltar que a doença diarreica infantil é o melhor exemplo de agravo em que o conhecimento e a atitude maternos em relação ao adequado manejo da diarreia infantil influenciam efetivamente na redução de suas complicações. Contudo, sabe-se que apenas a informação adequada não garante a promoção da saúde da criança. É necessário que a mãe se sinta capaz de incorporar tais práticas no seu cotidiano(3).

Nesse contexto insere-se o conceito de autoeficácia - habilidade para julgar-se capaz de realizar com êxito uma dada ação(4) tendo em vista a diferença entre possuir competências e ser capaz de executá-las de forma eficaz. Portanto, o sucesso nas atitudes maternas para prevenir a diarreia infantil requer uma forte confiança na sua capacidade em exercer tais condutas. Nesse sentido, a teoria da autoeficácia torna-se um conceito que deve ser aproximado das ações de enfermagem, pois abrange aspectos capazes de influenciar em mudanças comportamentais promotoras da saúde(5).
Ressalta-se que escalas psicométricas confiáveis e validadas devem ser utilizadas para avaliar o referido construto, citando-se a Escala de Autoeficácia Materna para a Prevenção da Diarreia Infantil (EAPDI) nesse caso, construída e validada no Brasil com 448 mães de crianças na primeira infância residentes em Fortaleza/CE(3;8). Ela  permite aos profissionais de saúde, inclusive enfermeiros, conhecerem previamente o domínio em que as mães têm menor autoeficácia, contribuindo de maneira direcionada para a implementação de estratégias educativas que previnam os fatores de riscos para a ocorrência de diarreia infantil. Além disso, a avaliação por meio da escala permite uma assistência individualizada da criança, sobretudo no que concerne aos domínios da EAPDI (higiene da família e práticas gerais/alimentares), levando-se em consideração as particularidades de cada família, podendo contribuir para a elevação da autoeficácia materna na prevenção da diarreia infantil.

Diante do exposto, o presente estudo teve como objetivo verificar associação entre dados sociodemográficos de mães residentes em microáreas de risco e sua autoeficácia em prevenir diarreia infantil.

 

MÉTODO

Estudo descritivo, analítico e longitudinal, com acompanhamento das famílias e coletas de dados em três pontos temporais ao longo de um período de três meses. A pesquisa foi realizada em uma Unidade de Atenção Primária em Saúde (UAPS) integrada à Secretaria Executiva Regional V (SER V) de Fortaleza, que possui 41.971 crianças com idade inferior a cinco anos e corresponde a 24,86% desta população no município. A escolha da SER V justificou-se por sua representatividade nos indicadores socioeconômicos mais comprometidos: alta densidade demográfica, menor renda per capita e menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Ademais, constitui-se como uma microárea de risco por possuir um perfil carente de dispositivos sociais básicos, como moradias adequadas, saneamento básico, educação, emprego e renda. No ano de 2012, a SER V foi a que apresentou maior notificação de casos de diarreia: 5.726 ocorrências, sendo 2.172 na faixa etária de um a quatro anos(6,7).

A amostragem deu-se por conveniência e as mães participantes atenderam ao seguinte critério de inclusão: pelo menos um filho(a) com idade inferior a cinco anos sendo acompanhado na UAPS selecionada. Como critérios de exclusão, mães que apresentassem alguma limitação cognitiva que as impossibilitassem de responder aos instrumentos utilizados e mães que não tivessem número de telefone para contato. Já como critérios de descontinuidade, desistência das mães em participar da pesquisa após o início da coleta; mudança de número de telefone durante o estudo sem comunicação prévia aos pesquisadores; óbito da mãe ou da criança no transcorrer do estudo.

Considerando os aspectos supracitados, as mães foram selecionadas por meio da Ficha A - instrumento preconizado pelo Ministério da Saúde preenchido pelos agentes comunitários de saúde (ACS) -, sendo previamente convidadas a comparecer em dias determinados à UAPS, conforme sua disponibilidade.

