ARTIGOS DE REVISÃO

 

Os padrões de conhecimento da enfermagem relacionados à síndrome da imunodeficiência adquirida em adolescentes


Ednaldo Cavalcante de Araújo1, Eliane Maria Ribeiro de Vasconcelos1, Luciane Soares de Lima1

1Universidade Federal de Pernambuco

 


RESUMO
Apresentam-se neste artigo considerações sobre os Padrões de Conhecimento da Enfermagem com o propósito de facilitar o planejamento da assistência prestada aos adolescentes em riscos de contrair o Vírus da Imunodeficiência Humana e adoecer com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. Salienta-se que tal planejamento permite ao enfermeiro prever e estabelecer as prescrições de Enfermagem, os custos das atividades e os recursos humanos para a sua implementação. Tais padrões foram organizados e sistematizados por Carper em 1978 tão logo a educação formal da Enfermagem foi estruturada por Florence Nightingale em 1850. De maneira geral, promover a assistência de Enfermagem na prevenção do HIV e da aids em adolescentes poderá ser feito com sucesso ao se aplicar estes padrões para uma melhor compreensão da assistência prestada a esta população.
Descritores: Padrões; Enfermagem; AIDS, Adolescentes.



INTRODUÇÃO

Os Padrões de Conhecimento da Enfermagem foram organizados e sistematizados por Carper(1) após a Enfermagem ter sido estruturada por Florence Nightingale em 1850, quando ela estabeleceu a educação formal para a Enfermagem. A partir de então, esta Ciência e Arte têm dependido da construção de novos conhecimentos científicos para aperfeiçoar a prática do enfermeiro e da equipe de Enfermagem. Tais padrões norteiam, geram expectativas e exemplificam os modelos característicos de pensamentos relacionados com os fenômenos da Enfermagem(2).

O corpo de conhecimentos da Enfermagem fundamenta-se em práticas, padrões, modelos e arcabouços os quais norteiam novos horizontes, geram expectativas, exemplificam características de pensamentos relacionadas com seus fenômenos e a necessidade do conhecimento e o reconhecimento pelos enfermeiros são essenciais para melhorar a qualidade do ensino, da pesquisa e do aprendizado da Enfermagem(2).

Carper1 estabeleceu os Padrões de Conhecimento da Enfermagem a partir da análise da estrutura conceitual e sintática do conhecimento existente na própria Enfermagem os quais foram diferenciados e designados de acordo com o tipo lógico de significados como se evidencia abaixo:

1) Empírico, a Ciência da Enfermagem — O Componente do Conhecimento Pessoal da Enfermagem
2) Estético — A Arte da Enfermagem
3) Ético — O Componente do Conhecimento Moral da Enfermagem.


PADRÃO DE CONHECIMENTO EMPÍRICO
A prática da Enfermagem se estrutura em processos diversificados que são recobertas de valorização e desvalorização social traduzida nas desigualdades de remuneração, intensificação de carga horária e multiplicidade de modalidades de funções. Esse olhar sobre a profissão promove uma distinção do trabalho do enfermeiro frente a sua equipe e as demais categorias de saúde que lhe exige tanto conhecimento nos sistemas de valores humanos quanto nas ciências filosóficas e humanas, dentre outras. Contudo, seu estabelecimento como profissão resguarda a necessidade de uma identidade social através da construção de uma imagem que confira atributos de autoridade, de confiança, de dedicação, de responsabilidade e de compromisso.

No que se refere ao compromisso Vaillot(3) afirma que este termo pode ter uma variedade de significados, dentre os quais, promessa de permanência, senso de dedicação e indesviável lealdade a determinado ponto de vista. O enfermeiro dá sentido real às intervenções que podem ser realizadas em prol de uma melhor qualidade na assistência para o cliente utilizando-se de recursos próprios ¾ enquanto ser humano ¾, e de recursos instrumentais da Enfermagem. Estando verdadeiramente comprometido, ele pode enriquecer a si próprio, a sua profissão e ao cliente que se beneficiará com informações nas quais os conduzirão ao bem-estar pessoal, familiar e comunitário.

Carper1 considera o Padrão de Conhecimento Empírico como o mais complexo, difícil de ser alcançado e dominado. Porém, é o padrão essencial para a compreensão do significado da saúde em termos de bem-estar individual e coletivo. A Enfermagem, que atua por meio de processos interpessoais, envolve interações, relacionamentos e intercâmbios entre enfermeiro, equipes interdisciplinares, multiprofissionais, clientes, famílias e comunidades. Diante desse enfoque, faz-se necessário enfatizar que a abordagem ao cliente possibilita eliminar atividades que o reifique de modo a estabelecer na prática um relacionamento pessoal autêntico entre ambos.

