ARTIGOS ORIGINAIS

 

Legibilidade do material educativo escrito para pacientes diabéticos


Maria de Fátima Moreira1, Maria Iracema Tabosa da Silva1

1Universidade Federal da Paraíba

 


RESUMO
É inquestionável a importância do material educativo no processo da educação em diabetes (ED) como estratégia que facilita a aprendizagem, a autonomia e a adesão do paciente, contribuindo para o desenvolvimento de atitudes e habilidades. Embora seja um dos recursos mais amplamente utilizados no processo da ED, nem sempre está adequado ao público-alvo, principalmente no que se refere à legibilidade. Este estudo objetivou avaliar a legibilidade do material educativo escrito para pacientes diabéticos, produzido no período 1991-2001, pelo Ministério da Saúde, Secretaria de Saúde da Paraíba-PB e laboratórios que fabricam medicamentos e suprimentos para diabéticos utilizando-se o índice de legibilidade Flesch. A amostra foi constituída por 41 publicações (livros, fôlderes e folhetos). Constatou-se que apenas 51,2% das publicações apresentaram índice de legibilidade que os classifica como material de leitura fácil.
Descritores: Educação do paciente; Material de ensino; Diabetes.



INTRODUÇÃO

No contexto da educação em diabetes, a leitura, a discussão, o treinamento de habilidade, simulação, material escrito e áudio-visual são as estratégias de ensino mais utilizadas, quer se trate de ensino individual e/ou em grupo. Essas, se bem planejadas e adequadamente utilizadas, são ferramentas auxiliares eficazes e indispensáveis na elaboração do plano instrucional. A Associação Latino-Americana de Diabetes(1) destaca a importância da ED indicando e ressaltando o uso do material escrito, áudio-visual e dos meios de comunicação de massa no processo educativo do paciente e da comunidade.

Um material bem escrito ou uma informação de fácil entendimento melhora o conhecimento e a satisfação do paciente, desenvolve atitudes e habilidades, facilita a autonomia, promove a adesão, torna-o capaz de entender como as próprias ações influenciam o padrão de saúde e favorece a tomada de decisão, além de contribuir na redução do uso dos serviços e dos custos com a saúde(2).

O material impresso utilizado em unidades de atendimento ao diabético, dos serviços públicos e privados é produzido pelo Ministério da Saúde (MS), Secretarias Estadual de Saúde (SES) e pelas indústrias farmacêuticas que produzem medicamentos e suprimentos para diabetes. É comum encontrar-se impressos apresentando ilustrações fora do contexto sócio-cultural, impressão pouco legível, textos com linguagem bastante técnica, períodos e palavras longas. Essas características que podem diminuir o interesse pela leitura e/ou dificultar a compreensão, tornam o material inadequado à maioria da clientela, dificultando não só a compreensão, mas também interferindo no processo educativo e comprometendo o controle do paciente.

O Índice de Legibilidade (IL) de um texto é fator importante para compreensão do paciente. Considerar a adequação do referido índice na elaboração e seleção do material impresso certamente determinará resultados mais positivos para o paciente traduzindo-se em melhor controle metabólico, menor incidência de complicações e melhoria na qualidade de vida.

O objetivo desse estudo é avaliar o IL do material educativo escrito para pacientes diabéticos, produzido no período de 1991 a 2001, pelo Ministério da Saúde, Secretaria Estadual de Saúde e indústria farmacêutica, utilizando-se o índice de legibilidadeFlesch.

EDUCAÇÃO EM DIABETES E O MATERIAL EDUCATIVO
O processo de aquisição e aprofundamento de conhecimentos, de domínio de habilidades e de tomada de decisão é facilitado, entre outros recursos, pela utilização de material impresso. Anderson et al(3) afirmam que para os pacientes crônicos, responsáveis por cerca de 95% do seu cuidado diário, a educação é decisiva para apoiar e facilitar a tomada de decisões e que as informações escritas ou orais devem-lhe ser dirigidas com o objetivo de ajudá-los a determinarem as metas do autocuidado e a buscarem soluções para os problemas enfrentados.

O material escrito é um instrumento que facilita o processo educativo uma vez que permite ao leitor, destinatário da comunicação, uma leitura posterior possibilitando a superação de eventuais dificuldades através do processo de decodificação e de rememorização(4).

