ORIGINAL ARTICLES
Perception of the death and dying of the nursing students. A qualitative study
Percepções de morte e morrer na ótica de acadêmicos de enfermagem. Estudo qualitativo
Lucimeire Santos Carvalho 1, Cátia Andrade Silva 2, Ana Carla Petersen de Oliveira Santos 3, Milena Arão de
Oliveira 4, Sandra Cabral Portela 5, Célia Maria Costa Regebe 6
1 UNEB, 2 FTC, 3 UFBA, 4 UNEB, 5 UNEB, 6 UNEB
ABSTRACT: This objective article to understand the meaning of the death and dying in the daily one of the nursing
academics. Study qualitative, carried through in the dependences of a situated state university in the city of the Salvador/Ba,
the period of February-May/2006. It was used half-structuralized interview as technique for collection of data. The corpus
was composed for ten students of the course of nursing of varied semesters. The data had been analyzed on the basis of the
categorical analysis of contents and emerged three categories: Coming close itself to the death in the process to take care of;
Fear of the death e needing preparation to deal with the death. One concluded that the nursing academics are unprepared to
deal with its emotions and feelings, as well as of its customers in whom he refers to the death process and dying.
KEY-WORDS: Death; Attitude to Death, Students of nursing; Nursing.
RESUMO: Este artigo objetiva compreender o significado da morte e do morrer para os acadêmicos de enfermagem no
processo de cuidar. É um estudo de natureza qualitativa, realizado nas dependências de uma universidade estadual situada
na cidade do Salvador/Ba, no período de fevereiro a maio de 2006. Utilizou-se a entrevista semi-estruturada como técnica
para coleta de dados. O corpus foi composto por dez estudantes do curso de enfermagem de semestres variados. Os dados
foram analisados com base na análise de conteúdos categorial e emergiu três categorias: Aproximando–se da morte no
processo de cuidar; Tendo medo da morte e Necessitando de preparo para lidar com a morte. Concluiu-se que os acadêmicos
de enfermagem estão despreparados para lidar com suas emoções e sentimentos, bem como às dos seus clientes no que
tange o processo de morte e morrer.
PALAVRAS-CHAVES: Morte; Atitude frente a morte; Estudantes de enfermagem; Enfermagem.
Introdução
A morte é considerada por Ross
1 como parte constitutiva da existência humana. É, sem dúvida, uma das poucascoisas de que temos certeza e sua imprevisibilidade obriga o ser humano a conviver com a sua presença in memorian desde
o início ao estágio final do seu desenvolvimento.
Desde o nascimento o ser humano prepara-se para o quadrangular nascer, crescer, multiplicar e morrer. Porém, o
elemento morrer é obscurecido a ponto de ser negado durante toda a existência humana, fato que corrobora para o seu
enfrentamento ineficaz
2 .Apesar da morte subsistir desde os primórdios da humanidade, onde a vida e a morte co-existem lado a lado, o
processo de morte e morrer tem sido motivo de aflição e agonia, já que mostra o quão suscetível e tênue é o estar vivo, ou
seja, ser mortal
3.O enfrentamento da morte é difícil e angustiante para quem a vivencia, podendo ser mais ainda para quem a observa,
porque a morte provoca rupturas profundas entre quem morreu e o outro que continua vivendo. E isso requer ajustamentos
no modo de entender, de perceber e de viver no mundo.
Ressalta-se, apesar disso que as reações ao processo de perda, sejam a nível físico, emocional, social ou espiritual,
processam-se de maneira diferenciada entre as pessoas e dependem de várias situações que circundam a morte, tais como:
tipo de relacionamento, doença prolongada ou não, a força e a fé
4.A morte pertence ao que Becker
5, chama de categorias irrealizáveis, isto é, categorias que incluem as experiênciasque não podemos antecipar e nem imaginar em nós mesmos. Embora a morte seja um processo natural, universal e
inevitável, o indivíduo não suporta imaginar sua própria morte e acaba projetando-a no outro, tendo em vista a
impossibilidade de conceber o mundo sem a sua presença.
Zorzo
2 mostra que apesar de inúmeros autores definirem a morte baseados em parâmetros biológicos, esta não éapenas um fato biológico, mas abarca a dimensão social, significando que diferentes culturas, histórias e a sociedade
manifesta suas emoções de acordo com o modo de enfrentar a vida, refletido no momento de morrer.
