Incompatibility among drugs and the materials of intravenous therapy catheters and disposable accessories

Incompatibilidade entre fármacos e materiais de cateteres e acessórios da terapia intravenosa

 Maria Angélica Sorgini Peterlini*, Massae Noda Chaud*, Mavilde da Luz Gonçalves Pedreira*

 *Professor Adjunto da Disciplina Enfermagem Pediátrica da Universidade Federal de São Paulo

 Abstract: Descriptive research whose objective was to identify the occurrence of incompatibility among drugs and the materials of intravenous therapy catheters and disposable accessories in hospitalized children, in four pediatric wards of a university hospital. The data collection was realized through the structured observation of nursing staff practice during the intravenous therapy execution. A total of 519 executions of intravenous therapy were observed in 178 children. The drugs were infused by 209 catheters, made of vialonâ, Teflonâ, stainless steel and polyurethane, being incompatibles 3.1% of the associations and in 96.9% no data was available in the literature regarding this issue. The polyvinyl chloride was the material verified in all (601) disposable accessories and 60.7% associations were compatibles, 19.8% incompatibles and for 19.5% of the associations, scientific evidences were not identified to support this nursing practice.

Keywords: Infusions, Intravenous; Drug Incompatibility; Drug Stability; Pediatric Nursing; Pediatrics

 Resumo: Pesquisa descritiva cujo objetivo foi identificar a ocorrência de incompatibilidade entre fármacos e materiais de confecção de cateteres e acessórios da terapia intravenosa administrada em crianças hospitalizadas, em quatro unidades pediátricas de um hospital universitário. A coleta dos dados foi realizada por meio de observação estruturada das execuções de terapia intravenosa desenvolvidas pelos membros da equipe. Foram identificadas 519 execuções de terapia intravenosa em 178 crianças. Os fármacos foram administrados por 209 cateteres, confeccionados em vialonâ, Teflonâ, aço inoxidável e poliuretano, sendo 3,1% das associações incompatíveis com o material e em 96,9% não se identificou referência na literatura sobre incompatibilidade. O polivinil cloreto foi material de confecção de todos (601) os acessórios utilizados para infusão de fármacos, sendo 60,7% associações compatíveis, 19,8% incompatíveis e para 19,5% observou-se a falta de evidências científicas que respaldem esta prática da enfermagem.

Palavras-chave: infusões intravenosas; incompatibilidade de medicamentos; estabilidade de medicamentos; enfermagem pediátrica, pediatria

 

INTRODUÇÃO

A utilização de substâncias medicinais ou farmacológicas é um dos mais antigos métodos de tratamento de enfermidades, objetivando a cura de doenças ou a redução de seus sinais e sintomas indesejáveis. Florence Nightingale já enfocava a necessidade de conhecimento teórico da prática profissional para a correta preparação, dosagem, técnica de administração, bem como a identificação de efeitos colaterais e desejados de cada medicamento administrado pela enfermeira1.

Estima-se que estão disponíveis para uso aproximadamente 1.500 substâncias farmacológicas, sendo notáveis, na atualidade, os avanços obtidos nesta área de conhecimento, destacando-se nesta pesquisa aspectos concernentes à administração de fármacos por via intravenosa em pacientes pediátricos.

Em estudo nacional realizado com crianças hospitalizadas verificou-se que em um mês de investigação foram administradas 8.245 doses de fármacos intravenosos, em uma média de 40 crianças internadas por dia, resultando em projeção anual de 98.940 doses administradas nas unidades pesquisadas2. Comprova-se assim, que tais avanços científicos e tecnológicos têm oferecido cada vez mais opções de terapias medicamentosas intravenosas, entretanto, mantém-se a preocupação com situações com alto potencial para o desenvolvimento de problemas que podem acarretar prejuízo à eficácia terapêutica, como a ocorrência de instabilidade ou incompatibilidade medicamentosas.

A instabilidade do fármaco pode ser definida como um produto de degradação resultante de reações químicas incessantes e irreversíveis, como hidrólise e oxidação. Esta substância resultante pode ser terapeuticamente inativa ou tóxica. A incompatibilidade medicamentosa é um fenômeno físico-químico indesejável, que acarreta alteração no estado físico ou no equilíbrio iônico da substância3-5.

