CONVITE EDITORIAL

 

Possibilidades reais de interdisciplinaridade no contexto dos mestrados profissionais

 

Cláudia Mara de Melo Tavares1, Rose Mary Costa Rosa Andrade Silva1

1Universidade Federal Fluminense

 


RESUMO
Apresenta-se, neste editorial, uma reflexão sobre a interdisciplinaridade no contexto do Mestrado Profissional Ensino na Saúde. Objetiva-se discorrer sobre a experiência com a interdisciplinaridade no âmbito deste programa, em funcionamento desde 2011, e sua interface com o Sistema Único de Saúde. A principal discussão que fazemos é sobre o sentido e preponderância que tem a interdisciplinaridade na formação do profissional de saúde a partir de uma perspectiva reflexiva, dialógica, criativa e, sobretudo, engajada da profissão. Compreende-se que a interdisciplinaridade ao mesmo tempo em que adensa as relações sociais favorece a expressão da singularidade dos sujeitos no processo de construção-reconstrução de saberes e conhecimentos.
Descritores: Comunicação Interdisciplinar; Ensino; Currículo.


 

O mestrado profissional é uma modalidade de formação de pós-graduação stricto sensu em expansão, dirigido a capacitação de profissionais mediante o estudo de técnicas, processos, ou temáticas por meio da incorporação do método científico, habilitando o profissional para atuar em atividades técnico-científicas e de inovação que atendam aos avanços da profissão(1).

Esta modalidade de pós-graduação stricto sensu avança na dinâmica de integração teoria-prática, como mecanismo de superação do modo de formação tradicional - distanciado dos cenários reais e centrado no saber universitário unidimensionalisante. Contudo, a mera aproximação com a prática não garante que essa seja reflexiva ou que promova a inovação no campo profissional(2). A própria sociedade e os serviços de saúde necessitam não apenas de conhecimentos novos, mas de “um novo modo de produção de conhecimentos”(3), engendrado por uma nova cultura política, científica e pedagogia emancipatória . Enfrentar esse desafio não é tarefa fácil para os mestrados profissionais, até mesmo porque a forma como o conhecimento tem se estabelecido na sociedade é utilitária e funcional, reconhecida menos pela capacidade de compreender profundamente o real do que pela capacidade de transformá-lo.

Neste novo contexto, os saberes acadêmicos e da experiência precisam familiarizar-se. Posto que “a passagem do conhecimento à ação, por sua própria complexidade, envolve uma série de fenômenos sociais e naturais que exigirão uma interdependência de disciplina, assim como o surgimento de novas disciplinas”(4). Assim se reafirma a importância da abordagem interdisciplinar na formação profissional.

O Mestrado Profissional Ensino na Saúde (MPES) tem como objetivo formar profissionais capazes de produzir resultados relacionados às diferentes áreas de atuação em saúde com vistas ao fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), mediante o aprofundamento das bases teórico-metodológicas das ciências humanas, sociais e biológicas que fundamentam o campo multidisciplinar, estando essa formação orientada para o campo de atuação profissional e a prática interdisciplinar em saúde.

Atualmente como integrantes do corpo discente temos enfermeiros, médicos, fisioterapeutas, educadores físicos, psicólogos, nutricionistas, assistentes sociais entre outros. Também o corpo docente é multidisciplinar, nele atuam professores de enfermagem, medicina, odontologia, psicologia, farmácia, pedagogia, ciências sociais, educação física e filosofia.

Nossa estratégia fundamental baseia-se na experiência de ensino-aprendizagem colaborativa e em grupo no que tange às diferentes oportunidades apresentadas por um programa de pós-graduação – aulas; elaboração, desenvolvimento e apresentação de projetos de pesquisa/intervenção/inovação; orientações e estágio à docência. Busca-se desenvolver a competência coletiva e a interdisciplinaridade no grupo discente e docente como processo de construção de conhecimento e ação.

A interdisciplinaridade é uma questão de atitude de abertura, compartilhamento e diálogo com a diferença em favor da totalidade. A experiência de realização de defesas coletivas de projetos em um Seminário Integrado de Pesquisa no MPES permite experienciar o valor da interdisciplinaridade. Com esta estratégia se pretende mostrar que, ao lado da necessidade dos aportes científicos, “faz-se indispensável uma análise das ‘convergências’ e da coparticipação interdisciplinar”(4). Supera-se, assim, o comodismo de processos de apresentação e defesa de projetos e ideias em bancas isoladas e disciplinares, em que se reforça o saber especializado e monotemático. Hábitos esses valorizados e reforçados na cultura da pós-graduação stricto sensu, sustentados e retroalimentados pela rigidez das estruturas institucionais e pelo espírito de competitividade.

