ARTIGOS ORIGINAIS

 

A comunicação visual transmitida pela imagem corporal da enfermeira aos acadêmicos de enfermagem


Maria Aparecida de Luca Nascimento1, Nebia Maria Almeida de Figueiredo1, Mariana Gomes Cardim2, Rubens Ghidini2

1Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
2Universidade Estácio de Sá

 


RESUMO
Estudo exploratório de abordagem quanti-qualitativa com os objetivos de: apresentar a opinião de acadêmicos de enfermagem dos dois últimos períodos de graduação de duas universidades, uma pública e outra privada, sobre a comunicação visual da imagem corporal da enfermeira que eles observam nos campos de ensino clínico. O instrumento de coleta de dados foi um questionário semi estruturado. Os resultados indicaram que os acadêmicos de enfermagem vêm-se como futuros profissionais, e não como um aluno. Nesta condição, mostram-se insatisfeitos com a mensagem transmitida pela imagem da enfermeira à sociedade e a eles próprios durante o ensino clínico. Conclui-se que na era da comunicação, a imagem visual transmite mensagens importantes à sociedade, que devem ser decodificadas durante a formação, considerando-a um importante fator de investimento profissional.
Descritores: Enfermagem; Comunicação; Imagem corporal.


 

INTRODUÇÃO

A idéia de escrever o presente estudo, nasceu das inquietações dos acadêmicos de enfermagem que se preocupavam ao observar a imagem que as enfermeiras transmitiam a eles nos hospitais onde desenvolviam os seus ensinos clínicos. Normalmente, estas inquietações eram verbalizadas em sala de aula pelos acadêmicos dos dois últimos períodos, sinalizando uma preocupação com o seu futuro profissional. 

Em estudo anterior, Nascimento e Rocha(1) ao abordarem um grupo de estudantes do curso de enfermagem do último período da graduação com relação à volta do uniforme durante a sua formação, receberam como resposta o apoio a esta idéia, sendo que eles ainda acrescentaram, que o uniforme caracterizaria o profissional como enfermeiro, e que esta vestimenta conferiria distinção e praticidade ao ato de cuidar.

Porém, apesar da conclusão do estudo ter sido a acima citada, nenhum movimento foi observado, entre os acadêmicos de enfermagem, para que a instituição do uniforme começasse a ser discutida. Esta observação pode estar relacionada ao fato deste tema não mobilizar, na mesma proporção, acadêmicos dos primeiros e dos últimos períodos.

Considerando que, por um lado, a comunicação visual é a primeira forma de contato, e por outro, a velocidade com que a comunicação pode ser transmitida no novo milênio, por vários meios, entre eles, a televisão e a internet, que transmitem em tempo real, sinais captados ao redor do mundo, observa-se que estas inquietações têm fundamento, ao considerarmos que a competitividade no mercado de trabalho é uma constante.

Sendo assim, a imagem profissional seria como um passaporte para o sucesso profissional.

Mas, como diferenciar este ou aquele profissional, se todos estão descaracterizados? A partir da década de 60, as enfermeiras passaram a ser, no universo hospitalar, mais uma pessoa de branco, dentre os outros profissionais de saúde(2).

No entanto, Silveira et alli(3), em seu estudo relativo ao corpo da enfermeira, citam que a partir da preocupação com o corpo, tanto de quem cuida como de quem é submetido ao cuidado, uma trilha interessante se delineia, para tornar a vida e a prática desses profissionais mais enriquecedora, criativa e sensível.

Porém, lamentavelmente, o que vemos hoje, nesta confusão de papéis, é a imagem da enfermeira sendo veiculada na mídia, de uma forma sobejamente conhecida de toda a sociedade, qual seja aquela compatível com a de uma mulher lasciva e provocante.

Sendo assim, a partir do acima exposto, pretendemos atingir os seguintes objetivos:

Apresentar a opinião de acadêmicos de enfermagem dos dois últimos períodos de graduação de duas universidades, uma pública e outra privada, com relação à comunicação visual da imagem da enfermeira que eles observam nos campos de ensino clínico.

Fornecer subsídios para a reflexão sobre a importância da gerência da imagem como um fator de investimento profissional da enfermeira, à luz do referencial teórico da comunicação.  

O PARADIGMA QUE IMPEDE A VISÃO DE UMA REALIDADE 
 Paradigmas são modelos, padrões. Esses modelos influenciam na aparência pessoal, assim como o comportamento aliado a esta imagem, criando um estereótipo. Como exemplo, podemos citar os “hippies” dos anos 70, época que marcou, com o advento da pílula anticoncepcional, a liberdade sexual e a queda de muitos tabus que cercavam a juventude.

