ARTIGOS DE REVISÃO

 


A contribuição da área de filosofia, ética e bioética na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - USP 


Cléa Regina de Oliveira Ribeiro1

1Universidade de São Paulo

 


ABSTRACT
This work intends to reflect about the importance of the Ethics in Nursing Education, through the report of the constitution of the area and disciplines at the Ribeirão Preto School of Nursing – University of São Paulo (EERP/USP). Reference is made to EERP/USP owing to the fact that it is the pioneer institution in adjusting to the curricular contents of human sciences, therefore contributing with the debate about the role that humanistic contents have in curriculum reorganizations. The current area of ethics is composed by philosophy, ethics, and bioethics, and remains loyal to the founder’s, Glete de Alcântara, principles. Such reflection is important inasmuch as Ethics is the foundation for professional posture, and Bioethics grants the development of critical vision over the plurality of values that involve Health relations. The National Curricular Guidelines of Graduation Courses in Nursing (CNE/ME/BR) emphasize the importance of knowledge in ethics and bioethics for the generalist education in Nursing.
Keywords: Nursing; Education; Ethics.


RESUMO
Este trabalho pretende refletir sobre a importância da Ética na formação em Enfermagem, através do relato da constituição da área e disciplinas na EERP/USP. No intuito de contribuir para o debate sobre o papel dos conteúdos humanísticos nas reformulações curriculares, a referência à EERP se faz presente por se constituir pioneira na conformação de conteúdos curriculares em ciências humanas em sua origem; a área atual de ética é composta pela filosofia, ética e bioética e permanece fiel aos princípios de sua fundadora, Glete de Alcântara.  Tal reflexão mostra-se relevante na medida em que a Ética fundamenta a postura profissional, e a Bioética propicia o desenvolvimento da visão crítica sobre a pluralidade de valores que permeiam as relações em Saúde. As Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Enfermagem (CNE/ME/BR) enfatizam a importância de conhecimentos em ética e bioética para a formação generalista em Enfermagem.
Palavras-chave: Enfermagem; Ensino; Ética.



INTRODUÇÃO

O estudo de novas temáticas e discussões com o surgimento da Ética Prática ou Bioética, entre final dos anos 1960 e 1970, propicia ao aluno o desenvolvimento da visão crítica sobre a pluralidade de valores que permeiam as relações em Saúde. As Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Enfermagem (CNE/ME/BR) reforçam essa perspectiva ao enfatizar a importância de conhecimentos em ética e bioética para a formação generalista do futuro profissional de Enfermagem.

Assim sendo, considera-se que este trabalho, enquanto uma reflexão, possa constituir uma contribuição adicional para o debate da Ética em Saúde e para seu ensino - em especial o ensino de Enfermagem - já que muito se tem discutido na direção de reformulações curriculares que abarquem o avanço científico em biociências e a formação do futuro profissional.

Retomando alguns tópicos da história da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – USP (EERP/USP), temos que ela foi fundada em 1953 por Glete de Alcântara -  primeira professora de Enfermagem da América Latina com o título de Professor Catedrático de História da Enfermagem e Ética (1963). A Escola teve seu primeiro programa curricular aprovado pela Lei 5.970/1960, ainda anexa à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP (FMRP/USP), do qual constavam as quatro disciplinas referidas na citação acima. O ensino de Ética (diretrizes a partir de 1959 e 1960) tinha os seguintes objetivos, de acordo com a perspectiva da idealizadora da proposta do curso de Enfermagem, na qual as ciências humanas constavam como parte integrante da formação do enfermeiro: " (...) Proporcionar aos estudantes meios para a aquisição de conhecimentos fundamentais de moral para serem aplicados em sua vida pessoal e profissional, entendidas esta última como ideais, atitudes e práticas que caracterizam a profissão (...) se quisermos desenvolver no estudante o espírito de análise e de crítica, para que, amadurecidos intelectual e moralmente, saibam usar discernimento diante das situações reais da vida pessoal e profissional, então é preciso conhecermos as diferentes doutrinas morais" (ALCÂNTARA, 1966). 

