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Students' opinion about family detachment and relationships after getting into a boarding school. A descriptive study

A opinião de estudantes sobre o afastamento e as relações familiares após o ingresso em um colégio interno


 La Opinión de estudiantes sobre la separación e las relaciones familiares después del ingreso a um colegio interno.


Edlene Loureiro Aceti Góes 1, Elieth Lessa Fonseca 2, Sueli Rosiney Pereira Governo 3, Silvana Coppo Borge 4, Maria Angelica Pagliarini Waidman 5, Sonia Silva Marcon 6.

1Secretaria Municipal de Saúde de Maringá, 2 Instituto Adventista Paranaense, 3 Instituto Adventista Paranaense, 4 Secretaria Municipal de Engenheiro Beltrão, 5 Universidade Estadual de Maringá, 6 Universidade Estadual de Maringá. 

 

Abstract . This is a descriptive-exploratory study of quali-quantitative nature accomplished with students living in a boarding school, with the objective of identifying the family characteristics, how the option for the boarding school was made, and to know what the separation from the family meant to the student. Thirty students from the three stages of High School, distributed in two groups were studied. Group I consisted of 15 students that sought three or more times the institution health clinic for assistance. Group II consisted of students of the same sex, age and classroom and that had not sought the clinic. The results revealed that the participants were between 14 and 18 years of age, arriving mainly from Southeast (36.7%) and Midwest (23.3%), and distributed equally in the three years of the High School program. In the two groups there was predominance of nuclear families, formed with three to six members and most of the students lived with the parents before coming to the institution. In 2 cases (1 in each group), the decision for the boarding school was made by the parents, in 10 cases it was made by the adolescents, and in 18 cases it was a joint decision (61.1% in Group I and 38.9% in Group II). Half of the students reported that their relationship with the family was very good, and that the arrival to the boarding school turned it even better. It also applies to the students that had referred negative aspects in their family relationship. In spite of the separation from the family, of the coexistence with different people and of the existence of norms and rules, the experience in a boarding school regime was evaluated positively. It is concluded that the option for boarding school involved mainly the possibility of living a new experience associated to the offer of better studies and that the boarding school is seen by the students as an alternative for their individual growth.

Keywords: Family relations, family, adolescent, students.

Resumo. Este é um estudo descritivo-exploratório de natureza qualiquantitativa, realizado com estudantes internos de uma instituição de ensino, com o objetivo de identificar as características familiares e como se deu a opção pelo internato, além de conhecer o significado do afastamento familiar para o aluno. Foram estudados 30 alunos dos três anos do ensino médio, distribuídos em dois grupos. O grupo I se constituiu de 15 alunos que procuraram três ou mais vezes a clínica de saúde da instituição para atendimento de intercorrências, e o grupo II, de alunos do mesmo sexo, idade e sala que não haviam procurado a clínica. Os resultados revelaram que os participantes se situavam na faixa etária entre 14 e 18 anos, eram oriundos principalmente das regiões Sudeste (36,7%) e Centro-Oeste (23,3%) e distribuídos igualitariamente nos três anos do ensino médio. Nos dois grupos houve predominância de alunos provindos de famílias nucleares, constituídas de três a seis membros, nas quais os pais viviam juntos e os filhos, antes de virem para o internato, moravam com os pais. A decisão pelo internato, em dois casos (um em cada grupo) foi dos pais, em 10 foi dos adolescentes e em 18 casos foi conjunta (61,1% no grupo I e 38,9% no grupo II). 50% dos alunos avaliam sua relação com a família como muito boa e acham que a vinda para o internato a tornou melhor, o que vale inclusive para os alunos que haviam referido aspectos negativos. A experiência no regime de internato foi avaliada positivamente, apesar do afastamento familiar, da convivência com pessoas diferentes e da existência de normas e regras, por permitir desenvolvimento pessoal e amadurecimento como indivíduo. Conclui-se que a opção pelo internato envolveu principalmente a possibilidade da vivência de uma nova experiência, associada à oferta de melhores estudos, e que o internato é percebido pelos alunos como uma alternativa para o crescimento individual do aluno.