Outros estudiosos como Morin
6 e Áries7 reafirmam que o conceito de morte é relativo ao desenvolvimento,excessivamente complexo, mutável, influenciado pelo contexto situacional e também se relaciona com o comportamento.
Nessa perspectiva, os valores, crenças, vivências dos indivíduos influenciam na sua preparação para morrer ou para
exacerbar a dificuldade de enfrentamento da morte. Contudo, essa incapacidade do ser humano em lidar com a morte
originária no seu eu e na relação de alteridade com o outro é contextualizada muitas vezes, no âmbito da saúde como
sinônimo de fracasso profissional. Pois, historicamente, os profissionais de saúde, durante sua formação acadêmica foram
estimulados a imparcialidade e neutralidade na relação com o outro, com o intuito de se resguardar quanto aos seus temores
e preservar a autonomia do cuidado.
Entretanto, tal distanciamento que previa a negação de seus sentimentos e postura indiferente às situações de morte
e morrer, não conseguiu extirpar inúmeros sentimentos de pesar e reações humanas de comoção no cotidiano hospitalar
durante a assistência ao doente que está morrendo e a sua família.
O profissional da saúde, finito como todo e qualquer humano, também enfrenta profundos dilemas quanto ao
enfrentamento da morte, mesmo esta fazendo parte do seu cotidiano. De modo que para os acadêmicos de enfermagem,
iniciantes de uma prática profissional, o enfrentamento da morte é extremamente difícil, pois necessitam presenciar a morte
ou cuidar de alguém que está morrendo durante o processo assistencial de práticas e estágios.
A morte neste contexto se revela como algo que remete o estudante à sensação de perda do seu ideal de cuidar em
saúde, que seria a promoção-manutenção da saúde e recuperação dos indivíduos doentes. A impossibilidade de manter acesa
a chama da vida contraria o propósito do acadêmico de enfermagem de cuidar do ser humano de modo inesgotável, e a
priori, conseguir nas diversas circunstâncias recuperar a saúde e salvar a vida dos indivíduos.
Muitas vezes, o acadêmico ainda não estimulado a refletir sobre a morte e o morrer pode ser tomado de forma
abrupta pelo pesar, e mais; não conseguir assistir ao doente que está morrendo e sua família, em razão da morte se
configurar como momento de grande sofrimento.
Tendo em vista a presença da morte no seu contexto de vida e de práticas e estágios realizados durante a graduação
de enfermagem, surgiram os seguintes questionamentos: qual a relação do acadêmico de enfermagem com a morte? qual o
significado para ele de cuidar de alguém na sua terminalidade? Como o acadêmico age/reage perante a morte de alguém que
está cuidando? Essas inquietações culminaram no desenvolvimento do presente estudo cujo objetivo foi compreender o
significado da morte e do morrer no cotidiano de acadêmicos de enfermagem.
Metodologia
O estudo de natureza qualitativa caracterizou-se como de campo – exploratório e foi realizado após aprovação pelo
Comitê de Ética em Pesquisa da referida instituição que foi campo para coleta. O mesmo encontra-se em conformidade com a
Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde
8 no que se refere às pesquisas com seres humanos. Para atender aosprincípios éticos, utilizaram-se pseudônimos, para os entrevistados, na apresentação dos resultados.
Para a apreensão do significado da morte e do morrer na ótica dos acadêmicos de enfermagem estabeleceu-se uma
aproximação com os estudantes nas dependências de uma universidade estadual, localizada na cidade do Salvador/Ba, no
período de fevereiro a maio de 2006.
Elegeu-se como técnica para coleta de dados a entrevista e como instrumento de coleta seguiu-se um roteiro de
entrevista semi-estruturada que contemplou questões norteadoras que abarcaram especificidades no que se referem aos
sentimentos, percepções e experiências do acadêmico de enfermagem diante da morte no processo de cuidar. A fim de
captar as informações, as entrevistas duraram em torno de trinta minutos e foram gravadas com a permissão das depoentes.
Em seguida as entrevistas foram transcritas, sendo cada depoente identificada através do nome de uma flor para
personalizar sua fala e garantir o anonimato.
