ORIGINAL ARTICLES
The child facing the stress
before-surgical. Exploratory study.
A
criança lidando com estressores pré-cirúrgicos.
Estudo exploratório
Lucimeire Santos Carvalho 1,
Cátia Andrade Silva 2, Ana Carla Petersen
de Oliveira Santos 3, Climene Laura de Camargo 4.
1 UNEB, 2 FTC, 3 UFBA, 4 UFBA
ABSTRACT: Descriptive exploratory study of qualitative boarding directed to
analyses the parameter of the children to the stress
before-surgical. They were unreason as technical of collects the
observation without participation and the interview with the
mothers. They participated, nine children in age preschool,
internal in pediatric of the philanthropic hospital in
hoped to be put under surgery. In the Symbolic Interacionism and analyzes the contender
suffering of the children ahead the
restrictions and difficulties faced in the course of the stress
before-surgical one through the categories: Suffering with stress
before-surgical, Coming to operate without knowing the reason and
coexist the stranger and the stranger. It was finished that the
perception, the actions and the expressions of the children
represents how it hits the surgery that is for the boy. That
understanding can favor the application of actions that search the
difficulties faced by the children in the before-surgical.
Keywords: Perioperative nursing; Nursing care; Stresse,Psyclological/surgical;
Pediatrics.
RESUMO: Estudo descritivo exploratório de
abordagem qualitativa, que objetivou analisar o enfrentamento das crianças aos
estressores do pré-cirúrgico.
Utilizamos como técnicas de coleta a observação não-participante e a entrevista
com as mães. Foram
participantes, nove crianças em idade pré-escolar, que
estavam internadas na pediatria, de um hospital filantrópico em Salvador
para submeter-se a cirurgia. A partir do Interacionismo
Simbólico e do método de análise de conteúdo consegui-se desvelar o
sofrimento da criança diante das restrições e
dificuldades enfrentadas no curso do pré-operatório expressas na categoria
Sofrendo
com o pré-cirúrgico e sub-categorias – Vindo operar sem saber o
motivo e Convivendo com o estranho e o desconhecido. A
percepção, as ações e as expressões das crianças representam o
quão impactante é a cirurgia. Esse entendimento pode
favorecer a
implementação de ações que visem minimizar as
dificuldades enfrentadas pelas crianças no pré-cirúrgico.
Palavras-chaves: Enfermagem perioperatória; Assistência de enfermagem; Estresse
psicológico/cirurgia; Pediatria.
Introdução
O estudo
do comportamento da criança diante dos estressores
pré-cirúrgicos é a forma que encontramos para apreender o
enfrentamento das crianças em torno de um objeto
específico, qual seja, o estresse vivido conseqüente da cirurgia.
Estando a
experiência cirúrgica vivenciada pela criança atrelada ao desconhecido e ao
não-controlável, os aspectos relativos
à experimentação por si só são estressantes e capazes de provocar
impacto, já que se trata de uma situação onde permeia a
imprevisibilidade1.
Nesta
perspectiva, a cirurgia representa uma ameaça para a constância do meio interno
da criança, por produzir fatores
que tendem a perturbar o sistema orgânico e os mecanismos de homeostasia, podendo contribuir para desestabilização da
criança,
caso esta não consiga utilizar os mecanismos de ajustamento
à situação.
O Centro
Cirúrgico revela-se “assustador” para a criança, já que a mesma, muitas vezes,
imagina/fantasia ou vivencia
quase sempre reações negativas frente à experiência
cirúrgica. Tal fato tende a aflorar sentimentos, expectativas e desencadear
tensões, expressadas por ansiedade, angústia, medo e
insegurança, reconhecidas universalmente como pistas de estresse.
Ressalta-se
que “o mundo interno é responsável pela qualidade da
experiência sendo muitas vezes incompreensível do
ponto de vista da lógica” e os “fatores externos do ambiente
promovem a instalação de um circuito benigno ou não” 2:216.
Por isso,
as poucas experiências vividas pela criança somadas a sua imaturidade bio-pisicológica para o enfrentamento de
uma cirurgia torna a situação bem mais complexa daquela vivenciada
pelo adulto, pois incorre na exposição da criança a uma
série de estressores com os quais
tem dificuldade de manejo; além de, a depender da idade, possuir linguagem
verbal
inapropriada para conseguir expressar suas necessidades
e possibilidades de enfrentamento.