As ocorrências de incompatibilidade entre os fármacos e materiais empregados na terapia intravenosa, denominadas adsorção e absorção, são classificadas como incompatibilidades físicas e, freqüentemente, podem passar despercebidas por não serem reações visíveis. Entretanto, estes fenômenos têm sido reconhecidos como de risco por apresentarem significado clínico ao acarretarem perdas no efeito do fármaco4-5.

Essas situações são conhecidas como fenômeno de sorção, ocorrendo perda do fármaco para a superfície de frascos, seringas, filtros, acessórios e cateteres da terapia intravenosa por meio de adsorção, ou pela absorção do fármaco para a matriz do material de confecção desses dispositivos. A adsorção do fármaco ocorre geralmente por meio da interação física de certos grupos funcionais moleculares com sítios de ligação na superfície dos recipientes, freqüentemente confeccionados em polivinil cloreto (PVC), substância proveniente do petróleo, composta por cloro (57%) e eteno (43%), um hidrocarboneto gasoso incolor e inflamável. O fenômeno de sorção é relevante na administração de medicamentos em baixas concentrações ou em pequena quantidade, pois uma porção clinicamente representativa pode ser removida da solução para a parede do recipiente. Alguns exemplos podem ser citados, como as perdas de insulina, amiodarona, nitroglicerina, vitamina A e diazepam para acessórios confeccionados com PVC3-5.

Vale ressaltar que a adsorção do fármaco em frascos de vidro também é possível. Recipientes de vidro apresentam sítios de ligação hidrofóbicos, pois a silinização do vidro nem sempre previne a ligação de partículas de alguns fármacos, e o fenômeno de adsorção ao vidro é especialmente comum com proteínas e peptídeos administrados em baixas concentrações, sendo que a perda é determinada por um processo denominado Langmuir4.

O processo Langmuir refere-se ao conceito da ligação de uma substância ou gás a uma superfície, até a mesma torna-se saturada da substância e desde que haja apenas um limitado número de sítios de ligação na superfície. Assim, dependendo da força e do número de sítios de ligação, um fármaco é mais propenso a ser efetivamente ligado em baixas concentrações, acarretando prejuízo terapêutico. Em altas doses de medicamentos, os sítios podem tornar-se saturados e como resultado, pequenas ou insuficientes quantidades de fármacos podem ser perdidas por adsorção4.

Já a absorção ocorre pela fixação de uma substância no interior da massa de outra. Ou seja, o fármaco é sorvido da solução para dentro da matriz dos frascos e acessórios da terapia intravenosa fabricados em plástico, especialmente o PVC4-6.

O PVC é um polímero rígido e, para torná-lo flexível, incorporam-se plasticizantes, tais como o dioctylphthalate (DOP) ou o di-2-ethylhexyl phthalate (DEHP). O DEHP e outros plasticizantes são razoavelmente bons solventes para fármacos lipossolúveis. A extração do DEHP para dentro da solução do fármaco e corrente sanguínea, entretanto, é um problema potencial. Soluções de surfactante podem sorver o plasticizante do frasco de PVC para a luz do equipo e o desprendimento de uma quantidade maior de DEHP ocorre se for realizada a agitação do frasco4.

Outros plásticos flexíveis, tais como polietileno e polipropileno, absorvem quantidade insignificante do fármaco quando comparados ao PVC. Tal fato se explicaria por não conterem plasticizantes e sua estrutura molecular ser similar a de hidrocarbonetos4.

A fim de promover a eficácia terapêutica dos medicamentos administrados por via intravenosa, enfermeiras devem implementar ações específicas no que concerne à reconstituição, diluição, acondicionamento e cuidados na administração de fármacos, a fim de evitar prejuízos no tratamento resultantes da incompatibilidade medicamentosa.

Tendo como fundamentação os conteúdos expostos, o presente estudo objetivou identificar a ocorrência de incompatibilidade entre fármacos e materiais de confecção de cateteres e acessórios da terapia intravenosa administrada em crianças hospitalizadas.

MATERIAL E MÉTODO

A presente pesquisa descritiva foi realizada em um hospital universitário de atendimento de alta complexidade, localizado na zona sul do Município de São Paulo. O estudo foi desenvolvido em quatro unidades pediátricas: clínica, com capacidade para 32 leitos; infectologia, com capacidade para 12 leitos; cirúrgica, com capacidade para nove leitos e cuidados intensivos, com capacidade para nove leitos.