Assim, a amostra do estudo foi calculada a partir da fórmula para estimativa da média populacional n= (Z.α/e)2, considerando-se Z= 1,96; α= ± 7,40 (desvio padrão da variável estudada - Itens da EAPDI)(8), erro amostral de 2%. Desse modo, a amostra seria inicialmente de 53 mães de crianças menores de cinco anos de idade, optando-se por adicionar a esse total um percentual de segurança de 41% para eventuais perdas ao longo do acompanhamento telefônico da amostra, obtendo-se uma amostra final de 90 mães. Desta forma, a coleta de dados no momento inicial (M0) teve a participação de 90 mães (UAPS); no momento 1 (M1), 82 mães; no momento 2 (M2), 80; e no momento 3 (M3), 79 mães, considerando-se as perdas amostrais e tendo em vista mudança de número de telefone durante o estudo sem comunicação prévia aos pesquisadores.

A coleta de dados ocorreu de abril a julho de 2013 em duas etapas, sendo que, na primeira, foi realizada uma entrevista com as mães na própria unidade utilizando a EAPDI e um formulário abordando aspectos sociodemográficos das famílias (Momento 0). A segunda etapa constituiu-se pelo acompanhamento da autoeficácia materna com a aplicação da EAPDI a partir de contato telefônico mensal ao longo de três meses (Momentos 1, 2, 3), tendo em vista que o construto da autoeficácia é um fator modificável ao longo do tempo, tornando-se necessário investigar a  evolução dos escores na EAPDI dessas mães.

A EAPDI trata-se de uma escala composta por 24 itens, dois domínios (higiene da família, com 15 itens; e práticas alimentares/gerais, com nove itens), com elevados Índice de Validade de Conteúdo (IVC=0,96) e alfa de Cronbach (0,84), cujas opções de resposta em uma escala de Likert variam de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente), sendo possível a escolha de apenas uma opção em cada item. Assim, os escores totais da escala podem variar de 24 a 120 pontos(8).

Os dados foram analisados no Statistical Package for the Social Sciences - SPSS (versão 20.0). Utilizou-se estatística descritiva e inferencial por meio dos testes qui-quadrado e de máxima verossimilhança, estabelecendo-se o nível de significância de 5% (p<0,05) e o intervalo de confiança em 95%. Ressalta-se que os aspectos éticos referentes à Resolução Nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde foram obedecidos, com aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará sob parecer nº. 106/12. Todas participantes do estudo assinaram ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

 

RESULTADOS

Quanto às características sociodemográficas, pode-se verificar que entre as 90 mães que participaram do estudo, a idade variou de 15 a 58 anos com média de 29 anos (DP±7,5), com predominância da faixa etária de 15 a 29 anos (N= 48; 53,3%), união consensual (N=33; 36,7%), com cinco a oito anos de estudos (N=49; 54,4%), e que exerciam somente atividades do lar (N=70; 77,8%).

Ressalta-se que prevaleceu uma renda per capita mensal menor que R$169,50 (sendo o salário mínimo da época de R$ 678) e com média de quatro a cinco pessoas residindo no mesmo domicílio (N=42; 46,7%). A maioria das mães possuía de três a oito filhos (n= 37; 48,1%), sendo predominante entre estes o sexo masculino (N= 47; 52,2%).

Na Tabela 1, analisou-se a autoeficácia materna em prevenir diarreia infantil e as variáveis sociodemográficas, comparando-se as médias da EAPDI nos três meses de acompanhamento (M0-inicial; M1, M2, M3). Foi constatada significância estatística entre as médias dos escores da EAPDI nos quatro momentos de acompanhamento, com as seguintes variáveis (p<0,05): idade materna; estado civil; escolaridade (anos de estudo≥5); ocupação; renda per capita; número de filhos e sexo da criança.


