EDITORIAL

 

O financiamento de pesquisa em tempos de “vacas magras”*

*Em razão do anúncio do Governo Federal que confirmou um corte orçamentário em diversas áreas, inclusive educação e saúde, a OBJN considerou oportuno discorrer sobre a temática neste editorial, dado seu impacto no âmbito da Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), interrompendo, assim, o ciclo de editoriais da série “O jogo dos sete erros no processo de submissão de artigos científicos”, que será retomada no próximo número.

 

Jorge Luiz Lima da Silva1

1Universidade Federal Fluminense

 


RESUMO
O patrocínio da pesquisa e consequente estímulo na elaboração de estudos que produzam resultados a serem vislumbrados, usufruídos e discutidos pela sociedade, infelizmente, não cresceu na mesma proporção dos avanços na saúde. Em geral, os países em desenvolvimento possuem grande potencial de formação de pesquisadores, fonte de recursos biológicos e de projetos; contudo, carece de recursos financeiros, de infraestrutura e materiais específicos para o desenvolvimento de pesquisas. No Brasil, as universidades federais e institutos de pesquisa são os que mais produzem o conhecimento científico, até porque a pesquisa, ciência, tecnologia e inovação começam na educação. Não obstante a essa constatação lógica, o Ministério do Planejamento anunciou importantes cortes para o ano de 2015, com previsíveis prejuízos para a pesquisa, ensino e, consequentemente, para a saúde da população.
Descritores: Financiamento da Pesquisa; Acesso à Informação; Enfermagem Baseada em Evidências


 

É inegável o avanço na área da saúde e bem-estar alcançado no último século; e, de forma intensa, nas últimas décadas. Esse avanço nos indicadores é corolário ao crescente desenvolvimento de pesquisas na área em questão. Entretanto, o patrocínio da pesquisa e consequente estímulo para elaboração de estudos que produzam resultados a serem vislumbrados, usufruídos e discutidos pela sociedade, infelizmente, não cresceu na mesma proporção.

A corrida por tecnologia e inovação traz soluções na área da saúde, desde a criação de uma nova vacina até uma forma de intervenção que aumente a eficiência (mínimo de custos e perdas), eficácia (ter resultados positivos) e efetividade (atender expectativas da clientela) do cuidado. Atualmente, os países com mais divisas são os que mais se destacam e ostentam novas descobertas. Essas conquistas ajudam, na maioria das vezes, povos de nações desenvolvidas e em desenvolvimento, como é o caso dos avanços de investigações na área de doenças infecciosas para a África e Ásia(1). Em recente editorial publicado na revista Science, Anthony Fauci e Francis Collins, diretores do National Institutes of Health (NIH) dos Estados Unidos, anunciam que, doravante, o financiamento de pesquisas em saúde pelo NIH priorizará basicamente as enfermidades que acometem o cidadão estadunidense(2).

Em geral, os países em desenvolvimento possuem grande potencial de formação de pesquisadores, fonte de recursos biológicos e de projetos; contudo, carece de recursos financeiros, de infraestrutura e materiais específicos para o desenvolvimento de pesquisas.

Os números sobre investimento em pesquisas das nações da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de países da América Latina e do BRICS mostram que o Brasil está à frente do México, Argentina, Chile, África do Sul e Rússia, entretanto fica a perder de vista frente à China e Coreia do Sul, por exemplo, que são países que iniciaram recente salto de desenvolvimento industrial. A China tornou-se, em 2011, o segundo maior investidor mundial em pesquisa e desenvolvimento(3).

Nos últimos anos, o Brasil manteve a proporção de investimento em pesquisa, em relação ao produto interno bruto (PIB), em torno de 1%, apesar da promessa do governo federal de aumentar o gasto para 2% em 2003, nível próximo ao da média dos países da OCDE, que é de 2,3%. Quatro anos depois, o Plano de Ação 2007–2010 para Ciência, Tecnologia e Inovação fixou meta de 1,5%, porém, o investimento total ficou em 1,22% do PIB em 2010(4).

No Brasil, as universidades federais e institutos de pesquisa são os que mais produzem o conhecimento científico, até porque a pesquisa, ciência, tecnologia e inovação começam na educação. Não obstante a essa constatação lógica, o Ministério do Planejamento anunciou importantes cortes para o ano de 2015, com previsíveis prejuízos para a pesquisa, ensino e, consequentemente, para a saúde da população.