Antes do início da coleta dos dados o projeto de pesquisa foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, recebendo parecer favorável sob o número 383/00. A coleta dos dados foi realizada por meio da observação estruturada das ações dos profissionais da equipe de enfermagem durante o preparo e administração da terapia intravenosa. O método estruturado de observação direciona o que deve ser investigado, adequando-se ao registro formal do comportamento ou atitude humana específica. Deste modo, a amostra do estudo foi composta pelas execuções de terapia intravenosa realizada pelos membros da equipe de enfermagem que trabalhavam nas quatro unidades pediátricas selecionadas. Por ocasião do levantamento, o número total era de 107 profissionais, sendo 32 enfermeiras, seis técnicas e 69 auxiliares de enfermagem.

No posto de enfermagem era verificado o preparo dos fármacos, quanto à reconstituição daqueles de apresentação pó ou pó liofilizado, quanto à diluição dos medicamentos de apresentação líquida, quando a concentração prescrita representava volume significantemente pequeno dificultando a manipulação, e quanto ao preparo das soluções, tais como heparina sódica para manutenção de cateteres e fármacos de infusão contínua. À beira do leito eram observadas a diluição e administração dos fármacos, bem como, verificavam-se as soluções de infusão contínua que a criança já estava recebendo.

As variáveis selecionadas para descrever a prática da terapia intravenosa foram: tipo e material de confecção do cateter intravenoso e dos acessórios da terapia intravenosa; execuções da terapia intravenosa (observação do preparo e administração de fármacos ou da administração vigente de medicamento no paciente); solução para manutenção intermitente de cateter intravenoso e tipo de fármacos administrados por via intravenosa.

Os dados obtidos foram inseridos em planilha eletrônica do Programa Excel® da Microsoft. Foi realizada dupla checagem das planilhas eletrônicas por dois pesquisadores, a fim de se prevenirem possíveis equívocos de digitação. Posteriormente os dados foram apurados e são apresentados em Tabelas, segundo freqüências absolutas e relativas.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A amostra deste estudo foi constituída de 519 execuções de terapia intravenosa realizadas pela equipe de enfermagem, sendo 79,4% referentes ao preparo e administração de fármacos e 20,6% de administrações de fármacos que já se encontravam em andamento no momento da observação desta prática.

Na unidade de cuidados intensivos pediátricos foram observadas 218 (42,0%) execuções de terapia intravenosa, seguida das unidades de internação clínica (192=37,0%), infectologia (59=11,4%) e cirúrgica (50=9,6%).

As 519 execuções da terapia intravenosa ocorreram através de 209 (100,0%) cateteres intravenosos, inseridos em 178 crianças. Destes 209 cateteres, 141 (67,5%) eram de posicionamento periférico e 68 (32,5%) centrais. Os cateteres intravenosos periféricos eram confeccionados em teflonâ (47,5%), vialonâ (36,9%) e aço inoxidável (15,6%). Todos (68) os cateteres intravenosos centrais eram confeccionados em poliuretano.

Há estimativa de que, aproximadamente, 150 milhões de dispositivos intravasculares são anualmente inseridos em pacientes hospitalizados nos Estados Unidos da América. Destes, os mais utilizados são os de posicionamento periférico7.

De modo geral, a cateterização venosa periférica está indicada para o restabelecimento do equilíbrio hidroeletrolítico, administração de fármacos, soluções, nutrição parenteral total com osmolaridade inferior a 900 mOsm/l, coleta de exames e infusão de hemocomponentes7. Já as indicações para uso de cateter de posicionamento central tem relação, dentre outras, com a necessidade de infusão uniforme e contínua de aminas vasoativas, soluções hipertônicas e controle da pressão venosa central7,8.

O teflon®, material de revestimento da maioria dos cateteres intravenosos periféricos identificados neste estudo, além de baixo custo, apresenta taxas inferiores de formação de trombos, inflamações, flebite e infiltração, ao ser comparado com o polivinil cloreto (PVC), embora apresente algum grau de rigidez. O vialon® é um elastômero de poliuretano livre de plasticizante, caracteriza-se por ser um material de alta resistência, com superfície lisa, facilitando sua inserção no vaso, sendo que, após inserido, torna-se macio e, flexível e flutua na íntima da veia, ao contrário dos cateteres rígidos que apresentam maior potencial para acarretar lesões na parede do vaso. Este tipo de material minimiza as reações locais quando há indicação de uso prolongado. Já o aço inoxidável caracteriza-se pelo baixo custo, biocompatibilidade e menores taxas de flebite, entretanto, quando comparado aos cateteres sobre agulha, apresenta maior probabilidade de transfixação do vaso devido à sua rigidez7.