Plimpton e Root(5) destacam a importância da comunicação para promoção da saúde e prevenção de doenças. Contudo as informações em saúde estão escritas num nível elevado, dificultando a compreensão de forma que 30 a 50% do público-alvo possivelmente não vão entendê-las. Acrescenta ainda que muito material educativo disponível não é lido até mesmo pelas pessoas que têm mais habilidade de leitura porque estas não têm tempo nem muito interesse para decifrá-los.

Cerca de 30% da população adulta mundial não é capaz de ler e escrever e nos países pobres mais de 50% da população adulta é analfabeta(6). No Brasil, tanto a baixa escolaridade quanto o analfabetismo são problemas cruciais. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (7) mostram que em 1997 a taxa de analfabetismo da população acima de 15 anos era 14,7% atingindo 31,6% da população na faixa acima de 50 anos. O problema do analfabetismo é praticamente inexistente nos países desenvolvidos embora haja um número significativo de pessoas que apresentam algum grau de dificuldade com a leitura principalmente entre a população adulta e idosa (8,9).

O problema do analfabetismo ou da baixa escolaridade compromete a qualidade de vida e a saúde, pois elimina ou reduz o acesso à informação gráfica amplamente utilizada na nossa sociedade. Os profissionais, comunicadores e educadores de saúde devem considerar esse problema, não equiparar limitação de escolaridade com limitação ou incapacidade de compreensão e adotar mecanismos que favoreçam o processo de comunicação.

No Brasil, apesar do grande número de analfabetos e de pessoas com pouca escolaridade, há predominância de material educativo para pacientes na forma impressa, mas praticamente inexistem estudos avaliando a qualidade desse material quanto à legibilidade, apelo visual ou nível de leitura.

A educação em diabetes é considerada uma modalidade terapêutica e pode ser definida como o processo ensino/aprendizagem do corpo de conhecimentos, habilidades e atitudes relacionadas ao controle do diabetes com o objetivo de promover as mudanças necessárias ao alcance de um bom status de saúde e otimizar a adaptação psicossocial e a qualidade de vida(10).

Ensinar as pessoas portadoras de diabetes e seus familiares sobre os vários aspectos relacionados à doença é um processo inseparável do controle de diabetes(11). O diabetes está ligado à educação desde o seu início, mas foi a partir do surgimento da insulina que a educação dos pacientes e seus familiares foi proposta, por Joslin, como uma ferramenta terapêutica bem definida(12).

A educação é a pedra angular para o processo de empowerment que possibilitará ao paciente diabético exercer o auto-controle de sua doença. Para tanto, conhecimentos e habilidades relacionados à alimentação, exercício físico, medicação, monitoração e motivação pessoal são aspectos importantes para uma vida mais longa e com mais qualidade(13). A educação em diabetes representa a maior contribuição para prevenção de lesões nos pés(14).

Hicks(15) afirma que o propósito da ED é permitir que as pessoas com diabetes aprendam sobre sua doença de modo que elas sejam capazes de tomar decisões relacionadas a situações da vida diária, de compreender como o diabetes afeta e é afetado pelas emoções, valores, objetivos pessoais e outros aspectos psicológicos relacionados ao contexto de viver com uma doença crônica. Acrescenta ainda que a ED não existe isoladamente, mas deve estar inserida num plano global de assistência ao diabético.

A ED é, portanto um processo contínuo e dinâmico que possibilita à pessoa diabética um melhor viver e conviver com o diabetes permitindo um estilo de vida menos rígido. Nos diversos níveis de mudança ou nos vários estágios da vida, o diabético deve, através da ED, considerar, vincular e relacionar a tríade dieta, exercício, medicação. Este processo possibilita ao paciente um estilo de vida mais flexível na medida em que pode integrar e interagir com os fatores dieta/medicação/exercício, permitindo-lhe a alteração de um deles em decorrência da modificação de outros.

Em 1989 o Ministério da Saúde lançou Orientações Básicas para o diabético. Esta primeira publicação destinada a pacientes diabéticos foi reeditada em 1993. Além desse manual, o MS lançou os álbuns seriados: Diabetes Mellitus: o que todos precisam saber, em 1996 e Vamos pegar no pé com amor e carinho, em 1998. Estes foram os únicos materiais educativos impressos publicados para o paciente diabético desde o PNECD.