Tabela 1- Comparação das médias dos escores da EAPDI nos momentos de acompanhamento, segundo as variáveis sociodemográficas. Fortaleza, 2013.
      Escores da EAPDI    p
      VARIÁVEIS        MOMENTO 0     MOMENTO 1     MOMENTO 2     MOMENTO 3
N  %    M ±EPM    M ±EPM     M ±EPM     M ±EPM
Idade
15-29 48 53,3 99,08 ±1,35 105,53 ±1,47 105,5 ±1,50 105,44 ±1,66 <0,001
30-58 42 46,7 103,36 ±1,54 106,92 ±1,76 107,95 ±1,70 107,39 ±1,74 <0,001
Estado Civil
Casada 23 25,5 102,96 ±2,38 103,95 ±2,66 104,6 ±2,34 104,7 ±2,45 0,035
União consensual 33 36,7 99,91 ±1,67 105,8 ±1,84 104,62 ±1,89 105,62 ±2,11 0,039
Solteira/viúva/    Divorciada 34 37,8 100,94 ±1,54 107,97 ±1,64 109,9 ±1,64 108,23 ±1,80 0,033
Anos de Estudo
01/abr 7 7,8 100,43 ±4,87 103,67 ±3,77 103,33 ±3,51 100,67 ±4,58 0,905
05/ago 49 54,4 101,29 ±1,38 105,57 ±1,62 106,18 ±1,57 105,82 ±1,57 <0,001
09/nov 34 37,8 100,91 ±1,66 107,67 ±1,72 108,1 ±1,79 108,5 ±2,01 <0,001
Ocupação
Dona de casa 70 77,8 101,2 ±1,17 106,51 ±1,30 107,77 ±1,26 107,52 ±1,33 <0,001
Outros 20 22,2 100,65 ±2,30 105,16 ±2,35 103,11 ±2,37 102,79 ±2,59 <0,001
Renda per capita (R$)
≤ ¼ SM 64 71,2 99,81 ±1,04 105,24 ±1,11 109,69 ±1,25 106,29 ±1,56 <0,001
> ¼ SM  26 28,8 96,92, ±2,13 110,5 ±1,51 106,44 ±2,27 105,59 ±2,06 <0,001
Número de residentes no domicílio
2 a 3 28 31,1 96,78 ±1,52 107,47 ±1,46 109,8 ±2,36 103,22 ±2,45  <0,001
4 a 5 42 46,6 102,72 ±1,56 107,89 ±1,54 108,57 ±1,48 108,85 ±1,67 0,024
6 a 11 20 2,3 97,08 ±1,62 103 ±1,83 106,67 ±2,70 101,57 ±2,19 0,011
Número de filhos
1 30 33,3 99,07 ±1,85 105,24 ±1,90 106,46 ±1,66 106,25 ±2,09 0,001
2 23 25,6 103,52 ±1,76 112,47 ±2,03 110,79 ±2,39 111,18 ±2,43 0,047
03/ago 37 41,1 101,19 ±1,68 103,5 ±1,68 104,45 ±1,82 104,09 ±1,74 <0,001
Sexo da criança
Masculino 47 52,2 100,45 ±1,54 105,87 ±1,54 105,2 ±1,46 105,18 ±1,67 <0,001
Feminino 43 47,8 101,77 ±1,38 106,59 ±1,69 108,54 ±1,73 107,89 ±1,71 <0,001
EPM = Erro Padrão de Média 
M = Momento 0 (Momento Inicial); M1, M2 e M3 (Acompanhamento pelo telefone)


Ao observar o Gráfico 1, pode-se constatar que  famílias com até ¼ do salário mínimo per capita (famílias extremamente pobres), e famílias com ¼ a ½ do salário mínimo per capita  (pobreza absoluta) apresentaram variação nos escores da EAPDI, sendo crescente do M0 ao M1 e decrescente do M2 ao M3.

Constatou-se que os escores das mães com renda per capita acima entre ¼ e½ do salário mínimo aumentaram de forma significativa entre o M0 e M1 (13,6 escores) e obtiveram um saldo de escores de 8,6 quando considerado o M0 ao M3. Entretanto, as mães com renda per capita menor ou igual a ¼ do salário apresentaram aumento no M0 e M1 de 5,4 escores e obtiveram um saldo de 6,4 escores do M0 ao M3 , ou seja, estiveram aquém do outro grupo no que diz respeito aos níveis de autoeficácia materna para prevenir diarreia infantil.