A requalificação de idéia de trabalho como profissão faz com que a Assistência de Enfermagem transcenda o caráter da manipulação de um simples objeto de prática para significar um ato humanístico fundado na dependência interacional enfermeiro/cliente/família/comunidade. Desse modo, a assistência a ser prestada terá fundamentação consistente, na qual o enfermeiro poderá ampliar visões e perspectivas de mundo, passando a desenvolver habilidades na formação de pensamentos críticos, que são necessários ao assistir o ser humano, privilegiando os campos preventivo e promocional da saúde.


PADRÃO DE CONHECIMENTO ESTÉTICO
O exercício prático do enfermeiro, revitalizado o determinado contexto onde ocorra, tem sido o de observar e identificar as necessidades do cliente/família/comunidade, propor e implementar um plano de assistência fundamentado no saber científico através dos meios disponíveis, ajudando-lhes e acompanhando as condições de saúde e avaliando os resultados. Isso é feito visando ao bem estar ao promover melhora na qualidade de vida do cliente que depende, em grande parte, de seu grau de instrução evidenciado através de atitudes positivas individuais e coletivas. Vale ressaltar que a qualidade de vida expressa a qualidade de saúde do cliente, suas possibilidades e limitações individuais e coletivas; representa o processo de satisfação de suas necessidades primitivas e culturais de bem viver, de sobrevivência e de transcendência.

O planejamento da assistência de Enfermagem, como um ato humanístico interdependente, enquanto exigência intrínseca do exercício profissional deve ser estabelecida como condição histórica para a sua realização centrada na liberdade de relacionamento enfermeiro/cliente/família/comunidade. Assim, essa relação é concebida como pessoal e exclusiva nas quais as intervenções implementadas pelo enfermeiro são atos delimitados no tempo e no espaço, mediados pela confiança do cliente e pelo sigilo entre ambos.

De acordo com Cruz(4) o conhecimento de diagnósticos freqüentes em uma determinada clientela pode facilitar o planejamento global da assistência; tal planejamento permite prever que tipo de prescrições são necessárias, os custos das atividades e os recursos humanos exigidos para sua implementação. Com base na tríade diagnóstico-prescrição-resultado pode-se estabelecer critérios de qualidade para assistência e avaliar melhor a relação custo/beneficio.

Carper1 relata que esta prática reflete em grande parte, atitude relativa ao valor dado à independência e indicam as Intervenções de Enfermagem que devem auxiliar o cliente a assumir plena responsabilidade por si próprio o mais precocemente possível ou permitir-lhe ter domínio para responder pelos seus atos até quando for possível. No entanto, o alcance da independência e sua manutenção podem até ensinar o cliente como viver com eventual dependência física ou social.

Neste sentido, enfatizamos que a independência, enquanto princípio se assenta na liberdade de relacionamento do enfermeiro com o cliente e deve comportar não apenas elementos puramente técnicos, mas comportamentais, para a garantia de obtenção de êxito. O exercício da independência implica em decisão e ação; traduz a capacidade de auto-governo, que permita o ser humano agir de forma refletida em função do próprio sistema de valores. O enfermeiro atua no intuito de atingir a potencialidade técnica que depende de dotes pessoais, aprendizado e operacionalização do instrumental disponível na Enfermagem. Tal execução deve ser realizada em busca do princípio Ético fundamental da prática da Enfermagem.


PADRÃO DE CONHECIMENTO ÉTICO
Para Carper(1) o Padrão Fundamental do Saber identificado como Componente Ético da Enfermagem, enfatiza os problemas de obrigação ou de dever. O conhecimento da moralidade ultrapassa o conhecimento das normas ou dos códigos éticos à área e inclui todas as ações voluntárias que sejam deliberadas e sujeitas ao julgamento do certo e do errado. Entretanto, ressaltamos que incumbe ao enfermeiro prover informações adequadas sobre o processo saúde/doença para os clientes e lhes cabem usufruírem o direito ao livre arbítrio para consentirem ou recusarem, seguirem ou não seguirem as informações recebidas.

O direito de liberdade de escolhas traz implicações amplas à vida do ser humano. A atuação do enfermeiro não deve se restringir à materialidade física do corpo do cliente, mas, do seu comportamento vigente que passa por uma transformação na condição de viver injunções de diversas ordens, influenciadas pelos determinantes sociais e históricos que têm prevalecido no tocante ao exercício da sexualidade humana e, especificamente, nas atitudes e nos comportamentos sexuais de riscos que possam favorecer a contaminação com o HIV e o adoecimento com a aids.

