Francisca Aline Arrais Sampaio1, Marcos Venícios de Oliveira Lopes1
1Universidade Federal do Ceará
RESUMO
O objetivo deste artigo foi analisar os diagnósticos de enfermagem presentes em pacientes traumatológicos no pós-operatório de cirurgias em membros inferiores. A abordagem foi quantitativa, descritiva e exploratória. Foram avaliados 37 pacientes de um hospital de Fortaleza. Os dados foram coletados por meio de um instrumento com perguntas abertas e fechadas sendo enfocado apenas a classe atividade/exercício do domínio atividade/repouso da Taxonomia II da NANDA. Obtivemos uma predominância masculina com 83,8% com idade média de 33,8 anos. Profissões ligadas ao transporte apresentaram maior proporção de ocorrência de trauma 16,7%. O tempo de internação dos pacientes teve uma média de 25 dias. O fêmur foi o local mais fraturado com 56,8%. Mobilidade física prejudicada apresentou-se em 100% da amostra e capacidade de transferência prejudicada em 86,5%.
Descritores: Diagnóstico de Enfermagem; Ferimentos e Lesões; Processos de Enfermagem.
O processo de enfermagem é primordial as ações de enfermagem em qualquer circunstância, uma vez que se trata de um método eficiente de organização de pensamento para a tomada de decisões e solução de problemas. Neste âmbito, o enfermeiro deixa de ser simples executor de tarefas ou de normas ditadas por outros profissionais, para assumir a autodeterminação de suas funções, para ajustar princípios e medidas administrativas à solução de problemas específicos de sua competência(1).
A enfermagem ainda não conta com uma taxonomia completa com diagnósticos que transmitam o mesmo sentido a todos os enfermeiros. A organização oficial que tomou a atribuição para a elaboração da taxonomia dos diagnósticos de enfermagem e pela formulação desses diagnósticos para estudo é a North American Nursing Diagnosis Association (NANDA). A NANDA considera o diagnóstico de enfermagem como um juízo clinico sobre respostas individuais, familiares ou comunitários a problemas de saúde/ processos vitais, reais e potenciais, oferecendo uma base para a seleção das intervenções de enfermagem para o alcance dos resultados que são de responsabilidade do enfermeiro(2).
Através da identificação dos fenômenos são analisados os dados obtidos e identificados os problemas que são a base do plano de cuidados. Também é possível identificar pontos fortes, essenciais para o desenvolvimento de um planejamento eficiente.
Em todo o período cirúrgico a assistência de enfermagem é essencial, sobretudo, quando há instabilidade nas condições do paciente. O período pós-operatório deve ser bem monitorizado por parte do enfermeiro, pois constitui um momento de estresse nas funções vitais e passíveis de complicações.
De forma particular, em cirurgias ortopédicas e traumatológicas é comum acontecer dor intensa nos dois primeiros dias, a perfusão tecidual deve ser monitorizada de perto porque o edema e o sangramento para dentro dos tecidos podem comprometer a circulação e resultar na síndrome comportamental e a estase venosa contribui para o desenvolvimento da Trombose Venosa Profunda (TVP). Além disso, faz parte um plano de enfermagem de qualidade no pós-operatório, observar os limites prescritos para a mobilidade por parte do paciente. A reavaliação da auto-estima do paciente permite que a enfermeira modifique com maior facilidade o plano de cuidados(3).
Considerando a importância da Sistematização da Assistência de Enfermagem, onde a elaboração de fenômenos condizentes com a situação de cada cliente promove um cuidado direcionado, e considerando que pacientes traumatológicos requerem uma atenção do enfermeiro para que este o ajude a promover o máximo de suas atividades diárias, propusemos este estudo. Nosso objetivo foi analisar os diagnósticos de enfermagem presentes em pacientes traumatológicos no pós- operatório de cirurgias em membros inferiores.
METODOLOGIA
A abordagem da pesquisa foi quantitativa do tipo descritiva e exploratória. A população foi composta por pacientes que estiveram internados no período da coleta de dados em um hospital de emergência de Fortaleza. A traumatologia é um dos setores de referência desta instituição na cidade. O consentimento para a realização da pesquisa nos foi dado pela instituição após contrato verbal.
A coleta foi realizada nos meses de abril e maio de 2005. Em se tratando de um estudo piloto, definimos que a amostra seria composta por 37 pacientes. Um estudo piloto é um estudo preliminar, projetado para verificar se um estudo maior é viável(4).
