ARTIGOS ORIGINAIS
Processo de enfermagem: aplicação à prática profissional
Telma Ribeiro Garcia1, Maria Miriam Lima da Nóbrega1, Emília Campos de Carvalho2
1Universidade Federal da Paraíba
2Universidade de São Paulo
ABSTRACT
It is presented, on the basis of a literature review, a historical evolution of the Nursing Process, understanding it as a technological instrument and a methodological model for the nursing professional practice. It is briefly described how the Nursing Process has advanced, from the initial emphasis in the identification and resolution of problems, to the effort of identification and classification of nursing diagnoses, and, more currently, to the specification and clinical testing of the patient’s results that are sensible to the nursing interventions.
Keywords: Nursing Process; Nursing Diagnoses; Nursing Terminologies.
RESUMO
Apresenta-se, com base em revisão de literatura, uma evolução histórica do Processo de Enfermagem, entendendo-o como um instrumental tecnológico e um modelo metodológico para o cuidado profissional de enfermagem. Descreve-se como o Processo de Enfermagem avançou, da ênfase inicial na identificação e resolução de problemas, para o esforço de identificação e classificação de diagnósticos de enfermagem, e, mais atualmente, para a especificação e testagem na prática de resultados do paciente que sejam sensíveis à intervenção profissional.
Palavras-chave: Processo de Enfermagem; Diagnósticos de Enfermagem; Terminologias de Enfermagem.
RESUMEN
Se presenta, en base de una revisión de la literatura, una evolución histórica del Proceso de Enfermería, comprendiendo él como un instrumento tecnológico y un modelo metodológico para el cuidado profesional de enfermería. Se describe brevemente cómo el Proceso ha avanzado, del énfasis inicial en la identificación y la resolución de problemas, al esfuerzo para la identificación y de la clasificación de los diagnósticos de enfermería, y, más actualmente, a la especificación y a la prueba en la práctica de los resultados de los pacientes que son sensibles a las intervención de enfermería.
Palabras-clave: Proceso de Enfermería; Diagnósticos de Enfermería; Terminologías de Enfermería.
INTRODUÇÃO
A Enfermagem é exercida em uma ampla variedade de ambientes, a exemplo de instituições prestadoras de serviços de internação hospitalar ou de serviços ambulatoriais de saúde, escolas, associações comunitárias, fábricas, domicílios, entre outros. Independentemente do ambiente em que o cuidado de enfermagem é realizado, os fenômenos de interesse particular para os exercentes da Enfermagem são as respostas de indivíduos, famílias e coletividades humanas a problemas de saúde reais ou potenciais (ICN, 1999). A necessidade de julgar que respostas dessa clientela demandam o cuidado profissional de enfermagem nos reporta à adoção de uma metodologia assistencial e, portanto, ao Processo de Enfermagem.
Compreendemos o Processo de Enfermagem como um instrumento ou modelo metodológico de que lançamos mão, tanto para favorecer o cuidado, quanto para organizar as condições necessárias para que o cuidado seja realizado (GARCIA; NÓBREGA, 2000). Sua aplicação de modo sistemático, planejado e dinâmico, nos possibilita identificar, compreender, descrever, explicar e predizer como nossa clientela responde aos problemas de saúde ou aos processos vitais, assim como nos possibilita determinar que aspectos dessas respostas necessitam de nosso cuidado profissional, para alcançar resultados pelos quais somos responsáveis.
Visto a partir dessa perspectiva, o Processo de Enfermagem determina a existência de alguns elementos que lhe são inerentes (ICN, 1996): o que os exercentes da Enfermagem fazem (ações e intervenções de enfermagem), tendo como base o julgamento sobre fenômenos humanos específicos (diagnóstico de enfermagem), para alcançar os resultados esperados (resultados sensíveis à ação ou à intervenção de enfermagem).