O poliuretano, único material de confecção de cateteres intravenosos centrais identificado nesta pesquisa, caracteriza-se como moderadamente firme, dificultando a inserção. Por outro lado, ocasiona menor formação de trombos quando comparado aos cateteres intravenosos de posicionamento central revestidos com teflon®7.

Para promover a execução das 519 terapias intravenosas, por meio dos 209 cateteres, foram identificados 601 acessórios da terapia intravenosa. A distribuição do material de confecção dos acessórios da terapia intravenosa encontra-se apresentada na Tabela 1.

 

Como se pode verificar na Tabela 1 todos (601) os acessórios da terapia intravenosa possuem em sua composição o PVC. Historicamente, o PVC começou a ser utilizado na fabricação de frascos e equipos flexíveis em substituição ao vidro e à borracha natural, passando a dominar o mercado, especialmente quando houve a necessidade do descarte após o uso dos acessórios.

Com a finalidade de tornar o PVC flexível e transparente, comumente é adicionado di-2-ethylhexyl phthalate (DEHP). Existem controvérsias, entretanto, quanto à toxicidade deste plasticizante. Nos Estados Unidos da América, uma aliança de 160 grupos, dentre eles a American Nursing Association, publicou um alerta relatando que frascos e equipos fabricados em PVC contêm a mesma substância química proibida, por regulamentações federais, na fabricação dos brinquedos. Laboratórios federais americanos testaram o DEHP e concluíram que a substância em contato com alguns medicamentos é eliminada na circulação sanguínea do paciente. Agências de proteção ao meio ambiente, baseadas em testes realizados em roedores, listam o DEHP como sendo um provável causador de neoplasia hepática. Contudo, outros cientistas relatam que as conseqüências são irrelevantes para o ser humano, demonstrando controvérsias quanto à segurança no uso deste plasticizante9.

Outro material presente nos acessórios de terapia intravenosa foi o látex (Tabela 1). Atualmente, este é um material amplamente utilizado. Data, porém, de 1979 o primeiro relato de reação alérgica aos derivados do látex, com incidência variável de 2,9% a 65,0%. O látex é uma emulsão extraída da seringueira Hevea brasilienses constituído de polisopreno, lipídeos, fosfolipídeos e proteínas. As proteínas do látex são alérgenos causadores da maioria das reações aos derivados deste material, componente comum de luvas, seringas, estetoscópios, cateteres e bandagens. Muitos dispositivos que entram em contato com membranas mucosas aumentam a absorção da proteína e desencadeiam o processo alérgico que, na maioria dos casos, é acarretado por exposições repetidas ao material. Vale ressaltar que o contato repetido nem sempre desencadeia a reação10.

A seguir, são apresentadas na Tabela 2 as distribuições das 519 execuções de terapia intravenosa de acordo com os 41 fármacos de infusão contínua ou intermitente identificados, segundo o tipo de material do cateter intravenoso e a indicação de incompatibilidade e compatibilidade.

Os materiais plásticos utilizados em produtos farmacêuticos, ou seja, recipientes que entram em contato com o fármaco, bem como dispositivos de infusão que entram em contato direto com o paciente, devem contemplar requisitos que permitam manter a segurança do indivíduo e a conservação do fármaco. Os requisitos referem-se à manutenção da qualidade, pureza, atividade e características físicas dos produtos nele contidos, sem liberação de resíduos ou produtos de decomposição que causem risco ao consumidor. Estudo realizado com polietileno, polipropileno, cloreto de polivinila, poliestireno, acrilonitrila-butadiemo-estireno, látex, poliamida e silicone, concluiu que apenas o polietileno atendeu, satisfatoriamente, aos requisitos necessários para materiais plásticos que entram em contato com produtos farmacêuticos11.

Vale ressaltar que os materiais dos acessórios e dispositivos devem ser inertes, não apresentar erosão da superfície, não acarretar desequilíbrio químico e não causar alteração das propriedades mecânicas dos dispositivos e acessórios12.

