ARTIGOS ORIGINAIS


Planejamento estratégico para o desenvolvimento de padrões profissionais de enfermagem: nota prévia


Isabel Cristina Fonseca da Cruz1, Eliel de Oliveira Larrúbia2, Neusa Maria de Azevedo2, Marly Rodrigues Ribeiro2, Ana Maria Rongel Rocha2, Cláudia de Souza Moraes2, Sonia Regina de Oliveira Silva2, Cristiane Maria Amorim Costa2

1Universidade Federal Fluminense
2Universidade Estadual do Rio de Janeiro

 


RESUMO
Contexto: Diante da função primordial de um Hospital Universitário e após a análise do contexto e dos envolvidos, avaliou-se que o desvio do foco assistencial do cliente (usuário externos) e do aluno (usuário interno) é o problema prioritário e central. 
Objetivos: Avaliar o impacto da implantação do cuidado centrado no cliente, integral e hierarquizado, baseado em evidências científicas, desenvolvendo uma base de dados científicos sobre a relação entre os resultados do cliente sensíveis aos cuidados de enfermagem. 
Método: O monitoramento e a avaliação do plano estratégico elaborado pela Coordenação de Enfermagem do HUPE/UERJ. Os dados serão coletados do prontuário do cliente e dos documentos da administração hospitalar (escalas, etc). Os dados qualitativos serão colhidos por meio de entrevistas com os clientes e funcionários. Os dados serão submetidos a análise estatística (regressão múltipla) e qualitativa para analisar a relação entre os resultados e a implantação dos padrões profissionais de enfermagem. 
Resultados esperados: o perfil do atendimento ao cliente com base nos indicadores sensíveis aos cuidados de enfermagem 
Descritores:
 Planejamento estratégico, Formulação de projeto, Assistência centrada no paciente.



INTRODUÇÃO

A missão do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), é prestar assistência integrada, humanizada e de excelência à saúde, sendo agente transformador da sociedade através do ensino, pesquisa e extensão.  A Coordenação de Enfermagem (CE), enquanto integrante fundamental do HU, busca dar ênfase na melhoria de desempenho institucional com base em evidências científicas, promover a satisfação do usuário com os serviços prestados e produzir resultados que configurem o aprofundamento das ciências profissionais envolvidas no cuidado de saúde.

Contudo, para ampliar o valor social do hospital universitário, e das demais instituições envolvidas, é imperioso planejamento do serviço e a avaliação continuada da qualidade por parte dos gestores responsáveis. O projeto de pesquisa estratégica e operacional aqui apresentado foi concebido à luz do referencial de gestão social (ÁVILA, 1999), ou seja, pensando na gestão das demandas e necessidades dos cidadãos usuários, como também nos cidadãos profissionais. Portanto, este projeto representa as prioridades que já estão sendo enfrentadas pela Coordenação de Enfermagem do HUPE/UERJ.


DESENVOLVIMENTO

Assim como a sistematização da assistência de enfermagem reflete o processo continuado do cuidado do enfermeiro para com o cliente, igualmente a pesquisa estratégica é um processo ininterrupto conduzido pela Coordenação de Enfermagem para continuamente analisar a situação, fazer o diagnóstico institucional, traçar estratégias para a resolução dos problemas e potencialização da instituição, reavaliar as metas e estratégias e atualizar o projeto para assegurar que o foco permaneça relevante e dirigido à abordagem das prioridades da CE-HUPE à luz da missão institucional que é produzir e divulgar conhecimento científico em saúde.

A Análise do Contexto e dos Envolvidos, resultante das reuniões grupais com os enfermeiros, com as chefias de serviço, com os docentes, entre outros envolvidos, para conhecer a conjuntura, os interesses e conflitos dos envolvidos para viabilizar a implantação dos padrões profissionais de enfermagem e a projeção da enfermagem do HUPE como uma referência nacional e internacional de qualidade profissional, evidenciou que, em algum momento, ao longo dos 40 anos de existência da instituição, houve um afastamento de sua finalidade que é, por sua própria natureza, prestar serviços de saúde especializados para a clientela e contribuir para a formação de profissionais de saúde, com base em um modelo de excelência profissional, produzir e disseminar conhecimento científico em saúde.