A interdisciplinaridade é objeto de vários estudos desenvolvidos por alunos do MPES(5-6). Os estudos desenvolvidos buscam entre outras finalidades, compreender a vivência da interdisciplinaridade nas práticas em saúde e a necessidade dessa abordagem na formação de preceptores, ampliando os sentidos da prática profissional e acadêmica em saúde. Ela é praticada no planejamento e avaliação de disciplinas obrigatórias e optativas realizadas no âmbito do colegiado do programa. Nas práticas cotidianas de ensino observa-se a adoção da perspectiva interdisciplinar por parte significativa dos docentes, que em sua metodologia de ensino-aprendizagem constroem e mobilizam conteúdos e estratégias a partir de saberes compartilhados em prol da criação de uma linguagem própria das disciplinas, libertando o ensino da inércia da reprodução de saberes isolados.

Um aspecto importante a considerar é que os alunos do MPES possuem um saber sobre a prática da interdisciplinaridade, já que o trabalho em equipe interdisciplinar é uma exigência no SUS e condição fundamental para o desenvolvimento do princípio da integralidade em saúde. “A interdisciplinaridade em saúde é tecido na trama da relação dos serviços de saúde, não advém de categorias pré-determinadas, nem pertence a uma lógica instrumental”(7).

Outros estudos desenvolvidos na área da saúde(8,9) destacam a importância de uma formação interdisciplinar para atender às complexas exigências da atenção em saúde, sendo esssa uma competência fundamental para o cuidado em saúde e expressão de engajamento e compromisso profissional.

Assim, o perfil do profissional que procuramos formar é de docentes numa visão crítica-reflexiva e ampla da sociedade, qualificados para promover a articulação integrada entre os setores de ensino e de saúde, que sejam capazes de, partindo da análise concreta do trabalho docente em saúde, observar a historicidade do fenômeno educativo, seus limites e possibilidades na perspectiva da construção de práticas de ensino coletivas, interdisciplinares, críticas e criativas, comprometidas com a transformação da realidade mais ampla do contexto que envolve a promoção da saúde.

Conclui-se que estamos, com o MPES, criando possibilidades reais de interdisciplinaridade numa visão perspectiva de mudança na educação e na saúde consoantes aos desafios para a ecologia planetária no século XXI.

 

REFERÊNCIAS

1. Brasil. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Portaria Normativa nº 17, de 28 de dezembro de 2009. Dispõe sobre o Mestrado Profissional no âmbito da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. Diário Oficial [ da ] União, 29 dez 2009; Seção 1, p. 20-21.

2. Tavares CMM, Queiroz PP. The pedagogical training of students in professional master’s degree programs. J. res.: fundam. care. online [ Internet ]. 2014 out [ Cited 2014 Out 1 ] 6 (4): 1313-1320. Available http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/article/view/3394/pdf_646

3. Santos BS. Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social. São Paulo: Boitempo; 2007.

4. Fazenda ICA. Integração e Interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou ideologia. 6. Ed. São Paulo: Edições Loyola; 2011.

5. Carmo RMCV, Mourão LC, Tavares CMM, Tavares CMM. Reflections about the tutor in a university hospital: a case study. Online braz j nurs [ Internet ]. 2012 October [ Cited 2014 Oct 2 ] 11 (2): 479-82. Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/4016. Access: 2014 Oct 02. doi: http://dx.doi.org/10.5935/1676-4285.2012S015.

6. Puppin MP, Sabóia VM. Interdisciplinarity: cornerstone of education on healthcare – a social research. Online braz j nurs [ Internet ]. 2012 October [ Cited 2014 Oct 2 ] 11 (2): 528-32. Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/3983. Access: 2014 Oct 02. doi: http://dx.doi.org/10.5935/1676-4285.2012S026.

7. Mourão LC, L'Abbate S. Teaching implications in curricular transformations in the field of Health: a socio-historical analysis. Online braz j nurs [ Internet ]. 2011 December [ Cited 2014 Oct 2 ] 10 (3): . Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/3423. Access: 2014 Oct 02. doi: http://dx.doi.org/10.5935/1676-4285.20113423.

8. Scherer MDA, Pires DEP, Jean R. A construção da interdisciplinaridade no trabalho da Equipe de Saúde da Família. Ciênc. saúde coletiva [ Internet ]. 2013 Nov [ cited 2014 Oct 01 ] 18( 11 ): 3203-3212. Available from: http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232013001900011&lng=en.

9. Alcantara LS, Sant'Anna JL, Souza MGN. Adoecimento e finitude: considerações sobre a abordagem interdisciplinar no Centro de Tratamento Intensivo oncológico. Ciênc. saúde coletiva [ Internet ]. 2013 Sep [ cited 2014 Oct 02 ] 18( 9 ): 2507-2514. Available from: http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232013001700004&lng=en.

 

 

Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a materia em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf

 

 

Recebido: 29/09/2014
Revisado: 29/09/2014       
Aprovado: 29/09/2014