ARTIGOS ORIGINAIS

 

Significado para o acadêmico de enfermagem sobre a participação em um grupo de orientação a familiares de pacientes dependentes


Karine Kummer, Isabel Cristina Echer

 


RESUMO
O cuidado à pacientes debilitados e seus familiares é uma necessidade. Esse estudo é um relato de experiência com o objetivo de descrever as vivências da participação em um grupo de orientação a familiares de pacientes adultos com seqüelas neurológicas. Abordam-se as atividades do grupo, a importância da família nesse processo, o papel do grupo na reabilitação e no preparo para a alta hospitalar e o significado dessa experiência para o acadêmico de enfermagem. Proporcionar a interação do familiar no cuidado com o paciente faz com que este se sinta mais tranqüilo e seguro para a atenção domiciliar evitando co-morbidades e reinternações. Para o acadêmico essas vivências colaboram para a formação profissional de qualidade.
Descritores: Educação em saúde, Enfermagem, Enfermagem em reabilitação



INTRODUÇÃO

A doença neurológica é uma alteração que ocorre no sistema nervoso, levando à perda da função cerebral normal devido a uma interrupção do fluxo sanguíneo em determinada área do encéfalo, o que provoca uma disfunção cerebral ou pode levar  a um distúrbio neurológico (1) .

A preocupação com o cuidado de pacientes que apresentam distúrbios neurológicos levou a criação do  Grupo de Orientação aos Familiares de Paciente Adulto com Seqüelas Neurológicas (GPSEN), que tem como objetivo instrumentalizar a família no cuidado a esses pacientes. O grupo é constituído por duas enfermeiras e uma acadêmica de enfermagem, que atuam de maneira a oferecer suporte aos familiares por meio de orientação à beira do leito e reuniões em grupo com eles.

As patologias que mais acarretam distúrbios neurológicos são Acidente Vascular Cerebral Hemorrágico, Isquêmico e Transitório, Mal de Alzheimer, Doença de Parkinson, Esclerose Múltipla, Demências, Síndrome de Guillian Barré e Metástases Cerebrais.

Atender às necessidades de pacientes debilitados ou em fase terminal tem um significado especial não só para os pacientes que necessitam desse cuidado, como também para seus familiares. A experiência de ter um familiar hospitalizado, em uma cidade do interior do estado do Rio Grande do Sul, por disseminação de carcinoma de bexiga, com metástase cerebral e em fase terminal, despertou-me interesse em aprofundar conhecimentos e aprimorar técnicas de cuidados que visassem não somente ao bem-estar do paciente mas de sua família, a qual espera o passar dos dias e vivencia a esperança de uma recuperação.

Este relato nasce com o objetivo de descrever as experiências vivenciadas durante o período em que participei como bolsista do Grupo de Orientação aos Familiares de Pacientes Adultos com Seqüelas Neurológicas do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

AS ATIVIDADES DO GRUPO
As atividades do GPSEN constituem-se de orientação a pacientes e familiares à beira do leito e reuniões em grupo com familiares. A reunião em grupo é realizada uma vez por semana e todas as pessoas da família de pacientes seqüelados são convidadas a dela participar, momento este em que se prioriza a troca de experiências e o crescimento mútuo entre familiares na qual a participação em oficinas de sensibilidade e criatividade proporcionam o acolhimento e a livre  expressão dos participantes(2) . Na orientação à beira do leito, abordam-se cuidados específicos que visem à prevenção de complicações, melhora da qualidade de vida do paciente e fornecimento de apoio e tranqüilidade à família, pois, na maioria das vezes, os pacientes recebem alta apresentando seqüelas que necessitam de atenção e cuidados por parte dos familiares. Essas atividades têm como objetivo preparar a família para o cuidado no domicílio.

Embora a reabilitação comece já no dia em que o paciente sofre a lesão cerebral, o processo é intensificado durante a convalescença e requer um esforço coordenado da equipe de saúde. É importante, para a equipe, saber como era o paciente antes de sofrer a lesão, suas doenças, capacidades, estado mental e emocional, características de comportamento e atividades diárias (1) .

