ARTIGOS ORIGINAIS
Perfil sociodemográfico e qualificação do enfermeiro neonatal no cuidado desenvolvimental: estudo descritivo
Maria Estela Diniz Machado1, Marialda Moreira Christoffel2, Wagner de Souza Tassinari3
1Universidade Federal Fluminense
2Universidade Federal do Rio de Janeiro
3Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
RESUMO
Objetivo: descrever o perfil sociodemográfico e analisar a qualificação do enfermeiro para o cuidado desenvolvimental do recém-nascido em unidade neonatal.
Método: estudo censitário e descritivo, realizado em 10 unidades neonatais da rede pública do município do Rio de Janeiro. A amostra foi constituída por 111 enfermeiros que atuam junto do recém-nascido.
Resultados: 91% do gênero feminino, maioria (44,1%) na faixa de idade de 30-49 anos, com mais de um vínculo empregatício (86,4%), 45% com tempo de formação e 42,3% de experiência profissional inferior a 10 anos, 73,8% com especialização e 72% satisfeitos com seu trabalho. 78,3% receberam informações quanto ao cuidado desenvolvimental do recém-nascido, sendo a maioria (37,9%) na graduação e pós-graduação. 63% não participaram de curso/treinamento quanto ao cuidado desenvolvimental e 44,1% desconhecem se em suas unidades existem diretrizes, protocolos ou rotinas acerca do cuidado desenvolvimental.
Conclusão: recomenda-se atualização, capacitação e educação permanentes dos enfermeiros quanto ao cuidado desenvolvimental.
Descritores: Prematuro; Unidades de Terapia Intensiva Neonatal; Enfermagem Neonatal.
INTRODUÇÃO
A Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) é considerada uma área crítica, destinada à assistência a recém-nascidos (RN) graves ou potencialmente graves e que requerem atenção profissional especializada(1). Avanços tecnológicos nas UTIN permitiram a redução das taxas de mortalidade neonatal, inclusive entre RN de baixo peso e prematuros, antes considerados incompatíveis com a vida(2).
O ambiente da UTIN proporciona aos prematuros espaço diferente do meio intrauterino, ideal para o seu crescimento e desenvolvimento. Esse local pode proporcionar experiência sensorial positiva ou negativa ao prematuro. Estudos apontam que elevados níveis de ruído e luminosidade e frequentes intervenções nocivas (manuseio excessivo, procedimentos dolorosos e repetitivos que resultam em desorganização fisiológica e comportamental) podem exercer efeitos deletérios sobre o cérebro imaturo e alterar de forma subsequente o seu desenvolvimento, causando deficiências cognitivas, visuais e motoras, entre outras(3).
Minimizar ou prevenir tais condições implica em realizar o cuidado desenvolvimental, que apoiado nas políticas públicas de saúde direcionadas à humanização, principalmente a Política de Atenção ao RN de baixo peso – Método Canguru (MC), pretende um cuidado individualizado ao RN, com acolhimento da família, redução de ruídos e luminosidade do ambiente, preservação do sono e descanso, controle e manejo da dor, evitando o manuseio excessivo por meio de observação criteriosa baseada nas pistas de aproximação que o RN oferece(4).
Tendo em vista a complexidade e especificidade do cuidado desenvolvimental, e a necessária competência do enfermeiro como líder de equipe e gerente do cuidado prestado ao RN(2;5), este estudo tem como objetivo descrever o perfil sociodemográfico e analisar a qualificação desse profissional para o cuidado do recém-nascido em unidade neonatal.
MÉTODO
Estudo censitário, descritivo, realizado com enfermeiros de 10 unidades neonatais da rede pública do município do Rio de Janeiro que cuidam do RN, tendo como critérios de exclusão férias, licença médica e licença-prêmio durante o período de coleta de dados. Os enfermeiros foram recrutados mediante escala mensal de serviço de cada unidade e convidados a participar da pesquisa após explanação dos objetivos. O questionário numerado era entregue ao participante e devolvido à pesquisadora após preenchimento, e na ausência desta, depositado pelo próprio respondente em urna lacrada. Aqueles que trabalhavam simultaneamente em mais de uma unidade pesquisada foram excluídos de uma delas. Do total de 202 elegíveis, 111 participaram do estudo (figura 1).