Apesar da grande importância e da necessidade do material educativo para a prática da ED, observamos que a produção do mesmo pelos órgãos públicos é insuficiente, não atendendo a demanda dos serviços de saúde. Essa necessidade, de certa forma, é suprida pela indústria farmacêutica, que nos últimos anos tem produzido e distribuído material educativo para os pacientes diabéticos dos serviços públicos e privados.

Gruber et al(16) ;discorrendo sobre o papel da indústria farmacêutica na promoção da educação do paciente afirmam que a provisão da mesma está dividida em três categorias: informações relacionadas aos produtos farmacêuticos e de diagnósticos; informações relacionadas à doença; e apoio a pessoas, grupos e organizações envolvidas na educação. Acrescentam ainda que o material escrito é a forma mais comum de educação sendo que as doenças crônicas como diabetes, deficiência do hormônio do crescimento, asma, úlcera péptica e depressão têm recebido maior atenção.

ÍNDICES DE LEGIBILIDADE (READABILITY FORMULAE)
O termo readability formula, utilizado por Leffa(17) e Goldim(18), foi traduzido como "fórmula de inteligibilidade" e "índice de legibilidade" respectivamente. Neste trabalho adotaremos a terminologia índice de legibilidade.

Índice de legibilidade (IL) refere-se ao grau de escolaridade exigido de um leitor para que possa entender uma determinada passagem escrita. O uso do material impresso é mais econômico e mais amplamente utilizado mas nem sempre está de acordo com as características do paciente, não atendendo portanto as suas necessidades principalmente no que se refere ao IL(8).

As fórmulas para avaliar o IL do material escrito predizem o nível de escolaridade e medem a dificuldade estrutural do texto (palavras, sílabas e extensão das sentenças), não considerando outros fatores que interferem na compreensão do material (dificuldades conceituais, objetividade, ilustração, formato etc.). Um material apresentará um IL apontando para o grau de escolaridade mais alto, quando suas sentenças forem mais longas e/ou quanto mais palavras polissílabas forem encontradas no texto. Um material escrito que apresente um IL que exija entre cinco e sete anos de escolaridade é adequado, no que se refere à facilidade do texto, para o público em geral(19).

Nunes20 afirma que o conceito de índice de legibilidade surgiu a partir dos trabalhos de Flesch em 1948, que desenvolveu e passou a utilizá-lo na língua inglesa. Vários índices foram desenvolvidos por outros autores após os trabalhos de Flesch: o FOGfoi desenvolvido por Robet Gunning em 1952, o SMOG por McLaughlin em 1969, o Fry por Edward Fry em 1988.

Podemos encontrar IL para avaliar o material escrito em cerca de doze línguas. Na língua inglesa as fórmulas Fry, Flesch, FOG e SMOG estão entre as mais utilizadas8. Instituições e organizações de outros países como o Center for Disease Control and Prevention(19), o National Institutes of Health(21), o Program for Appropriate Technology in Health(6) nos Estados Unidos e a Canadian Public Health Association(22) e Division of Aging and Seniors9 recomendam que o material educativo para pacientes seja testado quanto ao IL.

A maioria dos IL toma como base duas variáveis: a dificuldade da palavra e a extensão da sentença por entenderem os seus autores que quanto maior o número de polissílabos e a extensão da sentença maior a dificuldade de leitura oferecida pelo texto. A diferença básica entre eles reside principalmente no tamanho da amostra do texto a ser avaliado e no coeficiente aplicado aos dois fatores. Outros índices ainda consideram uma variável adicional como o número de palavras que separam o sujeito do verbo.

Flesch(23), autor da fórmula Flesch, explica que sentenças longas provavelmente terão mais orações subordinadas e mais orações preposicionadas o que determina maior esforço mental para o leitor. Portanto quanto mais sentenças longas maior a dificuldade de leitura do texto. O mesmo princípio se aplica às palavras longas.

No Brasil, a partir de 1996, pesquisadores do Núcleo Institucional de Lingüística Computacional (Universidade de São Paulo - São Carlos) começaram estudos no sentido de aplicar as fórmulas de legibilidade para avaliar o grau de dificuldade de textos escritos em português(24). A adaptação do ILF, para textos em português, resultou na determinação de quatro níveis de dificuldade de leitura (figura 1).

