ARTIGOS DE REVISÃO

 


Gênero, saúde e enfermagem: A inserção do masculino no cuidado de enfermagem


   
Wiliam César Alves Machado1

1UNIPAC

 


ABSTRACT
It is treated of a bibliographical revision concerning the insert of the masculine in the contexts of clinical and social practice of taking care in the nursing ambit, drawing new contours for what was instituted by the feminist optics the historical record of the professional formation process in Brazil. It presents and it discusses with property the specifiable certain areas of the professionals' of the area performance, where the masculine presence is as indispensable as in other feminine spaces, for subjects of good sense and measures of comfort promotion, safety, privacy and the clients' well-being under cares and therapeutic nursing interventions to care. It proposes a wider to read again of the historical conjunctures on gender and practices of health care, suggesting larger interaction and the valorization of the positive aspects of both polarities to adapt the new order of the third millennium.  
Keywords: Gender; Nursing Care; Subjectivity.  


RESUMO
Trata-se de uma revisão bibliográfica acerca da inserção do masculino nos contextos de prática clínica e social de cuidar no âmbito da Enfermagem, desenhando novos contornos para o que se instituiu pela ótica feminista o registro histórico da profissionalização no país. Apresenta e discute com propriedade as especificidades de determinadas áreas de atuação dos profissionais da área, onde a presença masculina é tão imprescindível quanto noutros espaços femininos, por questões de bom senso e medidas de promoção de conforto, segurança, privacidade e bem-estar dos clientes sob cuidados e intervenções terapêuticas da Enfermagem. Propõe uma releitura mais ampla das conjunturas históricas sobre gênero e práticas de cuidar, sugerindo maior interação e a valorização dos aspectos positivos de ambas as polaridades para se adequar a nova ordem do terceiro milênio.
Palavras Chave: Gênero; Cuidado de Enfermagem; Subjetividade.


RESUMEN
Se trata de una revisión bibliográfica acerca de la inserción del masculino en los contextos de práctica clínica y social de tener el cuidado en el ámbito de enfermería, dibujando los nuevos contornos para lo que se instituyó por las ópticas feministas el registro histórico del profesionalización en Brasil. Presenta y discute con la propiedad el especificad ciertas áreas de los profesionales de la actuación del área dónde la presencia masculina es tan indispensable como en otros espacios del femenino, para los asuntos de buen sentido y medidas de promoción de consuelo, seguridad, retiro y el bienestar de los clientes bajo los cuidados y las intervenciones lactantes terapéuticas para cuidar. Propone un más ancho leer de nuevo de las coyunturas históricas en el género y prácticas de tener el cuidado, haciendo pensar en la interacción más grande y la valorización de los aspectos positivos de ambas polaridades para adaptar el nuevo orden del tercer milenio.    
Palabras Clave: Género; Cuidado de Enfermería; Subjetividad.  


 
 O corpo da enfermagem– Um ponto de vista masculino
A propósito de questões polêmicas como da inserção do masculino no CUIDADO de Enfermagem, partindo da suposição de esta prática se constituir espaço e lócus majoritariamente sob domínio do gênero feminino, o que é de fato incontestável, se analisado sob a perspectiva histórica que caracteriza a carreira como um segmento profissional de pouca expressão e valor social, definitivamente nos leva reforçar a máxima de que o que faz com que os interessados na carreira tenham migrado em maioria de classes sociais menos abastadas financeiramente e/ou sem grandes pretensões materiais. Porém, não se pode negar a intenção da mesma maioria em obter com o título de bacharel em Enfermagem, a médio prazo, recursos financeiros que viabilize ascensão sócio-econômico e/ou mudança de classe social.

A prática docente na área de Enfermagem Fundamental nos tem confirmado que os profissionais de nível técnico, em especial da Enfermagem, são dominantes entre os que buscam no curso de graduação oportunidade de ascensão social de médio prazo, e já não mais com as mesmas características históricas em termos proporcionais entre o gênero feminino e masculino. Observa-se que as novas turmas gradativamente apresentam maiores contingentes do gênero masculino, reflexo da abertura do mercado de trabalho em frentes específicas para as características masculinas, como as longas jornadas nas plataformas oceânicas de exploração de petróleo, entre várias novas opções, além dos tradicionais espaços na prática de cuidar em Enfermagem onde a presença de enfermeiros é indispensável, como nas unidades de internação clínica ou cirúrgica de urologia, proctologia, ortopedia, neuro e traumatologia, psiquiatria, por exemplo.