Para participarem do estudo, os indivíduos deveriam atender as seguintes exigências: estar até no sétimo dia de pós-operatório após ter se submetido à cirurgia traumatológica em membros inferiores, conseguir expressar-se verbalmente e consentir em participar do estudo, após ser esclarecido.
O estudo foi realizado com delineamento transversal, utilizando-se como fonte de dados prontuários de pacientes, bem como, informações prestadas pelo próprio paciente através de um instrumento estruturado que direcionou a entrevista clínica e o exame físico.
O instrumento foi composto por perguntas fechadas que visaram avaliar clinicamente a capacidade do paciente frente às atividades de autocuidado, mobilidade e recuperação cirúrgica. A elaboração foi baseada na Taxonomia II da NANDA, sendo enfocado apenas a classe atividade/exercício do domínio atividade/repouso que é composto pelas seguintes respostas humanas: Risco para a síndrome do desuso, Mobilidade física prejudicada, Mobilidade no leito prejudicada, Mobilidade com cadeira de rodas prejudicada, Capacidade de transferência prejudicada, Andar prejudicado, Atividades de recreação deficientes, Perambulação, Déficit no auto cuidado para vestir-se e arrumar-se, Déficit no auto cuidado para banho e higiene, Déficit no auto cuidado para alimentação, Déficit no auto cuidado para higiene íntima, Recuperação cirúrgica retardada.
Os resultados foram analisados com o auxílio do software Epi Info 3.3. Foi realizada a leitura das freqüências absolutas e dos percentis. Para valores categóricos, foi calculado intervalo de confiança de 95% e para variáveis numéricas foram calculadas medidas de tendência central e dispersão. Os dados foram apresentados em tabelas que foram divididas de acordo com o percentil.
Os pacientes foram esclarecidos sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos e procedimentos e consultados quanto ao aceite em participar do estudo, de acordo com as recomendações da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, manifestando seu consentimento.
Diante dos resultados foi verificada uma predominância masculina (83,8%) na faixa etária de 21 a 64 anos. Sendo a média de idade equivalente a 33,8 anos. Os prejuízos em adultos jovens que esse tipo de trauma ocasiona repercutem numa dimensão psicológica, familiar e socioeconômica uma vez que, o indivíduo neste faixa etária encontra-se em uma idade economicamente ativa. Segundo os dados epidemiológicos obtidos pelo SUS , em abril de 2005 houve 413 internações em Fortaleza por doenças do sistema osteoarticular. Acidentes de trânsito estão diretamente ligados aos traumas responsáveis por várias internações hospitalares. Segundo a mesma fonte, também em abril de 2005, 373 internações por acidentes de transportes foram do sexo masculino, enquanto do sexo feminino foram de 107(5).
Segundo os dados clínicos, os entrevistados apresentaram uma média de 25 dias de internação. Em abril de 2005, em Fortaleza, segundo DATASUS, os dias de permanência de internações por acidentes de transporte foram de 4,5 dias. Assim, há uma permanência prolongada dos pacientes da amostra em relação à população do município.
De acordo com a classificação funcional do grau de dependência do indivíduo apresentado na taxonomia II da NANDA (2002), a numeração em ordem crescente corresponde ao grau de dependência do paciente: 0 = completamente independente; 1 = requer uso de equipamento ou artefato; 2 = requerem ajuda de outra pessoa, para auxilio, supervisão ou ensino; 3 = requerem ajuda de outra pessoa e equipamento ou artefato; 4 = dependente, não participam da atividade. Todos apresentaram algum grau de dependência, sendo 86,4% apresentaram classificação entre 3 e 4. A partir do nível 2 se requer uma pessoa para auxilio em atividades que exijam mobilidade e autocuidado do paciente. Nem sempre a equipe de enfermagem é suficiente para atender a todos os pacientes na execução das tarefas diárias, fazendo-se necessário um acompanhante.