A criança
até a idade pré-escolar possui linguagem simbólica e o seu desenvolvimento se
estrutura a partir de experiências
que ela interioriza, pela repetição freqüente dessas experiências
ou pelas semelhanças que elas tem. Após memorizar as experiências
anteriores, a criança capta novos estímulos ao longo
das experiências do mundo exterior - exploração da realidade, demonstrando
reconhecimento e deslumbramento diante dos objetos, da
natureza e das palavras.
A criança
tem necessidade de agir para apreender. A ausência de maturidade e experiência
do adulto faz com que ela seja
obrigada ao constante movimento de ultrapassar obstáculos para
descobrir o novo. A criança tende a repetir comportamentos e
reações que lhes darão elementos para a formação de um ego
vital forte, e apenas modifica seu comportamento em face aos novos
objetos e situações3.
Outra
característica do pré-escolar é sua constante experimentação do autocontrole e
da independência, exibindo
freqüentemente sentimentos de raiva e mágoa, quando não
consegue alcançar algo almejado, utilizando os gritos e as crises de birra
como válvulas de escape para os sentimentos de angústia e
ansiedade. A luta pela independência aparece como o foco fundamental
para adquirir autonomia e interagir com outros indivíduos,
visto que já houve um avanço na diferenciação de si e das pessoas.
O medo
faz também faz parte do processo de desenvolvimento da criança e somente é
amenizado ao final do período préescolar,
quando a criança será capaz de entender a argumentação lógica
para diferenciar o imaginário do real. O medo que
demonstrado pelo pré-escolar pode ser detectado por
comportamentos e atitudes, a exemplo de: gagueira, piscar constante de
olhos, roer unhas, chupar o dedo, esfregar os órgãos sexuais,
mastigar o lençol ou uma peça de roupa, salivar em excesso, cuspir
constantemente, ter tiques, atividades de coçar e
esfregar, tremer a voz falando alto e num tom muito agudo4.
Qualquer
ameaça à autonomia da criança nesta fase, tal como doença, hospitalização,
cirurgia, gera a necessidade de voltar a
uma forma anterior de comportamento, verificando-se aumento de
dependência, recusa de usar penico, retorno ao uso da
mamadeira, andador ou berço, perda de habilidades motoras e de
linguagem social e cognitiva recém-adquirida4.
Em vista
disso, quando a assistência de enfermagem é dirigida à criança nesta faixa
etária, a equipe de enfermagem deve
estar consciente de que esta possui modos peculiares de
sentir e perceber e métodos individuais de lutar contra as adversidades
do ambiente em que se encontra inserida, diferentemente do adulto.
Exatamente
nesse ponto que surge o esforço de ter que entender a linguagem infantil; enfim
comportamentos, enfatizando
a interpretação que lhe é devida e, que essa interpretação não se
restrinja ao olhar do profissional de saúde como uma atividade
meramente lúdica no âmbito hospitalar e sim, busque o significado
real da mensagem. A análise do discurso isolado da criança ou
analisado conjuntamente, quando a mesma comunica-se com os
genitores, familiares ou equipe de saúde se constitui uma
ferramenta importante para o profissional de saúde
entender bem como se relacionar com a criança.
O
discurso é algo muito importante, porém as palavras, ao mesmo tempo em que
podem evidenciar, podem também
camuflar situações. As manifestações corporais, quando
entendidas enquanto metáforas corpóreas revelam complexidades a
serem desvendadas5. Assim, o corpo pode não dizer nada, mas
expressa tudo, as expressões corporais são, antes de tudo, uma
forma de objetivar algo subjetivo, que está diretamente
ligado à vida social e ambiental.
Segundo
essa vertente, os comportamentos são ‘construídos’ pela pessoa ‘durante’ o
curso da ação, logo os
comportamentos – linguagem e expressão corporal, não são
reativos ou mecanicistas; a conduta humana depende da ‘definição da
situação’ pelo ator e o “eu” é constituído por definições tanto
sociais como pessoais.
