ARTIGOS DE REVISÃO

 


A importância da inserção da temática “violência contra a mulher” no currículo de enfermagem


Lucia Helena Garcia Penna1 , Claudia Mara de Melo Tavares2, Edinilsa Ramos de Sousa3

1Universidade Estadual do Rio de Janeiro
2Universidade Federal Fluminense
3FIOCRUZ

 


ABSTRACT
Many professionals of health don't know or they don't address yours he/she listens and your glance to diagnose and to take care of violence situations against the woman. That unpreparedness is consequence of a formation and professional practice stepped on in a model centered in the biomedical model, where the object of attention is not the  as a whole, but, your parts, frequently, these professionals don't notice the structural bows between body and society.  We looked for to bring for the curriculum of the course of the nursing a new perspective with relationship when taking care of that population, inserting the thematic Violence Against the Woman; developing her stepped on in a humanized attendance, sensitive and integral, with base in the public politics of prevention and control of the cases of violence against the woman, respecting the historical-social particularities, and using a critical methodology of the education, with emphasis in the dialogue, in the search for the personal transformation and of the reality, in the omnilaterality.
Keywords:  Violence; Battered Women; Curriculum, Diagnostic.


RESUMO
Muitos profissionais de saúde não sabem ou não direcionam sua escuta e seu olhar para diagnosticar e cuidar de situações de violência contra a mulher. Esse despreparo é conseqüência de uma formação e prática profissional calcadas no modelo biomédico, onde o objeto de atenção não é o cliente como um todo, e sim, suas partes, de modo que os profissionais não percebem os laços estruturais entre corpo e sociedade.  Buscamos trazer para o currículo do curso da enfermagem uma nova perspectiva quanto ao cuidar dessa população, inserindo a temática Violência Contra a Mulher; desenvolvendo-a calcada numa assistência humanizada, sensível e integral, com base nas políticas públicas de prevenção e controle dos casos de violência contra a mulher, respeitando as particularidades histórico-sociais, e utilizando uma metodologia crítica da educação, com ênfase no diálogo, na busca pela transformação pessoal e da realidade, na omnilateralidade.          
Palavras-chave: Violência; Mulheres maltratadas; Currículo, Diagnóstico.



INTRODUÇÃO

Em virtude de sua magnitude e conseqüências, a violência destaca-se como um objeto de preocupação no campo da Saúde Coletiva, sendo considerada como um problema de saúde pública no mundo e, particularmente em nosso país, ou seja, uma questão complexa, possuidora de determinantes sociais e condicionantes culturais, que podem significar agravo e ameaça à vida, às condições de trabalho, às relações interpessoais e à qualidade da existência.

Consideramos a violência como ação intencional realizada por indivíduo ou grupo, dirigida a outro, que resulte em óbito, danos físicos, psicológicos e/ou sociais, implicando na utilização da força física ou da coação psíquica ou moral, logo um agravo à saúde.

No que diz respeito à saúde da mulher, historicamente, constata-se que as mulheres durante séculos, foram educadas para submeterem-se aos homens. A ‘domesticação’ da mulher foi conseqüência, dentre outros aspectos, da necessidade dos homens assegurarem a posse de sua descendência. Na organização da cultura patriarcal, o controle da sexualidade e da vida reprodutiva da mulher garante a imposição das regras de descendência e patrimônio e, posteriormente, um sistema rígido de divisão sexual do trabalho. Assim, a mulher sempre foi tutelada por algum homem, seja pai, tio, marido, irmão, médico, governante, ou padre, por exemplo. Pensar que a mulher é frágil e dependente do homem ou que o homem é o chefe do grupo familiar pode levar as pessoas a concluírem que é natural que os homens tenham mais poderes que as mulheres (BRASIL, 2002a, p. 15).

Com isso, ressaltamos que alguns níveis de violência contra a mulher são exercitados com legitimação social, considerados naturais – muitos homens não assumem que estão sendo violentos, e muitas mulheres também não percebem que são vítimas de violência.

Inúmeros são os registros de que a situação de violência é experimentada por grande número de mulheres, representando vivências bastante dramáticas. Sua singularidade não é só porque são violências severas, em sua maioria, mas sim, porque são situações de total subjugação da mulher, que passa a estar como não-sujeito na relação com o outro, um outro que geralmente, é pessoa de sua intimidade, e em quem a princípio ela confia e, mais que isso, ama, já que os agressores são majoritariamente parceiros ou ex-parceiros.