Pelas características do método qualitativo de pesquisa escolhido, o
corpus foi definido pela saturação teórica dosdados. Desse modo, fizeram parte do estudo dez acadêmicos de enfermagem de semestres variados, todas do sexo feminino,
com idades entre 21 e 27 anos, e cursando entre 3
o e 9o semestre do curso.Os dados foram analisados por meio do método de análise de conteúdo categorial
9, ou seja, os códigos de mesmosignificado foram agrupados e deste agrupamento emergiram três categorias: Aproximando–se da morte no processo de
cuidar; Tendo medo da morte e Necessitando de preparo para lidar com a morte.
Compreendendo a morte e o morrer
Ao longo da história da humanidade o processo de morte e de morrer sofreu mutações atendendo às necessidades das
sociedades em todo o mundo.
Nas sociedades primitivas, a morte era domada, pois segundo Áries
7 pensava-se que o moribundo tinha conhecimentoprévio do seu fim, ninguém morria sem ser advertido previamente por outrem ou mesmo por sua consciência através dos
signos naturais e por convicção íntima, a não ser por um acidente de morte súbita ou a peste, que era considerado um
castigo, porque o indivíduo não teve a oportunidade de tomar as últimas providências.
Estes signos precursores da morte trazem o moribundo à razão, concedendo-lhe o tempo de ser perdoado por aqueles
com quem conviveu, por Deus, através do sacerdote que fazia o Libera, ou seja, incensava o corpo e aspergia água benta - a
extrema unção. Ao mesmo tempo, o moribundo clamava a Deus pelos parentes e pela sua pátria, lamentando tristemente ter
que deixar à vida, os parentes e seus bens, momento em que recebia o perdão, finalizando o ritual
9.Todo este ritual era assistido pela coletividade e a morte apesar de individual, tornava-se pública e familiar. Era
lavrado um testamento onde o indivíduo fazia suas recomendações desde a quantidade de missas a serem celebradas até a
distribuição dos seus bens e o comportamento a ser seguido por seus descendentes, de forma que ele presidia sua morte e
determinava que sua hora fosse chegada
2,7,10.Este período de preparação permitia uma aceitação menos dolorosa, através de todo o processo de respostas
humanas ao pesar até, por fim, ao luto.
A assistência aos moribundos demonstrava que o processo de morrer era igual ao de nascer e necessitava de
cuidados, pois, o ser humano não tinha condições de se haver sozinho perante um novo descortinar. A morte era
reconhecida, esperada e cuidada com toda atenção que o momento requeria.
As pessoas construíam, portanto, sistemas de defesa contra a angústia da morte, embasados em rituais que
buscavam dar ao ser humano ilusão de perenidade e, por não se apoiarem na individualização e sim na participação da
pessoa no seio do grupo, não concebiam a morte como ausência ou separação irreparáveis
6.Segundo Áries
7 e Maranhão10 desta maneira morreu-se por séculos. Porém os registros que datam do século XVIIIrelatam a inquietude dos médicos pelo excesso de pessoas no quarto do agonizante e a preocupação com as condições de
higiene e propagação de doenças, época em que as primeiras regras de higiene foram descobertas.
Os ritos mortuários eram até o século XIII simplesmente aceitos de modo cerimonial sem dramaticidade ou gestos de
emoção excessivos, com a intervenção da Igreja, passam a ser clericalizados e começam a esboçar um sentido dramático
que persiste na atualidade. A partir de então, cabe ao padre o papel principal em detrimento do morto, pois o último não
pertence mais nem aos seus pares ou companheiros, nem a família, e sim à Igreja, fato que culmina na mudança de atitude
do ser humano diante da morte
7.A morte anteriormente aceita como uma lei da natureza, onde não se cogitava em evitar e nem exaltá-la e sim aceitála
apenas com a solenidade necessária para marcar uma etapa que cada vida devia transpor, modifica sua acepção para uma
transgressão que arrebata o homem de sua vida cotidiana e de sua vivência em família como liquidação do pecado
7.Agora mais dramática e romântica a morte do outro inspira saudade e lembrança evocando nos séculos XIX e XX um
novo culto aos cemitérios. Apesar da familiaridade com a morte, a proximidade com os mortos não era algo desejado, as
tumbas mantinham-nos à distância, de modo a impedir que voltassem para perturbar os vivos, os cemitérios eram situados
fora da cidade e aos cuidados da igreja, causando assim uma ruptura entre mortos e vivos, individualizando a morte e o
morrer
7,10.A complacência romântica acrescenta mais ênfase às palavras e aos gestos do moribundo, porém a mudança maior foi
na atitude da assistência que passou a ser somente após a constatação da morte e traduzia-se por uma indumentária, por
hábitos e pelo cuidado de seus familiares ou amigos em garantir apropriada aparência ao moribundo, à época velado em casa
e acompanhado até o sepultamento
7.Apenas a partir do século XX é que o lugar de morrer deslocou-se da casa para o hospital e a concepção moderna de
morte no âmbito hospitalar reduziu ao mínimo os cuidados com o doente, que está morrendo, privando-o de informações
sobre o seu estado de saúde e afastando-o da convivência com os familiares e amigos.