Algo está mudando na representatividade masculina da Enfermagem no terceiro milênio, inclusive, sugerindo um re-pensar no discurso acadêmico tão apegado ao condicionamento pela maneira de conceber o mundo e a dimensão humana sob a ótica feminista, para que possamos enquadrar esta prática social num contexto que abarque os dois gêneros em harmonia para atuar em suas múltiplas possibilidades de CUIDAR do outro, sem autoritarismo e invasão de privacidade, tudo em prol de proporcionar aos nossos clientes bem-estar, segurança, conforto e direito de escolha ao ser cuidado.

Afinal, é bom lembrar que as experiências da Enfermagem sob domínio do patriarcado, e, conseqüentemente, da polaridade masculina não foi tampouco tem sido fácil para seus agentes sociais ao longo da história, portanto, não seria prudente repetir os mesmos erros agora que a polaridade feminina emerge e tende a dominar na atmosfera planetária, impregnando e permeando as atividades humanas nas mais diversas áreas de conhecimento e sua dimensão prática. Imperativo se torna dar margem a manifestação e ao fortalecimento dos aspectos positivos das polaridades, em particular as femininas, mas, sem omitir os aspectos positivos da polaridade masculina, pois, são complementares e indissociáveis á meta de nos tornar melhores, lapidar mesmo, nossas formas de interagir para cuidar do outro.

Tradicionalmente, os representantes do gênero masculino, onde quer que estejam, tendem a optar pela racionalidade identificada por carreiras mais sólidas, consolidadas ao longo dos anos e séculos, o que definitivamente não é o caso da Enfermagem. Esta guiança deve-se também aos padrões do patriarcado que instituiu o gênero masculino como “cabeça” da família, tendo na figura feminina um protótipo de vinculação às atividades domésticas em suas várias representações do trabalho entrópico, como de menor valor político e social através da história da humanidade. Conjuntura consciente ou inconscientemente reforçada pelo imaginário coletivo e agravada devido ao regente planetário ter permanecido centrado na polaridade masculina, até 8/8/88, energia que a tudo permeou emanada de Shamballa desde o início da vida humana na Terra. Porém, com o advento do terceiro milênio, novo padrão vibratório foi criado pela consciência terrena através da migração do regente planetário do LESTE para o OESTE, instalando-se no Cone Sul, mais especificamente nos Andes peruanos, em MIZ TLI TLAN, expressão da polaridade feminina que tem na intuição e na subjetividade os novos padrões da atividade humana (TRIGUEIRINHO, 2003, p. 195).

O que pode representar oportunidade singular para a Enfermagem crescer e se fortalecer como área de fértil conhecimento, capaz de congregar agentes humanos sem compromisso restritivos com a questão de gênero, que é secundária numa prática de interagir com os semelhantes de forma aberta suficiente para o emergir do amor, mola propulsora que a tudo impulsiona, impregna, orienta, aqui, no plano denso da matéria, como em todo o cosmos.

Re-desenhando nossas origens: o masculino no cuidado
Um dos mais renomados escritores brasileiros, nascido em 21/06/1839 escreveu uma crônica denominada “O Enfermeiro”, na qual apresenta uma curiosa situação de cuidar de um certo coronel ranzinza em sua casa, onde o enfermeiro via-se face aos limites toleráveis do convívio com seu paciente. Segundo os relatos de Machado de Assis (1994, p. 37-46), o dito coronel tinha por hábito destratar, insultar e, inclusive arremessar objetos nos enfermeiros que lhe prestavam cuidados, “Era homem insuportável, estúrdio, exigente, ninguém o aturava, nem os próprios amigos. Gastava mais enfermeiros que remédios. Não me recebeu mal. Começou por não dizer nada; pôs em mim dous olhos de gato que observa; depois, uma espécie de riso maligno alumiou-lhe as feições, que eram duras. Afinal, disse-me que nenhum dos enfermeiros que tivera, prestava para nada, dormiam muito, eram respondões e andavam ao faro das escravas; dous eram até gatunos!” O que nos confirma a presença do masculino no exercício da enfermagem, bem antes do início da profissionalização no Brasil.