Palavras-chave: Relações familiares, família, adolescente, estudantes.  
 

Resumen. Este es um estúdio descriptivo – exploratório de naturaliza cualiauantativa, realizado com estudiantes internos de uma instituición de enseñanza, com el objetivo de identificar las características familiares y como se dio la opción por el internato además de conocer o significado de la separación familiar para el alumno. Fueran estudi dos 30 alumnos de los tres años de la enseñanza média, distribuídos en dos grupos. El grupo I se constituyó de 15 alumnos que buscaram la clínica de salud de la instituición, tres o más veces, para atendimientos de entercurrencias y el grupo II, de aumnos del mesmo sexo, edad y sala de aula, que habían buscado la clínica. Los resultados revelaron que los participantes se situaban en la edad media entre 14 y 18 años, eram oriundos principalmente de las regiones sudeste (36,7%) y centro-oeste (23,3%) distribuídos igualitariamente en los tres años de la enseñanza media. En los dos grupos hubo predominancia de alumnos provenientes de familias nucleares, constituídas entre tres a seis miembros, en las cuales los padres viven juntos y con los hijos, antes de ir al internato. La de decisión por ser internos, em dos casos (uno em cada grupo) fue de los padres, en 10 fue de los adolescentes y en 18 casos fue conjunta (61,1% em el grupo I y 38,9% en el grupo II). 50% de los alumnos avaliaron su relación familiar con la familia, como muy buena y les pareció que después de ir al internato pasó a ser mejor, lo que vale inclusive para los alumnos que habian referido aspectos negativos. La experiencia en el régimen de internato fue avaliada positivamente, a pesar de la separación familiar, de la convivencia con personas diferentes y de la experiência de normas y reglas, por permitir desenvolvimiento personal y el amadurecimento como indivíduos. Se concluye que la opción por el internato envuelve principalmente la posibilidad de vivenciar una nueva experiência, asociada a la oferta de mejores estúdios, y que el internato es percebido por los alumnos como uma alternativa para el crescimiento individual del alumno.


Palabras-clave (opcional) Relación familiar, famiia, adolescentes, estudiantes.

 

            INTRODUÇÃO

Com o objetivo de construir uma metodologia de trabalho específica e mais eficaz para a assistência à família, a enfermagem vem desenvolvendo pesquisas para conhecer e compreender a família nas situações concretas vivenciadas por elas e as relações entre seus membros, pois, amando ou odiando-a, ou mesmo alimentando simultaneamente ambos os sentimentos, ninguém pode viver sem uma família, porquanto é ela que oferece os “ingredientes” principais, ou seja, a base para a formação da personalidade dos indivíduos1.

È difícil falar sobre família para adolescentes, que estão justamente num período de se voltar para o mundo externo a casa, de procurar se tornar independentes da família, e não num momento de se fechar dentro dela1. A adolescência é uma fase de mudanças para o indivíduo e sua relação com a família, a escola e a sociedade influenciará consideravelmente seu processo evolutivo, pois faz parte do crescer o jovem encontrar sua própria identidade2. O que significa então para um adolescente afastar-se da família nesse momento tão importante de sua vida? E quando este afastamento é associado a uma internação para estudar em uma instituição com regime de internato?

A família se caracteriza por ser um “corpo social”, onde prevalecem as redes de relações e as interações entre indivíduos; interações que, em diferentes momentos, podem assumir formas igualmente diferentes e possuem peculiaridades que influenciam a todos3.

Neste estudo queremos destacar o processo de desenvolvimento de adolescentes, pois as mudanças nas relações entre pais e filhos decorrentes das transformações pelas quais a família vem passando têm levado a um crescente questionamento sobre o papel dos pais na educação de seus filhos4.

         É possível encontrarmos numa mesma sociedade diferentes formas de organização familiar, o que demonstra a adaptação da família às exigências do grupo social mais amplo5.