No intuito de atingir os objetivos acima descritos foram formulados dois conteúdos disciplinares: Ética Geral e Ética Profissional. O primeiro dizia respeito à "moral teórica" como reflexão filosófica acerca das ações humanas, bem como noções conceituais fundamentais como “os valores, o bem, o direito, o dever, a obrigação e a responsabilidade" (ALCÂNTARA, 1966). O segundo centrava-se no estudo das normas que regiam o exercício da Enfermagem, baseado no "Código de Ética da Associação Brasileira de Enfermagem".  Além disso, a concepção sobre o ensino e o papel da Ética para o curso de Enfermagem, para Dra. Glete, ultrapassava o ensino teórico: "Ele está integrado em todas as disciplinas do currículo, mormente nas de enfermagem, porque o estudante aprende Ética sobretudo com a vivência dos problemas que ocorrem diariamente e com o exemplo daqueles a quem está relacionado em todas as situações de aprendizagem" (ALCÂNTARA, 1966). Tal visão, do papel fundamental da Ética, perpassou todos os conteúdos disciplinares posteriores elaborados na história da EERP.

Em 1964, a EERP foi desanexada da FMRP tornando-se uma unidade independente na Universidade de São Paulo. Em 1970, foi criado o Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas (DEPCH) que contava com as áreas de Enfermagem Psiquiátrica, Ética, Sociologia, Psicologia, História da Enfermagem e Didática – sendo que as disciplinas de Ciências Humanas apresentavam a mesma proposta e perspectiva didática da fundadora da EERP. Na atualidade o DEPCH traz na composição das Ciências Humanas, a Filosofia (que comporta ensino e investigação no campo da Ética e Bioética), a Psicologia, a Antropologia e a Pedagogia, áreas que tem como papel oferecer subsídios de temas em Ciências Humanas para vários conteúdos em Enfermagem, contribuindo com a com pesquisa e ensino na Graduação, Especialização e Pós-Graduação em Enfermagem. O DEPCH, dessa forma, peculiarmente constituído, apresenta condições bastante propícias para a reflexão de cunho humanístico, entendendo que a imbricação das Ciências Humanas enriquece o desenvolvimento próprio da Enfermagem.

 

OS DESDOBRAMENTOS DA ÁREA DE ÉTICA NA EERP NO PRESENTE

Pesquisa
Em termos de pesquisa, atualmente a área de Ciências Humanas do DEPCH reúne a Filosofia, a Psicologia, a Antropologia e a Pedagogia (BUENO, CARVALHO, COSTA, RIBEIRO, 2003) que, segundo o Plano Plurianual DEPCH/USP, reafirma o papel área das Ciências no desenvolvimento da pesquisa em Enfermagem e na formação dos profissionais de Enfermagem, ressaltando sua contribuição no que diz respeito aos fundamentos psicossociais, éticos e pedagógicos necessários aos estudos na área da saúde.  Dentre as linhas de pesquisa atuais apresentadas pelo DEPCH, a área de Ética insere-se em: “Estudos sobre a conduta humana e das representações sociais no campo da saúde. Pesquisas de atitudes e opiniões de alunos, profissionais e usuários da área da saúde. Análises da ética, da produção e reprodução do saber e da prática da enfermagem à luz da Filosofia”.

Ensino
A ensino entrelaça-se com a pesquisa na medida em que os temas relevantes para o ensino são objeto de aprofundamento e investigação em Ética; estão relacionados à reflexão humanística que dizem respeito à Enfermagem e à Saúde em geral, tanto em teoria quanto na prática.