Conhecer o paciente permite um cuidado individualizado que almeja o maior retorno possível às atividades anteriormente realizadas.

As orientações oferecidas abordam cuidados com a pele (prevenção de úlceras de decúbito), distúrbios da fala, higiene e conforto, mobilizações, alimentação oral e por sonda, hidratação e eliminações urinárias e intestinais e interação da família no processo do cuidado durante a internação do paciente e no preparo do ambiente domiciliar.

A função do bolsista no grupo compreende a busca diária de pacientes novos nas Unidades de Internação Clínica de uma Instituição Hospitalar. Nessa busca, os enfermeiros são questionados com relação à presença de pacientes que apresentem seqüela ou limitações de atividades decorrentes de doença neurológica. Posteriormente, os pacientes são avaliados pelas enfermeiras do GPSEN, que identificam a real necessidade do paciente e o desejo de seus familiares em participarem do grupo. O bolsista também acompanha a enfermeira em todas as avaliações, orientações à beira do leito e encontros do grupo com os familiares e atualiza o cadastro dos pacientes em busca de altas, transferências e óbitos. Outra função importante é a realização do levantamento mensal estatístico dos pacientes que obtiveram alta hospitalar. Todos os dados são registrados e permitem conhecer o perfil dos pacientes e de familiares atendidos pelo grupo,  bem como facilitam a confecção de relatórios e proporcionam a apresentação dos resultados da atividade do grupo em eventos.

O SIGNIFICADO PARA O ACADÊMICO
É de extrema relevância para o acadêmico poder participar de grupos de orientação porque estes permitem a implementação das orientações de educação e saúde e de cuidados de enfermagem, possibilitando o aprimoramento técnico e a aquisição de conhecimentos específicos.

A reintegração dos adultos com seqüelas neurológicas constitui uma das tarefas mais importantes e desafiadoras no campo da reabilitação. A melhora do estado geral do paciente está intimamente ligada à intensidade e variedade da estimulação à qual ele é exposto e em cujo processo a presença da família é fundamental(3).

Durante o tempo em que participei do grupo, pude observar que o indivíduo debilitado fisicamente por uma seqüela torna-se debilitado emocionalmente e descrente de suas capacidades. Os que não possuíam familiar, ou estes não eram ativos no cuidado, apresentavam tendência de piora progressiva na qualidade de vida, ficando, muitas vezes, à mercê das bactérias hospitalares e apresentando complicações devido à permanência prolongada no hospital. Os pacientes que possuíam acompanhantes ativos, no entanto, apresentavam maior probabilidade de evoluir clinicamente, recebendo alta hospitalar preparados para o cuidado domiciliar.

A família é importante no processo de reabilitação de qualquer indivíduo. Sentir-se amparado, protegido e querido é o início para a recuperação. Infelizmente nem todos os pacientes são acompanhados 24 horas por dia, e, muitas vezes, nem recebem visitas. Isso se deve ao fato de muitas famílias serem de classe econômica baixa e seus membros precisarem trabalhar para o sustento da casa, outras vezes, o dinheiro é tão limitado que eles não têm como pagar o transporte até o hospital. Lembro, ainda, daqueles que não têm familiar ou dos que têm, porém estes não se importam com sua existência. Conhecer esses pacientes, permite-me hoje falar das suas necessidades, das carências que deveriam ser supridas por seus familiares e também da intensa atenção que eles necessitam da equipe de enfermagem para que tenham uma melhora significativa e possam voltar para suas casas.

O grupo visa a educar os familiares para o cuidado domiciliar, o que faz com que as orientações necessitem ser programadas de acordo com a realidade de cada paciente, buscando minimizar as inseguranças, melhorar a qualidade de vida social e familiar, prevenir complicações e/ou co-morbidades e evitar reinternações(4).