Figura 1 - Fluxograma de constituição da amostra do estudo. Rio de Janeiro.2013. |
Fonte: Elaboração própria, 2013 |
O estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética e Pesquisa (CEP) da Escola da Enfermagem Anna Nery/UFRJ (parecer nº 108.479); pela Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro (SMSDC-RJ - parecer nº 129/12); pelo Hospital Federal de Bonsucesso (parecer nº 126.329); e pelo Hospital Universitário Pedro Ernesto/UERJ, (parecer nº 161.234), tendo sido aceitos também pelas unidades militares os pareceres mencionados.
A coleta dos dados ocorreu no período de novembro de 2012 a fevereiro de 2013 utilizando questionário autoaplicável, estruturado com 18 questões acerca do perfil sociodemográfico dos enfermeiros e qualificação para o cuidado desenvolvimental do recém-nascido.
Os dados foram digitados no software EpiData e submetidos à análise de consistência mediante a dupla digitação. Em seguida foram transferidos para uma planilha eletrônica do programa Excel versão 2007 e analisados pelo software R (2013).
Os dados analisados foram apresentados em estatística descritiva, porcentagem (%), média ( e intervalos de confiança (IC 95%), dispostos em tabelas.
Foram consideradas limitações do estudo a não devolução de 14 questionários e a recusa de 47 profissionais em participar da pesquisa.
RESULTADOS
Abaixo, encontram-se as características sociodemográficas dos enfermeiros que atuam nas unidades neonatais. Predominância do sexo feminino (91%). A idade variou entre 25 e 57 anos, com maioria na faixa de 30 a 39 anos (44,1%) e média de 38 anos [IC 95%, 36,61-39,49].
Quanto ao tempo de formação, 45% dos enfermeiros classificam-se na faixa de 01 a 09 anos, média de 12,54 anos [IC 95%, 11,09-13,99], com tempo de experiência profissional em sua maioria (42,3%) na faixa menor que 10 anos, média de 12,5 [IC 95%, 11,10-14,05] e de 9,51 anos [IC 95% 8,06-10,96] de experiência na área neonatal, conforme tabela 2.
Tabela 2 – Perfil sociodemográfico dos enfermeiros neonatais. Rio de Janeiro. 2013. | |||||
Variáveis | n=111 | % | IC 95% | ||
Sexo | |||||
Masculino | 10 | 9 | 3,68-14,32 | ||
Feminino | 101 | 91 | 85,68-96,32 | ||
Idade | 38 | 36,61-39,49 | |||
20-29 anos | 16 | 14,4 | 7,87-20,93 | ||
30-39 anos | 49 | 44,1 | 34,86-53,34 | ||
40-49 anos | 33 | 29,7 | 21,20-38,20 | ||
50-59 anos | 13 | 11,7 | 5,72-17,68 | ||
Tempo de formação | 12,54 | 11,09-13,99 | |||
01-09 anos | 50 | 45 | 35,74-54,26 | ||
10-19 anos | 39 | 35,1 | 26,22-43,98 | ||
20-29 anos | 21 | 18,9 | 11,62-26,18 | ||
30-39 anos | 1 | 0,9 | 0,00-2,66 | ||
Tempo de experiência profissional | 12,5 | 11,10-14,05 | |||
<1 ano | 3 | 2,7 | 0,00-5,72 | ||
01-09 anos | 44 | 39,6 | 30,50-48,70 | ||
10-19 anos | 41 | 36,9 | 27,92-45,88 | ||
20-29 anos | 22 | 19,8 | 12,39-27,21 | ||
30-39 anos | 1 | 0,9 | 0,00-2,66 | ||
Tempo de experiência na área neonatal | 9,51 | 8,06-10,96 | |||
<1 ano | 18 | 16,2 | 9,35-23,05 | ||
01-09 anos | 42 | 37,8 | 28,78-46,82 | ||
10-19 anos | 37 | 33,3 | 24,53-42,07 | ||
20-29 anos | 14 | 12,6 | 6,43-18,77 | ||
Tempo de atuação na unidade neonatal | 5,98 | 4,80-7,17 | |||
<1 ano | 32 | 28,8 | 20,38-37,22 | ||
01-09 anos | 48 | 43,2 | 33,98-52,42 | ||
10-19 anos | 27 | 24,3 | 16,32-32,28 | ||
20-29 anos | 4 | 3,6 | 0,13-7,07 | ||
Formação profissional | |||||
Com especialização | 82 | 73,8 | 65,73-82,07 | ||
Sem especialização | 29 | 26,1 | 17,93-34,27 | ||
Fonte: Elaboração própria, 2013. |
Em sua maioria (72%), os enfermeiros apresentam menos de 10 anos de atuação na unidade em que trabalham, com média de 5,98 anos [IC95% 4,80-7,17]. 73,8% dos enfermeiros têm especialização, sendo 54,9% na área neonatal.