O quadro atual da área de Ética no ensino de Graduação, originou-se de uma reformulação das disciplinas, a partir de 1998, que optou pelo desmembramento de História da Enfermagem, Ética Fundamental e Legislação, que se tornaram conteúdos ministrados separadamente: História da Enfermagem, Fundamentos de Ética, Legislação em Enfermagem. Foi criada a disciplina de Bioética e foi extinta Antropologia Filosófica, incorporando-se muitos tópicos dessa disciplina em Fundamentos de Ética. Tal reformulação resultou em uma nova perspectiva para a formação ética do aluno, que passou a contar com disciplinas em ética filosófica, em ética normativa e em ética prática, ministradas nessa ordem para que o aluno desenvolvesse um grau de compreensão e maturidade gradativo necessário para cada discussão durante o curso de graduação.

Na realidade, a nova concepção disciplinar da área de Ética na EERP, sob a responsabilidade do DEPCH, foi efetuada com o intuito de acompanhar as discussões e dilemas éticos na assistência em Saúde que surgiram a partir do rápido desenvolvimento das Ciências da Saúde e das Biociências. Desse modo, a reflexão sobre a ética em Saúde vem sendo ampliada, cada vez mais, para além dos limites da Ética Profissional e da Ética Teórica ou Filosófica, constituindo-se uma perspectiva interdisciplinar voltada também para aspectos da prática em Saúde, gerando novas formas de conhecimento, como é o caso da Bioética. 

A tendência humanista que se verifica em todas as áreas da Saúde, tanto na pesquisa como na prática, torna-se a perspectiva que desencadeia a maioria dos questionamentos e das mudanças de atitude dos profissionais, originando novos estudos sobre a maneira de conceber as relações assistenciais, assim como a busca de fundamentos para essas posturas. A perspectiva ética beneficente (que fundamenta o modelo hipocrático paternalista) aos poucos passa a concorrer com uma visão ética autonomista que, na prática, significa considerar o usuário dos serviços de saúde como alguém que deve, legitimamente, participar de sua situação e das decisões sobre seu estado de saúde.

Vários acontecimentos apontam para um questionamento de limites relacionados à ética em pesquisa e prática em Saúde, sendo o principal as experiências neurológicas durante a II Guerra Mundial que provocaram lesões cerebrais em judeus. Este os outros fatos ocorridos foram se constituindo um arcabouço que reforçou a necessidade de rever os limites éticos em pesquisa e na prática da assistência em Saúde. Não somente os limites da prática científica estavam sendo questionados em nome da necessidade de uma responsabilidade científica, mas também a forma de oferecer os cuidados assistenciais, que defendiam considerar o usuário como o centro catalizador  dessas ações. A tendência humanista pode ser percebida nessa postura crítica, a partir da visão de que a ciência e a tecnologia devem estar a serviço do ser humano e, que as relações na prática em Saúde deve ter como foco o compartilhamento das ações e decisões entre usuário, profissional e instituição.  Várias teorias são propostas como base da ação ética (como o principialismo), todas ressaltando a importância do ser humano como sujeito de uma ética em Saúde.  

A partir desse panorama, o qual justifica uma forma ampliada de conceber a Ética e o seu ensino nos cursos da área da Saúde, a EERP, fiel à vocação originária de abarcar as Ciências Humanas, vem acompanhando a proposta inovadora de expansão da Ética, oferecendo formação em nível de Graduação e Pós-graduação direcionada para o debate da Ética na atualidade, sem deixar de oferecer o estudo das questões tradicionais de Ética para o profissional de Enfermagem. 

Desse modo, o curso de Graduação conta com o oferecimento das seguintes disciplinas regulares na área de Ética:Fundamentos de Ética, Legislação em Enfermagem e Bioética; e as disciplinas optativas são: Filosofia da Enfermagem eIntrodução à Filosofia Política.   