Nesse
âmbito o Interacionismo Simbólico emerge como uma
possibilidade de captação e compreensão das informações
advindas das crianças. E esse processo de compreensão se dá por
meio da análise da linguagem simbólica da criança.
O
objetivo do simbólico é enveredar pelas dimensões das palavras, linguagens,
imagens construídas através dos relatos,
pela observação de comportamentos dos indivíduos, exame de
documentos que possibilitem a visualização da realidade,
focalizando o que é conhecido, como é conhecido, quem conhece, e de onde conhece, expressando o
conhecimento do cotidiano.
Para
atingir a comunicação e interação simbólica é preciso assumir o papel do outro,
que quer dizer, compreender como e
porque as pessoas agem dessa ou daquela maneira. Esse
entendimento do outro por nós e vice-versa, faz parte dessa atividade
mental, considerada como a mais importante do Interacionismo Simbólico, porque possibilita o
desenvolvimento do self6.
Ainda é
um desafio para a enfermagem assumir o papel do outro compreendendo a linguagem
simbólica da criança e
identificando os fatores estressantes vivenciados pela
criança de acordo com a sua faixa etária ou ainda aceitar suas reações
comportamentais e prestar o apoio necessário para a
superação da crise.
É
importante salientar, que para a enfermagem prestar uma assistência adequada à
família e a criança que irá submeter-se
a um procedimento cirúrgico deve saber avaliar suas respostas
comportamentais e fisiológicas quando esta experimenta a situação
estressante, porque para cuidar do indivíduo é
essencial conhecê-lo - saber o que pensa, como se comporta, o que sente, e como
enfrenta as diversas situações do cotidiano
hospitalar-cirúrgico.
O
pré-cirúrgico é o momento oportuno para que a criança se familiarize com as
rotinas e receba as informações adequadas
sobre a cirurgia que a possibilite enfrentar as inúmeras
adversidades provenientes do contexto cirúrgico. Entretanto, a
enfermagem necessita do conhecimento sobre o que é estressor para a criança a ser operada e que recursos ela
utiliza para
eliminar suas tensões.
Desse
modo, os objetivos da assistência de enfermagem no pré-cirúrgico da criança
deve incluir a identificação dos
possíveis fatores estressantes que permeia tal evento,
imbuindo-se de conhecimentos necessários para efetivar sua ação contra os
estressores e minimizá-los.
Com base
no exposto, o presente estudo teve como proposta analisar o enfrentamento das
crianças aos estressores do précirúrgico
à luz do Interacionsimo simbólico,
buscando responder: Quais são os estressores do
pré-cirúrgico para as crianças em
idade pré-escolar e como os enfrentam a partir das interações
com ambiente, pessoas e situação? O que nos leva
conseqüentemente a maior compreensão das necessidades
emocionais e sociais da criança, auxiliando o relacionamento e o
diálogo entre ela, a família e o profissional, ao mesmo tempo
em que subsidia a assistência pré-cirúrgica de enfermagem prestada
a criança e família.
Metodologia
Trata-se
de estudo de natureza qualitativa, utilizamos como referencial teórico o Interacionismo simbólico e como método a
análise de conteúdo.
O Interacionismo simbólico tem o propósito de incorporar a reflexidade da análise da ação humana, reconhecendo que o
significado de uma ação não pode ser explicado pela
estreita visão do comportamento isolado, pois as ações humanas estão
influenciadas pelo contexto, interação com ambiente e
indivíduo, como também das experiências vividas, de modo que a
expressão corporal revela apenas uma parte do significado do
comportamento7,8.
Esse
referencial estuda o comportamento humano corroborando para investigação de
como as pessoas agem e reagem em
relação às suas definições, valores, eventos cotidianos ou
realidade, tendo em vista as interações e a dinâmica das atividades
sociais - no mundo, na sua família, no seu cotidiano e na sua
vida9.
Considerando
que o significado é criado pela experiência do indivíduo, por sua interação com
o objeto (coisas, pessoas,
eventos) e consigo mesmo; o valor de um objeto e a ação
desempenhada pelo indivíduo está agregado ao significado que o
indivíduo lhe atribui. Assim, a interpretação do processo de
construção simbólica deve contemplar a dimensão que a experiência
tem para sujeito, já que “algo é sempre acrescentado pelo sujeito
concreto que vivencia aquele ato e pelo momento específico em
que acontece” 10:122.