Esses três elementos – diagnóstico, intervenção e resultados – constituem um modo de fazer e um modo de pensar a prática da Enfermagem que demandam, de acordo com KENNEY (1990), IYER et al. (1993), COX et al. (1993), COLLIER et al.(1996) e CREASIA; PARKER (1996), habilidades e capacidades cognitivas (pensamento, memória, raciocínio), psicomotoras (físicas) e afetivas (emoções, sentimentos, crenças e valores), além de, segundo KRON; GRAY (1994), conhecimento e perícia no uso das técnicas de resolução de problemas e de liderança na implantação e execução do plano de intervenção. Essas habilidades, capacidades, conhecimento e perícia ajudam a determinar o que deve ser feito, porque deve ser feito, por quemdeve ser feito; como deve ser feito e que resultados são esperados com a execução da ação/intervenção de enfermagem (para que deve ser feito).
Usualmente descrito como sendo o ponto focal (KRON; GRAY, 1994), o cerne (KENNEY, 1990), ou a essência da prática de enfermagem (SMELTZER; BARE, 1998), consideramos ser necessário reconhecer que a compreensão acerca do Processo de Enfermagem, assim como sua adoção deliberada na prática profissional, ainda não é unanimidade no âmbito da profissão, a despeito de uma sensível mudança que se tem observado nesse sentido, a partir das últimas décadas do século XX (GARCIA; NÓBREGA, 2000). De acordo com opinião de GORDON (2002), com a qual concordamos, um fator chave para a transição ocorrida no nosso modo de pensar, de falar e de atuar foi a decisão que se tomou nos anos 1970 no sentido de desenvolver sistemas de classificação dos conceitos da linguagem profissional relacionados aos diagnósticos de enfermagem e, posteriormente, às intervenções e aos resultados de enfermagem.
Pelo exposto, pode-se concluir que tanto o entendimento acerca do Processo de Enfermagem, quanto o modo como ele é aplicado na prática profissional são dinâmicos, modificando-se ao longo do tempo. Segundo PESUT; HERMAN (1998), em uma revisão histórica, podem ser identificadas três gerações distintas de Processo de Enfermagem, cada uma delas sendo influenciada pelo estado de desenvolvimento do conhecimento e pelas forças atuantes que lhe são contemporâneos: primeira geração – Problemas e Processos (1950 a 1970); segunda geração – Diagnóstico e Raciocínio Diagnóstico (1970 a 1990); e terceira geração – Especificação e Teste de Resultados (1990 até a presente data).
Problemas e Processos (1950 a 1970)
Processo de Enfermagem não é um conceito novo. É possível que o ponto de partida para seu desenvolvimento e introdução em nossa linguagem profissional remonte à segunda metade do século XIX, quando Florence Nightingale enfatizou a necessidade de ensinar as enfermeiras a observar e a fazer julgamentos sobre as observações feitas (McGUIRE, 1991). A introdução formal do conceito Processo de Enfermagem em nossa linguagem profissional, nos anos 1950, foi influenciada pela ênfase dada ao método de solução de problema, com raízes no método científico de observação, mensuração e análise de dados que, obviamente, não são específicos da Enfermagem.
Desde os anos 1950, o Processo de Enfermagem tem representado o principal modelo ou instrumento metodológico para o desempenho sistemático da prática profissional. Segundo PESUT; HERMAN (1998), ele foi projetado para organizar o pensamento, de tal modo que os problemas dos pacientes identificados pelos exercentes da Enfermagem pudessem ser antecipados e solucionados de modo rápido. Aplicando esse modelo, identificavam-se os problemas e os procedimentos para resolvê-los. São exemplos desse modo de pensar a lista dos 21 problemas que deveriam ser o foco do cuidado de enfermagem, elaborada por Abdellah em 1960, e a lista das 14 áreas de necessidades humanas básicas, descrita por Henderson em 1966.