Em relação aos locais onde ocorreu a fratura, obteve-se: fêmur 56,8%, tíbia 13,5%, patela 8,1%, tornozelo e pé com 5,4%, juntamente com a classificação inespecífico que se refere aos prontuários que descreviam apenas fratura em perna direita ou esquerda, sem precisão das condições do trauma. Segundo o local da fratura, o fêmur foi o local mais atingido com 56,8%, seguido de 13,5% da tíbia. A maior parte das fraturas na diáfise do fêmur é observada em homens jovens envolvidos em acidente com veículo automotivo ou que caíram de local elevado. A fratura mais freqüente abaixo do joelho é a tíbia, quase sempre essa fratura envolve lesão grave dos tecidos moles, porque existe pouco tecido na área subcutânea(3). A vascularização de quase toda a estrutura do fêmur é de grande importância na consolidação óssea e na defesa contra a infecção. Danos na vascularização do fêmur podem influenciar nos riscos de hipovolemia e choque(6).
Dos diagnósticos da classe 2 (atividade /exercício) que compõem o domínio 4 (atividade e repouso) foram identificados aqueles que se referem diretamente a Mobilidade (Mobilidade física prejudicada, Capacidade de transferência prejudicada e Mobilidade no leito prejudicada) e ao Déficit de auto cuidado (Déficit de auto cuidado para banho e higiene, Déficit de auto cuidado para higiene íntima, Déficit de auto cuidado para vestir-se e arrumar-se). O diagnóstico Mobilidade física prejudicada foi identificado em todos os pacientes. O indivíduo que possui uma mobilidade comprometida, dependendo do grau que é afetado e do membro, é impossibilitado de ter autonomia para execução de atividades básicas como ficar de pé, vestir-se ou banhar-se.
O fenômeno do andar prejudicado apresentou uma baixa percentagem devido ao grau de dependência elevado na mobilidade. Esta informação pode ser comprovada ao percebermos a necessidade de uma pessoa para auxílio do pacientel já que a grande maioria dos indivíduos avaliados apresentava uma classificação funcional maior que 2.
O déficit de auto cuidado para alimentação também esteve presente na amostra, devido a grande maioria não ter alterações nos membros superiores, o que não interferiria na capacidade de manusear artefatos, ingerir ou deglutir. O diagnóstico para a síndrome do desuso apareceu em menor número, apenas dois, devido ter apenas o fator de risco da imobilização o que, em sua maioria, só estava relacionado aos membros inferiores, estando o restante do corpo em funcionamento adequado.
Foram identificadas 38 características definidoras. Do total de avaliados, 100% apresentaram amplitude limitada de movimento, seguido de 89,2% com a capacidade limitada para desempenhar as habilidades motoras grossas. Estas características referem-se à mobilidade física prejudicada.
A grande maioria dos indivíduos que se submetem a cirurgia traumatológica, geralmente, possui restrições de movimento devido à fixadores externos, trações ou moldes de gesso que impossibilitam o movimento normal. O medo da dor ou de outras complicações também é evidente em muitos pacientes nos primeiros dias após a cirurgia, dificultando, assim, a realização do movimento voluntário. Por isso, a amplitude limitada de movimento está presente em 100% da amostra.
A capacidade limitada para desempenhar as habilidades motoras grossas é determinada, sobretudo, pela impossibilidade da maioria de manter o equilíbrio, andar ou ter os membros inferiores coordenados, apesar de a amostra não apresentar danos neurológicos mais evidentes.
A ausência de equipamentos específicos que facilitem a transferência do paciente da cama, cadeira ou aparelho sanitário aliada às restrições de movimento do paciente é determinante para a sua capacidade de transferência prejudicada. O indivíduo acaba assumindo uma postura dependente de outros, o que pode influenciar, diretamente, no enfrentamento sadio de suas capacidades. 83,8% apresentaram essas características definidoras.
Equilibrar-se sozinho era uma atividade que muitos não realizavam devido ao membro inferior lesado. Assim, foi observada a incapacidade de levantar-se sozinho. Outra observação que interfere na incapacidade de sentar ou levantar do vaso ou cadeira higiênica 70,3% é a alta prevalência da amostra com fraturas de fêmur. Portanto, a higiene íntima era realizada nesses indivíduos no próprio leito.
A impossibilidade de deambulação e de sentar associado à incapacidade de deslocar-se sozinho na cadeira, influíram, diretamente, na incapacidade de chegar ao vaso ou cadeira higiênica (70,3%) assim como na incapacidade de entrar e sair do banheiro 67,6%.
A incapacidade de reunir os artigos de banho (64,9%) era caracterizado, sobretudo, pelo acesso restrito aos objetos que ficavam geralmente em um móvel ao lado da cama do paciente. Vale ressaltar que a Mobilidade no leito prejudicada dificulta mais essa atividade. Este fenômeno, também, influi proporcionalmente na capacidade prejudicada de mover-se da posição supina para a posição sentada e vice-versa 59,5%. A capacidade prejudicada de colocar as roupas na parte inferior do corpo (62,2%) está ligada a lesão dos membros inferiores que impedem a movimentação adequada.