Portanto,
para conseguir desvelar os significados do fenômeno estudado foi preciso
reconhecer o sujeito fazedor da ação e
o contexto onde ela se dá. Este reconhecimento contribuiu para
significar as ações do sujeito e do universo pesquisado.
De acordo
com Mattos11:4 “estamos sempre procurando a totalidade de
variações manifestadas numa ação, fato, fenômeno
ou situação na qual estamos interessados”. Entretanto, a procura
por entender os sentidos deve recair no olhar sobre a nãoregularidade
dos comportamentos humanos e na diversidade das práticas discursivas,
construindo-se momentos reflexivos para
apreensão das vivências humanas, considerando o que tem
significado para a pessoa que vive determinada situação. Tal
significado substancia, fornece rumo e continuidade
para o cuidado a ser prestado, pois revela as expectativas e comportamento
do ser cuidado, na expressão/interação cotidiana.
Neste
aspecto, a busca é por entender as respostas das crianças às situações
estressantes, através da sua linguagem
simbólica, retratada por gestos, comportamentos e falas resultantes
de sua interação com o contexto de cirurgia – ambiente,
pessoas, procedimentos de cirurgia; a abordagem qualitativa e o
referencial utilizado favorecem a compreensão da interação das
crianças com os estressores do
pré-cirúrgico.
Para
apreensão do fenômeno do enfrentamento da criança aos estressores
pré-cirúrgicos, estabeleceu-se a aproximação
com as crianças e suas mães, através da ambientação do pesquisador
na unidade de internação pediátrica, do Hospital filantrópico
de Salvador – Bahia, no período de janeiro a março de 2003,
período de coleta.
Ao
acompanhar o atendimento da criança, desde o momento da internação até a
entrada no centro-cirúrgico, percebeu-se
que a sala de espera de cirurgia era um cenário repleto de estressores. Optamos pelo espaço para realizar a coleta de
dados
através das técnicas de entrevista e observação
não-participante.
As
entrevistas realizadas com as mães foram do tipo semi-estruturada, duraram
aproximadamente trinta minutos, sendo
abordados os seguintes conteúdos: dados de identificação,
descrição de experiências cirúrgicas anteriores e vivências atuais da
criança na hospitalização pré-cirúgica
- procedimentos, hábitos e rotinas, conhecimentos, percepções e valores frente
à doença,
hospitalização e cirurgia. E a observação sistemática
ocorreu desde o momento de entrada da criança e sua mãe na sala de espera
de cirurgia até a chamada para a cirurgia propriamente dita, o que
durou em torno de cinquenta minutos. A observação foi
realizada com o objetivo de identificar as ações e reações das
crianças diante da situação pré-ciúrgica - jejum,
pré-anestésico,
espera pela cirurgia, acompanhamento; foram captados os
diálogos entre criança e mãe e comportamentos da criança.
Pelas
características do método qualitativo de pesquisa e do referencial teórico
escolhido, a amostra foi definida pela
saturação teórica dos dados, ou seja, quando os dados tornaram-se
repetitivos, não aparecendo dados novos considerou-se
atingida a saturação teórica. Desse modo, fizeram parte do
estudo nove crianças em idade pré-escolar, considerada pré-escolar a
criança na faixa etária de três a seis anos e as respectivas
mães.
O corpus de análise foi composto pelos
dados das entrevistas realizadas com as mães e das observações das crianças do
estudo, ambos os registros foram descritos nos diários de
campo, após consentimento informado e esclarecido das depoentes,
como também teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do
Hospital filantrópico que foi campo de coleta, em conformidade
com a Resolução 196/96 que se refere às pesquisas com seres humanos12. Para atender aos
princípios éticos, utilizamos nomes de
flores para nos referirmos às depoentes na apresentação dos
resultados.
Os dados
foram analisados por meio do método de análise de conteúdo, método categórico
de Bardin13, os códigos de
mesmo significado foram agrupados e deste agrupamento
derivaram a categoria Sofrendo com o pré-cirúrgico e subcategorias
temáticas: Vindo operar sem saber o motivo e Convivendo com o
estranho e o desconhecido.