Ainda que a CE seja um serviço interdependente dos demais no contexto do HUPE, em virtude de seu compromisso ético para com o usuário (cliente e aluno), foi implementada uma etapa de reflexões e discussões do qual o projeto aqui apresentado é um resultado. Em quanto proponentes deste projeto, identificamos como problema prioritário o desvio do foco da instituição sobre o usuário (cliente/aluno). Na nossa Árvore de Problema, na raiz estão a Falta de padronização das políticas e procedimentos e o não reconhecimento do cliente/usuário como cidadão; os galhos desta árvore são o desvio de função e a escassez de enfermeiros.

A partir do diagnóstico da situação, consideramos importante definir alguns pressupostos para embasamento do projeto da Coordenação de Enfermagem que apresentaremos a seguir.
Visão da Coordenação de Enfermagem  O modelo de assistência de enfermagem do HUPE/UERJ é uma referência para os serviços e escolas de enfermagem do sistema de Governo do Estado do Rio por traduzir a ética do cuidado centrado no cliente, a hierarquia das ações de saúde e a ação profissional baseada em evidências científicas. Com base neste modelo estão criadas as condições para a pesquisa sobre tecnologia em saúde e para a captação de fomentos necessários às atividades de ensino, pesquisa e extensão.

Missão da Coordenação de Enfermagem: Por meio do diagnóstico, da prescrição e da evolução dos resultados, realizamos a assistência de enfermagem ao cliente no continuum saúde/doença e capacitamos os graduandos e pós-graduandos da área da saúde, produzindo e divulgando o conhecimento de enfermagem, de modo que a instituição seja uma liderança no Estado do Rio e no país.

 

Princípios da Coordenação de Enfermagem:
1)Cuidado de Enfermagem: atividade específica determinada, a partir do julgamento clínico, e implementada, ou delegada, pela (o) enfermeira (o) para ajudar o cliente, família e comunidade a alcançar o mais alto nível de bem-estar e autonomia.

2)Defensoria do Cliente: a (o) enfermeira (o) do HUPE/UERJ desempenha suas atividades, respeitando os valores do cliente e buscando o fortalecimento da capacidade dele para alcançar as metas terapêuticas com conforto, dignidade e o auxílio da tecnologia.

3)Capital intelectual: constitui a sinergia dos talentos, saberes individuais e profissionais da (o) enfermeira (o) do HUPE/UERJ, da (o) docente da UERJ, da (o) aluna (o) de graduação e pós-graduação em enfermagem, em particular, e dos demais profissionais  e estudantes da área da saúde, em qualquer nível administrativo, cujas atividades estão organizadas em torno do cliente e visam o estabelecimento das condições necessárias para o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem e do desenvolvimento científico e tecnológico em saúde.


Estratégias vitais da Coordenação de Enfermagem:
1) Cuidado de Enfermagem Centrado no Cliente

2) Cuidado de Enfermagem Integral: na medida do possível, uma enfermeira, ou um único técnico/auxiliar sob delegação, é responsável por todos os aspectos do cuidado do cliente.

3) Hierarquia das Ações de Enfermagem: envolve a prestação da assistência de enfermagem pela equipe, com vários níveis de preparação educacional, de modo que a (o) enfermeira (o) lidera o trabalho realizado por outras enfermeiras e/ou técnicos, auxiliares e técnicos diversos, conforme definição de papéis e funções.

Estas estratégias pressupõem um modelo de gestão descentralizada que ajude a melhorar o contexto da prestação da assistência, a aumentar o sentido de autonomia, responsabilidade e satisfação do profissional, e a incorporar a produção e a divulgação do conhecimento, como também a prática de técnicas pedagógicas eficazes.

A Árvore do Objetivo que decorre da árvore de problema é uma representação da ação prioritária a ser realizada para solução do problema identificado, ou seja, o desvio do foco da instituição em relação ao cliente/aluno. A nossa árvore tem como objetivo prioritário implantar o cuidado centrado no cliente, com enfermeira (o) 24h, modelo para o ensino-aprendizagem. Na raiz, estão os objetivos definir os padrões profissionais de enfermagem; reconhecer o direito do cliente/usuário à assistência holística e de qualidade; e desenvolver o capital intelectual da CE. Nos galhos estão os objetivos: estabelecer a hierarquia das ações de enfermagem e redesenhar as atividades dos enfermeiros para o cuidado direto e integral.