 
M = Momento 0 (Momento Inicial); M1, M2 e M3 (Acompanhamento pelo telefone)


DISCUSSÃO

As variáveis sociodemográficas podem estar diretamente associadas à diarreia infantil como fatores de risco ou de proteção. Nesse sentido, observou-se que a baixa idade materna e reduzida escolaridade têm sido apresentadas em diversos estudos como sendo fatores de risco para a saúde infantil – sobretudo a escolaridade materna, por ser um marcador da condição socioeconômica da mãe e de sua família, relacionando-se nesse contexto com o perfil cultural e comportamental, ligados aos cuidados de saúde da família e da criança(9,10).

No presente estudo, como se pretendia verificar o comportamento da autoeficácia materna ao longo do tempo, percebeu-se que tanto as mães adolescentes quanto as pertencentes à faixa etária de adulto jovem apresentaram um aumento progressivo das médias dos escores da EAPDI, apesar de em todos os momentos da investigação, os escores de autoeficácia das mães com maior idade prevaleceram sobre as mães mais jovens.  Um estudo realizado em Fortaleza investigando desmame precoce corroborou com este achado, ao demonstrar que a baixa idade materna pode estar relacionada com uma inadequada interpretação e assimilação dos conhecimentos referentes à assistência às crianças(11).

Além disso, pesquisas têm demonstrado que a baixa idade materna pode estar relacionada com interpretação e assimilação inadequadas dos conhecimentos referentes à assistência às crianças(12).
Salienta-se que, quanto mais experiências anteriores positivas a mãe tiver, maior autoeficácia poderá ser percebida e mediada por suas fontes - principalmente fonte de autoeficácia pessoal, experiência vicária ou por modelação(5).

Quanto ao estado civil, a variável apresentou relação significante com os escores da escala, demonstrando que a rede familiar de apoio na figura paterna colabora para melhoria nos cuidados prestados aos filhos. Desse modo, na presente análise pode-se observar que entre as variáveis de estado civil apenas as mães casadas tiveram aumento progressivo da autoeficácia ao longo do tempo.

Uma pesquisa realizada com 50 mulheres em Pacatuba/CE verificou que o fato de a mãe ser casada ou viver em união estável influenciava diretamente na autoeficácia materna em amamentar(13).

Mesmo tendo constatado neste estudo a associação estatisticamente significante entre a média de escores de autoeficácia materna para prevenir diarreia infantil e o estado civil (casada e união estável), observou-se que as mães solteiras, viúvas ou divorciadas também apresentaram significância estatística com a média de escores para prevenir diarreia infantil, de modo que se pode inferir que a autoeficácia materna pode ter sido influenciada por outras fontes de confiança materna, persuasão verbal e experiências vicárias que não sejam necessariamente a presença do pai.

Um estudo transversal realizado com 448 mães de crianças menores de cinco anos em Fortaleza demonstrou que apesar de a maioria dessas mulheres serem casadas ou viverem em união consensual, tal fator não mostrou associação com suas habilidades para cuidar dos filhos na prevenção e tratamento de diarreia(14).

A exemplo disso pode-se observar que entre as mães investigadas, aquelas que eram viúvas, divorciadas ou solteiras tiveram os maiores escores de autoeficácia, sobretudo nos momentos M1, M2 e M3. Pode-se inferir também que aquelas mães que não podem contar com o auxílio cotidiano de um parceiro assumam a maior parte das responsabilidades com a criança sozinha, fato que pode elevar sua autoconfiança em cuidar do filho. 

Apesar de ter sido observada nesta pesquisa significância estatística tanto em mães que trabalham no lar quanto as que trabalham fora de casa, alguns estudos têm demonstrado a influência da ocupação materna na saúde infantil, fazendo supor que as mulheres que possuem ocupações fora de casa apresentam menor disponibilidade de tempo, podendo influenciar na qualidade dos cuidados maternos dispensados às crianças(15).

No entanto, a pesquisa não demonstrou associação entre mães donas de casa e uma maior autoeficácia para prevenir diarreia infantil, observando-se ainda que o nível de autoeficácia das mães não foi influenciado pelo número de moradores na residência (p=0,154), sexo da criança (p=0,062) e pelo número de filhos vivos (p=0,861)(16).