O modo de pensar e de atuar focalizado na identificação de problemas estimulou o ensino do método de solução de problema na formação profissional, ressaltando-se a importância da coleta sistemática e análise de dados, realizadas com rigor metodológico. À época, vários modelos de instrumentos de coleta de dados, com diferentes abordagens, foram descritos na literatura, como o modelo de levantamento de dados nas 13 áreas funcionais proposto por McCain em 1965. Em 1967, o Processo de Enfermagem foi formalmente descrito por Yura e Walsh com quatro fases: coleta de dados, planejamento, intervenção e avaliação. Ao descrevê-lo, as duas autoras enfatizaram as habilidades intelectuais, interpessoais e técnicas, habilidades essas que consideravam ser necessárias e essenciais à prática profissional e, portanto, aspectos significativos do Processo de Enfermagem (KENNEY, 1990; LUNNEY, 2001).
Na opinião de PESUT; HERMAN (1998), essa primeira geração do Processo de Enfermagem foi importante porque chamou a atenção profissional sobre a necessidade de pensar antes de agir. À medida que se adquiria experiência prática com o uso do Processo, novos conhecimentos foram desenvolvidos. Os programas de ensino enfocavam o cuidado de enfermagem centrado na identificação e na solução de problemas. Um aspecto que caracterizava essa geração do Processo de Enfermagem era que as necessidades de cuidado de enfermagem e os processos de solução dos problemas dos pacientes relacionavam-se, predominantemente, a determinadas condições fisiopatológicas, médicas. Nessa época, protocolos de ações, intervenções e procedimentos vinculados a problemas específicos foram desenvolvidos e utilizados nos ambientes clínicos. Em algumas situações, contudo, a identificação do problema e a determinação das ações ou intervenções de enfermagem se tornaram rotineiras ou ritualizadas, sem levar em consideração as características especiais de uma dada situação ou cliente.
À medida que os padrões de solução desses problemas se tornavam conhecidos, entendeu-se haver a necessidade de classificar e padronizar os problemas que mais freqüentemente requeriam a atenção da Enfermagem. Em 1973, foi realizada nos Estados Unidos a primeira conferência para classificação de diagnósticos de enfermagem, com o propósito de iniciar um diálogo entre enfermeiras docentes e assistenciais sobre a possibilidade de construção de uma nomenclatura padronizada que pudesse descrever os problemas clínicos mais comuns na prática profissional. Nessa conferência, usando tanto o processo de raciocínio dedutivo quanto o indutivo, as participantes elaboraram e aprovaram a primeira listagem de diagnósticos de enfermagem, ou seja, de padrões de problemas que eram reconhecidos na prática e influenciados pelo cuidado de enfermagem, pertencendo ao domínio independente da Enfermagem.
Embora o termo diagnóstico já estivesse presente na literatura da área desde 1950, quando Louise McManus se referiu à função específica da enfermeira como sendo a identificação ou diagnóstico do problema e o reconhecimento de seus aspectos inter-relacionados, assim como a decisão sobre as ações de enfermagem a serem implementadas para a solução desse problema (McMANUS, 1950), até 1973 a etapa diagnóstica não estava incluída no Processo de Enfermagem.
Dessa forma, pode-se afirmar que o movimento de identificação e classificação dos diagnósticos de enfermagem marcou o início de uma nova geração do Processo de Enfermagem e, acima de tudo, o início de uma nova era para a Enfermagem, que avança, progressivamente, desde então, para sua estruturação definitiva como uma Ciência (CARVALHO, 1972).
Diagnóstico e Raciocínio Diagnóstico (1970 a 1990)
Conforme exposto até o momento, desde que foi formalmente introduzido na literatura da área, o Processo de Enfermagem inaugurou uma nova fase na profissão, tornando-se o foco da prática e o principal método de trabalho da Enfermagem. Entretanto, por se orientar e organizar inicialmente em torno de problemas relacionados a doenças, era, como afirma GORDON (2002), um “esqueleto sem roupas”. Segundo a autora, os modelos ou sistemas conceituais e teorias de enfermagem publicados nas quatro décadas seguintes aos anos 1950 forneceram a “roupagem” que faltava ao Processo de Enfermagem e modificaram sua orientação, de problemas relacionados a doenças, para um foco próprio da área.