Em relação ao vínculo funcional, a maior parte é formada por funcionários públicos (76,5%) e trabalha no período diurno (64,8%), estando 48,6% deles em regime caracterizado por 12 horas de trabalho a cada 60 horas de descanso.
Quanto ao número de vínculos empregatícios, a maioria dos enfermeiros (86,4%) possui mais de um, 82,2% cumprem as horas referentes a outros vínculos na assistência, e a maior parte (72,9%) fora da área neonatal; porém 72% referem satisfação com as condições em que realizam seu trabalho (tabela 3).
Tabela 3 - Perfil sociodemográfico dos enfermeiros neonatais. Atuação profissional. Rio de Janeiro. 2013. | ||||
Variáveis | n=111 | % | IC 95% | |
Vínculo funcional | ||||
Funcionário público | 85 | 76,5 | 68,61-84,39 | |
Cooperativado/contratado | 17 | 15,3 | 8,60-22,00 | |
Outros | 9 | 8,1 | 3,02-13,18 | |
Regime de trabalho | ||||
Diarista (rotina) | 18 | 16,2 | 9,35-23,05 | |
Plantão 12/60 diurno | 54 | 48,6 | 39,30-57,90 | |
Plantão 12/60 noturno | 26 | 23,4 | 15,52-31,28 | |
Outros* | 13 | 11,7 | 5,72-17,68 | |
Outros vínculos de trabalho | ||||
Nenhum | 15 | 13,5 | 7,14-19,86 | |
Mais um | 86 | 77,4 | 69,62-85,18 | |
Mais dois | 9 | 8,1 | 3,02-13,18 | |
Mais três | 1 | 0,9 | 0,00-2,66 | |
Funções exercidas nos outros vínculos | ||||
Assistência | 79 | 82,2 | 75,08-89,32 | |
Docência | 8 | 8,3 | 3,17-13,43 | |
Cargo administrativo | 8 | 8,3 | 3,17-13,43 | |
Exercidos: | ||||
Área neonatal | 39 | 35,1 | 31,46-49,74 | |
Outra área | 72 | 64,9 | 64,63-81,17 | |
Satisfação quanto às condições de trabalho | ||||
Sim | 80 | 72 | 63,65-80,35 | |
Não | 31 | 27,9 | 19,56-36,24 | |
Fonte: Elaboração própria, 2013. *outros (plantões 24x72 e 24x120); IC= intervalo de confiança. |
Sobre a qualificação profissional dos enfermeiros referente ao cuidado desenvolvimental, 78,3% afirmam ter recebido informações/orientações ao longo de sua formação profissional, sendo que a maioria (37,9%) as obteve conjuntamente na graduação e pós-graduação.
Sobre a fonte dessas informações, a maior parte dos enfermeiros (72%) obteve por meio de livros, seguidos pelo aprendizado em serviço (63%) e pelo protocolo institucional (46,8%). Um total de 63% dos enfermeiros afirma não ter participado de cursos e/ou treinamentos acerca de temas referentes ao cuidado desenvolvimental, embora 74,7% tenham participado de cursos e/ou treinamento sobre outros temas, inclusive o método canguru.