JUSTIFICATIVA

O documento preliminar da Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002), destaca em seu parágrafo 28 a precariedade dos hospitais universitários no que tange, em especial, a produção de novos conhecimentos e a sua transformação em procedimentos terapêuticos para benefício da população. Para que o HUPE cumpra a sua missão é necessário que possua uma estrutura de apoio que permita o desenvolvimento e a testagem dos protocolos científicos e a garantia da saúde e do bem-estar da clientela atendida, além de servir como campo de ensino modelar para a formação de novos profissionais. Para tanto, urge que o método de trabalho da enfermeira seja pautado no julgamento clínico, na intencionalidade das ações terapêuticas e na avaliação dos resultados obtidos (CRUZ, 2002).

NEEDLEMAN et al (2001) evidenciaram em seu estudo sobre os resultados da clientela internada em unidades de cuidados agudos e equipe de enfermagem que a média nacional de horas de enfermagem era de 11,4h/dia, sendo que destas horas, 7,8h/dia eram dispendidas com cuidados diretos prestados pela enfermeira. A média de internação do cliente em unidade clínica foi de 5,7 dias e em unidade cirúrgica, 7,6. Os resultados dos clientes que apresentaram maior correlação com a quantidade de enfermeiras designadas para o cuidado forma a infecção do trato urinário, a pneumonia nosocomial e as alterações metabólicas. Para os clientes do setor clínico o indicador de maior correlação foi a úlcera de pressão e, no setor cirúrgico, foi a alteração metabólica.

O estudo de AIKEN et al (2002) evidenciou uma forte correlação entre aumento da sobrecarga de pacientes, por enfermeira, e a elevação em 31% do risco de mortalidade a cada cliente. Em seu estudo, os autores consideraram a relação de 4 pacientes para cada enfermeira como uma relação segura e de qualidade. Diante do exposto, o projeto sobre o impacto da implantação dos padrões profissionais de enfermagem pretende desenvolver e aprimorar os serviços e processos de saúde  e de ensino, adequando-os às inovações em saúde e gestão social, ampliando o valor público da instituição por meio da otimização de seu processo produtivo e pela adoção de processo que minimizem os riscos à saúde do cliente e propiciem o desenvolvimento de pesquisas clínicas.
Em síntese, com a avaliação do impacto da implantação dos padrões profissionais de enfermagem, estudo pretende:

Desenvolver uma base de dados científicos sobre a relação entre os resultados do cliente sensíveis aos cuidados de enfermagem (RCSCE)  (objetivos: infecção do trato urinário, úlcera de pressão, pneumonia nosocomial, trombose venosa profunda/embolia pulmonar, hemorragia do GI superior, complicações do SNC, sepse, choque/parada cardíaca, infecção da ferida cirúrgica, falência pulmonar, insuficiência metabólica, mortalidade, tempo de internação, fracasso na recuperação; e subjetivos:  percepção do cliente/família quanto ao cuidado recebido, habilidade de autocuidado quanto à doença/tratamento, bem-estar emocional, adaptação/enfrentamento do estresse com a doença ou perda) e o quantitativo de enfermeiras (os) no HUPE/UERJ que possibilite a compreensão sobre os fatores que influenciam o número de enfermeiros em cada setor e a composição da equipe de enfermagem (enfermeiros x técnicos), assim como estes RCSCE são influenciados pelos padrões de prática de enfermagem, pressões financeiras e disponibilidade de pessoal de enfermagem.

Em razão da crise de financiamento dos HUs, é necessário um mecanismo eficiente para controle do risco do cliente com a internação, além do risco inerente à pesquisa. A base de dados a ser criada e atualizada continuamente, a partir deste projeto, permitirá o controle das condições do serviço de enfermagem, enquanto uma condição técnica fundamental para a realização de pesquisas clínicas na instituição.

 
METODOLOGIA 

A metodologia do projeto de pesquisa estratégica tem como fundamento a gestão social e foi pensada a partir do objetivo de desenvolver uma base de dados científicos sobre a relação entre os resultados do cliente sensíveis aos cuidados de enfermagem e o quantitativo de enfermeiras (os) no HUPE/UERJ.