Resultados
e discussão
Sofrendo
com o pré-cirúrgico é a categoria que
desvela a experimentação de sofrimento pela criança pré-escolar quando se
aproxima da realidade da cirurgia, não só pelo sofrimento físico
que o período pré-cirúrgico ocasiona como a exposição direta a
procedimentos dolorosos, mas também pelo sofrimento
psíquico a que a criança está exposta.
O
sofrimento psíquico vivenciado foi percebido no estudo, como algo maior do que
o sofrimento físico, esse resultado
também foi encontrado no estudo de Ribeiro e Ângelo14:399, quando traz que “o
sofrimento
da criança durante a hospitalização é
um fato incontestável, que nem a própria mãe, nem nós enfermeiros
que amamos e nos interessamos pelo bem-estar da criança
podemos evitar totalmente”. O discurso da
criança deixa claro que existe um sofrimento derivado da grande preocupação com
a
possibilidade de exposição a algo que desconhece, o que
faz com que ela se aproxime mentalmente dele, antes mesmo que
aconteça.
Entretanto,
a criança que se submete a uma cirurgia eletiva é geralmente saudável, apenas
possuindo um defeito físico a
ser corrigido. E por desconhecer o cenário da hospitalização e
cirurgia, inicialmente encaram-no com normalidade; pois não se
percebem, nem se sentem doentes.
(...)
não vou não [operar], não estou doente... [pára na entrada do centro cirúrgico]
(Rosa
menina).
Esta
análise corrobora para mostrar mostra que a criança hospitalizada não se vê sem
saúde, mas em uma situação em
que ela está abalada, debilitada, porque não entende a saúde e a
doença enquanto processo9.
As
crianças despreparadas para o enfrentamento da cirurgia, não conseguem perceber
a necessidade da mesma para o
restabelecimento da sua saúde, dificultando sua adaptação à
condição.
Por ter vindo operar sem saber o motivo,
a criança não sabe porque tem que enfrentar uma
condição tão hostil, como a de
hospitalização e cirurgia, principalmente quando as
crianças não apresentam sintomatologias de anormalidades ou notam qualquer
alteração orgânica importante em seu corpo, pode dificultar a
colaboração da mesma no processo cirúrgico, como também pode
desestabilizá-la diante das situações estressantes que
permeiam este processo.
Pois na
medida em que as crianças observam o desenrolar dos acontecimentos - as pessoas
estranhas, os procedimentos
dolorosos, o choro de outras crianças na sala de espera de
cirurgia as mesmas demonstram um movimento em busca de
informações para saber o motivo pelo qual está ali e o
que vai acontecer com ela.
(...)
fica perguntando toda hora [a mãe], se vai tomar injeção...pergunta
muito sobre o médico, o que
outras crianças estão fazendo, o que o médico vai
fazer com ele, só percebe que algo vai acontecer,
não sabe o que é...(Camomila).
(...)
como é lá minha mãe?[a criança com semblante sério aponta
para dentro do centro cirúrgico,
indicando por uma fresta que lhe permite visibilidade
ao que tem no seu interior] (Gérbera).
Sem
dúvida, durante o processo de enfrentamento da cirurgia, a criança percebe que
algo diferente está acontecendo, e
por não ser informada com clareza sobre os acontecimentos sente-se
confusa e ansiosa.
A criança
deduz pelo que ocorre a sua volta (sentimentos e ações de sua
mãe, clima tenso da sala de espera de cirurgia,
espaço restrito de brincadeiras, visualizar a experiência
cirúrgicas de outras crianças) que algo de ruim está por vir, percebe que
poderá vivenciar algo traumático.
A criança
durante o período operacional concreto precisa associar seus conceitos com as
ocorrências concretas e
observáveis15. Para a criança nesta faixa etária a doença/cirurgia, antes de
tudo, deve ser provocada por algo e está atrelada a
uma sintomatologia, pois a reflexão sobre as questões que envolvem
saúde/doença, corpo sadio/necessidade de cirurgia tem
caráter abstrato sendo de difícil entendimento para a criança
já que muitas vezes não estão com dor nem mal-estar.