Bellato e Carvalho
3 afirmam que a morte outrora familiar se apaga transformando-se em objeto de vergonha. Tornaseum espetáculo nauseabundo, pelos odores e imagens que traz, e inconveniente a sua demonstração pública.
Entende-se que os ritos de morte no hospital acabam esvaziados de sua carga mítica por esses processos empregados
para o seu escamoteamento. As formalidades fúnebres tem sido discretas sob o pretexto de evitar comoção, dada a
insignificância atual da morte.
O morrer ficou triste demais, porque se morre na solidão. Aos sobreviventes é negado expressar sua dor, pois a
expressão de sentimentos arrebatadores secundários a perda inspira repugnância, o que se tem direito é ao do luto solitário
e envergonhado
1,2,7,10.A morte moderna, institucionalizada e medicalizada como ocorre no cotidiano hospitalar se utiliza às inúmeras
operações destinadas a fazer desaparecer o corpo e dissipar rapidamente o acontecimento da morte e do morrer, quer seja
através da negação de diálogos sobre a morte entre vizinhos de enfermaria ou pela não permissibilidade de visualização dos
moribundos a outras famílias que não a do morto ou ainda pelos encaminhamentos e providências de isolamento do leito de
morte
1.É inegável que a situação de morte e seu confronto é de difícil manejo para os estudantes da área de saúde, já que
durante o curso de graduação, são preparados para cuidar, preservar vidas, construindo ideologicamente a repulsa pela
morte, dando ênfase ao corpo materializado, como refúgio ao vazio existencial provocado pelo despreparo para agir frente ao
morrer e suas próprias emoções diante da morte.
Segundo Kovács
11 os profissionais são formados para lidar com a doença e o sofrimento de uma maneira irrealista eidealizada, encerrando no cuidar uma finalidade única - a cura.
De fato, em exato anverso da cura, da vida, a palavra morte raramente é mencionada na academia, e nos currículos
de enfermagem a disciplina ética e deontologia em enfermagem, mas especificamente quando tratam da bioética no cuidado
ao paciente terminal contemplam discussões breves e pontuais sobre o assunto e que estão desvinculadas dos momentos de
práticas e estágios.
O resultado dessa formação acadêmica inadequada dos profissionais da saúde, para atuar no processo de morte e
morrer tem sido reconhecida e manifestada por vários autores que identificaram sentimentos de pesar, luto e experiências
subjetivas dolorosas como prejudiciais ao desenvolvimento das atividades do estudante, como também da condução futura
de sua vida pessoal e profissional.
11,12Ao considerar a abrupta e rápida mudança relativa aos pensamentos e sentimentos expressos sobre a morte
contextualizada ao longo dos anos, e por ser a morte um tema interditado e sinônimo de fracasso profissional para quem
trabalha na área da saúde, que vislumbra permanentemente no seu cotidiano o ser saudável, parece-nos pertinente uma
investigação e reflexão sobre a morte e o morrer no cotidiano dos acadêmicos de enfermagem, futuros profissionais de
saúde.
A morte e o morrer no cotidiano de enfermagem
Boemer
13 assevera que a preparação dos profissionais na área da saúde atende ao modelo centrado na doença e cura,portanto desde a academia o compromisso da enfermagem é com recuperação do doente e sua cura, devendo o estudante
estar capacitado para atender plenamente os usuários dos serviços de saúde em prol da saúde-vida.