A vida pessoal do aluno no internato pode ter um grande significado para o seu desenvolvimento. A experiência do internato pode deixar marcas profundas, uma vez que essas instituições procuram promover o desenvolvimento pessoal e os conhecimentos sobre o caráter, o conceito sobre si mesmo, a competência e os recursos psicossociais que significarão uma diferença na vida dos internos6. Como membro da comunidade escolar, o estudante depende em grande medida do que o colégio lhe proporcione quanto ao seu bem-estar, alojamento, recreação, saúde, etc.

Como profissionais de saúde atuantes numa instituição de ensino com regime de internato, chamou-nos a atenção o expressivo número de 277 atendimentos a alunos do ensino médio realizados na clínica de saúde, suscitando o questionamento da relação entre a procura pela clínica e o afastamento familiar.

Estando a enfermagem próxima da família em diferentes momentos da vida humana, torna-se imprescindível compreender os significados que as famílias lhe atribuem através das interações entre seus membros, o que possibilitará um melhor entendimento de como elas vivem e convivem e indicará caminhos para a atuação da enfermagem como cuidadora da família.

Diante do exposto, definimos como objetivos deste estudo: caracterizar o perfil etário e geográfico e a composição familiar dos alunos internos; identificar como se deu a opção pelo internato; e conhecer o significado do afastamento familiar para o aluno interno em instituição de ensino.

Trata-se de um estudo descritivo-exploratório de natureza qualiquantitativa realizado com estudantes internos de uma instituição de ensino localizada na Região Sul do Brasil. ? uma  instituição particular,  possui 601 internos de diferentes níveis socioeconômicos, oriundos dos vários municípios do Estado em que se situa, diversas regiões do País e do Exterior, vindos para cursar o ensino fundamental, médio ou superior. Especificamente no ensino médio, são 391 alunos matriculados.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo descritivo-exploratório de natureza qualiquantitativa realizado com estudantes internos de uma instituição de ensino particular, de filosofia cristã, localizada em zona rural na Região Sul do Brasil. Essa instituição possui 601 internos de diferentes níveis socioeconômicos, oriundos dos vários municípios do Estado em que se situa, diversas regiões do País e do Exterior, vindos para cursar o ensino fundamental, médio ou superior. Especificamente no ensino médio, são 391 alunos matriculados.

A instituição possui uma clínica para atendimento à saúde dos internos e funcionários.  Atuam nesta clínica os seguintes profissionais: enfermeiro, fisioterapeuta, psicóloga, nutricionista,  fonoaudióloga, dentista e técnico de enfermagem. O atendimento médico é feito por encaminhamento ao hospital conveniado.

A população estudada foi composta por 30 alunos dos três anos do ensino médio, distribuídos em dois grupos. O grupo I foi constituído por 15 adolescentes que procuraram três ou mais vezes a clínica de saúde da instituição para consulta de enfermagem à intercorrências,  no período de 13/02/06 - início do período letivo - a 13/04/06, ocasião do primeiro recesso escolar, quando era permitida a visita aos familiares. Cabe destacar que a grande maioria das intercorrências  foram resolvidas no próprio serviço. Apenas dois casos, um de febre e cefaléia e outro de    irritação e prurido ocular precisaram ser encaminhadas para atendimento médico fora da instituição. As intercorrências envolveram condições  como estado gripal, torções, cefaléia, dor de garganta/ouvido, dores musculares, febre, problemas gastrointestinais, cólica menstrual, problemas oculares (prurido, hiperemia), herpes labial e pediculose.

O grupo II foi formado por alunos que não procuraram a clínica no mesmo período. Para a composição do grupo II foi feito um pareamento, ou seja, para cada aluno incluído no grupo I foi selecionado um colega da mesma sala de estudo que fosse da mesma idade e sexo.