Segundo o Dossiê Violência Contra a mulher: interesse de toda a sociedade (REDE NACIONAL FEMINISTA DE SAÚDE E DIREITOS REPRODUTIVOS, 1999), nos EUA, pesquisas indicam que 20% das mulheres sofrem pelo menos um tipo de agressão física infligida pelo parceiro durante a vida. Por ano, entre 3 e 4 milhões de mulheres são agredidas em suas casas por pessoas de sua convivência íntima; na Índia, 5 mulheres são assassinadas por dia em conseqüência de disputas relacionadas ao dote; na África, cerca de 6 mil meninas sofrem mutilação genital a cada dia; na América Latina e Caribe, de 25 a 50% das mulheres são vítimas de violência doméstica; no Brasil, levantamento realizado pelo movimento Nacional dos Direitos Humanos indica que, em 1996, 72% do total de assassinatos de mulheres foram cometidos por homens que privavam de sua intimidade. Entretanto, destacamos que em virtude de diversos fatores, os sub-registros são comuns, as estatísticas não expressam a totalidade dos agravos sobre a saúde da mulher tendo como causa a violência.

A maioria dos casos de violência contra a mulher que ocorre no interior da própria família possui características específicas: grande parte ocorre por parceiros ou parentes, dificultando as vítimas a fazerem a denúncia ou buscar assistência médica, geralmente, por medo do agressor, da censura social, da vergonha e humilhação de tornar público o fato, além de muitas mulheres não reconhecerem como violência as agressões a que são submetidas por parceiros, pais, irmãos e outros parentes próximos. Outros fatores que dificultam a denúncia, é o despreparo dos profissionais e dos serviços de saúde para identificar a violência como uma questão de saúde e, como geradora de diversas patologias que demandam por esses serviços; também, temos o medo do registro por parte dos próprios profissionais, que receiam também serem vítimas dos agressores.

Ao considerarmos ser no setor da saúde, que a maioria dos casos de violência se convergem, e onde já se registra uma demanda diária crescente de vítimas de violência que recorrem a este serviço, é necessário que os profissionais de saúde, particularmente as enfermeiras, adquiriram competências durante sua formação para atender esses casos.

É unânime a importância do tema Violência Contra a Mulher na formação dos profissionais de saúde, entretanto, a inclusão da temática nos currículos da área da saúde ainda não se concretizou. O que se observa, como tentativa de sanar a deficiência do processo de formação e, atender a demanda dos serviços de saúde, é o investimento em capacitar os profissionais em serviço, e, de criar protocolos de atendimento e notificação dos casos de violência.

Entendemos que tais medidas são importantes, porém, ao considerarmos a violência como um problema de saúde pública já constatado, pensamos que a formação acerca dessa temática constitui uma necessidade na oferta de um atendimento de qualidade, integral e humanizado. É necessário considerá-la, como uma competência básica da enfermeira - saber diagnosticar, prevenir e cuidar de mulheres vítimas de violência.

A inserção do tema Violência Contra a Mulher no conteúdo programático de um Curso de Graduação na Área da Saúde, em especial no Curso de Graduação em Enfermagem, baseia-se em acreditar que os currículos na área da saúde devem ter como meta a necessidade de preparar profissionais competentes para atuar de forma crítica no Sistema Único de Saúde, capaz de uma prática contextualizada e articulada às necessidades sociais da população, conforme o objeto e o objetivo das Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação da Saúde, em especial a do Curso de Enfermagem (BRASIL/CNE/CNS, 2001).

Basicamente, são os serviços de saúde, especialmente, prontos-socorros, os mais procurados pelas mulheres em situação de violência. Porém, só recentemente, o sistema de saúde brasileiro começa a ser visto como sendo o locus privilegiado para identificar, tratar e referir vítimas de violência. Entendemos que, as profissionais de saúde quando sensibilizadas e bem capacitadas são agentes fundamentais na quebra do “ciclo da violência” (DESLANDES, 1999; SCHRAIBER e D`OLIVEIRA, 1999; LOPES, MEYER e WALDOW, 1996).