A indicação da incompatibilidade e compatibilidade dos fármacos com os materiais dos cateteres intravenosos deste estudo, apresentada na tabela que segue foi fundamentada em trabalhos de Trissel5, Smith et al13, Uges & Ruige14 e pesquisa no banco de dados ConComp15.

 Ao examinar a Tabela 2, não foram encontradas na literatura informações sobre a compatibilidade ou incompatibilidade da quase totalidade (96,9%) das associações. Em 16 (3,1%) situações verificadas há incompatibilidade, sendo que 11 (2,1%) referem-se à associação entre cloridrato de vancomicina e teflon®, três (0,6%) entre cloridrato de clorpromazina e poliuretano e duas (0,4%) ao cloridrato de prometazina e poliuretano. Estudo realizado com 15mg/ml de cloridrato de vancomicina em solução de glicose a 5% em água (SG 5%), demonstrou significante adsorção do fármaco para o cateter de teflon, sendo, posteriormente, liberado para o interior do tubo sob forma tóxica de cloridrato de vancomicina5,13,14. A falta de dados na literatura sobre a compatibilidade e incompatibilidade da associação entre fármacos e soluções com materiais de fabricação de cateteres intravenosos indica urgência em dispor estudos nesta área.

A incompatibilidade do material do dispositivo intravenoso com o fármaco acarreta perda da sua concentração, especialmente no início da infusão, pela demora no alcance dos níveis séricos esperados. Também, como conseqüência da sorção pode ocorrer alterações nas propriedades mecânicas e na biocompatibilidade do dispositivo13.

Estudos sobre incompatibilidade e compatibilidade de alguns fármacos com o PVC são identificados na literatura, tendo sido encontrada apenas uma pesquisa referente ao poliuretano13 e uma citação quanto ao teflon®5. A busca de literatura sobre associação de fármacos com materiais, tanto dos dispositivos como dos acessórios da terapia intravenosa, mostrou que a maioria das informações refere-se a materiais de confecção de acessórios de terapia intravenosa e não propriamente ao material de confecção de cateteres. Frente a restrita informação disponível na literatura pesquisada, referente à compatibilidade e incompatibilidade dos diversos fármacos com os materiais utilizados para a confecção dos cateteres deste estudo, teflon®, vialon®, aço inoxidável e poliuretano, foram solicitadas informações aos diferentes fabricantes dos materiais identificados e a maioria informa não dispor de pesquisas referentes à análise de compatibilidade dos materiais com os fármacos, e parecem desconhecer a relevância da informação para a prática da enfermagem.

A distribuição dos fármacos é apresentada de acordo com o material dos acessórios da terapia intravenosa e indicação de incompatibilidade ou compatibilidade na Tabela 3. O estudo da incompatibilidade de fármacos com o material dos acessórios de terapia intravenosa tem como referencial as pesquisas desenvolvidas por Trisse5, Kowaluk et al.6, Sautou et al.16, Dettmering17, Kowaluk et al.18; Kirschenbaum et al.19; Holmes et al.20; Kowalski, Gourlay21; Atkinson, Duffull22; Bleasel, Peterson, Jestrimski23; Pearson, Trissel24; Lee et al.25; Faouzi et al. 26; Trissel, Pearson27; McMullin et al.28; Allen et al.29; Edmonds, Morosco, Nahata30; Sautou-Miranda et al. 31; e pesquisa no banco de dados ConComp15.

 

A análise dos dados da associação de fármacos com os materiais de confecção dos acessórios de terapia intravenosa identificou 103 incompatibilidades. Conforme observado na Tabela 3, das 519 execuções de terapia intravenosa, 488 foram realizadas por meio de acessórios fabricados apenas em PVC. Destas, em mais da metade, 315 (64,5%) execuções, foram administrados fármacos compatíveis com o material dos acessórios, em 79 (16,2%) não se encontrou respaldo na literatura consultada quanto à incompatibilidade ou compatibilidade e em 94 (19,3%) execuções os fármacos eram incompatíveis com o PVC.