Os dados foram coletados no mês de junho de 2006, por meio de um questionário auto-aplicável. O instrumento utilizado foi elaborado pelas próprias autoras, a partir dos objetivos do estudo, e submetido a uma avaliação aparente e de conteúdo por dois professores do Departamento de Enfermagem da Universidade Estadual de Maringá. Todas as sugestões apresentadas foram acatadas, ficando o instrumento, em sua forma definitiva, constituído de dados de identificação e 32 questões abertas ou fechadas. Para melhor descrição dos resultados realizou-se o agrupamento das questões em categorias.

Na análise, os dados quantitativos foram ordenados, classificados e interpretados a partir de tratamentos estatísticos, com o uso de softwers. Foi utilizado o programa computacional Statistic 6.0. Já os dados de natureza qualitativa foram submetidos a um processo de limpeza e análise de conteúdo das respostas registradas no instrumento de coleta de dados e tiveram tratamento analítico e descritivo em conformidade com o que exige sua natureza.

Para a realização do estudo foram respeitados todos os preceitos éticos que envolvem pesquisa com seres humanos disciplinados pela Resolução 196/96, do Ministério da Saúde. O projeto foi aprovado pelo Comitê de ?tica em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá (Parecer n ? 089/2006). Além de autorizarem a realização da pesquisa com os adolescentes, os responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias. Na identificação dos estudantes foram utilizados três elementos: o grupo (I e II), o número de identificação do questionário (1, 2...) e o sexo (F ou M).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A maior parte dos internos eram do sexo feminino (60%) e tinham idade entre 14 e 18 anos, com maior concentração nas idades de 15 e 16 anos. Eram oriundos principalmente das regiões Sudeste (36,7%) e Centro-Oeste (23,3%) e distribuídos igualitariamente no 1º, 2º e 3º anos do ensino médio. Quanto ao tempo de estada dos adolescentes no internato, encontramos destaque para o período de 1 a 6 meses (36,6%) e o de mais de 18 meses (30%). Observamos que a procura pela clínica de saúde não teve relação com o menor tempo de internato, mesmo sendo este um período de adaptação a rotinas e ao afastamento familiar. Tanto num período como no outro, o maior número foi o de alunos que não procuraram a clínica (total dos dois períodos citados = 11 alunos).

Em relação às características familiares, observou-se nos dois grupos predominância de famílias nucleares, constituídas de 3 a 6 membros, em que os pais viviam juntos e os filhos, antes de virem para o internato, moravam com os pais.

A decisão pelo internato, em dois casos (um em cada grupo), foi dos pais, em 10 (30,0% - grupo I e 70,0% - grupo II), foi dos adolescentes e em 18 casos (61,1% - grupo I e 38,9% - grupo II) foi conjunta. Na decisão conjunta, em sete casos houve participação de apenas um dos pais, e dois desses casos correspondem a situações em que os pais são separados e a interação familiar está comprometida pela dificuldade de relacionamento entre alguns membros da família. Nestes casos, a vinda para o internato representou uma forma de tentar solucionar - ou pelo menos amenizar - os conflitos familiares, como se percebe na fala das adolescentes:

Meu pai quis que eu viesse para cá, pois aqui tinha tudo para o meu crescimento e ele achava que era melhor aqui do que do lado da minha mãe (I-4-F).

 

Queria mudar de rotina, não queria mais ver o namorado da minha mãe e alguns amigos falsos, queria distância (I-11-F).

 

Nos dois casos em que a decisão foi tomada só pelos pais, as razões apontadas revelaram preocupação com o futuro dos filhos:

Porque a escola é boa. E para uma experiência nova (I-7-F).

 

O ano que vem (2007) eu vou para a Inglaterra, aí meus pais queriam ver se eu conseguiria ficar longe deles (II-17-F).

 

Quando a decisão foi do adolescente, as razões apontadas envolveram aspectos relacionados ao crescimento pessoal e convivência social, influência da vivência dos pais, a vontade de experienciar coisas novas e a satisfação de um desejo pessoal

Ter senso de liberdade, aperfeiçoamento do relacionamento entre pessoas e viver a mesma experiência que meus pais viveram (I-10-F).

 

Meu irmão sempre falava muito bem e meus pais também. Meu pai estudou 10 anos e minha mãe 7 anos em internato (II-19-F).