Assim sendo, podemos afirmar que os profissionais de saúde encontram-se em uma posição estratégica para detectar os riscos da violência e, identificar as possíveis vítimas. Entretanto, é comum o problema da violência contra a mulher permanecer oculto durante o atendimento, pois o motivo da procura de ajuda é o tratamento de problemas, como: palpitações, ansiedade, nervosismo, insônia, perturbações digestivas, que são sintomas decorrentes da tensão e violência do cotidiano dela. Não estando sensibilizada e preparada para detectar e trabalhar as questões de violência, o profissional não direciona a anamnese da mulher para agressões. Na maioria das vezes, a cliente é medicada com tranqüilizantes, e o problema persiste.     

Considerando que a análise das condições de vida da mulher é fundamental no sentido de se evitarem diagnósticos equivocados, baseados somente nas sintomatologias apresentadas, o profissional deve ser capacitado a ter uma visão assistencial integral, interdisciplinar, holística, humanizada, contextualizada, principalmente, durante a graduação para perceber as nuanças de como este tema pode estar presente no quotidiano das mulheres, ou seja, no contexto social em que está inserida.


A violência contra a mulher na formação da enfermeira
 De acordo com a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher realizada em Belém do Pará no ano de 1994, a violência contra a mulher é entendida como qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado. Podemos distinguir também, os tipos de violência a partir do local da ocorrência e do agressor – violência no âmbito doméstico (violência doméstica), violência praticada por familiares (violência intrafamiliar); e também, as violências praticadas pelo fato de serem mulheres (violência de gênero).

Nesta conferência recomendou-se que todos os esforços sejam feitos para prevenir todas as formas de violência e, que o atendimento das vítimas seja feito com respeito e eficiência. Assim o Estado e seus agentes não podem praticar nem aceitar a violência contra a mulher onde quer que ela ocorra.

Entretanto, muitos profissionais de saúde não sabem ou não direcionam sua escuta e seu olhar para diagnosticar uma situação de violência, e por conseqüência, não conduzem sua conduta e atenção para esse problema. Alguns não identificam situações de violência, outros ficam por demais sensíveis ao acontecimento, outros possuem receios de envolvimentos com a justiça, e alegam não possuírem respaldo concreto para qualquer atitude assistencial acerca da violência.

Tal fato, deve na sua maioria ao despreparo do profissional de saúde em lidar com situações de violência, e de entendê-la também como um agravo à saúde e não somente como um caso policial. A formação dos profissionais de saúde assim como, suas práticas assistenciais basicamente foram calcadas num modelo centrado no complexo médico-hospitalar, modelo biomédico, onde o objeto de atenção não é o cliente como um todo, e sim, suas partes, os seus sinais e sintomas, a busca do diagnóstico e da cura da doença. A relação teoria-prática ocorre a partir de uma visão dicotômica, aliada a uma visão fragmentada do ser humano, servindo de indicador de uma formação reprodutora da ideologia dominante, idealista e desconstextualizada. Portanto, uma educação de natureza acrítica e sem historicidade. Com freqüência neste modelo, os profissionais não percebem os laços estruturais entre corpo e sociedade em virtude de sua formação ainda arraigada num sistema biologizante.

É necessário que os profissionais de saúde estejam sensibilizados e capacitados a assistir de uma forma integral, contextualizada, atenta em diagnosticar e realizar condutas nos casos de violência, em particular, violência contra a mulher.  Para isso, as universidades possuem papel importantíssimo na produção de conhecimentos relevantes, na formação de profissionais adequados às necessidades sociais, na prestação de serviços oportunos e de qualidade, compartilhando de uma política de saúde voltada para as necessidades da maioria da população, com uma distribuição eqüitativa e de qualidade dos serviços de saúde (BAGNATO, 1999, p.31).

A formação da enfermeira vem ocorrendo ao longo do tempo, sob o predomínio desse modelo materializado em uma prática pedagógica com forte influência tecnicista, com a herança do Taylorismo impregnada no processo de trabalho em enfermagem. Esta prática pedagógica aparece mesclada a uma tendência academicista, na qual o conceito de saúde que emerge é centrado no biológico.