Aproximando–se da morte no processo de cuidar fica evidente que a situação da morte e do morrer pode ser
experimentada pelo estudante como uma possibilidade de não ter realizado intervenções eficazes para melhoria da saúde dos
indivíduos sob seus cuidados, da sua impotência diante do morrer e, portanto, de seu fracasso enquanto cuidador do outro.
De tal modo que em seu cotidiano de práticas curriculares quando necessitam lidar com a morte, em geral sentem-se
despreparados e tendem a se afastar do enfermo. O mesmo pode ser constatado no trecho do discurso de Violeta:
(...) Eu cuidava de um paciente terminal, estabeleci vínculos com ele pelo tempo de cuidado, quando
eu vi que ele já estava falecendo, não fiquei até o final. Voltei para o posto e fiquei lá, não queria
presenciar (...).
O estudante ao cuidar do ser humano que está morrendo começa a refletir sobre a fragilidade da vida, e muitas vezes,
percebe o quanto é impotente para o evitamento da morte. Inconscientemente quando a morte é negada pelo sujeito que
cuida de alguém que está morrendo, o subterfúgio são reações próprias de alguém que não quer presenciar a situação. A
ansiedade da morte se mostra como fonte de angústia, constituindo-se num objeto fóbico e significando um importante
complicador para assistir ao paciente que está morrendo de acordo com suas reais necessidades.
14O mal-estar frente ao inexorável da finitude - a morte, exerce influência e muitas vezes limita a ação tanto do
estudante quanto à do professor em auxiliá-lo no enfrentamento que se põe quando o cuidado do doente exige o convívio
com o processo de morte e morrer. Ambos se desencorajados acabam por abandonar o cuidado ao paciente no momento em
que este mais necessita.
14Neste contexto, sensações de inutilidade se afloram, especialmente, quando o estudante percebe a inevitabilidade da
morte e o esvaziamento de vida do enfermo sob seus cuidados
15.(...)não podemos fazer nada quando vemos uma pessoa, assim, definhar e morrer [pausa] dá um
vazio (...). Rosa
Silva
16 ressalva que é possível que a saudade e o sentimento de angústia sejam oriundos da impotência, frente ao fatoinevitável, a morte de quem se cuida; fato que conduz a um sentimento de vazio, e vários outros sentimentos, até chegar à
tristeza pela perda de uma convivência prolongada e de um envolvimento prazeroso entre o cuidador e o ser cuidado.
(...)No meu estágio vi crianças morrerem, que angústia, mas ficou a saudade, pois terminei criando
vínculos com elas. Sabe não entendo existir um bom cuidado sem envolvimento(...). Margarida.
Segundo Cruz et al
17:4 “prestar cuidados a uma pessoa significa dar atenção, ter cautela, desvelo e zelo, atitudes estasque irão proporcionar conforto e promover o bem-estar”. Esta possibilidade de cuidar nos remete a relação mais próxima
possível com o paciente de quem se cuida, de maneira que ele possa ser percebido em sua dimensão humana
18. Sob esteprisma, a morte não é tão somente o aniquilamento de um estado biológico, mas é também a finitude de um ser em
interação com um outro
15.Esse entendimento do outro por nós e vice-versa, faz parte da atividade mental, considerada por Charon
19 como amais importante, porque possibilita o desenvolvimento do self (mente) e a aproximação deste com as situações da realidade
cotidiana.
Embora a temática morte, morrer, sofrimento, perda, sempre desencadeie, por si só, os mais variados sentimentos e
normalmente sentimentos de desalento, a depender do sofrimento a que o ser humano está exposto é possível que o
profissional não lhe deseje a morte, mas aceite a situação de morte como alívio para o que parece ser cruel e doloroso.
(...) a tristeza é mais amena, quando a pessoa estava num processo difícil de dor, então aí (nessas
situações), a morte passa a ser um alívio... mas fica sempre a saudade(...). Tulipa
Neste caso a reflexão sobre a morte está atrelada ao significado de libertação em relação ao sofrimento e a dor
objetivando a promoção de uma morte digna, humanizada
20.Admitir que o curso natural da vida é a morte e que protelar a vida humana num movimento que retrate sofrimento
não respeita à autonomia e escolhas do paciente e de sua família auxilia o cuidador diante da situação de morte no processo
de cuidar e permitindo sua aceitação e convivência saudável com a morte e ao mesmo tempo abre possibilidades de cuidados
e condutas, no sentido de oferecer aos indivíduos no processo de morte e morrer e suas famílias, apoio, amparo, carinho e
conforto, necessários e intrínsecos ao ato de cuidar.