FIGURA 1 - Interpretação dos valores obtidos com Índice de Legibilidade Flesch (adaptação para textos em Português)

ILF %

DIFICULDADE DE LEITURA

ESCOLARIDADE APROXIMADA

75 ─ 100

Muito fácil

Até 4a. série (ensino fundamental)

50 ─75

Fácil

Até 8a. série (ensino fundamental)

25 ─50

Difícil

Ensino médio ou universitário

0 ─ 25

Muito difícil

Áreas acadêmicas específicas

Fonte: Nunes; Oliveira Junior(20)


Goldim provavelmente foi o primeiro autor brasileiro a utilizar índice de legibilidade para avaliar o grau de dificuldade de textos informativos para pacientes, concluindo que os termos de consentimento tinham textos compatíveis com escolaridade mais elevada que a da maioria dos participantes(18).

Destacando a importância do uso de índices de legibilidade na produção de material educativo para pacientes, Bauman(25) afirma que os princípios de legibilidade bem como os diversos fatores que aumentam a compreensão devem ser considerados na produção do material; Dollahite, Thompson e Mcnew(26) defendem o uso das fórmulas de legibilidade de modo que o grau de dificuldade de leitura da publicação seja determinado, possibilitando ao educador selecionar e adequar o material à habilidade de leitura dos pacientes. Beaver e Luker(27) consideram algumas limitações, mas afirmam que elas são indicadores úteis de como a informação será recebida pelo leitor.

CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
Trata-se de um estudo exploratório. A amostra foi formada por 41 publicações constituída a partir de material solicitado à Divisão de Doenças Crônico-degenerativas do MS, a Coordenação de Doenças Crônico-degenerativas da SES-PB e aos laboratórios, além de material que a autora dispunha tendo como critério de inclusão a extensão do texto contendo, no mínimo, 100 palavras.

Utilizou-se um formulário para coleta de dados contendo itens relacionados à descrição do material (título, data de publicação, fonte), ao formato, ao tema abordado, ao resultado do Índice de Legibilidade Flesch e à dificuldade de leitura.

Foi considerado livro o material impresso com mais de quarenta e oito páginas; folheto, o material com, no mínimo, cinco e, no máximo, quarenta e oito(28) e folder, o material constituído de uma folha com uma ou mais dobras(29), ou contendo até quatro páginas.

Os temas das publicações foram agrupados em seis categorias: Aspectos gerais do diabetes, Terapêutica não-medicamentosa,Terapêutica medicamentosa, Complicações, Cuidado com os pés, e Outros.

Para avaliação do ILF do material, utilizou-se o programa Redação Língua Portuguesa - RLP, versão 9.0 (30). Para efeito dessa avaliação, agrupou-se o material segundo a extensão do texto da publicação: textos longos (contendo mais de 500 palavras) e textos curtos (contendo até 500 palavras). O material de texto curto foi analisado na íntegra, e o material de texto longo, a partir de três passagens de aproximadamente 150 palavras cada. Para conferir maior uniformidade, as passagens foram extraídas da parte introdutória (incluindo o título), do meio e da parte final da publicação.


RESULTADOS E DISCUSSÃO

Observou-se que, com exceção dos anos 1997 e 2000, houve uma discreta tendência crescente do número de publicações ao longo do período 1991-2001. O percentual de publicações apresentadas nos formatos folheto (48,8%) e folder (46,3%) foram consideravelmente maiores que o de publicações no formato livro (4,9%). Esses dados permitem fazer duas inferências. A primeira relacionada ao fato de que a produção do livro é mais onerosa e, portanto, preterida. A segunda relacionada às próprias características físicas do material. Um livro é, em geral mais volumoso, com conteúdo textual mais denso, o que pode não ser muito convidativo e não motivar o leitor com pouca habilidade de leitura. Assim sendo, os formatos fôlder e folheto seriam os formatos de escolha.

Quanto ao número de publicações por fonte, os laboratórios foram responsáveis por um maior número delas, cabendo ao MS e a Secretaria de Saúde da Paraíba-PB apenas quatro publicações. Embora o PNECD(31) estabelecesse como uma das metas a publicação e distribuição de material educativo para pacientes, o MS contribuiu com apenas uma publicação. Contudo essa publicação, editada em 1989, foi reeditada em 1993 e reimpressa por duas vezes (1994 e 1996).