Logo, mesmo reconhecendo a violência como um problema de Saúde Pública, este fenômeno ainda é considerado uma “incômoda novidade” na agenda desse setor, não fazendo parte sistemática da grande maioria dos planejamentos curriculares das áreas da saúde. Isso se dá, primeiramente, porque a violência “desafia” os saberes hegemônicos no campo da Saúde. Não é uma doença embora cause lesões, dor, sofrimento e morte. Não tem sua “origem” em ação invasiva de microorganismos, sua causa não é nenhuma desordem orgânica – campos de notório saber da atuação médica e pesquisa biológica. Não se restringe aos “traumas” e às “lesões” que, invariavelmente, constituem suas conseqüências. (...) E, em segundo lugar, porque não se restringe ao campo da Saúde, ao contrário, é um problema que demanda a atuação interdisciplinar e dos vários setores da sociedade civil e de organizações governamentais, ou seja, é um problema que demanda por articulação interna com outros setores (DESLANDES, 1999, p.82).

Constata-se inclusive que, nos foros acadêmicos, a Violência Contra as Mulheres tem sido encarada como um aspecto da experiência privada, individual, que não alcançou, ainda, o status de fenômeno social, logo, a produção literária sobre o tema é restrita. Fora do âmbito acadêmico, a produção é um pouco maior, embora ainda insignificante, se comparada, por exemplo, com a literatura norte-americana (SOARES, 1999, p.28).

Sabemos que a produção científica acerca da temática começa a ser mais difundida a partir da década de 90 (SOUSA e MINAYO,2001), coincidindo com a Constituição Federal de 1988, que estabelece que o Sistema Único de Saúde (SUS) deve cumprir o papel de “ordenar” o processo de formação profissional (e conseqüentemente, de pesquisas) na área da saúde e a distribuição dos recursos humanos no país; assim como, intervir no processo formativo, levando em conta as dimensões sociais, econômicas e culturais da população.

A educação deve ser entendida como um processo permanente, iniciado durante a graduação e mantido na vida profissional, por meio das relações de parceria da universidade com os serviços de saúde, a comunidade, as entidades e outros setores da sociedade civil. Como tal, ela envolve uma importante reorientação pedagógica, centrada no desenvolvimento da aptidão de aprender, na adoção de metodologias de ensino-aprendizagem centradas no aluno como sujeito da aprendizagem e no professor como facilitador do processo de construção de conhecimento, fruto de ampla e total integração com o objeto de trabalho.

Com base no paradigma da integralidade, os planejamentos curriculares dos cursos de graduação devem deslocar o eixo da formação centrada na assistência individual prestada em unidades hospitalares para um processo de formação mais contextualizado, que leve em conta as dimensões sociais, econômicas e culturais da população, instrumentalizando as profissionais para enfrentar os problemas do processo saúde/doença da população. Isto implica estimular uma atuação interdisciplinar, multiprofissional, que respeite os princípios do controle social e do SUS e que atue com responsabilidade integral sobre a população num determinado território.

A abordagem pedagógica emergente dessas concepções passa a privilegiar os espaços coletivos, de trabalho em grupo, valorizando a vivência, a real participação e a produção coletiva do conhecimento a partir de uma formação da consciência crítica dos aspectos políticos e ideológicos relacionados às temáticas dae saúde como por exemplo, a da violência contra a mulher.

Nessa perspectiva, a enfermeira graduada a partir das Novas Diretrizes Curriculares Nacionais (CNE/CNS,2001), deve ter consciência do seu papel social; ser capaz de atuar na promoção, proteção, recuperação e reabilitação da saúde das pessoas, respeitando os preceitos éticos e legais; ser capaz de participar como cidadã das ações que buscam satisfazer as necessidades de saúde da população; ter uma visão crítica da realidade sócio-político-econômica do país de modo a estar instrumentalizada para uma participação efetiva no âmbito da saúde; ser agente participante das entidades de classe; e, ter sua prática profissional comprometida com princípios éticos e profissionais.

Considerando as Diretrizes Curriculares para o Curso de Graduação em Enfermagem e a realidade dos agravos que acometem a população feminina a partir de todo contexto histórico, social e político, entendemos que a formação de enfermeiras em relação à saúde da mulher necessita de ser redesenhada nos programas curriculares atuais.