A controvertida questão de se associar, ainda que tendenciosamente, a histórica prática de cuidar de pessoas doentes, de seus ferimentos, suprir suas necessidades humanas básicas, entre outros distúrbios físicos/mentais/espirituais à imagem das mulheres, e, conseqüentemente, ao gênero feminino, é habilidosamente trabalhada por Cecin (1998, p. 92), que bem situa o papel do masculino na Enfermagem. Segundo ele, embora a associação feminino-doméstica ao trabalho em enfermagem, seja irrefutável, não há qualquer dúvida quanto a efetiva participação masculina na prestação de cuidados de enfermagem nos asilos hospitalares do século XVIII. Os enfermos recuperados eram empregados como cuidadores, escolhidos entre os mais aptos para este trabalho por sua bondade, humildade e honestidade, evidentemente, opondo a uma mera vocação femininaAcrescenta ainda que, durante o século XVI e até o alvorecer do século XX, as ações de saúde, hoje creditadas à enfermagem, eram desempenhadas, predominantemente por homens, por exemplo, no Brasil, pelos feiticeiros, curandeiros, sacerdotes, barbeiros, cirurgiões entre outros.

Ponto de vista também apresentado no estudo de Moreira (1990, p. 79), ao discutir os aspectos da criação da primeira escola de enfermagem no Brasil pelo Decreto 791, de 27 de setembro de 1890, assinado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisório da República. Ela esclarece que as justificativas apontadas para o início da profissionalização da enfermagem no país, reportam, em primeiro lugar, a necessidade de suprir a falta de mão de obra em decorrência da saída das religiosas do hospício. Por outro lado, resolveria outra questão pendente e voltada para solucionar o problema da dificuldade de colocação das moças egressas dos internatos do Estado no mercado de trabalho.

É interessante notar que, embora Lima (1993, p. 22) reconheça que o primeiro rompimento com o paradigma cristão da enfermagem no Brasil tenha ocorrido no Hospital dos Alienados, ainda assim, penso que ela tece considerações tímidas e/ou deveras influenciada pelo modelo anglo-americano sobre a missão de enfermeiras francesas que chegou no Brasil, mais especificamente na cidade do Rio de Janeiro, encarregada de iniciar o processo de profissionalização da enfermagem no país. Detalhes e fatos históricos que seriam melhor elucidados, caso não omitisse propositadamente os reflexos do modelo franco-brasileiro nos rumos da profissão, como a grande maioria das pesquisadoras feministas que se aventura  interpretar a história da enfermagem brasileira. O mesmo pode ser observado no estudo de Gauthier e Sobral (1998, p. 91), que apresenta um discurso tendenciosamente feminista, característico do paradigma nightingaliano para contextualizar a historicidade do cuidado, bem como o início da profissionalização da enfermagem no Brasil. Em contrapartida, são as reflexões de Cecin (1998, p. 94) acerca dessa historicidade que melhor caracterizam o perfil autoritário do paradigma nightingaliano, reportando-se ao silêncio imposto aos enfermeiros e enfermeiras brasileiras – denominando-o de silenciamento.

A mesma distorção histórica pode ser constatada na linguagem de Santos e Gauthier (1999, p. 23), quando discutem o conceito de instituído, instituínte e institucionalização. Segundo eles, o instituído caracteriza-se pelas relações de poder, recalcamento e normalização do estabelecido; enquanto o instituínte apresenta-se como renovador, revolucionário, portanto, questionando o instituído; finalmente, surge a institucionalização como resultante da crise instalada pelo questionamento do instituído pelo instituínte, que, num momento dialético o instituínte passa a ser o instituído, mudando as relações de poder para instaurar um modelo menos opressivo, porém perdendo seus vínculos e características históricas de luta por transformações. O que bem se aplica ao Efeito Mühlmann que: “(...) no âmbito da enfermagem, refere-se ao caráter paradoxal quanto ao fato da instituição nascer e se desenvolver utilizando-se do fracasso da sua própria profecia inicial”. Uma vez que, as profetas do modelo nightingaleano fracassaram, porque o que declararam instituínte e questionador de um modelo francês para a profissionalização de enfermagem, em vigor desde 1890, com ênfase na saúde mental – acabou por se tornar burocrático devido ao seu caráter exclusivamente administrativo de conceber, tanto o processo de formação voltado para atuação em nível preventivo de doenças e epidemias, quanto a sua dimensão nos campos de prática hospitalar excessivamente condicionada ao saber médico. Aliás, controvérsia que traz em sua essência, ainda que meio travestida de “boas intenções” a bandeira feminista.