Provavelmente, como parte do Plano de Reorganização da Atenção à Hipertensão arterial e ao Diabetes Mellitus, outras publicações, em outros formatos, serão lançadas pelos órgãos públicos, pois, de acordo com esse plano, a educação terapêutica é prevista como uma das ações voltadas ao tratamento e controle do DM32 fazendo-se necessária, portanto, a provisão de material educativo adequado para o paciente.

No que se refere à publicação por fonte, constatou-se que o MS publicou um livro, a SES-PB três folhetos, os Laboratórios, 37 publicações (Aventis: oito folhetos, BD: dois folhetos, Biobrás: dois folderes e um folheto, Lilly: sete fôlderes e um folheto, Novo Nordisk: nove fôlderes e um folheto, Novartis: um folheto, Roche: um livro, Servier: quatro folhetos).

Quanto à categoria, observou-se que Aspectos gerais do diabetes foi a que obteve maior percentual de publicações (29,3%), seguido por Terapêutica medicamentosa (17,1%); Os valores do ILF variaram de 25, identificados nos textos sobre complicações a 72 identificados nos textos sobre cuidado com os pés. Observou-se que a média do ILF de Complicações foi significativamente menor (p< 0,05) quando comparado com a média do ILF obtido na categoria Cuidado com os pés (tabela 1).

TABELA 1 - Percentual, média e desvio padrão do ILF do material educativo escrito para pacientes diabéticos segundo categorias, período 1991-2001

CATEGORIAS

n (%)

Média (DP)

Aspectos gerais do diabetes

12 (29,3)

50,3 (10,0)

Terapêutica não-medicamentosa

5 (12,2)

51,6 (10,2)

Terapêutica medicamentosa

7 (17,1)

51,6 (9,7)

Complicações

6 (14,6)

43,5 (12,5)

Cuidados com os pés

5 (12,2)

66,6 (7,1)

Outros

6 (14,6)

49,5 (12,3)

ANOVA F = 2,9 p = 0,03


Vale salientar que, nas seis publicações da categoria Outros, foram identificados os seguintes temas: monitorização (2), situações especiais (1), criança diabética na escola (1), diabetes gestacional (1), e estresse e diabetes (1). Considera-se que as publicações apresentaram aqueles temas que abrangem a maioria dos itens básicos a serem incluídos em um programa educativo para pacientes, conforme recomendações da DOTA 33 e do MS(34).

Ao enfatizar a educação como a contribuição mais importante para prevenção de lesões nos pés, a OMS14 destaca a provisão de material educativo escrito e/ou áudio-visual como uma das ações que devem ser incluídas num programa de educação para pacientes em risco de desenvolver úlceras nos pés. Nesse sentido, os resultados deste estudo apontam para a contribuição positiva do material sobre Cuidados com os pés visto que apresentou uma média do ILF igual a 66,6 que o classifica como de leitura fácil.

No que diz respeito ao ILF, relacionado às publicações das três fontes, a publicação do MS apresentou ILF 33 (leitura difícil), as da SES-PB apresentaram ILF entre 54 a 72 (leitura fácil), e as dos laboratórios apresentaram ILF entre 25 a 72 (variando de leitura difícil a fácil).

Considerando a média do ILF apresentado pelas publicações das diversas fontes, os textos das publicações produzidos pelos órgãos públicos apresentaram média de ILF semelhante (p> 0,05) aos textos produzidos pelos laboratórios. O percentual de leitura difícil foi significativamente maior (p< 0,05) nos textos apresentados no formato folder, quando comparados aos apresentados no formato folheto.

Os resultados obtidos em relação ao ILF variaram de 25 a 72, sendo que 51,2% das publicações apresentaram valores entre 50 a 75, índice que as classifica como de leitura fácil; 46,3% apresentaram valores entre 25 a 50, o que as classifica como material de leitura difícil e 2,4% valores entre 0 a 25, como de leitura muito difícil. Nenhuma publicação apresentou ILF entre 75-100, considerado como de leitura muito fácil.

Constata-se que cerca de 48% do material foi considerado de leitura difícil e muito difícil, exigindo, portanto, no mínimo, nove anos de escolaridade. Desse modo, constata-se que um número considerável de pacientes encontram dificuldades para adquirir informações básicas e vitais necessárias à saúde as quais, predominantemente, são apresentadas na forma impressa.