É necessário enfatizar os diversos aspectos de assistência que compõem as bases programáticas de assistência à saúde da mulher (PAISM/MS,1984), como a assistência pré-natal, clínico-ginecológica, planejamento familiar, amamentação materna, assistência ao parto, aborto e puerpério. Contudo, é imprescindível enfatizar o paradigma da integralidade que deve permear toda a assistência, ou seja, a valorização da assistência humanizada, o acolhimento, não somente destacando as questões objetivas da saúde da mulher, mas valorizar igualmente outros contextos e situações subjetivas ou invisíveis, como o da violência contra a mulher, que também fazem parte do TODO feminino, de sua realidade social e, que interfere na condição da morbimortalidade da população feminina.

A temática violência contra a mulher, em virtude de sua complexidade necessita de ser discutida a partir de uma abordagem interdisciplinar, integralizadora e contextualizada, utilizando a categoria analítica gênero para compreendê-la e agir sobre ela, prevenindo-a e promovendo a saúde da população feminina.


Apresentando um proposta de inserção do tema violência contra a mulher no programa curricular do curso de graduação em enfermagem

Ao planejarmos a inserção da temática Violência Contra a Mulher no Programa Curricular do Curso de Enfermagem, optamos por introduzi-lo junto à área da Saúde da Mulher, visto que nesta área, aborda-se de uma forma mais aprofundada, os contextos histórico-sociais do papel da mulher na sociedade e suas repercussões sobre a saúde da população feminina. Nessa área busca-se desenvolver conhecimentos contextualizados sobre Mulher, Saúde e Sociedade que fundamentem uma prática de enfermagem sensível, favorecendo a instrumentalização do aluno e mulher no caminho da reaproximação do seu corpo, contribuindo para o exercício da cidadania. Cabe ressaltar que todas as atividades educativas e assistenciais construídas e refletidas na área da saúde da mulher encontram-se baseadas nas políticas públicas do Minsitério da Saúde – Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher.

Compreendendo que a temática violência contra a mulher deva ser vista como um problema de saúde pública, testamos sua inserção no primeiro período de contato das discentes com a área da mulher, onde são apresentados: os dados de saúde, os perfis de morbimortalidade da população feminina, as situações e políticas de promoção e prevenção da saúde integral da mulher nas diversas fases de sua vida. Dessa forma, as discentes já iniciam, na primeira aproximação com a saúde da mulher, reflexões acerca da magnitude dessa temática, sensibilizando seu olhar e sua escuta – instrumentos indispensáveis ao cuidar - para esta problemática muitas vezes ocultada e/ou banalizada pela prática cultural de nossa sociedade.

Tendo como base as Políticas Públicas do Ministério da Saúde sobre Violência Contra a Mulher, os temas desenvolvidos na proposta foram: Os Direitos Humanos das Mulheres; Magnitude e Características da Violência Intrafamiliar Contra Mulheres no Brasil e no Mundo; As Repercussões na Saúde associadas à Violência Contra as Mulheres; A Violência Intrafamiliar Contra Mulheres e os Serviços de Saúde; Condutas e responsabilidade dos profissionais de saúde e da enfermeira para intervir em situações de Mulheres Vítimas de Violência. Implícitos em todos estes temas, citam-se as categorias de poder, gênero, direito e saúde reprodutiva, entre outras.

No planejamento e desenvolvimento das aulas, selecionamos alguns documentos que se caracterizaram como fontes primárias de referência para a construção das aulas, tais como: Norma Técnica de Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual Contra Mulheres e Adolescentes (BRASIL, 1999a); Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violência - Portaria MS/GM N.º 737 de 16/02/2001 (BRASIL, 2001a); Cadernos de Violência Intrafamiliar (BRASIL, 2002-a). Para o desenvolvimento da temática, baseamos nos princípios da teoria crítica da educação e da pedagogia da problematização, com ênfase no diálogo, a busca pela transformação pessoal e da realidade, a omnilateralidade. Buscamos as sucessivas e gradativas aproximações sobre o tema, respeitando o processo de aprendizado das discentes, a complexidade do tema, o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, tendo sido avaliado de forma processual, durante e no final de cada aula.

E como estratégias no desenvolvimento da temática, além da dinâmica da aula e dos próprios temas propostos, utilizamos atividades como diálogo circular, dinâmicas de grupo, atividades de registros, atividades de pesquisa e ação. As atividades foram planejadas e construídas a partir do diagnóstico prévio acerca das características do corpo docente e discente sobre a temática e do referencial teórico acerca das políticas públicas. As atividades foram avaliadas durante todo o processo, e dependendo da avaliação, as estratégias de motivação foram modificadas.