Do ponto de vista da estrutura, o Processo de Enfermagem tem sido descrito com diferentes números e definições de seus componentes. O primeiro livro escrito a respeito (YURA; WALSH, 1967), conforme já apontado, o descreveu com quatro fases. Na literatura atual da área, ainda se observam algumas diferenças acerca do número de etapas ou componentes do Processo. Há autores para quem ele se organiza em torno de cinco etapas, enquanto que, para outros, ele consiste de quatro. No cerne dessa diferença de opiniões está o entendimento da etapa diagnóstica como sendo distinta, ou como estando incluída na primeira, a da coleta de dados (McGUIRE, 1991).
Nesse ponto, vale ressaltar que, até o início dos anos 1970, a Associação Norte-americana de Enfermagem (American Nurses Association – ANA) excluía sistematicamente o termo diagnóstico de enfermagem de suas publicações oficiais. Em 1973, sob a influência crescente do movimento de identificação e classificação dos diagnósticos de enfermagem, a ANA adotou e legitimou o conceito ao publicar os Padrões da Prática de Enfermagem, estabelecendo nesse documento, como um dos padrões de cuidado, um Processo de Enfermagem com cinco fases: coleta de dados, diagnóstico, planejamento, implementação e avaliação.
Conforme narrativa de PESUT; HERMAN (1998), o movimento de identificação e classificação dos diagnósticos de enfermagem, iniciado em 1973, provocou uma revolução no pensamento da área e uma conseqüente mudança, da ênfase na identificação e solução de problemas, até então prevalecente, para a ênfase no raciocínio diagnóstico e no pensamento crítico, dando início à segunda geração do Processo de Enfermagem. Influenciado por teorias e conceitos da área do processamento de informações e da tomada de decisão, esse novo foco muda o entendimento do Processo de Enfermagem, de um processo lógico, linear, de solução de problemas, para um modelo metodológico que nos auxilia a gerenciar a informação sobre nossa clientela e a tomar decisões sobre os cuidados profissionais de enfermagem que essa clientela demanda. Compreender o processo e oproduto do raciocínio e julgamento clínico tornou-se o foco da atenção das estudiosas da área, gerando o desenvolvimento de pesquisas e a conseqüente publicação de inúmeros livros e artigos sobre o assunto.
O processo de raciocínio e julgamento clínico envolvido no estabelecimento do diagnóstico de enfermagem, conforme detalham CARVALHO; JESUS (1997) e JESUS (1999), tem sido estudado por diferentes autores e deve merecer, na opinião de LUNNEY (2001), um destaque especial durante o processo de formação profissional dos exercentes da Enfermagem, haja vista ser o diagnóstico a base para a seleção das intervenções com as quais se objetiva alcançar determinados resultados. A exatidão dos diagnósticos de enfermagem que estabelecemos é um aspecto fundamental a ser considerado no processo diagnóstico, estando diretamente relacionada com nossa habilidade de raciocínio e julgamento clínico. Na dependência do maior ou menor grau de exatidão do diagnóstico que foi estabelecido, pode-se aumentar a possibilidade de sucesso ou pôr em risco o cuidado de enfermagem. Além disso, o maior ou menor grau de exatidão do diagnóstico que estabelecemos vincula-se à nossa confiabilidade como diagnosticadores e, portanto, ao crédito que será atribuído aos nossos julgamentos e afirmativas diagnósticas, seja por nossos pares ou por outros profissionais da área da saúde.
Iniciando-se, pois, com o interesse na idéia do diagnóstico de enfermagem que emerge a partir dos anos 1970, a segunda geração do Processo de Enfermagem vem determinar novas necessidades no ensino e na prática assistencial de enfermagem, a saber, entender como o julgamento clínico se processa e aumentar a habilidade profissional no raciocínio diagnóstico. Ao término da década de 1980, a evolução e desenvolvimento contínuo dos sistemas de classificação dos elementos da prática de enfermagem, as pesquisas em andamento sobre a dinâmica do raciocínio e julgamento clínico, bem como a tendência emergente no sistema de saúde para especificar e avaliar os resultados da atenção à saúde, determinaram as condições para a ocorrência de outra transformação no modo de pensar e no modo de aplicar o Processo de Enfermagem (PESUT; HERMAN, 1998).