Este novo século faz-se acompanhar de transformações necessárias na maneira de os adolescentes pensarem, sentirem e agirem no mundo, de viverem a vida em toda plenitude; tais transformações evidenciam a necessidade de mudanças de comportamentos, de atitudes e de práticas sexuais de maior risco de modo que não os exponham ao HIV e adoeçam com a aids; sabe-se que estes são mais vulneráveis que os adultos pelo fato, também, de a adolescência ser considerada um período caracterizado por intenso crescimento e desenvolvimento, manifestado por diversas transformações de ordem física, mental, psicológica e social(5,6,7).

Há cada vez mais novos registros de casos de HIV e aids em diversas regiões do mundo; de acordo com o relatório do Programa da Unaids/Who(10) há cerca de 39,4 milhões de pessoas entre 15 e 49 anos vivendo com o HIV e a aids e as mulheres têm sido cada vez mais afetadas, representando, aproximadamente, metade de todos os casos registrados; a cada dia 7.000 jovens se tornam soropositivos, implicando em torno de 2,6 milhões de infecções por ano e a transmissão por via sexual é responsável por cerca de 75% dos casos entre eles; milhões de adultos já morreram desde o início da epidemia, muitos dos quais deixando órfãs crianças e adolescentes(8,9,10,11,12).

Diante desses fatos consideramos que isto deverá implicar, também, no redimensionamento de valores de natureza epistemológica ou prática referentes às expressões do exercício da sexualidade de adolescentes e da eficiência na implementação e avaliação de programas educativos, em que as intervenções estabelecidas não podem prescindir da compreensão, da cooperação consciente do cliente. A natureza da ação os transforma em co-prestadores da assistência de Enfermagem.

As intervenções de Enfermagem fundamentadas no conhecimento científico sobre a prevenção do HIV e da aids após serem implementadas poderão evitar sofrimento e morte ao serem direcionadas para o bem-estar individual e/ou coletivo após reflexão acurada sobre a melhor adequação tanto pelo cliente como pela sociedade. Isso é feito, não apenas por critérios de validade científica, mas, por incorporar outros elementos valorativos como forma e conteúdo da relação enfermeiro/cliente no qual se estabelecem as relações de intersubjetividade.

As bases da assistência de Enfermagem têm se modificado tornando-se mais humanizada e com maior respaldo científico através da atuação da equipe nos âmbitos individual, hospitalar, familiar, comunitário ou favorecendo a melhoria da assistência prestada tanto ao cliente soropositivo quanto aquele que foi diagnosticado com a aids. De acordo com Cruz4 novos instrumentos estão sendo propostos para implementar o processo de trabalho em Enfermagem. Estes instrumentos, dos quais se destacam o diagnóstico e a prescrição, ajudam os enfermeiros a identificar as respostas da clientela assistida aos problemas de saúde apresentados e a tratá-los ou a ajuda a se tratar.

A implementação de intervenções de Enfermagem acompanham-se de novos modelos assistenciais nos quais são enfocados os aspectos biopsiciossociais e espirituais. Assim sendo a assistência é centrada na compreensão do ser humano sob a visão biológica, mental e espiritual; portanto, capacitando o enfermeiro para discernir sobre o que deve ou o que não deve ser estabelecido em prol da saúde do cliente. Este processo de tomada de decisão é fruto das articulações que são construídas através das relações sociais cotidianas. Dessa maneira, afirmam Garcia, Nóbrega e Carvalho(13) a implementação do Processo de Enfermagem de modo sistemático, planejado e dinâmico, possibilita identificar, compreender, descrever, explicar e predizer como a clientela responde aos problemas de saúde ou aos processos vitais, assim como possibilita ao enfermeiro determinar que aspectos dessas respostas necessitem do cuidado profissional, para alcançar resultados pelos quais é de responsabilidade do enfermeiro.

O direito ao exercício da autonomia de escolha, traduzida no consentimento ou recusa das intervenções propostas, sem levar em consideração as oportunidades restantes e o grau de controle do meio social a partir do qual as escolhas serão feitas, traz a ilusão de uma igualdade entre clientes radicalmente diferentes socialmente e economicamente. Os clientes são seres cujas condições de saúde física, mental e social estão, em grande parte, relacionadas com as características estruturais da família e do meio social em que experienciam suas vivências cotidianas.

Desconsideram-se as variações das demandas educacionais e psicológicas que existem no interior dos diferentes grupos socais. Desta maneira, o cliente sem ou com nível baixo de escolaridade, com dificuldades evidentes de compreender as informações repassadas, sem habilidades necessárias, numa linguagem impessoal, ultratécnica e inacessível apresenta restrições ou se constitui num elemento dificultoso para o entendimento e para a adoção de práticas de sexo mais seguro frente à prevenção do HIV e da aids. A clareza da comunicação é produto social, com significados traduzidos pelas relações sociais que se constroem. Como produto social, a comunicação é resultado de um trabalho ideológico de valorização e desvalorização que se desvela no cotidiano.