 

Sempre fui muito independente e tinha vontade de vir para um internato. Surgiu a oportunidade e eu aceitei (II-25-F).

 

Experimentar coisas novas, saber como era um internato (II-29-M).

 

Isto é coerente com a literatura, segundo a qual a vida pessoal dentro do internato, tanto no dormitório como em outras partes da instituição, tem um grande significado para o desenvolvimento do estudante6.

A possibilidade de desenvolvimento pessoal em vários aspectos também constituiu razão para pais e adolescentes, em conjunto, optarem pelo internato:

Para melhorar o meu estudo, responsabilidade e espiritualidade (I-5-M).

 

Seria um lugar onde eu aprenderia a me virar, criar responsabilidade e dar valor nas coisas (II-16-M).

 

Não obstante, é possível perceber que, pelo menos para uma das adolescentes, a decisão, de fato, foi dos pais, e não conjunta:

Eu vim mesmo para satisfazer a vontade do meu pai... (I-4-F);

e que para alguns pais o internato ainda é visto como uma estratégia corretiva:

 

Eles ouviram falar sobre o colégio interno. Como meu irmão e eu estávamos um pouco rebeldes eles decidiram nos mandar para cá (II-27-M).

 

Quatro adolescentes, ao se manifestarem sobre as razões da opção pelo internato, fizeram referência às suas e às de seus pais, e nestes casos foi possível perceber concordância quando os objetivos estiveram relacionados com forçar a dedicação aos estudos ou minimizar problemas familiares:

Para melhorar as minhas notas.

Que minhas notas melhorassem para eu ser alguém na vida (I-1-F).

 

... o meu motivo é porque eu queria fugir dos meus problemas lá de casa;

... achavam que aqui eu poderia me sentir melhor (II-22-F).

O mesmo, no entanto, não foi observado quando o motivo dos pais era a preocupação com o futuro dos filhos ou o desejo de proporcionar-lhes experiências semelhantes às suas:

Sei lá, amigos falando que era “massa” e que ia gostar.

Para “crescer” mais e saber como que é ter minha própria vida, para não ser um “dependente” que não sabe nada (II-21-M).

 

Queria conhecer novas pessoas, estar perto de muita gente legal...

Meus pais estudaram em internato... eles sempre amaram e sempre falaram muito bem do internato, o que fez com que eles quisessem que eu também passasse por essa experiência (I-15-M).

 

Apesar de alguns estudantes revelarem inconsistência em relação a quem tomou a decisão, prevaleceu a preocupação com o crescimento pessoal e com o futuro.

É interessante observar que as menores proporções de procura pela clínica (30%) foram observadas entre os estudantes cuja matrícula no internato fora decidida por eles próprios, e as maiores proporções (60%), entre aqueles que referiram ter sido a decisão tomada conjuntamente, embora em alguns casos tenha sido possível constatar que, ao invés de conjunta, a decisão fora mesmo dos pais. Podemos inferir que, provavelmente, a maior procura pela clínica reflete a situação de incoerência encontrada nas respostas em relação à decisão conjunta e que realmente o adolescente poderia não estar satisfeito com a decisão tomada. Por outro lado, quando a decisão de vir para o internato foi do adolescente, inferimos que a satisfação proporcionada pela escolha se refletiu na baixa procura pela clínica de saúde.

As contradições observadas nas respostas quanto à decisão de vinda para o internato e as razões para essa escolha estão relacionadas, provavelmente, ao momento vivido pelo adolescente, que ora parece estar confiante em suas decisões, ora não sabe o que quer.

Entre aqueles que afirmaram ter sido a decisão tomada em conjunto com os pais (18 alunos), encontramos quatro alunos que descreveram sentimentos de tristeza, insegurança e pressão dos pais:

Meu pai já estava na cabeça que ia me pôr aqui... Eu estava insegura, assustada, mas mesmo assim eu aceitei (I-4-F).