Quanto à existência ou não de diretriz/protocolo/rotina referentes a temas que envolvem o cuidado desenvolvimental em suas unidades, 35,1% dos enfermeiros responderam que elas existem, enquanto 20,7% afirmam não existirem e 44,1% não souberam responder, conforme observa-se na tabela 4.
Tabela 4 – Qualificação profissional dos enfermeiros neonatais quanto à temática referente ao Cuidado Desenvolvimental. Rio de Janeiro. 2013. | ||||
Varáveis | n=111 | % | IC 95% | |
Informação sobre o assunto na formação profissional | ||||
Sim | 87 | 78,3 | 70,63-85,97 | |
Graduação | 22 | 25,2 | 17,12-33,28 | |
Pós-graduação | 32 | 36,7 | 27,73-45,67 | |
Graduação e Pós-graduação | 33 | 37,9 | 28,87-46,93 | |
Não | 24 | 21,6 | 13,94-29,26 | |
Fontes de informação sobre o assunto | ||||
Livros | 80 | 72 | 63,65-80,35 | |
Periódicos/Revistas | 28 | 25,2 | 17,12-33,28 | |
Consensos internacionais | 1 | 0,9 | 0,00-2,66 | |
Manuais do MS | 45 | 40,5 | 31,37-49,63 | |
Internet | 41 | 36,9 | 27,92-45,88 | |
Eventos científicos | 46 | 41,4 | 32,24-50,56 | |
Cursos em eventos científicos | 37 | 33,3 | 24,53-42,07 | |
Cursos promovidos pelo MS | 19 | 17,1 | 10,10-24,10 | |
Cursos promovidos por associação de classe/sociedade profissional | 24 | 21,6 | 13,94-29,26 | |
Orientação da chefia | 51 | 45,9 | 36,63-55,17 | |
Aprendizado em serviço | 70 | 63 | 54,02-71,98 | |
Protocolo institucional | 52 | 46,8 | 37,52-56,08 | |
Outros | 2 | 1,8 | 0,00-4,27 | |
Não utiliza fontes de informação | 4 | 3,6 | 0,00-7,07 | |
Participação em curso/treinamento sobre o assunto | ||||
Sim | 41 | 36,9 | 27,92-45,88 | |
Não | 70 | 63 | 54,02-71,98 | |
Participação em curso/treinamento sobre outros assuntos | ||||
Sim | 83 | 74,7 | 66,61-82,79 | |
Não | 28 | 25,2 | 17,12-33,28 | |
Existência de diretriz/protocolo/rotina sobre o assunto na unidade | ||||
Não sabe | 49 | 44,1 | 34,86-53,34 | |
Sim | 39 | 35,1 | 26,22-43,98 | |
Não | 23 | 20,7 | 13,16-28,24 | |
Fonte: Elaboração própria, 2013. |
DISCUSSÃO
A maioria (91%) dos enfermeiros era formada por mulheres, o que sugere que a enfermagem ainda se configura como uma profissão predominantemente feminina, com média de 38 anos de vida. Dados semelhantes são encontrados em um estudo(6) no Rio de Janeiro quanto às características sociodemográficas nas variáveis sexo e idade.
Em relação à faixa etária, observa-se envelhecimento da força de trabalho na área de enfermagem neonatal - principalmente quando comparado a pesquisa anterior(7) na mesma localidade. Esse envelhecimento torna-se preocupante quando estudos(8;9;10) apontam a idade mais avançada de enfermeiros e médicos que atuam nas unidades neonatais como um dos fatores desencadeantes do estresse ocupacional.
Análises nacionais(6;8;10) destacam que outro aspecto a ser considerado no estímulo desse tipo de estresse diz respeito à quantidade de vínculos empregatícios. Neste estudo, a grande maioria dos enfermeiros (86,4%) tem mais de um vínculo trabalhista, sendo que 82,2% exercem esse outro emprego também na área assistencial. Além disso, pesquisas internacionais(11;12) reportam o aumento da média de idade dos enfermeiros, diminuição do ingresso de jovens nos cursos de graduação e possível não reposição dos profissionais que irão se aposentar como motivos da diminuição de enfermeiros atuantes na especialidade. Tais fatores, além de possibilitar o comprometimento da saúde do trabalhador, podem comprometer a qualidade da assistência prestada(6) ao RN.