Os profissionais devem considerar a escolaridade e habilidade de leitura do paciente para que possam usar eficazmente o material escrito no processo educativo35. Nesse sentido, Doak, Doak e Root 8 recomendam que o material educativo em saúde seja escrito em um nível compatível com seis anos de escolaridade, de forma a abranger e beneficiar um público maior, pois mesmo as pessoas com nível de leitura elevado compreendem melhor informações de saúde quando são mais fáceis de se ler.

Considerando-se as recomendações dos autores anteriormente citados, também podemos concluir que houve um significativo número de publicações inadequadas para uma considerável parcela da população diabética em relação à escolaridade exigida. A mesma conclusão pode ser aplicada, se considerarmos os dados referentes à escolaridade de pacientes diabéticos apresentados nos estudos de

Gamba et al36 (59% tinham 1o. grau incompleto), Takahashi et al37 (ate 4a. série, 52%), Guimarães e Takayanagui 38 (75,8% tinham o 1o Grau incompleto).

Segundo os dados do último censo demográfico39 percebe-se que a escolaridade da população brasileira é baixa. Resultados desse censo demonstram que a maioria da população de idade igual ou superior a 40 anos tem até sete anos de estudo: 19,9% sem instrução ou menos de um ano, 21,8% têm 1 a 3 anos de estudo e 25,9% têm 4 a 7 anos de estudo. A baixa escolaridade é uma questão preocupante, sendo mais evidente na população idosa que, por dificuldade de acesso à educação, não desenvolveu conhecimentos e habilidades para usar eficazmente o material impresso.

Considerando-se que a prevalência de diabetes é mais elevada na faixa acima de 40 anos e que a população dessa faixa etária tem baixa escolaridade, pode-se inferir que 48,7% do material educativo disponível no período 1991-2001 não estava adequado para um percentual significativo dessa população. A mesma inferência se pode aplicar considerando-se a escolaridade dos diabéticos conforme dados relacionados à escolaridade de pacientes diabéticos segundo autores anteriormente apresentados.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, o material educativo escrito é um recurso que tem a função de permitir ao paciente uma exposição inicial sobre diversos tópicos relacionados ao diabetes, reforçar as instruções orais, bem como servir de fonte de consulta ao longo do tratamento. Além disso, as mensagens do material educativo para diabéticos têm como objetivo suscitar ou manter mudanças de comportamento.

Contudo tal objetivo só será atingível se a mensagem for apreensível pelo receptor.

A análise do texto para determinação do IL é um procedimento indireto e relativamente simples que tem limitações, pois a leitura é um processo complexo, e a compreensão de um texto envolve questões relacionadas ao mesmo, ao leitor e à interação texto/leitor. Portanto outros fatores relacionados ao texto (ilustração, layout, design) e concernentes às características do leitor (motivação, estresse, escolaridade) também devem ser considerados e avaliados.

É relevante a contribuição do material escrito no contexto da educação em saúde e o papel desse recurso para se promover saúde, prevenir doenças, desenvolver habilidades e favorecer a autonomia do paciente. O enfermeiro, um dos componentes da equipe interdisciplinar de assistência ao diabético que mais tem desempenhado a função de educador, deve participar do processo criação, desenvolvimento e de avaliação do material educativo atentando para redução de ruídos que prejudicam o processo de comunicação, bem como, adotando e aprimorando mecanismos que facilitem a leitura, melhorem a legibilidade e motivem o leitor.

Exercer o papel de criador e crítico é fundamental para produção e uso eficaz desse material. Nesse sentido, o enfermeiro deve considerar que o processo de letramento em saúde é socialmente construído e transcende a habilidade de compreensão da leitura, contagem e reconhecimento das palavras(40).

A incidência de diabetes é inversamente proporcional ao nível educacional, além de que a possibilidade de desenvolvimento de complicações é maior em indivíduos com menor escolaridade(41), razão por que enfatizamos a importância de material educativo como instrumento efetivo de mudança de comportamento, com potencial para possibilitar redução de complicações, desde que seja elaborado de modo que a leitura e a compreensão sejam facilitadas.

A aplicação do conhecimento resultante desse estudo, associado aos que virão, repercutirá positivamente nos resultados de saúde, não somente do paciente diabético, mas de pacientes portadores de outras doenças crônicas cujo controle, aceitação da doença, aderência ao tratamento e alcance de uma melhor qualidade de vida são favorecidos e possibilitados através de programas de educação.


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Recebido: 20/03/2005
Revisado: 09/05/ 2005
Aprovado: 10/06/ 2005