 Em uma breve caracterização das disciplinas de graduação citadas acima, temos que Fundamentos de Ética conserva a visão geral de "moral teórica" enquanto uma introdução aos conceitos fundantes de filosofia moral e de ética clássica; Legislação em Enfermagem como ética normativa, apresenta regras que regulamentam a postura do profissional na prática da Enfermagem a partir de  documentação do Conselho Federal de Enfermagem - COFEN e Conselho Regional de Enfermagem do Estado de São Paulo – COREN-SP; e Bioética, como ética prática, opera a reflexão em torno dos dilemas éticos que dizem respeito à vida, à pessoa, à saúde, ao meio ambiente, aos desenvolvimentos científicos, trazendo em sua essência uma perspectiva multidisciplinar. Dentre as optativas, Filosofia da Enfermagem, área recentíssima de estudos, pretende refletir sobre a natureza dos conceitos fundamentais da Enfermagem enquanto saber, conhecimento e prática; Introdução à Filosofia Políticaa questão da representatividade e a noção de representação é apresentada ao aluno como uma oportunidade de reflexão voltada para o desenvolvimento de uma consciência crítica e política.

No que diz respeito ao ensino de Pós-Graduação, atualmente são oferecidas duas disciplinas na área de Ética, refletindo a necessidade de formação atualizada do pós-graduando em termos das discussões recentes de ética e prática em Saúde: Bioética, cujos objetivos foram anteriormente referidos, e Normas Éticas para Pesquisa: a Res.196/96 (CONEP/CNS/MS)que vem atender a demanda de alunos por conhecimentos sobre ética em pesquisa e por esclarecimentos acerca da operacionalização de protocolos de pesquisa para avaliação em Comitês de Ética em Pesquisa, conforme prevêem as normas brasileiras para pesquisa.

Assim sendo, as disciplinas de Pós-graduação acima estão organizadas, em termos de conteúdo programático, da seguinte maneira: 

Disciplinas Regulares do Curso de Graduação:

Fundamentos de Ética
1. Introdução: O homem
1.1   Animal biológico, animal racional, animal simbólico
1.2   Razão, consciência e liberdade
1.3   A dimensão ética: pessoa e ser humano
2. Conceitos básicos para a Ética:
2.1. Moral e fato moral
2.2 Fundamentos da moralidade
2.3 Ética e moral
2.4. A questão dos valores
3.Principais sistemas éticos clássicos:
3.1   A ética de Aristóteles ou a ética das virtudes
3.2 A ética cristã a partir dos preceitos da antiguidade
3.3 A ética kantiana ou a ética do dever.
4.Ética Contemporânea:
4.1 A ética utilitarista
4.2 O pluralismo ético (ou a ética do respeito pela diferença)
4.3 A ética da responsabilidade
4.4 A ética do cuidado
4.5 A ética da solidariedade

Legislação em Enfermagem
1. A Ética codificada:
1.1 O ato profissional
1.2 Código de Ética em Enfermagem
1.3 Lei do Exercício profissional
1.4 Resoluções COFEN/COREN (normatizações recentes)

Bioética
1. Bioética:
1.1  Origem e características da bioética
1.2 Ética, deontologia e bioética
1.3 Principais temas de bioética
1.4 Bioética é reflexão (e não uma prática)
2. Princípios da Bioética:
2.1 A sacralidade e a qualidade da vida
2.2 A beneficência 
2.2 A não-maleficência
2.3 A autonomia
2.4 A justiça
3. Bioética e exercício profissional: Enfermagem, ética profissional e bioética: desafios
4. O homem e a natureza:
4.1 A responsabilidade pelo meio ambiente
4.2 Experimentação e uso biomédico dos animais
5. Pesquisa e experimentação com seres humanos 
5.1 A justificação ética da pesquisa
5.2 Resolução 196/96 sobre pesquisa com seres humanos – CONEP/CNS/MS
6. Doação e transplantes de órgãos:
6.1 A cultura da doação
6.2 Princípios éticos no campo dos transplantes
7. A comunicação no processo terapêutico:
7.1 O segredo profissional e a verdade ao doente
8. A morte e o morrer:
8.1 O conceito de morte
8.2 A prolongação médica da vida: distanásia
8.3 Declaração de Sidney sobre a morte
8.4 A eutanásia e o direito de morrer
8.5 Morrer com dignidade
9. Problemas de justiça na saúde:
9.1 Saúde e justiça social
9.2 A justa distribuição dos recursos na saúde
10. Comissões de ética em hospitais:
10.1 Conceituação, origem e papel das comissões e dos comitês de ética
10.2 Comitê de ética em enfermagem