21,22Nesta perspectiva, onde a pessoa do cuidador está tão envolvida com a pessoa do ser cuidado, o cuidado assume para
o primeiro a necessidade de conjecturar sobre o que significa para o outro o convívio com a dor e o sofrimento. E apesar de
expressar que os sentimentos da perda estarão sempre presentes, a exemplo da saudade, o cuidador mostra que o bemestar
do doente que muito sofre pode estar relacionado com a possibilidade da sua morte com algo positivo, por ser essa
situação a única maneira de atenuar seu sofrimento, ao mesmo tempo em que torna o enfrentamento da morte do ser
cuidado menos doloroso para quem cuida.
Mesmo constituindo-se um fenômeno da vida, a morte sempre desperta grande temor no ser humano, não sendo
diferente para os acadêmicos de enfermagem. Na categoria Tendo medo da morte, percebe-se novamente a dificuldade em
se lidar com a finitude:
(...)Não presenciei a morte de nenhum paciente, se isso acontecesse comigo eu correria para procurar
a professora(...) Anturia
A aluna demonstra seu desconforto com a morte no cotidiano de estágio e se recusa a aceitá-la. A negação surge
como uma capa que a protege do seu medo da morte e inconscientemente busca fugir da morte ou de algo a ela relacionado,
confirmando o que diz Hennezel
23 que inconscientemente o morrer acaba tornando-se um pesadelo a perseguir o serhumano.
Spíndola e Macedo
24 em seus estudos falam da representação da morte para os estudantes de enfermagem eevidenciam a importância dos profissionais de saúde em conhecer a si próprios; uma vez que precisam ultrapassar as
barreiras da sua própria morte para assistir bem aos pacientes em processo de morte e morrer.
Na categoria Necessitando de preparo para lidar com a morte os estudantes reconhecem o qual impactante é a
convivência com a morte e o morrer no seu cotidiano, como também da dificuldade de enfrentamento e necessidade de
abordagem na academia de conteúdos que contemplem reflexões e possibilidades de lidarem positivamente com a questão.
(...) o contato cotidiano com pacientes terminais e com a morte resulta em muito desgaste físico
psicológico (...) porque não somos bem preparados para enfrentar a morte e o morrer(...). Lírio
As dificuldades enfrentadas durante este processo podem estar relacionadas ao despreparo individual para lidar com
as demandas do doente que está morrendo e sua família, das poucas discussões sobre o tema morte e morrer na academia,
como também da interação do estudante com a morte no ambiente hospitalar antes de uma abordagem afirmativa sobre o
tema.
Sabe-se que no âmbito hospitalar quando o profissional não consegue alcançar seu objetivo ou, mais especificamente,
se o paciente morre, a atuação pode ser vista por ele e pelos outros como fracassada
25.Essa concepção de que o cuidador tem sempre que vencer a morte tanto lhe impossibilita de reconhecer a morte com
algo natural do processo de viver quanto o fragiliza diante dela, pois estará sempre de algum modo fadado ao insucesso.
A morte é uma realidade no cotidiano dos profissionais de saúde, não sendo diferente para a enfermagem, o que
implica na necessidade de estimular desde a graduação o aluno a refletir sobre a natureza humana, considerando que o viver
humano tem seu início com o nascimento, e segue estágios de desenvolvimento, adoecimento e morte como todos os outros
seres vivos; tornando-se imprescindível que esteja preparado para lidar com os vivos até a hora que estes morrem.
Rinpoche
9 salienta que o conhecimento sobre a morte, de como ajudar os que estão morrendo e a natureza espiritualda morte e do morrer deve estar à disposição de todos os níveis da sociedade. E que os mesmos podem ser ensinados com
profundidade e com verdadeira imaginação nas escolas, faculdades e universidades, e especialmente, devem estar à
disposição nas clínicas e hospitais-escolas para médicos e enfermeiros que cuidam de pessoas que estão para morrer.