A renda per capita é um item de relevância no que diz respeito às condições socioeconômicas de uma família, e, portanto, um determinante social de saúde que repercute diretamente nos indivíduos(17). Dessa forma, no presente estudo pode-se constatar que os escores de autoeficácia para prevenir diarreia infantil das mães com renda per capita > ¼ do salário mínimo aumentaram de forma significativa entre o M0 e M1 (13,6 escores) e obtiveram um saldo de escores de 8,6 quando considerado do M0 ao M3. Em contrapartida o grupo de extrema pobreza, apesar de ter apresentado aumento de 5,4 escores do M0 ao M1 e de 6,4 escores do M0 ao M3, ainda foi inferior ao grupo com maior renda per capita.

Salienta-se que outras avaliações têm corroborado com estes achados por terem demonstrado que a baixa renda familiar apresenta uma correlação significante com as doenças infecto-parasitárias, sobretudo as doenças diarreicas em menores de cinco anos, haja vista que crianças de famílias pobres têm uma vulnerabilidade diferencial por estarem em constante exposição aos fatores de suscetibilidade para a doença - falta de saneamento, utilização de água inadequada, aglomerações, poluição. Há também o fato de que seus  cuidadores são menos propensos a adotar comportamentos de prevenção da diarreia por possivelmente apresentarem uma menor autoeficácia(18-19).

No que tange à variável número de filhos, observou-se que a maioria das mulheres entrevistadas possuía de três a oito filhos (N=37; 41,1%), seguida pelas que possuíam apenas um filho (N=30; 33,3%) e por fim, mães com dois filhos (N=23; 25,6%), verificando-se as três variáveis com significância estatística representativa. Ressalta-se que as mães com duas ou mais crianças apresentaram escores mais altos na escala de autoeficácia para prevenir diarreia infantil. Esses dados concordam com a  pesquisa realizada com 448 mães - ela demonstrou que quanto maior o número de filhos, maior a possibilidade de experiências anteriores exitosas com o cuidado infantil e, nesse caso, com o manejo da diarreia, fato que poderia considerar-se positivo no presente estudo(8).

Outro achado que se pode constatar por meio do Gráfico 1 foi a questão da temporalidade e sua relação com a manutenção da autoeficácia materna, haja vista que houve oscilação evidente da média dos escores para a prevenção da diarreia infantil nos quatro momentos de acompanhamento para as duas faixas de renda per capita, sobretudo do M2 ao M3, onde observou-se o decréscimo.

A autoeficácia representa crenças que as pessoas têm em transformar suas ações. Influencia nos eventos que afetam suas vidas e que podem determinar a decisão pessoal quanto ao início de um comportamento de enfrentamento, a quantidade de tempo em que irão persistir para transpor obstáculos e experiências adversas, assim como a quantidade de esforço desprendido em tal comportamento(5).

Ainda que as participantes integrem uma população desprovida de recursos, e mesmo que os problemas sociais contribuam para minimizar a autoeficácia materna no que diz respeito à diarreia infantil, salienta-se a necessidade de buscar alternativas para que, apesar das condições adversas, os enfermeiros possam implementar estratégias em prol da promoção da saúde de das crianças pelas mães da melhor maneira possível.

Assim, a avaliação da autoeficácia materna por parte do enfermeiro da Estratégia de Saúde da Família, sobretudo nas consultas de puericultura, possibilita a identificação dos níveis deste construto. Desse modo, quando esses profissionais identificarem mães como baixa autoeficácia (por ser este um preditor negativo para a promoção da saúde), poderão intervir visando à elevação dos escores de autoeficácia materna para prevenir diarreia infantil e consequentemente uma redução da morbimortalidade relacionada. Para tanto, os enfermeiros poderão valer-se das quatro fontes de autoeficácia (experiência pessoal; experiência vicária; persuasão verbal; estados fisiológicos/emocionais) para a aplicação de estratégias específicas para reforçar o efeito dessas fontes(20).