 
F1
 

Como reflexo tardio da crise mundial, gestada há sete anos, a partir dos Estados Unidos, aliada a não adoção de ajustes na política interna brasileira, o Ministério do Planejamento como arauto das “vacas magras” prevê para o ano de 2015 o bloqueio de R$ 69,9 bilhões. O contingenciamento afetará, principalmente: Ministério das Cidades (corte de R$ 31,74 bilhões para R$ 14,51 = 54%);

Ministério da Saúde (de R$ 103,27 bilhões para R$ 91,5 = 11,3%) e Ministério da Educação (de R$ 48,81 bilhões para R$ 39,38 = 19,3%). Observa-se que mesmos os serviços essenciais como saúde e educação estiveram no topo da lista em 2º e 3º lugares, respectivamente(5). Devido ao ajuste fiscal, o corte imposto à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) chega a um montante de R$ 785 milhões. Com isso, supõem-se que será afetada uma gama de programas, inclusive os de concessão de bolsas que estão em vigência, a partir de julho deste ano(6) Tal situação poderá prejudicar a população, em médio e longo prazo, pois o desenvolvimento de uma nação também é medido pela qualidade e expectativa de vida, escolaridade, assim como acesso e efetividade do setor saúde. Essa conjectura quase que imobiliza os propulsores da pesquisa nacional, seja pelos entraves de custos de materiais e equipamentos, seja pela impossibilidade de realização de parte de sua qualificação no exterior.

Assim como nos tempos dos contos dos Urupês, de Monteiro Lobato, experenciamos a situação de Jeca Tatu ao lado de uma vaca magra a procura de pasto. Alusão ao pesquisador querendo manter sua pesquisa viva, mas sem recursos básicos para, ao menos, a vaca produzir leite e manter seus beneficiários vivos. Mas será que o país, diante de tantos entraves, que inclui a atual e persistente crise financeira, esteve em dias de “vacas gordas” na área de pesquisa e inovação? Cabe lembrar, por exemplo, que o Brasil lidera a produção de artigos científicos em relação aos principais países da América Latina, Canadá e Espanha: um total de 94.622 artigos em periódicos científicos internacionais indexados pelo Web of Science no período de 2008 a 2010. Montante que supera em 25% a soma de publicações do México, Argentina, Chile, Colômbia e Venezuela juntos. Em relação à enfermagem, o país emplaca o primeiro lugar com 1.284 publicações, deixando o Canadá em segundo lugar com 984, e a Espanha em terceiro com 100 obras relevantes para a área(7). Ademais, o Brasil, segundo a revista Nature, aparece em 23º no ranking de produção top 100, em 2015(8).

Sobre o investimento da iniciativa privada em pesquisas no Brasil, 0,55% do PIB é investido, o que está longe dos 2,68% investidos pelo setor privado da Coreia do Sul ou dos 1,22% da China(9). Em se tratando do segmento enfermagem, a situação se reveste de contornos dramáticos, pois o empresariado procura investir em campos de retornos financeiros em curto prazo, como na área automotiva, elétrica, engenharia, fármacos ou indústria alimentícia... E o cuidado? Frequentemente negligenciado nas análises econômicas, não obstante à eficiência, eficácia e efetividade. Contudo, os pesquisadores da área perseveram e sobrevivem mesmo com a “vaca magra, seca, ou escorada”, e vêm demonstrando avanços significativos.

Com a internacionalização das revistas e indexações em bases de renome, somada ao aporte de recursos, as pesquisas brasileiras desenvolvidas pela enfermagem sobre o cuidado, saúde e qualidade de vida devem alcançar cada vez mais o público estrangeiro, assim como incrementar sua qualidade face ao grau de exigência dos periódicos desse patamar. Contudo, os parcos recursos que ainda vertem sobre o sacrificado solo da produção científica em enfermagem no Brasil, especificamente no que se refere ao apoio às revistas, pode desvelar uma lógica cruel e excludente. A título de ilustração traz-se a mais recente Chamada MCTI/CNPq/MEC/CAPES Nº 25/2014(10), que objetivou “selecionar propostas para apoio financeiro a projetos que visem incentivar a editoração e publicação de periódicos científicos brasileiros de alta especialização em todas as áreas de conhecimento de forma a contribuir significativamente para o desenvolvimento científico e tecnológico e inovação do País”. O resultado(11) da chamada contemplou, na área enfermagem, somente os quatro periódicos já mais altamente qualificados pela Webqualis(12), da própria Capes. A questão que emerge dessa ilustração é: as revistas foram contempladas porque são as melhores ou; se tornaram as melhores por serem sempre contempladas? Naturalmente emerge uma segunda questão: qual a perspectiva para as revistas que não foram contempladas e nem são as melhores?