Creio de suma importância esclarecer alguns aspectos lingüísticos próprios dos modelos franco-brasileiro e anglo-americano acerca da profissionalização de Enfermagem no Brasil, respectivamente o primeiro e o segundo implantados no país e que fizeram muita diferença para a questão de gênero. Em primeiro lugar, no que concerne ao modelo franco-brasileiro, as missionárias francesas não tiveram o menor problema ao denominar a primeira Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, posto que, em francês, tanto existe o substantivo masculino infirmier (enfermeiro) quanto o substantivo feminino infirmière(enfermeira), portanto, não havendo razões menores que justificassem a subestimação de um gênero em relação ao outro, seja na linguagem escrita ou falada, seja na mera luta por conquista de espaço exclusivamente feminista. Quanto ao modelo anglo-americano, este já aportou no Brasil trazendo na bagagem o jargão da primeira conquista do movimento feminista, somadas as dificuldades de enquadramento do masculino em seu contexto que começam pela caracterização do feminino até mesmo no substantivo nursing (enfermagem, ama-de-leite, amamentação etc.), bem como no substantivo feminino nurse (enfermeira, ama-seca, governanta etc.), tudo remetendo a imagem da mulher em suas atividades domésticas. Porém, para se enquadrar o masculino em inglês na enfermagem é preciso usar o substantivo male nurse, o que se constitui num desgaste sem necessidade  e revela barreiras e dificuldades essenciais (MACHADO, 2002, p. 281).

Oportuno também se faz observar que essa “guerra dos sexos”, no âmbito de outras profissões tem pouca ressonância formal, mesmo naqueles tradicionais espaços femininos, como o da nutrição e serviço social, em cujos contingentes quantitativos proporcionais, a presença  masculina é significativamente inferior ao da enfermagem. Ademais, a emergência do feminino em espaços demarcados pelo gênero masculino, como a engenharia, medicina, odontologia, entre outros, é fato incontestável na sociedade ocidental e responsável pela nova performance das profissões para o terceiro milênio. Então, por quê tanta celeuma?

Cuidado e polaridades: aspectos secundários da questão de gênero
Numa perspectiva histórica mais ampla Trigueirinho (2003, p. 197), destaca que na Grécia, quatro séculos antes de Cristo, Esculápio exercia a cura cósmica, através das atividades desenvolvidas nos quatrocentos templos erguidos para fins terapêuticos. Os enfermos compareciam e eram curados durante o sono, através do que era conhecido como incubação ou sono no templo. Chegando ali o enfermo fazia uma oferta de si aos deuses e purificava-se por meio de banhos, abstinência e dietas. Durante a noite, Esculápio aparecia-lhes em sonho e dava-lhes a orientação necessária, em certos casos, submetia-o a uma operação e, pela manhã, ao acordar, a pessoa estava boa. Esses métodos eram conhecidos também no Oráculo de Delfos, onde, segundo a história da medicina, se praticavam formas de psicoterapia próprias da época, que tinham raízes na essência cósmica da cura e não se limitavam a elementos racionais.

A leitura de Achterberg (1996, p. 36) revela que o fio dourado da cura pela imaginação, associado aos templos asclepianos da Turquia e da Grécia, permaneceu intacto, a respeito da forte influência da Igreja, corporações médicas e curandeiros populares. Em vez de Asclépio, os milagres da cura foram atribuídos aos santos Cosme e Damião, gêmeos submetidos ao martírio durante a perseguição promovida por Diocleciano, no ano 278 dC. A prática do sono no templo ou incubação continuou nas igrejas cristãs da Europa, em especial na Inglaterra, e gozavam de boa reputação por promover curas excepcionais. Assim, os métodos dos xamãs e das curandeiras (essas, ainda que no anonimato por questão de gênero feminino) fundamentavam-se em curar no domínio da realidade não-ordinária (visões, invocação de espíritos guias), fazendo parte dos rituais do cristianismo desde os seus primórdios, porém, com outras denominações. Dentro da conjuntura da “Santa Inquisição”, as mulheres eram acusadas de  responsáveis por todos os males da Europa, Inglaterra e América, inclusive divulgava-se a opinião de que as parteiras causavam maior dano à Igreja Católica do que qualquer outra criatura.