Especificação e Teste de Resultados (1990 até a presente data)
Em sua evolução, o Processo de Enfermagem avançou, da ênfase inicial na identificação e resolução de problemas, para o esforço de identificação e classificação de diagnósticos de enfermagem, o que determinou, por sua vez, a preocupação centralizada na melhoria da habilidade profissional no raciocínio e julgamento clínico. O foco da terceira geração do Processo de Enfermagem se volta agora para a especificação e testagem na prática de resultados do paciente que sejam sensíveis à intervenção profissional.
Segundo PESUT; HERMAN (1998), a prática contemporânea da Enfermagem requer habilidades de pensamento crítico e criativo de seus exercentes. Há três áreas inter-relacionadas de cognição envolvidas no Processo de Enfermagem: o raciocínio e julgamento diagnóstico; o raciocínio e julgamento terapêutico e o raciocínio e julgamento ético (GORDON, 1994).
Temos hoje, à nossa disposição, vários sistemas abertos de classificação dos elementos da prática de enfermagem – de diagnósticos, de intervenções e de resultados de enfermagem – em interação dinâmica durante a execução do Processo de Enfermagem. Esses sistemas de classificação nos fornecem uma linguagem padronizada a ser utilizada no processo e no produto do raciocínio e julgamento clínico acerca das respostas humanas aos problemas de saúde ou aos processos vitais; no processo e no produto do raciocínio e julgamento terapêutico acerca das necessidades de cuidado da clientela e dos resultados do paciente que são sensíveis à intervenção de enfermagem; bem como na documentação da prática profissional. Uma vez que um diagnóstico de enfermagem é feito, especifica-se um resultado a ser alcançado e cria-se com isso uma dupla obrigação: a de intervir e a de avaliar a eficácia da intervenção realizada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Enfermagem tem evidenciado uma grande evolução no processo de explicitação dos conceitos representativos dos fenômenos que indicam e delimitam seu domínio de interesse e de ação profissional (GARCIA; NÓBREGA, 2001). O que nós estamos criando ao utilizar esse conhecimento durante a aplicação do Processo de Enfermagem tem, sem sombra de dúvida, atribuído um significado especial ao mundo da Enfermagem. Entretanto, ainda temos que persistir na tarefa de identificação e desenvolvimento desses conceitos, assim como temos que continuar insistindo na melhoria da habilidade no raciocínio e julgamento clínico, de modo a garantir o maior grau de exatidão possível aos diagnósticos de enfermagem que estabelecemos, um aspecto estreitamente relacionado à qualidade que se intenta imprimir ao Processo de Enfermagem e aos resultados que se espera alcançar com sua implementação – um cuidado profissional realizado com conhecimento, competência e que seja eficaz para a clientela.
A despeito do esforço que foi realizado pela Dra. Wanda de Aguiar Horta, a partir da segunda metade da década de 1960, no sentido de introduzir na prática profissional da Enfermagem brasileira o Processo de Enfermagem, incluindo a fase diagnóstica e prognóstica (HORTA, 1979), o conceito de diagnóstico de enfermagem, como hoje é conhecido, chegou ao Brasil na segunda metade da década de 1980, tendo um grande impulso em sua divulgação com o livro publicado por FARIAS et al. (1990), em que foi incluída a tradução da Taxonomia I de diagnósticos de enfermagem da NANDA. Desde então, muitos avanços foram realizados na compreensão e na aplicação prática do conceito, tanto como processo, quanto como produto.
Entendido não somente como um modo de fazer mas, também, como um modo de pensar a prática assistencial, observa-se que a conceituação e a aplicação do Processo de Enfermagem evoluiu para o reconhecimento de que, além daquele julgamento estritamente vinculado à doença e suas complicações, nós fazemos outros tipos de julgamentos e agimos com base nesses julgamentos, acrescentando com isso qualidade ao cuidado de enfermagem.