Outro aspecto relacionado à qualidade da assistência neonatal refere-se ao tempo de experiência na área, que, neste estudo, situou-se na faixa inferior a 10 anos (45%). Resultado similar foi encontrado em uma análise anterior(7), cujos autores destacaram que o maior tempo de atuação na especialidade configura ao enfermeiro “experiência prática consolidada” e tempo para se capacitar, condições necessárias para o desenvolvimento de um cuidado com qualidade.
Cabe destacar que a maioria (73,8%) dos enfermeiros que atua nas unidades neonatais pesquisadas tem especialização, sendo 54,9% em enfermagem neonatal. Os cursos de pós-graduação têm por objetivo o aperfeiçoamento técnico-profissional, a formação qualificada, a adaptação ao mercado de trabalho e a introdução da pesquisa cientifica. Apesar de importante para a capacitação do enfermeiro na especialidade, a busca pelo aperfeiçoamento ocorre individualmente, ou seja, por motivação do próprio profissional. Muitas instituições de saúde não têm plano de cargos e carreiras e a maioria delas não oferece salários diferenciados para o enfermeiro que concluiu um curso de pós-graduação(7).
Diretrizes internacionais(13) enfatizam que para o cuidado intensivo neonatal, o enfermeiro deve ter, além de conhecimento técnico-cientifico especializado, iniciativa de liderança, capacidade para trabalhar e estimular o trabalho em equipe, organização, alto senso de observação, discernimento e raciocínio crítico.
No Brasil, ainda são escassos os estudos sobre o perfil dos enfermeiros que atuam em unidades de terapia intensiva neonatal. Devido à complexidade do cuidado dispensado a recém-nascidos críticos, faz-se necessário o treinamento em serviço. Este é fundamental quando o enfermeiro não tem formação específica na área neonatal, situação comum principalmente quando o ingresso no serviço de saúde se faz por concurso público - como no caso deste estudo, em que 76,5% dos enfermeiros são concursados. Além disso, os serviços de saúde que necessitam de enfermeiros para atuar nas UTIN recebem profissionais com formação generalista e isso pode repercutir na qualidade da assistência ao prematuro(7).
Outros estudos(8;9) apontam vários fatores que interferem na qualidade da assistência ao prematuro e sua família: desvalorização do trabalhador, estresse dos profissionais em lidar com situações de morte, superlotação, necessidade de atualização, relações pessoais entre profissionais de saúde, relações com pais e recém-nascidos, baixos salários, falta de recursos técnicos, demandas de atividades administrativas que desviam o enfermeiro da assistência direta ao prematuro e a necessidade de lidar com sobrecarga emocional da família que tem um filho prematuro.
A qualidade da assistência de enfermagem também está relacionada à proporção enfermeiro/paciente. A Resolução nº 930/2012 dispõe as condições mínimas para o funcionamento das UTIN no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. Ela propõe ser obrigatório, no mínimo, um enfermeiro por turno de trabalho para cada dez leitos de UTIN e um técnico de enfermagem para cada dois pacientes(1). E embora sejam requisitos básicas, muitas instituições de saúde dimensionam seu quantitativo de profissionais de forma restrita ao que recomenda a lei, mantendo reduzido quantitativo de enfermeiros em uma especialidade cuja complexidade dos cuidados demanda maior número de profissionais(14).
Um estudo(14) com o objetivo de dimensionar o quadro de profissionais de enfermagem de uma unidade neonatal em hospital público de ensino em São Paulo, encontrou sobrecarga de trabalho relacionada ao quantitativo insuficiente de recursos humanos e elevada demanda de cuidados. Os autores destacaram que a sobrecarga de trabalho é também fator de risco para ocorrência de iatrogenias, podendo comprometer a segurança do RN e a qualidade da assistência.
Apesar dos inúmeros desafios que se apresentam na prática, esta pesquisa encontrou 72% dos enfermeiros satisfeitos com suas condições de trabalho, apontando como motivos a atualização do conhecimento por meio da educação continuada, a flexibilidade no horário de trabalho para aprimoramento profissional, a existência de interação entre a equipe multiprofissional e o trabalho com profissionais qualificados tecnicamente. Dados semelhantes foram encontrados em estudo internacional com objetivo de analisar a relação entre o ambiente de trabalho, estresse e a qualidade do cuidado neonatal, cujos resultados apontaram mais de 80% satisfeitos com as condições de trabalho e com o cuidado desenvolvido(15).