Houve uma equivalência das características definidoras, sobretudo, com aquelas que se referem à mobilidade física prejudicada e déficit de auto cuidado para vestir-se e arrumar-se (incapacidade de calçar sapatos 51,4%; movimentos não coordenados 51,4%; dificuldade de virar-se 51,4%; incapacidade de lavar o corpo ou partes do corpo 48,6% e incapacidade de manipular as roupas 48,6%). As demais características apresentam um percentual de ocorrência abaixo de 20%.
Algumas características definidoras, apesar de pertencerem a um mesmo diagnóstico, foram identificadas em proporções diferentes, tais como: amplitude limitada de movimento (100%) e respiração curta induzida pelo movimento (3,4%) e incapacidade de reunir os artigos para o banho 64,9% e incapacidade de secar o corpo 32,4%.
Foram obtidos doze fatores relacionados, sendo a perda da integridade das estruturas ósseas, prejuízos músculo esqueléticos e neuromusculares apresentados em 100% da amostra. Estes fatores estão relacionados, sobretudo, ao diagnóstico Mobilidade física prejudicada. A mobilidade é compreendida como a capacidade de controlar e relaxar grupos muscular que permitam ao indivíduo mover-se propositadamente no meio ambiente. Depende, pois, do funcionamento coordenado dos músculos, articulações e ossos, e está ligada muito fortemente ao conceito de saúde para a maioria dos indivíduos(7).
O estado de mobilidade prejudicada e a capacidade de transferência prejudicada obtiveram 67,6%, o que descreve, ainda, uma dependência do paciente em relação a terceiros. Dor e desconforto também foram bastante observados tendo 64,9%. Ausência de atividades de recreação (45,9%), possivelmente, foi relatada pelos pacientes devido ao aumento nos dias de internação. Fatores relacionados abaixo do percentil 25 apresentaram proporções muito baixas quando comparadas com as demais.
Verificamos que o processo de enfermagem, ainda, é pouco utilizado atualmente e isso contribui para que pesquisas sejam pouco realizadas nesta temática, sobretudo em pacientes traumatológicos.
Isto traz algumas dificuldades, uma vez que o paciente com a mobilidade prejudicada possui uma grande dificuldade no desempenho de suas atividades diárias e a enfermagem pode muito contribuir para a recuperação e reabilitação deste paciente.
Com este estudo, conseguimos traçar um perfil dos pacientes traumatológicos, definir suas principais características nos primeiros dias após a cirurgia e elaborar os diagnósticos referentes as suas necessidades.
Concluímos que a elaboração dos fenômenos de enfermagem dentro do processo da sistematização da assistência contribui para a prestação de cuidados individualizados, contínuos, documentados e avaliados. A atuação de enfermagem eficaz no pós-operatório interfere para a recuperação da autonomia do paciente interagindo em suas particularidades.
REFERÊNCIAS
1. Garcia TR, Nóbrega MML, Carvalho EC. Nursing process: application to the professional practice. Online Braz J Nurs [ online ] 2004 Aug; 3(2) Disponível em: www.uff.br/nepae/objn302garciaetal.htm
2. Doenges M E, Moorhouse M F. Diagnostico e intervenção em Enfermagem. Porto Alegre: Artmed; 1999.
3. Smeltzer S C, Bare B. Tratado de Enfermagem Médico-Cirúrgica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002.
4. Vieira S. Bioestatística: tópicos avançados. Rio de Janeiro: Campus, 2003.
5. Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS. Acesso em 06 jun 2005. Disponível em http://www.datasus.com.br
6. Freire E. Trauma: a doença dos séculos. São Paulo: Atheneu; 2001.
7. Bachion M M, Araujo L A O, Almeida A A M C, Santana R F. Estudo preliminar de validação clínica do diagnóstico de enfermagem “mobilidade física prejudicada” em idosos institucionalizados. Rev Eletron Enferm [ on line ] 2001 Jul; 3(2) Disponível em: http://www.fen.ufg.br/revista/revista3_2/preliminar.html.
Recebido:07/07/2005
Revisado: 08/08/2005
Aprovado: 13/08/2005