Numa retrospectiva histórica mais acurada, contudo, de acordo com as reflexões de Rank (1934, p. 192-194), foi a evolução ao culto solar que deu inicio à decadência e o abandono decisivo da civilização aos ancestrais padrões de domínio matriarcal, do qual se beneficiou a civilização patriarcal, orientação que encontra igualmente sua expressão na identificação final do rei  recém-nascido (infans) com o sol, em oposição ao domínio da mulher, tanto na vida social quanto na vida religiosa e artística. Modelo de cultura que se propagou no Egito e redundou, na Grécia, com a total eliminação da mulher, mesmo na vida erótica, processo que foi o marco da decadência da tradição matriarcal na Ásia Menor. Por outro lado, não se pode omitir que o declínio e a dissolução da influência das mulheres nos processos de cura, agravou-se sobremaneira com o Método Científico proposto pela ciência emergente de Francis Bacon que condenava ao expurgo tudo que era irracional, intuitivo, consolidando a influência exercida pelas atividades patriarcais sobre o pensamento científico. Então, a nova “ciência” floresceu as custas do afastamento das clássicas virtudes femininas aplicadas aos procedimentos de cura, a despeito da vasta sabedoria adquirida pelas mulheres ao longo do tempo sobre cuidado, nutrição, manipulação de ervas, além da inata abertura da polaridade feminina para a intuição, dom indispensável aos processos interacionais que envolve o cuidar do próximo. 

Para nós enfermeiros, uma compreensão melhor elaborada em relação ao nosso arcabouço teórico-prático na esfera do binômio intuição-subjetividade, entendo como oportuno o pensamento de Capra (1992, p. 72) quando ele esclarece que desde Galileu, Descartes  e Newton, nossa cultura tem estado tão obcecada com o conhecimento racional, a objetividade e a quantificação, que nos mostramos muito inseguros ao lidar com os valores inerentes à experiência humana em essência, particularmente aqueles relacionados a dimensão subjetiva que nos cerca. Para ele, o fenômeno da cura estará excluído da ciência enquanto os pesquisadores da área de saúde se limitarem a uma estrutura conceitual que não lhes permita uma abertura de consciência e a compreensão interativa de corpo, mente, espírito e meio ambiente. A arte de curar não pode ser quantificada, mas o impalpável da realidade imaterial que está pulsante em nossos pensamentos, sentimentos, emoções, falando através do coração, não seriam suficientes para abrir nossa consciência de que algo MAIOR nos guia quando interagimos para cuidar? 

No âmbito das polaridades, contudo, o discurso de Trigueirinho (1996, p. 48) salienta que a nossa grande aventura é o equilíbrio entre o Yin e o Yang, ou seja, entre a Anima e o Animus, de acordo com a psicologia junguiana, pois todos temos traços característicos da polaridade masculina, tais como, coragem, firmeza, caráter direto, capacidade de decisão, sinceridade, generosidade, magnanimidade, franqueza, visão ampla do trabalho criativo, denominados aspectos “positivos”. Da mesma forma, somos potencialmente susceptíveis aos traços de dureza de coração, impaciência, grosseria, autoritarismo, fanatismo, sujeição aos desejos inferiores, classificados “negativos”, aliás, altamente prejudiciais aos outros quando interagimos em qualquer situação da vida cotidiana.

Dentre os aspectos da polaridade feminina destacam-se: compaixão, sensibilidade, intuição, suavidade, modéstia, prudência, ternura, paciência, escrupulosidade, considerados “positivos”; e covardia, acanhamento, indecisão, falsidade, astúcia, dissimulação, sentimentalismo, tidos como “negativos”. Porém, reconhecer a presença desses nossos aspectos inatos, quer sejam masculinos, quer sejam femininos, é o princípio do trabalho com a unicidade para que eles atuem de modo coeso, harmônico e equânime através de nossos pensamentos e ações. Cabe-nos então procurar superar os traços negativos e cultivar, estimular e fortalecer os positivos de cada uma das polaridades.