Sendo assim, a imagem pessoal é produto de uma série de fatores que influenciam a moda, e, conseqüentemente, ditam comportamentos e delineiam estereótipos, através da expressão corporal.
Deste modo, podemos considerar que a imagem pessoal é uma forma de comunicação não verbal, pois ela transmite mensagens que são captadas e decodificadas pelo seu receptor.

Reportando-nos à imagem profissional, é essencial que o profissional compreenda que a maneira como o paciente percebe os fatos à sua volta, influencia a sua conduta, mais do que a realidade da situação em si(4).

Ainda segundo a mesma autora(4), na captação da imagem, agem os cinco sentidos, que, aliados ao simbolismo da imagem e às associações do receptor, produzem significados, até transformá-la na própria percepção.

A percepção da imagem da enfermeira, começou a ser modificada na mesma época em que o estereótipo de descontração dos hippies era divulgado, no término da década de 60, início dos anos 70.

Assim, as escolas de enfermagem começaram a substituir o uniforme profissional pela roupa branca, sem qualquer padrão, pressionadas pelo clamor da juventude da época que vivia uma intensa ebulição contra os modelos instituídos.

Porém, diante da evolução mundial e da globalização, emergem não só as ciências da comunicação, como também, a competitividade pelo mercado de trabalho, determinando uma nova direção que até então a imagem não atingia, qual seja; um fator de investimento profissional.


SUPORTE TEÓRICO
Tendo em vista que a imagem é uma forma de comunicação, apoiamo-nos em Mattelart(5), para desenvolver esse estudo e alcançar os objetivos propostos, quando diz que a noção de comunicação recobre uma multiplicidade de sentidos. Segundo ele, a comunicação é uma figura emblemática da sociedade do Terceiro Milênio.

Ainda segundo o mesmo autor(5)

A representação induz uma maneira de compreender o funcionamento do cérebro como dispositivo de tratamento da informação, que reage de maneira seletiva ao meio, à informação proveniente do mundo exterior.

Porém, Martino(6) amplia este tema, dizendo que através da comunicação haveria a possibilidade da consciência de outrem ser simulada, tornada comum.

Segundo ele, a informação tem a capacidade de ser estocada, armazenada (codificada) e reconvertida num segundo momento (decodificada).

Sendo assim, a comunicação efetiva é aquela que mostra seus efeitos no momento oportuno.

Desse modo, considerando o tema do presente estudo, enfatizamos a pertinência deste referencial, uma vez que pretendemos alcançar o objetivo de  mostrar qual é a opinião de acadêmicos de enfermagem com relação à imagem corporal da enfermeira que lhes é transmitida durante o ensino clínico, ou seja, de que forma eles decodificam esta imagem. Para tanto, utilizaremos a seguinte metodologia: 


METODOLOGIA

Tipo de estudo – Estudo exploratório que utiliza a abordagem quanti qualitativa, onde “os dados quantitativos e qualitativos são complementares, representando palavras e números, as duas linguagens fundamentais de comunicação humana”(7).

População alvo – A população alvo do presente estudo foram 32 acadêmicos, sendo 25 do sexo feminino e 5 do sexo masculino, pertencentes aos dois últimos períodos do curso de graduação em enfermagem, de duas universidades, uma pública e outra privada, situadas na cidade do Rio de Janeiro. 

O instrumento de coleta de dados foi um questionário semi estruturado (ANEXO), composto de 8 itens, sendo 4 fechados e 4 abertos, que foi respondido à vista dos entrevistadores, dois dos autores deste estudo, e, igualmente, acadêmicos dos dois últimos períodos de graduação em enfermagem das respectivas universidades. A coleta de dados foi realizada nos meses de novembro e dezembro de 2003.

Por oportuno, cabe ressaltar que à população alvo foi apresentado um documento de consentimento livre e esclarecido, conforme determinação da resolução 196/968.


APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

Após a coleta de dados, os resultados quantitativos foram distribuídos nos seguintes quadros demonstrativos: 

Quadro 1 – A imagem corporal da enfermeira frente a sociedade X A imagem corporal da enfermeira no hospital (Rio de Janeiro, 2004).

Perg.