A
interação não ocorre somente com objetos concretos, mas no campo abstrato –
pensamento, idéias. As ações são
resultantes da interação do indivíduo com o seu self (consigo mesmo) e com os outros. Por isso, as crianças
se comportam e lidam
com essa situação de acordo com o que interpretam do seu imaginário
e das informações que dispõe – seja do que já vivenciou ou
vivencia, do ambiente ou do que as pessoas lhe dizem6.
Infere-se
pelos relatos das crianças que as informações que as crianças detinham para o
enfrentamento da cirurgia, se
resumiam ao fato de que iriam se hospitalizar nada de mais
consistente lhes foi dito ou orientado. A falta de informação/explicação
sobre os aspectos da cirurgia faz com que o momento
pré-cirúrgico seja sempre um suspense para a criança, que enfrenta a
imprevisibilidade de um evento sem a preparação para
aceitá-lo e enfrentá-lo de modo que consiga minimizar seu estresse.
Os
pensamentos sobre algo negativo desencadeiam modificações no modo de ser e de
agir da criança, que passa a ficar em
constante estado de alerta, procurando, observando e perguntando
a respeito de tudo.
Segundo Maldonado 16:34 “os adultos subestimam a capacidade infantil
de perceber o que está acontecendo ao seu redor”,
certamente os adultos pensam que porque a criança é
pequena, ela não entende coisa alguma, não disponibilizando para a criança
informações sobre o centro cirúrgico, o que tem lá, o
que será feito lá dentro.
Tendo em
vista, as poucas informações recebidas, as crianças ao mesmo tempo em que estão
temerosas, na expectativa
do porvir, ficam curiosas, e por isso perguntam sobre o centro
cirúrgico, como também observam o que se passa no interior deste.
Para
iniciar a ação contra algo estressor é preciso reconhecê-lo,
preparar corpo e mente para o possível dano, o
reconhecimento possibilita o enfrentamento, uma vez que
capacita o sistema orgânico para luta ou fuga.
Se as
crianças desconhecem o que poderão enfrentar, os mecanismos de enfrentamento
disponíveis para serem utilizados
nessas situações são os mínimos possíveis, podendo acarretar
comportamentos inadequados, como usar seu próprio corpo para
lidar com os conflitos – apatia, inércia, agitação, hiperatividade, busca incessante da fonte de satisfação no
exterior pelo uso de
objetos, para acalmar-se e aliviar a angústia, uso de pessoas
como se fossem objetos que a criança tenta controlar, com a função
de se tranqüilizar e preencher vazios17.
Para
tanto, a criança questiona sobre os acontecimentos do pré-cirúrgico para saber
afinal como é operar e poder encontrar
forças para enfrentar a situação.
O medo do
desconhecido, de sentir dor, o fato de não conseguir compreender o que está
ocorrendo consigo, os
comentários que ouve, associada à incapacidade da
criança de abstrair com precisão as informações que lhe são dadas ou são
percebidas por ela na interação com o ambiente e
pessoas, reforçam a possibilidade de trauma psíquico que pode acometer a
criança durante o enfrentamento pré-cirúrgico.
Associado
ao fato de poucas orientações sobre a cirurgia, o espaço físico também se
apresenta como estressor, onde o
vaivém de pessoas é freqüente, o espaço para brincadeira
inexiste, além do mesmo possibilitar a visualização da experiência de
sofrimento do outro.
(...)[a mãe fala cheia de emoção]...a criança durante a espera
vê tudo como acontece mesmo. Por
mais que tente distraí-la,
elas ficam olhando tudo e tomando parte de tudo. Isso aumenta o nervoso e
a rebeldia (Jasmin).
Nessa
vivência de desconforto pela espera da cirurgia, onde a criança presencia o
sofrimento de outras crianças, os
sentimentos arvoram de tal forma que elas não conseguem
controlar, dando vazão ao nervoso e rebeldia.
Presenciar
por muito tempo o sofrimento de outras pessoas contribui para o aumento da
aflição. Nessa perspectiva, o
simbólico de assumir o papel do outro é evidenciado, pois
experimentam visualmente o sofrimento ou desconforto de alguém,
imaginando que tal experiência pode lhe atingir18.