Postura feminista, enfermagem e civilização
Ao que nos sugere Pereira (1999, p. 55), o feminismo, como ideologia política, pode ser identificado desde o século XIX, mas foi nas décadas de 70 e 80 do século XX que o pensamento feminino surge no campo acadêmico e impõe-se como uma tendência teórica inovadora e de forte potencial crítico. Para ela, uma das principais características do movimento feminista desde o seu início é a sua constante superação, uma vez que logo observou-se grande equívoco teórico da primeira geração de feministas, ou seja, a definição do olhar masculino como certo e verdadeiro, resultando numa mutilação da identidade feminina e da  sua visão do mundo. A segunda geração de feministas, no final dos anos 70, tenta redefinir a especificidade e a diferença do feminino, demarcando o início do período de reconstrução da mulher no mundo, e, conseqüentemente, suas lideranças procuraram enaltecer as mulheres que fizeram história. Então, reeditam uma história diferente da escrita pelos homens. A terceira e atual geração de feministas, entretanto, tem uma postura mais condizente com uma teoria que se quer libertadora ou auto-emancipadora, enaltecendo a multiplicidade das diferenças e a alteridade entre os gêneros. Postula a instauração simbólica de uma multiplicidade de diferenças entre homens e mulheres, e rejeita a possibilidade de se compreender o mundo puramente feminino, pois o feminino se define em relação ao masculino.

Na década de oitenta, como aduz Pereira (1999, p. 53), a produção de conhecimento acadêmico no âmbito da Enfermagem revela predominância de estudos fundamentados no marxismo, que traz em si a pré-determinação, a fixação dos espaços e fazeres dito femininos, sempre associados aos mitos construídos em torno da maternidade, do cuidado com a família, bem como da preservação do ambiente doméstico. Porém, a utilização de tais referenciais teóricos, além de ter sido uma tentativa de elevar o status da categoria profissional, foi também um equívoco que prejudicou a construção da identidade profissional da Enfermagem. Um grande erro, pois esses referenciais não só negavam como criticavam muitos dos aspectos particularmente femininos que distorciam as nuances do fazer cotidiano da profissão, mas que agora podem ser valorizados pela nova ótica feminista. Aquela que o feminino se define em relação ao masculino, ponto de vista análogo ao círculo cosmogônico Yin e o Yang da milenar tradição chinesa.

Um rápido passeio pela milenar história da civilização chinesa na intenção de compreender como lidavam com a questão de gênero, saúde e cuidado (enfermagem), revela que embora isolada do resto do mundo até o século XVII por questões da dificuldade lingüística, ela remonta tempo pretérito, desde a Idade da Pedra, com a Dinastia IANG-CHAO, seguida pela Idade do Bronze, na Dinastia CHANG, contribuiu substancialmente para o progresso e evolução da humanidade, ainda que sob a égide da polaridade masculina. Por volta do ano 1027 aC, na Dinastia TCHEU, surgem as técnicas de irrigação – período conhecido como a Idade Clássica da China; a partir do ano 221 aC, o Estado Feudal CHING (época que foi construída a Muralha da China); em 202 o poder passou à Dinastia HAN que dirigiu os destinos da China por quatro séculos e meio (com a invenção do papel, aliás que demorou seis séculos e meio para chegar à Ásia Central e doze séculos para chegar à Europa Ocidental), embora não se faça menção ao gênero feminino, subentende-se suas influências nos bastidores do poder masculino. Da mesma forma, no ano 265, em clima de instabilidade a Dinastia WEI assumiu o controle do país, seguida da Dinastia SUI deposta pela Dinastia TANG, cujo domínio durou até o século X (com grandes avanços na arte, literatura, a produção da verdadeira porcelana e invenção da pólvora), bem assim quanto no ano de 960, com a Dinastia SUNG que permaneceu até o ano 1126, quando foi derrubada pela Dinastia YUNG, que dominou até 1368, não há registro oficial sobre o papel político da mulher na sociedade chinesa. Foi nesse período que a China tornou-se bastante conhecida no exterior (ocasião em que Marco Polo esteve lá como funcionário da corte por dezessete anos), em 1368, passa a dominar a Dinastia MING  - época de muita evolução da farmacopéia e que os jesuítas chegaram a China e introduziram a ciência européia, segundo (SANTOS, 2003, p. 74-77).