 

REFERÊNCIAS

1. Administradores [ homepage ]. Entenda a diferença entre Eficiência e Eficácia de uma vez por todas [ cited 2015 Jun 22 ]. Available from: http://www.administradores.com.br/artigos/cotidiano/entenda-a-diferenca-entre-eficiencia-e-eficacia-de-uma-vez-por-todas/81934/

2. Fauci AS, Collins FS. NIH research: Think globally. Science Magazine [ internet ] 2015 Apr [ cited 2015 Jun 22 ] 348(6231):159. Available from: http://www.sciencemag.org/content/348/6231/159.fu

3. Senado Federal (Brasil). Investimento em pesquisa e desenvolvimento, ciência, tecnologia e inovação no Brasil. Em discussão [ internet ] 2012 Sept [ cited 2015 Jun 22 ] 3 (12). Available from: http://www.senado.gov.br/NOTICIAS/JORNAL/EMDISCUSSAO/inovacao/ciencia-tecnologia-e-inovacao-no-brasil.aspx

4. Ministério do Planejamento (Brasil) [homepage]. Governo apresenta programação orçamentária para 2015 [ cited 2015 Jun 22 ]. Available from: http://antigo.planejamento.gov.br/conteudo.asp?p=noticia&ler=12402

5. Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Brasil) [ homepage ]. Capes sofrerá cortes que podem alcançar R$ 785 milhões. [ cited 2015 Jun 22 ]. Available from: http://www.andes.org.br/andes/print-ultimas-noticias.andes?id=7573

6. Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Pesquisadores no Brasil publicam 56% dos artigos científicos originados na América Latina. Boletim FAPESP [ internet ] 2011 Nov [ cited 2015 Jun 22 ] 3. Available from: http://www.fapesp.br/indicadores/boletim3.pdf

7. Table 2: Top 200 institutions. Nature [ internet ] 2015 Jun 18 [ cited 2015 Jun 22 ] 522: s34-s44. Available from: http://www.nature.com/nature/journal/v522/n7556_supp/fig_tab/522S34a_T1.html

8. Senado Federal (Brasil). Investimento em pesquisa e desenvolvimento no Brasil e em outros países: o setor privado. Em Discussão [ internet ] 2012 Sept [ cited 2015 Jun 22 ] 3(12). Available from:  http://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/inovacao/ciencia-tecnologia-e-inovacao-no-brasil/investimento-em-pesquisa-e-desenvolvimento-no-brasil-e-em-outros-paises-o-setor-privado.aspx

9. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Brasil) [ homepage ]. Chamada MCTI/CNPq/MEC/CAPES Nº 25/2014 – Editoração. [ cited 2015 Jun 22 ]. Available from: http://cnpq.br/web/guest/chamadaspublicas;jsessionid=BCD848DD66D3CD7EB313743560B3E4FE?p_p_id=resultadosportlet_WAR_resultadoscnpqportlet_INSTANCE_0ZaM&filtro=abertas&detalha=chamadaDivulgada&idDivulgacao=5462

10. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Brasil) [ homepage ]. Resultado Final - Chamada MCTI/CNPq/MEC/CAPES Nº 25/2014 – Editoração. [ cited 2015 Jun 22 ]. Available from:  http://resultado.cnpq.br/6765154538463799

11. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Brasil) [ homepage ]. Consulta WebQualis [ cited 2015 Jun 2 ]. Available from: http://qualis.capes.gov.br/webqualis/principal.seam

 

 

Referência da imagem
Quando voltarei a engordar? [ ilustração ]. [ s.l. ] [ s.d. ]. Available from: https://aevangelista.wordpress.com/2010/10/14/voltando-as-vacas-gordas/

 

Recebido: 20/08/2014
Revisado: 12/01/2015
Aprovado: 30/06/2015