Assim,
esperar pela cirurgia, não significa apenas esperar por um acontecimento
neutro. Ter que esperar pela cirurgia tem
um sentido produzido no campo das idéias, que é o de esperar por
algo que fantasiosamente parece nocivo.
Diante
das situações ameaçadoras que emergem do procedimento pré-cirúrgico, o
sentimento de vazio, de medo e
insegurança pode desencorajar a criança a luta; sob
estresse contínuo, o corpo se fixa nas emoções de emergência – raiva,
desespero, ou impotência, desesperança, apatia.16
Os
sentimentos de impotência e apatia que surgem no enfrentamento da criança aos estressores pré-cirúrgicos são
demonstrados pela quietude, choro fácil, apegar-se a
mãe, buscar a proximidade da mãe e outras ações que revelam a fragilidade
e o retraimento da criança quando tomada pelo medo de enfrentar
as adversidades impostas pelo contexto pré-cirúrgico.
(...)[a mãe diz:] até parece que é quieta assim. Em casa bota
fogo na casa. Não me deixa
quieta...apegado a mim...só fica perto de
mim...chora mais fácil. Ele fica inseguro na verdade. Ele não
é muito apegado a mim, em casa nem me liga, mas nessas
horas (Crisântemo).
Davidoff 19 considera o recuo como uma resposta comum à
ameaça, onde as pessoas escolhem não agir. Embora abaladas
mostram-se passivas, sem ação de revolta ou birra, mas isso não
quer dizer que estão sofrendo menos. A situação na
interpretação da criança é desafiadora, tanto que
modifica seu comportamento para enfrentá-la: quieta, mas em casa bota fogo;
em casa estava bem, mas começou a tossir no hospital; em casa nem
liga para mãe, mas ficou muito apegada quando percebeu
que enfrentaria uma situação difícil.
As ações
das crianças traduzem com estão sensíveis em decorrência do impacto que a
situação tem para elas, preferem
recuar, não agir, quietar-se. Os sentimentos de apatia e
impotência podem refletir que estamos desacreditados, ressentidos,
portanto não participativos, a frustração nos retira do mundo
para dentro de nós mesmos16.
A tensão
vivenciada pode ser capaz de diminuir a capacidade da criança de resistir, agir
e pensar para defesa de si mesmo.
A falta
da palavra aparece como um indício de uma espera silenciosa, causada por um
grau de desgaste tamanho, diante dos
estressores, que a criança não
consegue mais suportar a quantidade de carga negativa, desabafando com choro,
ações de
indiferença e agressividade.
(...)
não quero coisar [operar] mais não[sacode-se]...não
opero não [espernia e se afasta da mãe]
Quando
subiu começou a estranhar o pessoal, olhar o movimento, me chamar de feia e
ficar com raiva
de mim [diz a mãe]...[a mãe beija e ela vira o rosto, a
mãe dá um cheiro no pescoço e ela reponde
com intenção de tapa] (Girassol).
A
expectativa da criança diante da cirurgia e dos riscos que esta pode
proporcionar provoca incertezas em relação ao que
será vivenciado, confirmando o imprevisível e o incontrolável
– potencializando o sentimento de ansiedade e medo na criança.
A criança
que está convivendo com o
estranho e o desconhecido do
enfrentamento cirúrgico está em pânico, por isso, ataca
o que lhe irrita, o que lhe desagrada. Ballone20:30 diz que “o comportamento
agressivo infantil resulta da falta ou fracasso das
estratégias pessoais para organizar respostas melhores
adaptadas à necessidade de conforto e segurança que a criança tem diante
de situações estressantes”. A raiva intensa da criança proveniente
de fortes sentimentos de desprazer acumulados desde a
internação até o momento cirúrgico faz com que ela
revolte-se e até utilize a agressividade como uma forma de desabafo.
Davidoff 19:40 afirma que “não é necessário ter experiências
assustadoras com estímulos neutros para que se adquira medo
deles. Uma vez, que somos criaturas
cognitivas, muitas vezes nos assustamos com o que imaginamos”. O
imaginário da criança
no estágio pré-escolar é extremamente aguçado e por isso a
interpretação que faz das coisas corresponde muitas vezes ao
imediato vivido.