 

Eu não gostei da idéia desde o começo, me senti forçado com a decisão de meus pais (II-27-M)

 

Muito triste. Quando eu me separei dei um último abraço nos meus pais, chorei por muito tempo (I-1-F)

 

Muitas vezes o adolescente tem que obedecer às ordens e decisões dos pais, ou até aceitá-las quando realmente não concordam com elas; e com relação à escolha por estudar numa instituição com regime de internato não é diferente, já que muitas vezes ela é motivada pela pressão dos pais, professores ou outros6.

Não obstante, em dois casos (um em cada grupo) em que o adolescente não teve participação na escolha, com o decorrer do tempo ele avaliou a experiência com sentimentos positivos:

Fiquei revoltada no início, mas agora to de boa (II-17-F).

 

Senti-me mal nas primeiras semanas, mas gostei daqui. Tenho bastante amigos. No começo é ruim (I-7-F).

 

Dos quatro alunos que relataram sentimentos negativos quanto à decisão conjunta, três procuraram a clínica de saúde para atendimentos de intercorrências.

Uma parcela considerável (48% - grupo I e 52% - grupo II) avaliou sua relação com a família antes de vir para o internato como muito boa, acompanhada de respeito e carinho, e relatou que a vinda para o internato a tornara ainda melhor, o que vale inclusive para os alunos que referiram aspectos negativos em sua relação familiar antes de vir para o internato:

... melhor ainda, meu amor por eles aumenta mais (II-16-M).

 

... melhor ainda, pois com a saudade aprendemos dar mais valor uns aos outros (II-23-F).

 

... cada vez melhor, pois a distância faz com que eu me aproxime mais deles (I-8-F).

 

Observamos que, do total de 83,3% de alunos com bom relacionamento familiar, 52,0% não procuraram a clínica. Esse fato faz cair por terra a hipótese inicial de que, dentre os alunos bem-relacionados com os pais, o maior número fosse exatamente o dos que procurariam a clínica, pela carência do convívio familiar. O resultado nos leva a pensar que bons relacionamentos podem levar ao equilíbrio da saúde.

A adolescência é a fase do desenvolvimento que representa um período de transição entre as vinculações da infância, estabelecidas fundamentalmente no contexto da relação pais-filhos, e as ligações afetivas adultas que extravasam as relações familiares7.

O adolescente vive uma nova dinâmica relacional entre a necessidade de vinculação e a de exploração ou autonomia, desejando afastar-se dos pais, criando espaço de privacidade, mas de um modo ambivalente, pois ele teme a autonomia concedida e o fascínio da liberdade7.

Ao relatarem o que mais sentem falta em relação à vida antes de terem vindo para o internato, os estudantes fizeram referências a pessoas, coisas, lugares e rotinas. Em relação às pessoas, a família foi referida com maior frequência (59,2%):

... mas o que bate mais falta mesmo , é a família (I-15-M).

 

... sinto falta dos meus pais (I-13-M).

Seguiram-se os amigos (37,0%),

Dos meus amigos em casa (I-9-M.)

 

... dos velhos amigos (II-25-F.)

 

A adolescência é uma fase de intensas emoções, na qual o sujeito está em busca da consolidação da sua própria identidade; e como uma das primeiras manifestações deste processo, ocorre o afastamento da família de origem e um maior envolvimento com o grupo de iguais8, o que justifica, em parte, o fato de os amigos serem mencionados em seguida à família.

Entre as coisas, a saudade da “comida da mãe” foi a mais frequente; e a forma como foi referida pelos estudantes nos leva a inferir que, provavelmente, esta saudade está relacionada a uma carência afetiva:

Do carinho da minha mãe e da comida dela (I-12-M).

 

Meus pais, da comida da minha mãe... (II-19-F).

A saudade da convivência familiar e de algumas atividades que realizavam juntos constitui uma manifestação do bom relacionamento:

Dos meus pais me acordando no domingo para sairmos (II-17-F).

 

De conviver com a minha família (I-2-F).