Para o ICN (1999), os fenômenos de interesse particular para os exercentes da Enfermagem são as respostas de indivíduos, famílias e coletividades humanas a problemas de saúde reais ou potenciais. Possivelmente, esse modo de ver do ICN foi influenciado pela definição elaborada pela ANA, em 1980, para a Enfermagem como sendo o diagnóstico e tratamento das respostas humanas a problemas de saúde reais ou potenciais. Ajusta-se, ainda, à primeira parte da definição aprovada pela NANDA, em 1990, para diagnóstico de enfermagem como sendo um julgamento clínico sobre as respostas do indivíduo, família ou comunidade aos problemas de saúde reais ou potenciais ou aos processos vitais (NANDA, 2001).
Diagnosticar respostas humanas é um processo complexo que requer conhecimento teórico, experiência prática e habilidade intelectual, técnica e de interação interpessoal, aplicados à observação, avaliação e interpretação do comportamento da clientela relacionado à saúde e, portanto, à vida. Glenn Webster, um filósofo da ciência citado por LUNNEY (2001), afirmou em 1984 que a complexidade dos fenômenos que estão no domínio da atenção da Enfermagem não encontra rival em nenhuma outra disciplina, derivando-se essa complexidade do foco profissional na natureza holística tanto do ser humano como da saúde. Segundo ele, o paciente olha para a(o) profissional de enfermagem em busca de ser reconhecido como uma pessoa inteira e não como um exemplo de um determinado tipo de doença ou problema de saúde.
A esse respeito, queremos destacar dois aspectos. O primeiro deles é que, no âmbito da Enfermagem, acredita-se que o ser humano é um todo complexo e indivisível, e responde como um todocomplexo e indivisível aos problemas de saúde ou aos processos vitais. O segundo, é que o cuidado profissional de enfermagem existe como resultado de um empreendimento humano, e não como um fenômeno natural; ele é aprendido e não instintual. Dessa forma, o conteúdo e a complexidade do pensamento envolvido, tanto no raciocínio e no julgamento clínico acerca das respostas humanas aos problemas de saúde ou aos processos vitais, quanto no raciocínio e no julgamento terapêutico acerca do cuidado necessário à nossa clientela, reflete os valores da profissão e o conhecimento que tem sido desenvolvido e acumulado em mais de 100 anos de prática de seus exercentes em vários campos de atuação – ensino, assistência, gerenciamento e pesquisa em enfermagem.
Para finalizar, gostaríamos de afirmar que a adoção do Processo de Enfermagem como o instrumento tecnológico ou modelo metodológico que orienta nossa prática profissional assume as características de uma prática reflexiva pois, durante sua execução, nos fazemos, constantemente e iterativamente, algumas questões fundamentais: O que estou observando aqui, e o que isso significa? Que julgamentos estou fazendo e através de que critérios? O que estou fazendo, ou o que estou propondo que seja feito, e por quê? Há alguma ação alternativa além dessa que estou realizando, ou que estou propondo que seja feita?
Através dessas questões o profissional reflete sobre os significados implícitos em suas ações, reações e transações com a clientela; sobre o julgamento que encaminhou à decisão original de realizar uma certa ação; e sobre o modo como o problema inicial estava estruturado. Esses aspectos, que poderiam ser inconscientes, emergem, são criticamente examinados, reestruturados e podem determinar um diferente curso de ação. A prática reflexiva habilita o profissional a remodelar seus raciocínios, seus julgamentos e suas ações enquanto estão sendo realizados. É um modo de pensar e de agir dinâmico, em espiral ascendente e recorrente que leva à mudança na prática.
Essa é uma ciência, uma arte e uma ética cujo desenvolvimento devemos nutrir e promover no âmbito da Enfermagem.
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25. Extraído de texto originalmente publicado nos Anais do III Fórum Mineiro de Enfermagem – “Sistematizar o Cuidar”, p.29-40, 2002.
Received June 2nd, 2004
Accepted July 8th, 2004