Nesse contexto Kovács
26 reforça a importância sobre o conhecimento do processo de morte-morrer e de como ajudaros que estão morrendo. O autor chama a atenção à necessidade de conduzir os profissionais de saúde para uma formação
que lhes ofereça subsídios de enfrentamento do processo de morte-morrer.
Contudo, estudos como os de Carvalho e Merighi
27 mostram que apesar das inúmeras reformas curriculares nasinstituições de nível superior, principalmente na área da saúde, os currículos ainda não têm garantido a inserção da temática
morte-morrer de modo consistente.
Considerações finais
O processo que engloba a morte e o morrer é vivenciado pelos profissionais de enfermagem através do seu trabalho
efetivo de assistir as pessoas. Sendo que os resultados do estudo apontam sentimentos de luto como tristeza, angústia,
ansiedade emerge no cotidiano da vida acadêmica dos estudantes de enfermagem e ainda refletem uma imensa frustração e
culpa no que se refere à morte do outro de quem cuidou e não conseguiu desvirtuar da morte.
Percebe-se que o aluno de enfermagem necessita do saber teórico-filosófico sobre o processo de morte e morrer para
sua formação profissional, já que a falta de preparo verbalizada pelos estudantes dificulta o cuidar.
Neste estudo, a construção do conceito de morte para os acadêmicos de enfermagem está associado a perdas, que
realmente existem, porém é possível proporcionar ao aluno na sua formação profissional o primeiro contato com o tema,
discutindo questões ligadas a estas perdas, limitações, dor, sofrimento e morte, tornando a experiência do cuidar de alguém
que morre uma experiência positiva no que tange a responsabilidade de promover aos indivíduos morrer com dignidade.
A incorporação de discussões sobre a temática morte e morrer na academia seria uma forma de preparar o futuro
profissional para lidar com o humano no seu processo de vida e morte, ou seja, permitir que a morte fosse vista como parte
do processo de trabalho em saúde que não dispensa atitude de acolhimento e humanização de cuidados.
Portanto, ressalta-se a necessidade de incluir nos currículos da graduação dos cursos de enfermagem o tema da
morte, não apenas em uma disciplina como a tanatologia, mas que a temática possa ser discutida entre docentes e discentes
de modo trans e interdisciplinar, desde as disciplinas introdutórias do curso como anatomia e fisiologia até as disciplinas de
prática de enfermagem institucional propriamente dita.
Além disso, reitera-se que as instituições de saúde podem e devem buscar a educação permanente como estratégia
para promover mudanças de posturas dos profissionais junto à situação de morte e morrer e lidar com a morte de forma
mais harmoniosa a fim de que possam ter qualidade de vida e, por conseguinte dar qualidade ao atendimento do paciente no
processo de morrer.
Referências
1 Ross EK. Sobre a Morte-Morrer. 8 ed. São Paulo: Martins Fontes; 2000.
2 Zorzo JCC. O processo de morte e morrer da criança e do adolescente: vivencias dos profissionais de enfermagem.
[Dissertação] Ribeirão Preto (SP): Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto; 2004.
3 Bellato R, Carvalho EC. O jogo existencial e a ritualização da morte. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2005 (13)1:99-104.
[Acesso em 22 jul 2006] Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
11692005000100016&lng=en&nrm=iso. doi: 10.1590/S0104-11692005000100016
4 Pessini L. O Idoso e a Dignidade no Processo de Morrer. In.:Papaléo Netto M. Geriatria Fundamentos, Clínica e Terapêutica.
São Paulo: Atheneu; 1994. p 427-435.
5 Becker E. A negação da morte. 2 ed. Rio de Janeiro: Record;1995..
6 Morin E. O Homem e a Morte. Rio de Janeiro: Imago; 1997.
7 Ariés P. História da morte no ocidente -da idade média aos nossos dias. Tradução: Priscila V. de Siqueira, Rio de Janeiro:
Ediouro; 2003.
8 Brasil . Conselho Nacional de Saúde. Resolução CNF nº. 196, de 10 out. Resolve aprovar diretrizes e normas
regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília (DF) jan. 1997.