A construção de uma autonomia crítica voltada para o redimensionamento da responsabilidade do cliente sobre sua normatividade vital e social se dá não apenas por que estas são revestidas de eficácia científica, mas por se acreditar que elas seguem o princípio de preservação da vida. Contudo, o enfermeiro deve ir além desse patamar mínimo fazendo com que a mobilização dos recursos informativos esteja em função de uma direção justa e apropriada ao bem-estar individual e coletivo.

Para que o cliente possa exercer uma escolha real e não apenas formal factual ou aparente, faz-se necessário provocar mudanças estratégicas tanto no interior quanto fora da prática clínica do enfermeiro de modo a lutar contra as desigualdades sociais que acabaram por configurar distintas cidadanias que por critérios de estratificação social resultam em diferentes direitos e assistências de saúde.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ressalta-se que, neste artigo a ênfase ao Padrão de Conhecimento Ético e a possibilidade de promover assistência de Enfermagem na prevenção do HIV e da aids em adolescentes poderá ser feita com sucesso no cotidiano dos profissionais de Enfermagem.

O enfermeiro participa nesse contexto, na medida em que angaria esforços para levar informações aos adolescentes sobre prevenção, transmissão, agente etiológico, tratamento, como se cuidarem, como se conduzirem no exercício da sexualidade e, principalmente desenvolvendo intervenções em programas elaborados previamente, visando ao bem estar de adolescentes sexualmente ativos ou não, numa conduta ética pautada no respeito e na responsabilidade tanto por si quanto pelos outros seres.

Suscita-se a necessidade de contínuas pesquisas que visem atestar resultados positivos na melhoria da qualidade de vida de adolescentes através de implementação de intervenções de Enfermagem pertinentes à área da sexualidade.

 

REFERÊNCIAS

1. Carper BA.  Fundamental patterns of knowing in nursing. Phd dissertation. Teachers College, Columbia University; 1975.

2. Chinn PL, Kramer MK.  Theory and nursing: a statement approach.  3rd Edition.  St. Louis: Mosby; 1991.

3. Vaillot SMC. Existencialismo: uma filosofia de compromisso.  São Paulo: Enf. Novas Dimensões. 1(5): 244-301; 1975.

4. Cruz ICFDiagnósticos e prescrições de Enfermagem: recriando os instrumentos de trabalho. Santa Catarina: Texto e Contexto. 4(1): 160-69; 1995.

5. Araújo EC. Aspectos biopsicossociais na sexualidade dos adolescentes: assistência de Enfermagem. [ dissertação de Mestrado em Enfermagem ]. João Pessoa (PB): Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba; 1996. 139f.

6. Coalition For Preventive Sexuality. Just say yes safe sex. New York. 1997.

7. Araújo EC. Adoção de práticas de sexo mais seguro de jovens do sexo masculino.  São Paulo, [ tese de Doutorado em Enfermagem ]. São Paulo (SP): Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo; 2001. 213f.

8. Unaids/Who. Report on the Global HIV/AIDS Epidemic June. 2000.

9. Nunes AEL, Araújo JL, Santos PKT. Comportamentos, atitudes e práticas de adolescentes do sexo masculino sobre o hiv e a aids. Recife (PE): [ monografia de Conclusão de Curso ]. Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Pernambuco; 2003. 50f.

10. Unaids/Who. Report on the Global HIV/AIDS Epidemic. Available from: URL: <http://www.unaids.org.> . Acessed at: 2004 Nov 23.

11. Bibliomed. A aids na adolescência. Disponível em: URL: http://www.boasaude.uol.com.br/lib/showdoc.cfm?lilecocld=3867&returncatld=59-33k. Acesso em 15 de novembro de 2004.

12. Alencar AA, Silva JL.  Informações de profissionais, estudantes e usuários de uma instituição pública de saúde de João Pessoa (PB) sobre aspectos preventivos do HIV/aids. João Pessoa (PB): [ monografia de Conclusão de Curso ]. Curso de Graduação em Farmácia/Programa Especial de Treinamento da Universidade Federal da Paraíba; 2001. 56f.

13. Garcia TR, Nóbrega MML da, Carvalho EC. Nursing process: application to the professional practice. Online Brazilian Journal of Nursing (OBJN – ISSN 1676-4285) v. 3, n. 2, 2004 [ Online ] Available at: www.uff.br/nepae/objn302garciaetal.htm

 

 

Recebido: 28/11/2004
Revisado: 04/06/2005
Aprovado: 28/06/2005