Ainda de acordo com Santos (2003, p. 76), o maior movimento científico-filosófico primitivo da China foi o Taoísmo. Uma mistura de religião e filosofia, magia e ciência primitiva. Derivou da vontade de seus seguidores alcançar o TAO, um termo espiritual filosófico que significa “O Caminho” ou “A Ordem da Natureza”. Conjuntura histórica efetivamente diferenciada da cultura ocidental, pois na medida em que os chineses buscavam integrar a essência do ser humano com a natureza em todas as formas manifestadas, os povos ocidentais estiveram preocupados em enaltecer as qualidades do ego, da personalidade individual, excluindo suas relações com o TODO. A civilização chinesa foi pioneira em vários aspectos da evolução do conhecimento humano, e pouco do que se sabe sobre a questão de gênero em sua organização social remete ao respeito com sabedoria, equilíbrio e harmonia, consciente para seus sábios e monges, ou inconscientemente pela maior parcela da população, mas sempre demonstrando zelo pela dimensão imaterial que rege a vida neste planeta, com a energia da polaridade masculina sendo irradiada de Shamballa, no Himalaia, até 8/8/1988, quando Centro Regente do Planeta migrou para os Andes, em MIZ TLI TLAN, no Cone Sul, dando início ao novo ciclo evolutivo da humanidade, agora sob influência da polaridade feminina e com o emergir da intuição em toda forma de vida manifestada (TRIGUEIRINHO, 2003, p. 196).

Na história da civilização Ocidental podemos observar no discurso de Santos (2003, p. 75) a supremacia masculina na ciência grega, enquanto a filosofia nasceu com Sócrates no século VI aC, a ciência que se encontrava em forma embrionária, surgiu dos estudos e testes de Aristóteles (nascido em 384 aC) e predominou até o século XVII. Discípulo e amigo de Platão, sua maior contribuição para a ciência foi a criação da Lógica, mas deu também outras contribuições no campo da Astronomia, da Matemática, da Biologia, da Embriologia, da Anatomia e da classificação dos seres vivos.

Uma questão consensual entre os sábios daqueles longínquos tempos era alcançar o “arché”, qual seja, o princípio de todas as coisas. Curioso é constatar que entre os nomes de filósofos e cientistas da Grécia, não haja nenhuma referência oficial ao trabalho das mulheres. Mas pressupõe-se que grandes foram as suas influências nos bastidores, evidentemente. O mesmo pode ser verificado no estudo da cultura e civilização indiana, árabe, bem como evidente se faz na tradição judaico-cristã. A única explicação se deve ao fato de que a polaridade planetária esteve centrada no masculino, energia emanada de Shamballa. Contudo, com o ciclo evolutivo que vivemos agora, a polaridade feminina do planeta tendo despertado em 8/8/88, passou a governar os propósitos evolutivos da humanidade. Seus reflexos são incontestáveis em todas as áreas do conhecimento humano, como o científico da saúde, por exemplo, no qual já não mais se concebe expurgar saberes populares, valor da fé, intuição, toques e energias veiculadas pelo pensamento, bem como tudo que se refere a dimensão subjetiva, imaterial, como contribuições nas práticas de cura e suas pesquisas mais avançadas.

A transcultural Alexandria do início da era cristã, na leitura de Leloup (1996, p. 36-49), era espaço de encontro e fecundação das civilizações do Oriente e Ocidente, sendo solo fecundo para o desenvolvimento da árvore da sabedoria dos Terapeutas. Aliás, o tempo que vivemos bem pode ser metaforizado como o de uma Nova Alexandria, onde o diálogo e a sinergia entre as múltiplas cosmovisões e culturas da nossa “Aldeia Global” assume uma dimensão planetária. Os terapeutas do deserto, como eram conhecidos eram hermeneutas por excelência, uma vez que habilitados na arte da interpretação das Escrituras Sagradas, da Natureza e do Coração, dos sonhos e dos eventos da existência, já postulavam uma antropologia não dual, considerando o ser humano como uma totalidade corpo/alma/espírito, portanto, não separando o que o próprio Deus uniu. A tarefa primordial para eles era CUIDAR, antes de tudo cuidar do que não é doente em nós, do ser que nos habita, do sopro sagrado que nos inspira, da LUZ interior, assim como cuidar do corpo, Templo do espírito. Em suma, terapeutas holísticos como nas nossas maiores intenções profissionais contemporâneas.

Filón de Alexandria viveu na primeira metade do século I dC e atuava com seu grupo de terapeutas nos arredores de Alexandria, onde os sincretismos mais delirantes tiveram seus corolários de sectarismos obtusos e às vezes violentos. O terapeuta do templo de Fílon cuidava do outro através da oração e postulava que o ato de rezar estabelece uma conexão com a Fonte Real do ser, estimulando-o a manter pura sintonia com a Fonte de Vida que o habita interiormente, com sua contraparte imaterial, suprafísica. As mulheres também participavam das atividades do grupo de terapeutas, sendo que a maioria era idosas e virgens que guardavam a castidade não por obrigação como algumas sacerdotisas da Grécia, mas voluntariamente por zelo apaixonado pela sabedoria.