Disciplinas Optativas do Curso de Graduação:

Filosofia da Enfermagem 
1. Introdução:
1.1.Recapitulando: alguns elementos de história da enfermagem
1.2.O mito grego da Cura
2. A busca pela identidade:
2.1 Enfermagem enquanto conhecimento científico
2.2 Caracterização da enfermagem: ciência humana ou biológica?
2.3 Enfermagem e medicina: a questão da competência  e a relação tradicional dos papéis
3. Cuidado e assistência:
3.1 Nutrir e cuidar
3.2 Assistir e cuidar
3.3 Abrangência, limites  e especificidade do cuidado

Introdução à Filosofia Política: A questão da representatividade e a noção de representação
1. Introdução à política:
1.1.Poder, governo, democracia
1.2.Platão e Aristóteles
1.3.Política versus religião
2.O Estado e as teorias contratualistas:
2.1 Ética e política: Maquiavel
2.2 Estado de natureza: Hobbes
2.3 Estado de natureza e vontade geral: Rousseau
2.4 Estado de natureza e sociedade civil: Locke
2.5 Os três poderes: Montesquieu
3. Representatividade:
3.1 As idéias de representação, legitimidade e soberania
3.2 Representação, transferência de direitos, liberdade e democracia

Disciplinas do Programa de Pós-graduação em Enfermagem Psiquiátrica:

Bioética
1. Introdução:
1.1 O nascimento da Bioética
1.2 Bioética no Brasil
2.Bioética:
2.1 Qualidade da vida e sacralidade da vida
2.2 Temas clássicos e principais paradigmas
3. Principialismo (Beauchamp & Childress)
3.1 Autonomia
3.2 Beneficência
3.3 Não-maleficência
3.4 Justiça
4. Fundamentos da bioética: Engelhardt
4.1 Pluralismo
4.2 O Conceito de pessoa
4.3 A questão da dignidade humana e do respeito à pessoa
5. Início e fim da vida:
5.1 A história do conceito de morte
5.2 A questão do prolongamento artificial da vida 
5.3 A eutanásia: morte, sofrimento e dignidade
5.4 Aborto: o direto de nascer e a autonomia da maternidade
6. Justiça em saúde coletiva:
6.1 Saúde e justiça Social
6.2 A justa distribuição de recursos na Saúde
7. Comissões de ética:
7.1 Conceituação, origem e papel das Comissões e dos Comitês de Ética
7.2 A justificação ética da pesquisa e a Resolução 196/96 (CONEP/MS)

Normas Éticas para Pesquisa: a Res.196/96 (CONEP/CNS/MS)
1. Ética e Pesquisa com seres humanos: fundamentos
1.1 Pesquisa com seres humanos: antecedentes
1.2 Princípios da bioética
1.3 Conceito de vulnerabilidade
1.4 Conceitos de pesquisa e de sujeito de pesquisa
1.5 Conceitos de risco, dano e de benefício
1.6 Conceitos de esclarecimento e de consentimento
2. Operacionalização das normas para projeto:
2.1 Apresentação do projeto
2.2 Análise metodológica e avaliação ética
2.3 Protocolo de pesquisa
2.4 Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE)
2.5 O papel do Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos
2.6 Responsabilidades do pesquisador


A PERSPECTIVA ÉTICO-HUMANISTA NAS DIRETRIZES CURRICULARES PARA CURSOS DE ENFERMAGEM – CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