9 Rinpoche S. O livro tibetano do viver e do morrer. Tradução: Luiz Carlos Lisboa. São Paulo: Palas Atenas, 2004.
10 Maranhão JLS. O que é morte. 4ª ed. São Paulo: Brasiliense; 1999.
11 Kovács MJ. Pensando a morte e a formação de profissionais de saúde. In: CASSAROLA, R.M.S. (coord.). Da morte:
estudos brasileiros. Campinas: Papirus, 1991. Cap. 4, p. 79-103.
12 Boemer, M.R. O fenômeno morte: o pensar, o conviver, e o educar.[Tese Livre-docência].Escola de Enfermagem de
Ribeirão Preto (SP),1989.
13 Boemer MR. A morte e o morrer. 3ª ed. Ribeirão Preto: Holos;1998.
14. Kovács MJ. Profissionais de saúde diante da morte. In: Kovács MJ.Morte e desenvolvimento humano. São Paulo: Casa do
Psicólogo,1992. p.226-243.
15 Palú LA, Labronici LM, Albini L. A morte no cotidiano dos profissionais de enfermagem de uma unidade de terapia
intensiva. Cogitare Enfermagem 2004, (9)1:56-79. [Acesso em 22 out 2005] Available from:
calvados.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/cogitare/article/viewPDFInterstitial/1703/1411
-16 Silva JLL. A Importância do Estudo da Morte para Profissionais de Saúde. Revista Técnico-científica de Enfermagem 2005,
3(12) 363-374.
17 Cruz EJER, Assumpção LR, Nunes KS de M, Morgado FM, Souza NVD de O, Silva MF. The care for the surgical client: a
guide act to reach welfare. A bibliographic review. Online Braz J Nurs [online] 2006 august 5 (2).[Acesso em 01 set 2006]
Available from:
http://www.uff.br/objnursing/index.php?locale=pt18 Souza LGA, Boemer MR. O cuidar em situação de morte: algumas reflexões. Medicina 2005;38 (1): 49-54.
19 Charon JM. Simbolic interactionism: an introduction, an interpretation, an integration. 2 ed. Englewood. Cliffs, Prenticehall,
1985.
20 Cezar-Vaz MR. A certeza incerta da morte e suas metáforas na situação de acometimento de AIDS/tuberculose. Texto &
Contexto Enfermagem 2001; (10)3:82-100.
21 Haas RE. O trabalhador de enfermagem e o paciente terminal: possibilidades de uma convivência saudável com a
morte.[Dissertação]. Florianópolis (SC) Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Santa
Catarina; 2000.
22 Pauletti G, Lunardi Filho WD, Silva MRS da, Lunardi VL, Percepções/posturas da equipe multiprofissional de saúde sobre a
participação da família nas tomadas decisão na assistência ao paciente terminal.Enfermagem Brasil jan-fev 2006 5(1):12-19.
23 Hennezel M, Leloup JY. A arte de morrer. Petrópolis: Vozes, 1999.
24 Spíndola T, Macedo MCS. A morte no hospital e seu significado para os profissionais. Revista Brasileira de Enfermagem
1994, 47(2):108-117.
25 Poles K, Bousso RS. Compartilhando o processo de morte com a família: a experiência da enfermeira em UTI pediátrica.
Rev. Latino-Am. Enfermagem 2006 (14)2:207-213. [Acesso em 15 jul 2006] Available from:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-11692006000200009&lng=es&nrm=iso. doi: 10.1590/S0104-
11692006000200009.
26 Kovács MJ. Educação à morte: desafio na formação de profissionais de saúde e educação. São Paulo: Casa do Psicólogo:
Fapesp, 2003.
27 Carvalho MVB, Merighi MAB. O cuidar no processo de morrer na percepção de mulheres com câncer. Rev. Latino-Am.
Enfermagem 2005 13(6):951-9. [Acesso em 12 jan 2006] Available from:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-11692005000600006
Endereço para correspondência: Lucimeire Santos Carvalho. Rua L Quadra 4 Lote 5 Jardim Brasília Pernambués,
CEP:41100-160, Salvador –Bahia, Brasil
Received Sept 9
th, 2006Revised Oct 1
st, 2006Accept Oct 10th, 2006
Identificador:
http://www.uff.br/objnursing/viewarticle.php?id=685.