Em relação às rotinas, os alunos fizeram 12 referências a regras, normas e horários estabelecidos na vida no internato, revelando que, na percepção deles, houve “perdas” em seu modo de vida, com seis referências à liberdade:

... da liberdade que eu tinha em ir para o centro da cidade (II-28-M).

 

Uma certa falta de liberdade em relação a horários... (II-29-M).

 

Entre os alunos que referiram sentir falta da família e dos amigos, destacou-se o grupo de 15 alunos que procuraram a clínica, em relação a 11 alunos que não a procuraram.

Quando pensamos na possibilidade do afastamento familiar, precisamos nos lembrar de que um dos objetivos é criar autonomia, a qual diz respeito à capacidade de autogovernar-se nos campos emocional, comportamental e cognitivo. Vale destacar que este desenvolvimento nem sempre envolve conflitos ou rupturas, pois o processo tende a ser mais tranquilo na proporção do grau de proximidade dos membros envolvidos - em nosso caso, pais, adolescentes e instituição de ensino como um todo9.

A família não é formada apenas por um conjunto de pessoas - embora ela seja quase sempre assim representada - mas também pelas relações e ligações entre elas10. Por esta razão, uma boa comunicação entre os membros da família constitui peça fundamental para auxiliar no estabelecimento de relações mais saudáveis e satisfatórias. ? importante que os membros desenvolvam uma boa comunicação entre si para, consequentemente, terem um bom envolvimento familiar.

Neste contexto, vemos que a comunicação dos alunos com suas famílias é feita toda semana por 40% dos alunos e quase todos os dias por 33,3% deles. A iniciativa do contato com a família é tomada pelos próprios alunos em 46,7% das vezes, e nesses casos, 53,3% dos alunos se comunicam com a mãe. Este contato transparece a dependência da mãe e demonstra o mais primitivo dos laços naturais, ou seja, o laço que existe entre mãe e filho11.

Entre os motivos para se comunicarem com a família, o mais citado foi “a saudade” (14 referências), seguido de aspectos financeiros e saber notícias/contar novidades (9 referências cada um):

... quando preciso de grana e peço para depositar na minha conta (II-21-M).

 

... pedir dinheiro (II-28-M e I-3-F).

 

... quando quero contar como foi a semana, ou alguma novidade. (II-25-F).

É interessante destacar que o fato de não precisar de motivos para se comunicar com a família foi referido cinco vezes.

Estabelecer a comunicação entre os membros da família é a estratégia que busca aproximar as pessoas, e conversar em família é algo imprescindível nas relações familiares10. Procurar manter o contato é a estratégia utilizada pelos integrantes da família para os relacionamentos, e este contato geralmente é estabelecido através de rituais familiares; por isso um participante declarou que um dos motivos que o levam a comunicar-se com a família é “dizer eu te amo” (II-29-M), enquanto outro considera “a rotina” (I-10-F) como motivo para comunicar-se com a família.

Em virtude das novas demandas que ocorrem no relacionamento familiar na fase adolescente, é necessário haver uma maior flexibilidade das fronteiras e equilíbrio na autoridade dos pais para se manter a harmonia familiar; pois estes mecanismos permitem ao adolescente experimentar diferentes situações: aproximar-se quando se sentir inseguro e afastar-se para experimentar a sua independência, quando assim sentir-se seguro8.

A experiência no regime de internato foi avaliada positivamente, apesar do afastamento familiar, da convivência com pessoas diferentes e da existência de normas e regras, por permitir desenvolvimento pessoal e amadurecimento como indivíduo:

... ele faz com que as pessoas saiam daqui com mais responsabilidade (I-1-F).

 

... pois é um local para que possamos aprender a viver (I-12-M).

 

... aqui você muda o jeito de viver, dá valor aos estudos (I-10-F).

 

Com certeza, aqui você aprende coisas que só aprenderia muito mais velho e valoriza mais a família (I-14-M).

 

... aqui você aprende muita coisa, coisas para a vida (II-22-F).

 

... aqui é mais nítido ver o que é bom e o que é ruim (I-10-F).