O Ministério da Educação do Brasil (ME/BR), através do Conselho Nacional de Educação (CNE) propõe parâmetros para as reformas curriculares dos cursos superiores de Enfermagem no país. Ao se consultar as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Enfermagem (CNE/ME/BR, 2001) pode-se perceber, em vários pontos, que este documento aponta para a importância de uma ampla formação em ética e em outras áreas das ciências humanas. Estão delimitados três grandes blocos temáticos que possibilitam agregar disciplinas afins, a partir dos quais os tipos de disciplinas e seus conteúdos programáticos devem ser gerados: Ciências Biológicas e da Saúde, Ciências Humanas e Sociais e Ciências da Enfermagem. Cada instituição de curso superior em Enfermagem deve adequar seu projeto curricular aos blocos e às indicações fundamentais sugeridas pelo documento. Destacamos alguns trechos dos Princípios das Diretrizes Curriculares que apontam na direção da idéia de uma formação integral congregando conhecimento básico, técnico e humanístico: 

“Incentivar uma sólida formação geral necessária para que o futuro graduado possa vir a superar os desafios de renovadas condições de exercício profissional e de produção do conhecimento, permitindo variados tipos de formação e habilitações diferenciadas em um mesmo programa; (...)”  (CNE/ME/BR, 2001).

 Quanto ao perfil do formando egresso/profissional:

“Enfermeiro, com formação generalista, humanística, crítica e reflexiva. Profissional qualificado para o exercício de Enfermagem, com base no rigor científico e intelectual e pautado em princípios éticos. Capaz de reconhecer e intervir sobre os problemas/situações de saúde-doença mais prevalentes no perfil epidemiológico nacional, com ênfase na sua região de atuação, identificando as dimensões bio-psicossociais dos seus determinantes. Capacitado a atuar, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano”  (CNE/ME/BR, 2001).

 No que diz respeito às competências e habilidades temos que:

“(...) Os profissionais devem realizar seus serviços dentro dos mais altos padrões de qualidade e dos princípios da ética/bioética, tendo em conta que a responsabilidade da atenção à saúde não se encerra com o ato técnico, mas sim, com a resolução do problema de saúde, tanto em nível individual como coletivo; (...)” (CNE/ME/BR, 2001).
 Nas Competências e Habilidades Específicas recomendadas, as ético-políticas estão colocadas da seguinte forma (dentre outras):
· “assumir o compromisso ético, humanístico e social com o trabalho multiprofissional em saúde;
· gerenciar o processo de trabalho em enfermagem com os princípios de Ética e de Bioética, com resolutividade tanto em nível individual como coletivo em todos os âmbitos de atuação profissional;
· respeitar os princípios éticos, legais e humanísticos da profissão; (...)”   (CNE/ME/BR, 2001).

A proposta de integração de saberes na aquisição de conhecimentos em Enfermagem encontra-se em consonância com a perspectiva de um profissional da Saúde que possua uma visão ampliada, no lugar da valorização somente de conhecimentos técnicos segundo um modelo tradicional de profissional de Enfermagem, que exaltava as especialidades. A diversidade de situações na assistência, as novas propostas de atendimento e as novas tecnologias de apoio em Biociências para atender os problemas de saúde se desenvolvem na mesma medida em que se propõe centrar a ação em Saúde muito mais no cliente do que em sua doença – o que demonstra uma mudança do modelo médico tradicional para o modelo humanista na assistência. Assim sendo, surge uma ética para a Saúde que exige uma revisão de valores, de posturas do profissional e da rotina na qual ele se propõe atuar. Somente a guisa de exemplo (pois não é nosso objetivo problematizar esse tema nesse trabalho), pode ser lembrado o Programa Saúde da Família do Ministério da Saúde brasileiro, cujas equipes de saúde prestam atendimento deslocando-se até ao usuário  – invertendo a maneira usual de prestar assistência. Se formas alternativas de assistir o usuário estão surgindo, fica claro que os cursos de Enfermagem (e outros) devem formar profissionais que sejam capazes de responder a novas demandas na prática.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