Com base nos estudos de CRUZ (2002), NEEDLEMAN et al (2001) e AIKEN et al (2002), serão elaborados os instrumentos referentes aos resultados do cliente sensíveis ao cuidado de enfermagem (RCSCE)  e ao perfil da equipe de enfermagem envolvida com a assistência deste cliente. Os dados serão coletados regularmente do prontuário do cliente (uma vez na internação e uma na alta) e dos documentos da administração hospitalar (escalas, etc). Os dados serão submetidos a análise estatística (regressão múltipla) e qualitativa para analisar a relação entre os resultados e a implantação dos padrões profissionais de enfermagem.

Por meio de questionário ou entrevista semi-estruturada, deverão ser coletados dados junto ao cliente e/ou família sobre a satisfação com o cuidado recebido, a percepção sobre o cuidado prestado e o seu desempenho, além da habilidade/capacidade em realizar o autocuidado e o gerenciamento da doença ou tratamento. Os dados fornecidos pelo cliente ou familiar serão submetidos análise quantitativa e qualitativa.


Resultados quantitativos esperados: 
Base de dados sobre os índices de qualidade hospitalar sensíveis ao cuidado de enfermagem e ao quantitativo de enfermeiras que propicie a avaliação da assistência prestada e da relação custo/benefício.

Perfil do atendimento do HUPE com base nos dados sobre os índices de qualidade hospitalar sensíveis ao cuidado de enfermagem e ao quantitativo de enfermeiras.

Publicação de artigos em periódicos e produção de livros.

Manual de normas e procedimentos que sirva de referência para outras instituições de saúde do Estado do Rio, em particular, e para o Brasil, em geral, tendo em vista o processo de acreditação hospitalar.


Resultados qualitativos esperados:
Aprimoramento dos serviços e processos de trabalho de enfermagem no que tange à assistência ao cliente/família e à gestão social da instituição, resultando em satisfação da clientela, dos profissionais envolvidos e em uma melhor relação custo/benefício.

Participação dos profissionais nas atividades de gestão evidenciando um comportamento compromissado com o bem-estar do cliente/família, com o ensino de graduandos e pós-graduandos, com a educação continuada e a incorporação das evidências científicas à prática, enfim, com a elevação do valor público do HUPE.

Complementação da formação intelectual dos profissionais por atuarem em uma instituição voltada para a inovação científica e tecnológica.

Maior mobilização e participação dos usuários e da sociedade civil organizada (empowerment) para a resolução dos problemas relativos à gestão institucional.

Ampliação e melhoria da qualificação dos recursos humanos para a atenção terciária à saúde e para o ensino e pesquisa.

Ampliação, reforma e atualização dos equipamentos, materiais, documentos e instalações da Coordenação de Enfermagem- HUPE/UERJ.


REFERÊNCIAS

1.AIKEN, L.H. et al   Hospital Nurse Staffing and Patient Mortality, Nurse Burnout, and Job Dissatisfaction Acessível em: http://jama.ama-assn.org/issues/v288n16/rfull/joc20547.html, 11/11/02.

2. ÁVILA, C.M. de (coord) Gestão de projetos sociais. SP.  AAPCS, 1999.

3. CRUZ, I.C.F.da The implementation of the nursing process methodology: problems and  perspectives. Online Brazilian Journal of Nursing (OBJN -ISSN 1676-4285) v.1, n.1, 2002 [ Online ]. Available at:www.uff.br/nepae/objn101cruz.htm  

4. MINISTÉRIO DA SAÚDE. SECRETARIA DE POLÍTICAS DE SAÚDE. Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde. Documento preliminar para consulta pública no. 1, 14/10/02. DOU, 201, seção 1, 16/10/02.

5. NEEDLEMAN, J. et al  Nurse staffing and patient outcomes in hospitals. Final Report for Health Resources Services Administration (contract no. 230-99-0021). Boston, Harvard School of Public Health, 2001.

6. POTTER, P.A; PERRY, A . G. Fundamentals of Nursing. 5th ed. Mosby, 2001

 


Recebido: 20/01/2003 
Aprovado: 02/02/2003