 

Percebe-se em alguns casos que, estando o adolescente longe de casa, sem a proteção dos pais, tendo que resolver seus próprios problemas, cumprindo seus deveres e realizando o autocuidado, houve um fortalecimento na individualização em vários aspectos.

Os adolescentes estão num período de transição e escolhas, no qual podem contrariar ou ser contrariados por não entenderem as escolhas feitas no momento. Futuramente verão esta experiência como mais um momento marcante de suas vidas, seja no aspecto positivo seja no negativo. Tudo dependerá dos objetivos a serem atingidos pelos adolescentes ou por seus pais.

                         

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de a adolescência ser um processo difícil de ser vivido em família, a distância dos pais nesta fase não parece ter interferido na saúde dos adolescentes, o que veio negar a hipótese inicial de que os alunos que mais procurariam a clínica seriam aqueles que tinham um melhor relacionamento e os que haviam vindo para o internato mais recentemente. Verificamos que não há relação entre a procura pela clínica de saúde e o relacionamento familiar; mas ao mesmo tempo constatamos que o bom relacionamento familiar ajuda na autoconfiança, resultando numa melhor adaptação do adolescente ao internato e levando-o a uma melhor condição de vida e saúde.

As falas dos internos foram fundamentais para se compreender o significado do afastamento familiar para o adolescente, sua interferência nas relações familiares e a experiência positiva de conviver com seus pares. Na opinião dos adolescentes entrevistados, afastar-se do convívio familiar pode se configurar num processo positivo de crescimento e desenvolvimento. Relataram que a vinda para o internato fortaleceu os laços familiares; que, apesar de afastar-se dos grandes amigos, tiveram a oportunidade de estabelecer outros relacionamentos de amizade com pessoas da mesma faixa etária, o que, consequentemente, também os ajuda no enfrentamento da realidade, já que todos estão vivendo a mesma situação.

Verificamos, a partir dos relatos dos adolescentes, que a escolha do regime de internato pelos pais demonstrou sua preocupação com o desenvolvimento intelectual do filho, e esta experiência, na avaliação dos estudantes, é primordial para o desenvolvimento de novas experiências, associadas à oferta de melhores oportunidades, como, por exemplo, os estudos.

Constatamos que, na opção pelo regime de internato, prevaleceram aspectos relacionados ao próprio adolescente ou à convivência familiar, e que, independentemente desses aspectos, a maioria dos adolescentes se comunica com a família toda semana, sendo o contato com a mãe o mais procurado, e a saudade, a razão mais citada. É possível inferir que os adolescentes estudados sentem-se satisfeitos com a vida em regime de internato e que o afastamento geográfico não interfere no relacionamento familiar nem é motivo para o desencadeamento de doenças.

 

REFERÊNCIAS

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 2 - Gomes HS. Educação para a família: uma proposta de trabalho preventivo. Rev Bras Cresc Des Hum 1994 jan-jun; 4(5): 34-39.

 

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5 - Ferreira EAP, Mettel TPL. Interação entre irmãos em situação de cuidados formais. Psicol Reflex Crit 1999 jan-abr; 12(1): 133-146.

 

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9 - Moraes NA, Leitão HS, Koller SH et al. Notas sobre a experiência de vida num internato: aspectos positivos e negativos para o desenvolvimento dos internos. Psicol estud 2004 set-dez;  9(3): 379-387.

 

10 - Althoff CR. Delineando uma abordagem teórica sobre o processo de conviver em família. In: Elsen I, Marcon SS, Silva MRS. O viver em família e sua interface com a saúde e a doença. Maringá: Eduem; 2004.

 

11 - Silva KL, Silva, ATMC, Nóbrega MML, Ferreira Filha MO. Influence of psychosociais needs in the mental health of the children. Online Brazilian Journal of Nursing 2004; 3(3) [online]. Available in: www.uff.br/nepae/objn303silvaketal.htm Acesso em 14 ago. 2006.

 

Received Sep 1st, 2006

Revised Sep 16th, 2006

Accept Sep 30th, 2006