 

CONCLUSÃO

Os resultados do estudo comprovaram que houve associação estatisticamente significante entre o nível de autoeficácia materna em prevenir diarreia infantil e alguns fatores relacionados às condições ambientais, socioeconômicas, culturais e comportamentais das mães participantes.

Alguns fatores como baixa idade materna, baixa escolaridade, baixa renda per capita, número de filhos e ausência paterna podem influenciar a autoeficácia materna e gerar alguma insegurança no cuidado à criança, estando associado ao surgimento de episódios diarreicos. Isso sugere a necessidade de incentivo ao empoderamento materno, bem como de mudanças comportamentais para que se promova a saúde das crianças envolvidas.

Dessa forma, os enfermeiros devem identificar a autoeficácia materna por meio da utilização da escala (EAPDI) para a prevenção da diarreia infantil como ferramenta na assistência à saúde da criança, assim como promover a autoeficácia na prevenção da diarreia, intervinda por meio de estratégias de educação em saúde e encorajando às mães, a fim de que se sintam mais capazes de prevenir a doença em seus filhos.

A pesquisa apresentou como limitação a dificuldade de reestabelecer o contato por meio telefônico no seguimento de algumas mães no estudo, bem como pelo fato de tratar-se de um estudo unicêntrico. Além disso, recomenda-se que estudos futuros sejam realizados com um maior período de acompanhamento da autoeficácia materna em prevenir diarreia infantil.

 

REFERÊNCIAS

1. Oliveira TCR, Latorre MRDO. Trends in hospital admission and infant mortality from diarrhea: Brazil, 1995-2005. Rev. Saúde Pública. 2010 [ Cited 2013 Jan 1 ]  44(1): 102-1.Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003489102010000100011. doi:http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102010000100011

2. Ministério da Saúde (Brasil). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Doenças infecciosas e parasitárias: Guia de bolso / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica. 8. ed. Brasília : Ministério da Saúde; 2010. Available from:http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/doencas_infecciosas_parasitaria_guia_bolso.pdf

3. Joventino ES. Validação aparente e de conteúdo da escala de autoeficácia materna para prevenção da diarreia infantil. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2013 [ Cited 2013 Jan 1 ]  21(1).Available from:http://www.revistas.usp.br/rlae/article/viewFile/52964/56997.

4. Bandura A. Toward a Psychology of Human Agency. Perspec Psychol Sci. 2006 [ Cited 2013 Jan 1 ] 1(2):164-80. Available from: http://web.stanford.edu/dept/psychology/bandura/pajares/Bandura2006PPS.pdf

5. Bandura A. Self-efficacy: toward a unifying theory of behavioral change. Psychol. Rev. 1977 [ Cited 2013 Jan 1 ]  84(2): 191-215.

6. Secretaria Municipal de Saúde. Célula de Vigilância Epidemiológica/CIEVS/SIMDA. Consolidado das notificações de casos de diarreia aguda por Secretaria Executiva Regional. Fortaleza, 2013 [ Cited 2013 Jan 21 ]. Available from:http://tc1.sms.fortaleza.ce.gov.br/simda/notifica/graficoSerano=2012&ser=&agravo=A09.

7. Instituto Brasileiro de Geografia E Estatística (IBGE). Distribuição da população por sexo, segundo os grupos de idade - Censo 2010[ Cited 2013 Apr6 ]. Available from: http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopse/index.php?dados=26&uf=23#topo_piramide.

8. Joventino ES, Ximenes LB, Almeida PC, Oria MOB. The Maternal Self-efficacy Scale for Preventing Early Childhood Diarrhea: Validity and Reliability. Public Health Nursing. 2013 [ Cited Apr 21 ] 30(2):150-8. Available from:http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/3961/html. doi: 10.1111/j.1525-1446.2012.01042.x.