CONTEÚDO

SIM

NÃO

1

 A imagem da enfermeira na sociedade lhe agrada

2

30

3

 A imagem da enfermeira no hospital lhe agrada

12

 20

Fonte: Instrumento de coleta de dados - 2003. Autores.

 

Quadro 2 – A imagem que o aluno de graduação têm de si durante o ensino clínico e sua opinião com relação ao uniforme

Perg.

CONTEÚDO

RESPOSTA

5

Como você se vê durante o ensino clínico

Acadêmico

6

Profissional

26

6

Opinião com relação ao uniforme

Contra

14

A favor

18

Fonte: Instrumento de coleta de dados - 2003. Autores.


Com relação às perguntas abertas, relativas às questões 2, 4, 7 e 8, constantes do instrumento de coleta de dados, observou-se que a justificativa para o fato de 30 acadêmicos de enfermagem dizerem que a imagem da enfermeira na sociedade não os agrada, está relacionada aos seguintes adjetivos, de acordo com o número de repetições que apareceram, sensualidade(18), vulgaridade (8), subserviência (8). Ressalta-se neste ponto, que estes 3 adjetivos foram, algumas vezes, citados pelo mesmo acadêmico.

Porém,  os 2 acadêmicos que se declararam satisfeitos com a imagem que a enfermeira transmite à sociedade, não justificaram a sua resposta.

Dos 12 acadêmicos de enfermagem que se declararam satisfeitos com a imagem transmitida pela enfermeira durante o ensino clínico, observou-se que as justificativas ficaram relacionadas ao desempenho técnico, e à disposição em superar os desafios materiais para o desenvolvimento das suas atividades. Porém, as justificativas para que essa imagem não fosse do agrado de 20 acadêmicos, foram relativas à imagem corporal advinda da roupa e do comportamento inadequado.

Com relação à instituição do uniforme profissional, observou-se que as opiniões ficaram no mesmo patamar, entre 14 e 18. Os respondentes que foram a favor da instituição do uniforme profissional justificaram a sua opção, citando entre outros, fatores relativos à: padronização da imagem profissional, praticidade, postura e imposição profissional.

Os acadêmicos de enfermagem que responderam contrariamente à opção do uniforme profissional, justificaram dizendo que a cada um cabe o bom senso ao apresentar-se à sociedade, não importando tanto a aparência, e sim o aspecto técnico-científico que deve acompanhar cada profissional.


ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS

A partir dos resultados obtidos, podemos observar que, tanto a imagem da enfermeira que é transmitida à sociedade, quanto a imagem que a enfermeira transmite durante o ensino clínico, não agrada aos acadêmicos de enfermagem. A partir destas duas observações, podemos inferir que a imagem veiculada à sociedade é compatível com aquela que é observada na vida profissional. 

Porém, ao serem questionados quanto à padronização de uma imagem profissional, os acadêmicos de enfermagem, que na sua grande maioria, (26 entre 32), responderam que se viam, atualmente, já como profissionais, enquanto estão desenvolvendo as suas atividades durante o ensino clínico, não foram, na mesma proporção, favoráveis a ela. 

O resultado acima comentado pode ser creditado ao fato deles ainda não estarem cientes da importância desta padronização, em termos de comunicação visual e de investimento profissional.
A observação supramencionada pode ser corroborada pelo fato de uma das respondentes ter justificado a sua oposição à institucionalização do uniforme profissional, dizendo que os uniformes são feios e antiquados, referindo-se de uma forma generalizada a esta vestimenta, sem relativizar o que é feio e o que é antiquado. 


CONCLUSÃO

De acordo com os resultados obtidos pudemos observar que apesar de os acadêmicos de enfermagem estarem insatisfeitos com a imagem da enfermeira, tanto na sociedade quanto no ensino clínico, não houve proporcionalidade nas respostas com relação à padronização da imagem profissional da enfermeira.

Considerando que um dos fatores para essa padronização é o uniforme profissional, vale ressaltar que esta vestimenta compõe um conjunto de atos, atitudes e comportamentos, que caracterizam uma profissão. Peres e Barreira(2), em estudo sobre os uniformes das enfermeiras da Escola Anna Nery, comentam que na formação do novo habitus, a valorização do uniforme profissional tinha papel decisivo.

Sendo assim, a resistência aos padrões que caracterizam a profissão da enfermeira pode estar relacionado ao fator coercitivo que obrigava o uso do uniforme, mesmo não sendo ele do agrado do grupo que dele se utilizava.