 Mas deve ser claramente ressaltado o espírito com o qual Glete de Alcântara, em 1953, defendia a inclusão de disciplinas da área de humanas na formação em Enfermagem: que a formação abrangente resultaria em um profissional mais bem preparado, e um profissional mais bem preparado e com uma visão crítica seria capaz de melhor atender às funções que exigiam a profissão. No debate atual em torno de novos projetos curriculares para cursos de Enfermagem no Brasil e seus princípios, é possível perceber que a preocupação subjacente é a mesma, ou seja, tem-se como alvo a melhoria da qualidade da assistência, mesmo que os contextos temporais sejam diferenciados.

Nessa direção, é que a experiência da EERP – USP pode contribuir para esse debate sobre a formação ampliada em Enfermagem, pois sua proposta originária de adoção de conteúdos em Ciências Humanas mostra-se ainda atual, dado que revela uma consonância com os princípios atuais de formação em Enfermagem do Ministério da Educação. Especificamente, a importância acadêmica dos estudos em Filosofia, Ética e Bioética, dessa maneira, fica demonstrada pelo seu caráter humanístico e crítico na formação dos futuros enfermeiros que, na tendência generalista desenhada no presente, tem seu papel fundamental.

A partir disso, portanto, da experiência do DECH/EERP/USP, ressaltaríamos três pontos importantes para uma reflexão sobre conteúdos em Ética para a Enfermagem: a)que o aluno deve, introdutoriamente, ter contato com temas livres, que sejam capazes de empreender sua compreensão sobre a essência da moral e da ética; b)utilizar o sentido essencial da ética para o conhecimento, o entendimento e a dimensão das normas éticas para o exercício da profissão; c)em fase madura de entendimento e análise de problemas éticos surgidos a partir de variadas situações e posturas profissionais (inclusive no trato com a equipe de trabalho, clientes e instituição) desenvolver a capacidade de crítica para uma tomada de decisão frente a dilemas éticos.

A consciência de um sentido ético ultrapassa as necessidades da profissão, pois satisfaz uma necessidade social e cultural da urgência de se retomar o significado dos valores e da ética para a conduta das pessoas, seja na vida privada ou profissional. Especificamente a Bioética, enquanto uma reflexão sobre a Vida, torna-se não só em saúde, um conhecimento fundamental, dado que discute questões de dilema ético envolvendo profissionais, clientes e cidadãos em geral  num contexto pluralista de valores que sempre vai exigir um balanço dos princípios morais envolvidos em uma dada situação.

Não se pode esquecer que o acesso à saúde no país ainda é deficitário, e que essa situação somente poderá ser modificada se a maneira de encarar a prestação dos serviços também for diferente, que a nosso ver, começa pelo modo de formar aqueles que oferecem tais serviços. A formulação de um perfil adequado do profissional de Enfermagem, que atenda às várias possibilidades e que seja, ao mesmo tempo, comprometido com o cuidado e o bem estar das pessoas constitui um desafio a ser enfrentado, principalmente com a exigência de diversidade de atuação do enfermeiro em uma sociedade na qual as desigualdades são cada vez mais crescentes.


REFERÊNCIAS

1. Alcântara G. O ensino de Ética e História da Enfermagem. Rev Bras Enfermagem 1966; 9(4):393-402.

2. Carvalho  AMP, Costa  MCS, Ribeiro  CRO, Bueno  SMV. As Ciências Humanas na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto: FIERP/EERP-USP; 2003.

3. Ministério da Educação, Conselho Nacional de Educação (Brasil). Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Enfermagem. Brasília Ministério da Educação; 2001.

 


Received: October 8th 2004
Accepted: November 21st 2004