9. Barros MBA, Zanchetta LM, Moura EC, Malta DC. Auto-avaliação da saúde e fatores associados, Brasil, 2006. Rev. Saúde Pública. 2009 [ Cited Apr 21 ] 43 Suppl 2: 27-37.Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102009000900005. doi:http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102009000900005

10. Maia LTS, Souza WV, Mendes ACG. Differences in risk factors for infant mortality in five Brazilian cities: a case-control study based on the Mortality Information System and Information System on Live Births. Cad.Saúde Pública. [ internet ] 2012 [ Cited Apr 21 ] 28(11). Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2012001100016. doi:http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2012001100016.

11. Oliveira JS, Joventino ES, Dodt RCM, Veras JEGLF, Ximenes LB. Factors associated with early weaning among multiparous. Rev. RENE. [ internet ] 2010 [ Cited Apr 21 ] 11(4):95-102. Available from:http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/4186/1/2010_art_esjoventino.pdf

12. Andrade LCO, Santos MS, Aires JS, Joventino ES, Dodt RCM, Ximenes LB. New mothers’ knowledge about hygiene for new-borns. Cogitare Enfermagem. 2012 [ Cited 2014 Apr 21 ] 17(10):99-105.Availablefrom:http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/cogitare/article/view/26381. doi: http://dx.doi.org/10.5380%2Fce.v17i1.26381

13. Uchoa JL, Oliveira EKF, Gomes ALA et al.  Influence on conditions of health of the newborn about the maternal self-efficacy in breastfeed. Rev enferm UFPE on line.[ internet ] 2012 [ Cited 2014 Apr 21 ] 6(8):1798-804. Availablefrom: http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/view/3024/pdf_1355. doi: 10.5205/reuol.2931-23598-1-LE.0608201208

14. Joventino ES, Coutinho RG, Bezerra KC, Almeida PC, Oriá MOB, Ximenes LB. Self-effectiveness in preventing diarrhea and child care: a transversal study. Online braz j nurs [ Internet ]. 2013 [ Cited Apr 21 ] 12(2): 295-306. Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/3961.doi: http://dx.doi.org/10.5935/1676-4285.20133961

15. Pantenburg B, Ochoa TJ, Ecker L, Ruiz J. Feeding of young children during diarrhea: caregivers' intended practices and perceptions. Am J Trop Med Hyg. [ internet ] 2014 [ Cited Jan 23 ] 91(3):555-62. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25092824.

16. Joventino ES, Bezerra KC, Coutinho RG, Almeida PC, Oriá MOB, Ximenes LB.Socio-demographic and healthcare conditions regarding maternal self-sufficiency/effectiveness concerning preventing diarrhea during childhood. Rev. salud pública.[ internet ] 2013 [ Cited 2014 Apr 21 ] 15(4): 542-554. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25124126

17. Mendes EV. Health care networks. Ciência & Saúde Coletiva. 2010 [ CitedApr 21 ④(5):2297-2305. Availablefrom: http://www.scielo.br/pdf/csc/v15n5/v15n5a05.pdf

18. Lopes TC, Chaves AFL, Joventino ES, Rocha RS, Castelo ARP, Oriá MOB. Avaliação da autoeficácia materna para a prevenção da diarreia infantil. Rev Rene. [ internet ] 2013; 14(6):1103-11. Available from:http://www.revistarene.ufc.br/revista/index.php/revista/article/viewFile/1247/pdf

19. Boccolini S, Boccolini CMM, Carvalho PL, Couto M, Oliveira MI. Exclusive breastfeeding and diarrhea hospitalization patterns between 1999 and 2008 in Brazilian State Capitals.Ciência & Saúde Coletiva. 2012 [ Cited Apr 11⑥(7): 1857-1863.Availablefrom: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232012000700025&script=sci_arttext. doi:http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232012000700025.

20. Uchôa JL, Gomes ALA, Joventino ES, Oriá MOB, Ximenes LB, Almeida PC. Antecedentes sociodemográficos e obstétricos na autoeficácia maternal em amamentar: estudo em painel. Online braz j nurs [ Internet ]. 2014 [ Cited Jan 26 ] 13(4): 645-55. Available from:http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/4708

 

 

Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a materia em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf

 

 

Recebido: 19/11/2014
Revisado: 22/01/2015
Aprovado: 31/01/2015