Durante o diálogo circular, as discentes e docentes se beneficiaram ao trocar experiências, respeitaram as diversidades, compartilhando diários, incidentes, reações e surpreendem-se, agradavelmente, ao perceberem que outras pessoas sentem-se da mesma forma e ou aceitam as diversidades de opiniões. Também, favorecem a reflexão de pensamentos cristalizados, desfazendo impressões preconceituosas e barreiras em relacionamentos tanto entre as participantes como entre docentes e discentes. Nesse espaço, as atividades favorecem um ambiente de cuidado onde pessoas aprendem a se conhecer melhor e a pensar. (WALDOW, LOPES & MEYER, 1996).

Como atividade prática, realizou-se: (1) visitas à órgãos oficiais de referencia no atendimento à mulheres vítimas de violência no Estado do Rio de Janeiro – CEDIM/RJ, CIAM/RJ, IMMFM/SMS/RJ, DEAM, CLAVES/FIOCRUZ; e (2) discussões sobre casos clínicos de violência contra a mulher, buscando a identificação, diagnóstico, condutas, relacionando dialéticamente a teoria com a prática e contextualizando com a realidade social.

A escolha por cada uma dessas instituições teve como justificativa oferecer à turma uma diversidade de órgãos que atendem a mulher em situação de violência, permitindo uma visão mais ampla, intersetorial, interdisciplinar. E dando à eles a oportunidade de conhecer o funcionamento e os objetivos de instituições comprometidas com essa temática no Estado e Município do Rio de Janeiro, permitindo que estes sintam-se mais conhecedores da rede de apoio, mais sensibilizados com a magnitude do problema e, mais seguros de atender vítimas de violência enquanto futuras profissionais, não se sentindo solitários nesse processo.

Uma outra atividade considerada também prática e de avaliação do aprendizado, foi a construção de condutas de atendimento (diagnóstico e assistência) às mulheres vítimas de violência a partir de casos clínicos.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabemos que o desenvolvimento de um pensar crítico é uma atividade prioritária no ensino e envolve esforços, inclusive uma auto-avaliação sobre o significado do papel da educadora na formação das futuras profissionais de enfermagem, em um mundo em constante mudança, e cada vez mais complexo e desafiador. Buscamos trazer para o currículo da enfermagem a realidade social de muitas mulheres e, refletir sobre o papel da enfermeira na mudança do panorama da violência contra a mulher no país.

Na avaliação de discentes e docentes, a inserção da temática em um dos períodos da área da saúde da mulher, foi sem dúvida extremamente pertinente à formação de uma enfermeira, pois permiti uma primeira aproximação com uma temática complexa, que necessita de ser reforçada a cada situação surgida (pedagogia da problematização) durante todo o processo ensino-aprendizado na área da saúde da mulher, favorecendo ao desenvolvimento de uma assistência de qualidade à mulher, respeitando seus direitos enquanto cidadã e permitindo a construção de conhecimentos nessa área.

É importante ressaltar alguns fatores que foram indispensáveis na execução e desenvolvimento da inserção da temática no curso de enfermagem. (1) Um currículo construído com objetivos inovadores, críticos, contextualizados com a realidade social, atendendo as diretrizes curriculares nacionais, valorizando a relação dialética do conhecimento do educador e do educando como elemento essencial no processo educativo transformador, comprometido com a melhoria da sociedade, a partir da capacitação dos profissionais. (2) A inserção da temática na área saúde da mulher, onde o corpo docente e discente, valoriza e se responsabiliza em participar de atividades, estratégias, discussões teóricas e políticas públicas comprometidas com a busca de melhor qualidade de vida, de saúde e da cidadania desse grupo da população, permitindo que a inserção dessa temática tivesse um bom êxito, pois possuía um grupo sensibilizado e multiplicador dos direitos humanos, de uma prática assistencial sensível, que respeita as características histórico-sociais desse grupo da população. (3) A utilização da pedagogia da problematização, a partir dos princípios de uma educação crítica na inserção da temática.


REFERÊNCIAS

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Received:  August 11th , 2004  
Revised: August 15th ,2004
Accepted: August 25th, 2004