Estudos referentes à incompatibilidade do PVC com fármacos apresentam destaque na literatura. Muitas vezes, porém, as informações restringem-se a determinados fármacos, como por exemplo o diazepam, nitroprussiato de sódio e nitroglicerina. Portanto, pesquisas sobre perdas das concentrações de vários fármacos resultantes de incompatibilidade com materiais de acessórios de terapia intravenosa ainda podem ser caracterizadas como limitadas. As associações incompatíveis podem causar diminuição da concentração do fármaco administrado à criança e, conseqüentemente, redução da resposta terapêutica, particularmente se a administração for realizada por infusão contínua6,15.

A incompatibilidade da heparina sódica com o PVC foi demonstrada em estudo no qual 300 unidades do fármaco por mililitro de solução de SG 5%, infundido em acessório de PVC, apresentou perda de 15% a 25%, sendo especialmente maior durante os primeiros 15 minutos de administração16. Outro estudo apontou que a heparina sódica diluída em SG 5% (7,0 unidades/ml) na infusão em acessórios de PVC demonstrou estabilidade do fármaco menor que 10,0% em período de até oito horas de associação, porém, houve perda de concentração de 13,0% em até 24 horas. Ao utilizar NaCl 0,9% para diluir a heparina sódica (7,0 unidades/ml), evidenciou perda de 18,4% do fármaco, imediatamente, após a associação. Durante o período de cinco minutos a quatro horas, entretanto, a associação tornou-se estável, mantendo concentração de 90,0% da solução inicial. Após este período, a estabilidade da solução voltou a apresentar perda de aproximadamente 14,0%17. Os estudos demonstram que a incompatibilidade entre a heparina sódica e o PVC parece ter relação com a concentração do fármaco.

Portanto, a solução de heparina sódica de 10U/ml, comumente preparada para a manutenção intermitente de cateteres intravenosos periféricos, não deve ser acondicionada em acessórios de PVC e a infusão contínua de heparina sódica diluída em NaCl 0,9% através de acessórios confeccionados em PVC deve ser realizada, no máximo, em quatro horas. Cabe salientar que foi pesquisada a estabilidade da heparina sódica em sistemas confeccionados em polietileno, verificando-se compatibilidade e, deste modo, evidencia-se que este é o material mais apropriado para administração contínua do fármaco 15.

O pequeno número de estudos sobre incompatibilidade e compatibilidade entre os fármacos e materiais dos cateteres e acessórios de terapia intravenosa identificados impossibilitou discussão mais ampla dos resultados obtidos.  As inovações e incorporações de novas tecnologias para a terapia intravenosa são constantes, faltando evidências quanto à segurança do emprego de acessórios e prevenção de incompatibilidades medicamentosas.

Destaca-se, como subsídio para melhorar a prática da enfermagem relativa à execução de terapia intravenosa, que a perda da estabilidade do fármaco depende de suas características físico-químicas e dos componentes do plástico dos acessórios e dispositivos. Assim, a fim de minimizar o risco de incompatibilidade, alguns cuidados podem ser empregados, tais como a utilização de acessórios curtos e de pequeno diâmetro e materiais plásticos mais inertes, como o polietileno6.

CONCLUSÃO

Das 519 execuções de fármacos por meio de cateteres intravenosos, 3,1% foram incompatíveis com o material dos dispositivos e em 96,9% das administrações observadas não foi encontrada referência na literatura consultada sobre a incompatibilidade.

De modo semelhante, das 519 execuções de terapia intravenosa realizadas através dos acessórios descartáveis, 19,8% foram incompatíveis com o material de confecção e em 19,5% faltam evidências científicas que respaldem esta prática da enfermagem.

Desta forma, os resultados obtidos permitem deduzir que a ocorrência de incompatibilidades, como também a falta de evidências científicas, são dificuldades cotidianas presentes na prática da enfermeira pediatra durante a administração de medicamentos.

A ampliação do conhecimento científico direcionado a esta temática requer o desenvolvimento de pesquisas interdisciplinares e a intersecção de várias áreas de conhecimento, a fim de promover segurança ao paciente submetido à terapia intravenosa.

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Apoio Financeiro: Pesquisa desenvolvida com fomento concedido pelo Fundo de Auxílio aos Docentes e Alunos (FADA) da UNIFESP.

Notas: Parte de Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, em julho de 2003.

Pesquisa premiada com o 1º lugar, na seleção de melhor trabalho científico no 14th European Congress of Intensive Care Medicine, ocorrido na Suíça, em 2001.

Received: Aug 23rd , 2006
Revised: Sept 30
th  , 2006
Accept: Oct 19th , 2006