No entanto, a nosso ver, cabe aos órgãos formadores fomentar as discussões a respeito deste tema, considerando que à universidade, compete não só, a formação profissional tecnicamente falando, como também, o delineamento de um perfil profissional ajustado à expectativa da sociedade, pois “a expectativa dos discentes nos últimos períodos do curso de graduação relaciona-se, principalmente, à sua absorção pelo mercado de trabalho(9)”.

Neste ponto, observa-se que não houve qualquer analogia, por parte dos acadêmicos de enfermagem que compuseram a população alvo, com relação à imagem e investimento profissional.

Porém, apesar de não haver uma sinalização expressiva com relação à opção pela adoção do uso do uniforme profissional, observa-se a procura cada vez mais freqüente, dos enfermeiros (as) recém formados, pelas instituições que adotam o uniforme profissional, que coincidentemente, são aquelas que oferecem os melhores salários.

Sendo assim, a imagem, a aparência e a estética, estão na ordem do dia, sendo preciso relativizar o poder da razão e concordar com a eficácia da imagem(10).

Acreditamos que no momento em que as orientações advindas dos órgãos formadores forem efetivas, mencionando claramente a relação existente entre a imagem e o investimento profissional, tais atitudes servirão de subsídio para reflexão, que poderão atuar na conscientização dos futuros enfermeiros (as). Por oportuno, vale ressaltar que segundo um dos referenciais utilizados no presente estudo6, a orientação é considerada uma comunicação em potencial.

Conclui-se que na era da comunicação, a imagem visual transmite mensagens importantes à sociedade que devem ser decodificadas durante a formação profissional do (a) enfermeiro (a), considerando-a um importante fator de investimento profissional.     


REFERÊNCIAS

1. Nascimento MAL, Rocha MM. Diz-me como andas...quando o uniforme da enfermeira faz a diferença. R Pesquisa: Cuidado é fundamental 2001; 5 (1): 62-9.

2. Peres MAA, Barreira I. A. Significado dos uniformes de enfermeira nos primórdios da enfermagem moderna. Escola Anna Nery Rev. Enfermagem 2003; 7 (1): 25-36.

3. Silveira MFA, Gualda DMR, Sobral VRS. Body and nursing: a delicate relationship. Online Brazilian Journal of Nursing (OBJN – ISSN 1676-4285), v.2, n.3, 2003 [ Online ]. Available at www.ufff.br/nepae/objn203silveiragualdasobral.htm

4. Silva JP. Comunicação tem remédio.  São Paulo: Gente; 1996.

5. Matterlat A, Matterlat M. Histórias das teorias da comunicação. São Paulo: Loyola; 2001.

6. Martino LC. De qual comunicação estamos falando?. In: Hohlfeldt A. et al. Teorias da Comunicação. Petrópolis (RJ) : Vozes; 2002. p. 11-25.

7. Polit D, Hungler F. Fundamentos da Pesquisa em Enfermagem. 3. ed.Porto Alegre (RS) : Artes Médicas; 1995.
8. Resolução n° 196, de 1996. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras da pesquisa envolvendo seres humanos. Conselho Nacional de Saúde, 10 out 1996.

9. Nascimento MAL, Almeida MFPV, Costa MM, Cardim MG. A formação do enfermeiro e a sua absorção pelo mercado de trabalho – Uma questão de justiça social. R Enferm UERJ No prelo, 2004.

10. Carreiro MA. A expressão corporal do professor como indutora da aprendizagem: o cuidado na semiotécnica. [ dissertação de mestrado ]. Rio de Janeiro (RJ): Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro / UNIRIO; 2000.

 
f1
 
ANEXO

INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS

IDENTIFICAÇÃO: (iniciais do nome)
SEXO:
IDADE:
1) A imagem que a sociedade tem da enfermeira, veiculada na mídia agrada a você?
(  )  SIM         (  ) NÃO
2) Porquê?
R:
3) A imagem da enfermeira que você observa durante o seu ensino clínico agrada a você?
(  ) SIM         (  ) NÃO
4) Porquê?
R:
5) Durante o ensino clínico, como você se vê?
(  ) Como um aluno de enfermagem     (  ) Como um futuro profissional
6) Qual a sua opinião com relação à instituição do uniforme profissional?
(  ) Contra     (  )  A favor
7) Justifique
R:

8) Se quiser fazer algum comentário pessoal, esteja à vontade

 

 

Recebido: 04/01/ 2005
Revisado: 18/03/2005
Aprovado: 4/04/2005