Vivenciar a abordagem com cada familiar e paciente como únicos foi fundamental para mim, enquanto acadêmica. Para o sucesso das orientações, é preciso que o assunto seja de interesse do familiar e que este esteja disponível para ouvir. Por vezes, chegávamos para orientar cuidados com a pele, por exemplo, e o familiar desejava desabafar um problema de família. Ter reservado tempo para ouvir e entender empaticamente cada pessoa singularmente também fez parte do cuidado e foi tão importante quanto o cuidado físico, visto que, para o familiar poder cuidar, é importante que ele também seja cuidado.
Pude perceber que o papel do enfermeiro no cuidado do paciente com seqüela neurológica vai muito além dos procedimentos técnicos; diria, ainda, que as atividades educacionais de saúde são tão ou mais importantes que os cuidados em preparar para a vida fora do hospital, uma vez que são subsídios altamente significativos para o enfrentamento social do indivíduo com limitações. Entendo que a meta deva ser ensinar o indivíduo a procurar atingir seu maior potencial de saúde, encorajando-o para modificações de hábitos e estilos de vida em direção a uma melhor qualidade de vida.

As orientações à família, além de preparar para o cuidado domiciliar, visaram integrar esse familiar ao cuidado prestado durante a internação hospitalar. Encorajar o familiar a tocar o paciente e proporcionar-lhe momentos de conforto por meio de massagens, mudança de decúbito, exercícios passivos, entre outros, também foi incentivado pelo grupo. É preciso “quebrar” o rótulo de que, no hospital, somente os profissionais da saúde devem cuidar do paciente, pois  o familiar pode auxiliar no cuidado hospitalar, o que não significa realizar cuidados específicos, mas solicitar, observar e acompanhar a execução desses cuidados, visando ao aprendizado e ao bem-estar do seu ente querido.

A família deve ser compreendida como uma aliada da equipe de saúde, promovendo conforto para que o paciente possa restaurar sua confiança e, assim, investir na sua recuperação. Como resposta  ao conforto, o paciente experimenta ânimo, bem-estar e crescimento e poderá recuperar sua força e poder pessoal, o que o tornará capaz de mobilizar mecanismos para enfrentar problemas e desempenhar mais eficazmente seus papéis, melhorando sua qualidade de vida(5).


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Proporcionar a interação do familiar no cuidado com o paciente faz com que aquele fique mais tranqüilo, deixando-o mais seguro para a atenção domiciliar, tão necessária para evitar co-morbidades e reinternações. Participar desse grupo de orientação despertou-me uma visão mais crítica em relação ao cuidado hospitalar, para cujo presença do familiar é fundamental. Além disso treinou-me para uma atuação mais eficiente junto ao paciente que necessita de orientações de saúde com vistas à promoção de sua reabilitação domiciliar.

Acredito que são experiências como essa, vivenciadas por acadêmicos, que formam um profissional de qualidade e, principalmente, com sentimento de amor  para cuidar do próximo.

 

REFERÊNCIAS

1. Smeltzer SC, Bare BG. Tratado de enfermagem Médico-Cirurgica. Rio de janeiro: Guanabara; 2002.

2. Sobral V, Silveira F, Tavares C, Santos I, Garcia A. The social and poetical care with the subjects of research - in the memory remains what it means. Online Brazilian Journal of Nursing (OBJN - ISSN 1676-4285) 2003; 2(2):[ Online ]. Available at: www.uff.br/nepae/objn202sobraletal.htm .

3. Davies PM. Passos a seguir - um manual para o tratamento da hemiplegia no adulto. São Paulo: Manole; 1996.

4. Marra CC, Carmagnani MIS, Afonso C, Salvador ME. Orientação planejada de enfermagem na alta hospitalar. Acta Paul Enferm 1989; 2(4):23-27.

5. Neman F, Souza MF. Experienciando a hospitalização com a presença da família: um cuidado que possibilita conforto.Rev Téc Enferm 2003; 56(6):28-31.

 

 

Recebido: 24/06/2005
Revisado: 25/07/2005
Aprovado: 13/08/2006