Para Filón, harmonia é um sinônimo de saúde, sintonia entre o fundo e a forma, entre a palavra e o pensamento, entre a palavra e a vida. Entre o Ser essencial e o Ser existencial.

A propósito, maneira de compreender nossa existência na matéria similar a de Bailey (2001, p. 63) ao dizer que a doença aparece onde há falta de alinhamento entre estes vários fatores: a alma e a forma, a vida e sua expressão, a realidade subjetiva e a objetiva. Na mesma linha de pensamento Achterberg (1996, p. 24) acredita que a doença “é o registro mais íntimo da desordem e das alterações vitais nos corpos individuais e no corpo coletivo da biosfera”. Ao meu ver excelentes pontos de partida para se pensar nas formas de interagir para cuidar no escopo da Enfermagem, independente da questão de gênero que não passa de envoltório efêmero e transitório de seus exercentes. O que na verdade conta e faz diferença é o amor que se coloca naquilo que se faz, para nós enfermeiros, o amor que dimensionamos nas práticas de CUIDAR incondicionalmente de quem quer que necessite de nossas intervenções.
           
Cuidar e cuidado independem da questão de gênero
Falando sobre figuras exemplares do cuidado de e para com os outros com enfoque na dedicação incondicional, Boff (1999, p. 167-171), destaca o papel das educadoras e educadores que se devotam ao crescimento humano, das enfermeiras e enfermeiros que cuidam de seus doentes e de tantas pessoas que no anonimato se desvelam no cuidado de alguém nos vários contextos sociais, sem, no entanto, se preocupar com a questão de gênero, posto que o que de fato interessa é o amor que se coloca nos atos e na maneira singular como interagem com os outros, vistos como prolongamentos do seu próprio Ser. Destaca alguns nomes reconhecidamente notórios pelos seus feitos no campo da solidariedade humana, como por exemplo: São Francisco de Assis – a fraternura universal; Madre Teresa de Calcutá – o princípio da misericórdia – que dizia:  “enquanto vocês discutem as causas e as explicações, eu me ajoelho ao lado do mais pobre dos pobres e cuido de suas necessidades”; irmão Antônio de Petrópolis– caçador de sorrisos em rostos tristes; Mahatma Gandh; a política como cuidado com o povo [Mahatma significa Grande Alma] Olenka e Tânia – a hospitalidade que salva. Ponto de vista antagônico ao defendido por Gauthier e Sobral (1998, p. 99) ao defender a idéia de que o CUIDAR seja feminino. O que pode ser perfeitamente compreensível se analisado pela ótica feminista, evidentemente.

Então, por quê nós enfermeiros, em especial as enfermeiras feministas se preocupam tanto com a questão de gênero, numa atividade humana que se caracteriza essencialmente pela vibração energética e sintonia do ser que cuida com sua dimensão interior, que é eterna, se nos consideramos, ainda que teoricamente, projetos infinitos ou seres em evolução existencial? Não seria contraditório afirmar e confirmar nosso condicionamento às pequenas coisas da mente e da personalidade, se buscamos nos enquadrar na concepção holística da existência humana no universo?  Cabe aqui lembrar a metáfora da águia e da galinha de (BOFF, 1998). Creio mais providencial optar pela nossa dimensão águia como o TAO, ou caminho para transcender essas amarras que nos impedem alçar vôos longínquos e adentrar em níveis e planos de consciência elevados, tudo em prol da lapidação de nossas atitudes junto aos clientes que cuidamos no cotidiano. Afinal, precisamos re-aprender muito, inclusive que nossos clientes são singulares como todo ser humano e, dependendo de seu direito de escolha por ser tocado, pode preferir alguém que não exacerba seus constrangimentos, provoque invasão de privacidade no masculino e no feminino, represente ameaça aos seus valores pessoais etc., estarmos sempre empenhados em atender suas solicitações que, em síntese, são necessidades e anseios de ser bem cuidado.


REFERÊNCIAS

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Received  June 13th , 2004  
Revised August 22nd ,2004
Accepted August 25th, 2004