Menor resultado foi apontado por pesquisa(6) realizada no Rio de Janeiro em grandes hospitais públicos, com 53,7% de enfermeiros satisfeitos com seu trabalho. Embora sejam maioria, os autores apontam que já existe certo desinteresse pela profissão ao encontrarem em seus resultados que 36,1% já tiveram intenção de abandono da carreira algumas vezes e 14,3% frequentemente pensam nisso.
Quanto à qualificação profissional dos enfermeiros no cuidado desenvolvimental, o presente estudo mostra que a maioria (78,3%) recebeu informações ao longo da formação profissional, na graduação e/ou pós-graduação, porém a principal fonte de informações não responde pelo contexto dinâmico dessa filosofia de cuidado. Como já discutido, a formação generalista da graduação contribui para a aparente falta de habilidade e preparo dos enfermeiros no cuidado com o RN em UTIN(2). Além disso, a formação precisa inovar o processo de aprendizagem, utilizando recursos multimídia que estimulem o aluno/profissional e o ajudem a compreender a complexidade desse cuidado e a fazer a transição do conhecimento discutido para a prática clínica(12), compreendendo principalmente as evidências apontadas pela literatura científica.
Embora a região Sudeste tenha o maior número de programas de pós-graduação(5), inexistem cursos exclusivos para a enfermagem de terapia intensiva neonatal com ênfase no cuidado desenvolvimental. Ademais, o grande desenvolvimento tecnológico no campo da saúde, especialmente na área neonatal, trouxe acúmulo de conhecimento com potencial de contribuir para transformações na prática assistencial de enfermagem, mas que exigem movimento dinâmico desses profissionais em vista da rapidez com que surgem. Para acompanhar e complementar seu conhecimento, o enfermeiro neonatal deve buscar aprimoramento contínuo e necessita de acesso à literatura científica(5).
O cuidado desenvolvimental, atualmente elemento vital nas UTIN, deve ser individualizado, apoiado na atenção centrada na família e no ambiente favorável ao desenvolvimento do prematuro. O modelo do cuidado desenvolvimental tem como base o conhecimento sobre a maturação do cérebro do feto, essencial para que o profissional possa perceber a linguagem do prematuro e estar atento aos sinais de estresse(4). Além do mais, ele deve ainda promover o treinamento de pais/familiares para a percepção desses sinais. Os profissionais de saúde precisam de competência e habilidade para compreender essa linguagem e promover ações que favoreçam o crescimento e desenvolvimento do prematuro na UTIN.
O cuidado especializado de enfermeiros em terapia intensiva exerce influência sobre a evolução clínica dos pacientes. A atenção individualizada na gestão de sua saúde, o monitoramento e a avaliação de suas respostas melhoram os resultados clínicos, reduzindo complicações, morbidade e mortalidade, além de apresentar também bons resultados quanto à redução do tempo de internação(16).
A presença de lacunas nesse conhecimento pode expor os recém-nascidos a riscos desnecessários referentes a danos iatrogênicos e comprometer os sistemas de saúde com despesas evitáveis, resultando em custos significativos(17). Desse modo, há necessidade de preocupação com a viabilização do acesso ao conhecimento sobre o cuidado desenvolvimental, treinamento e avaliação da prática dos profissionais de saúde.
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) do Rio de Janeiro é um dos Centros Colaboradores do Ministério da Saúde, responsável pela capacitação de profissionais que atendem o RN de alto risco, segundo as diretrizes do Método Canguru proposto pela Política de Humanização.
A filosofia do cuidado desenvolvimental faz parte do Método Canguru(18) e abrange ações como os cuidados técnicos com o RN (manuseio, atenção às necessidades individuais, cuidados com luz, som e dor); o acolhimento à família; a promoção do vínculo mãe/bebê e do aleitamento materno; e o acompanhamento ambulatorial após a alta, configurando-se como estratégia de qualificação da atenção neonatal(4).