Essa
percepção oriunda do processo interno de enfrentamento da criança diante da
cirurgia é considerada comum aos
indivíduos que passam por um momento de fragilidade. O
mundo interno qualifica a experiência individualizando-a, porque cada
um tem estratégias diferentes para retirar os obstáculos e
enfrentar os desafios da vida3.
Conforme
as premissas do Interacionismo Simbólico o sentido
das coisas é manipulado e modificado através da
interpretação que o indivíduo lhe atribui ao lidar com as
coisas e situações que encontra. Então, da relação da criança com os
estressores surge o
enfrentamento, e este depende da interação do mundo interno da criança com o
ambiente, e do significado
atribuído por ela à situação para instalação de um circuito
benigno (adaptação) ou não.
A
interação negativa da criança com os aspectos inerentes a cirurgia, como: o
desconhecimento sobre a cirurgia, a espera
pelo procedimento cirúrgico, o não atendimento das suas
necessidades pelos profissionais de saúde e ausência de carinho materno
durante a espera da cirurgia acabam por constituir-se como
fatores geradores de sentimentos negativos e apreciação dessa
situação como símbolo de tortura.
Yokota 21:63 assevera que “muitas ansiedades que os pacientes
experimentam poderiam ser prevenidas se as causas
potenciais de medo fossem eliminadas”. Desse modo,
cabe ao profissional de saúde utilizar estratégias para diminuir as tensões
das crianças que irão enfrentar uma cirurgia, desmistificando o que
é estranho e desconhecido no âmbito hospitalar e operatório,
quer seja através do uso do brinquedo e brincadeira, das
histórias, da teatralização, ou pelo caminho da
orientação do
acompanhante da criança no pré-cirúrgico, visita ao
centro cirúrgico, enfim, o profissional deve tentar diminuir as influências
negativas do processo cirúrgico para que o enfrentamento seja
efetivo.
Conclusão
Percebe-se
a contribuição do Interacionismo Simbólico como
referencial teórico para a compreensão do universo da criança.
Pois, a
Teoria faz emergir a importância do discurso das crianças, que estão
silenciando ou falando, enfim expressando sua
autonomia, vontade, afetividade e subjetividade.
Através
do Interacionismo Simbólico pode-se desvelar a lógica
de certos comportamentos resultantes da interação entre a
criança, família, profissionais de saúde, ambiente.
A
percepção, as explicações, ações e as expressões das crianças identificadas
neste estudo, representam o quão
impactante a cirurgia é par a
criança.
A relexão/compreensão desse contexto confirma sobre a
necessidade de aprofundamento de estudos sobre o tema, para
retratar aspectos inerentes a condição humana que transcendem o
processo metódico do cuidar. A busca é por elementos que
revelem a singularidade de cada criança, para que possa
personificar os cuidados, tornando-o individual e único; porque o
processo patológico e de intervenção cirúrgica, muitas vezes
exige do profissional uma relação prática que o desumaniza e o
impede de visualizar as possibilidades de cuidar de um ser.
Na
dimensão psicoafetiva do cuidar “é
indispensável encontrar nos gestos e nas expressões das pessoas significados
que
determinem uma comunicação essencial, especial e
simbólica...”. Tal significado substancia, fornece o rumo e continuidade para o
cuidado a ser prestado, pois revela as expectativas e
comportamento do ser cuidado, na expressão/interação cotidiana22.
Neste
sentido, o estudo torna-se pertinente, porque traz para a realidade do cuidar
de enfermagem, a necessidade de
valorização da interação dos profissionais/cuidadores com os que estão necessitando de cuidados,
enfatizando que a vivência de
cada ser humano é distinta, onde o seu modo de ser e sentir
é algo simbólico, cuja tradução encontra-se no olhar atentivo do
provedor de cuidados, que diante disso poderá conduzi-lo melhor
na superação das dificuldades enfrentadas no cotidiano précirúrgico.
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Endereço
para correspondência: Lucimeire Santos Carvalho.
Rua L Quadra 4 Lote 5 Jardim Brasília Pernambués.
CEP:41.100.160. Salvador-Bahia, Brasil.
Received Sept 9, 2006
Revised Oct 6, 2006
Accept Oct 16, 2006