Apesar de 63% dos enfermeiros deste estudo terem negado a participação em cursos e/ou programas de treinamento acerca dos temas referentes ao cuidado desenvolvimental, a maioria afirmou ter acompanhado cursos e/ou programas de treinamento que incluíram temas como aleitamento materno, humanização, dor no recém-nascido e Método Canguru. Esses dados mostram que existe certa distância entre o conhecimento e a prática, evidenciando que o cuidado desenvolvimental não foi compreendido em sua totalidade ou incorporado plenamente na prática de assistência.
Essa distância pode estar relacionada à resistência dos profissionais de saúde quanto às inovações e à transição das tecnologias duras, tradicionalmente utilizadas na UTIN, para uma tecnologia leve, fundada na interação humana(18). Ou também ser associada à transição do foco do cuidado voltado aos aspectos biológicos para a associação destes aos aspectos afetivos, psicológicos e sociais, necessários na administração de um cuidado que promova não somente a sobrevida de bebês, mas também o seu desenvolvimento neurológico e a sua integração ao convívio familiar(2).
Outra dificuldade para disseminação do conhecimento e incorporação deste à prática pode ter a ver com as dificuldades em reunir os profissionais dentro ou fora do horário de trabalho e falta de infraestrutura. Além disso, as estratégias para ampliar a disseminação do conhecimento dependem dos próprios trabalhadores e dos serviços, não havendo apoio institucional formal para seu financiamento - o que reduz a consistência de seu uso(19).
Desse modo, o desconhecimento de diretrizes/protocolos/rotinas de cuidado desenvolvimental por parte dos enfermeiros respondentes estaria relacionado a uma ausência real desses instrumentos ou a uma atitude distante da chefia de enfermagem em relação a esses procedimentos, pois o papel do chefe/líder é fundamental no processo de disseminação do conhecimento(19). Tal distanciamento pode estar relacionado ao caráter multidisciplinar dessa diretriz, que exigirá do enfermeiro, além das atitudes gerenciais e viabilização do processo cuidativo da equipe de enfermagem, conformidade com outros componentes da equipe multidisciplinar, o que exige postura mais assertiva desse profissional(13).
No que se refere ao cuidado desenvolvimental, sua disseminação e incorporação à prática assistencial de enfermagem são fundamentais para o desenvolvimento do bebê e exigem o uso de estratégias de maior alcance e apoio institucional para sustentabilidade do método, sendo esse um grande desafio para os serviços de saúde no Rio de Janeiro(18).
CONCLUSÃO
A enfermagem neonatal no Brasil necessita maior visibilidade, já que se trata de área prioritária em nível nacional e internacional. Apesar disso, pouco se conhece sobre as condições pertinentes ao processo de trabalho do enfermeiro neonatal e sua relação com a qualidade da assistência prestada ao recém-nascido em UTIN.
Os resultados deste estudo apontam um profissional com idade madura porém com menor tempo de atuação na área neonatal, com múltiplos vínculos empregatícios e, em sua maioria, com especialização. Em relação à sua qualificação quanto ao cuidado desenvolvimental do recém-nascido, verificou-se a existência de lacunas na disseminação desse conhecimento, sendo um dos grandes desafios para os serviços de saúde e para a prática assistencial.
Existe, portanto, a necessidade efetiva de disseminação do cuidado desenvolvimental por meio da educação permanente, a partir da consolidação de evidências de sua efetividade e resolutividade para o RN de risco, ratificando-se a importância da participação da família e desse modelo de cuidado para o desenvolvimento do bebê.
REFERÊNCIAS
1. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n.º 930, de 10 de maio de 2012. Define as diretrizes e objetivos para a organização da atenção integral e humanizada ao recém-nascido grave ou potencialmente grave e os critérios de classificação e habilitação de leitos de Unidade Neonatal no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. 2014 mai. 7; Seção 1. [ cited 2013 Nov 29 ] Acesso em 29/11/2013. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm./2012/prt0930_10_05_2012.html
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Recebido: 09/04/2014
Revisado: 19/08/2014
Aprovado:19/08/2014