The principles of United Health System and the educative practices of nurses in the Family Health Program

 Os princípios do Sistema Único de Saúde nas práticas educativas dos enfermeiros no Programa de Saúde da Família

 Los principios del sistema unido de la salud y las prácticas educativas de enfermeras en el programa de la salud de la familia

 

*Ferreira, Vanessa de Almeida

*Heringer, Ariádina

*Barros, Ana Luisa da Silva

*Acioli, Sonia

 

*Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), RJ, Brazil.

 ABSTRACT. Introduction: The accomplishment of educative practices is an important activity of the professional nurse inside of the field of the Public Health, mainly when is mentioned to its performance in the Family Health Program. However, in the daily one of the practical services it is perceived existence of traditional, come back toward the transmission of knowledge. Objective: Of this form, the present article argues the results of a research that had as objective to identify the recognition on the part of the nurses of the principles of the United Health System in the development of their educative practices in the Family Health Program in the “Complexo do Alemão”, located in the city of Rio de Janeiro. Methodology: Study of qualitative nature that as had estimated methodological the boarding dialectic, being used as instruments of collection of data half-structuralized interview and observation. Main results: The analysis of content of the data discloses the permanence of activities that do not stimulate so much the process of construction of the autonomy of the users and points as existing principles in its educative practices the completeness, equity, universality and participation of the community. Conclusion: Through this study one searched to contribute for the reflection of the nurses on the importance of the accomplishment of educative practices innovators, transforming and that these are incorporators of the principles of the SUS.

Keywords: Public Health Nursing; Family Health Program; Health Education; Health Politics.

Resumo. Introdução: A realização de práticas educativas é uma importante atividade do profissional enfermeiro dentro do campo da Saúde Pública, principalmente quando se refere a sua atuação no Programa Saúde da Família. Porém, no cotidiano dos serviços percebe-se a existência de práticas tradicionais, voltadas para a transmissão de conhecimentos. Objetivo: Desta forma, o presente artigo discute os resultados de uma pesquisa que teve como objetivo identificar o reconhecimento por parte dos enfermeiros dos princípios do Sistema único de saúde no desenvolvimento de suas práticas educativas no Programa Saúde da Família realizada no Complexo do Alemão, localizado no município do Rio de Janeiro. Metodologia: Estudo de natureza qualitativa que teve como pressuposto metodológico a abordagem dialética, sendo utilizados como instrumentos de coleta de dados entrevista e observação semi-estruturadas. Principais resultados: A análise de conteúdo dos dados revela a permanência de atividades que pouco estimulam o processo de construção da autonomia dos usuários e aponta como princípios presentes em suas práticas educativas a integralidade, equidade, universalidade e participação da comunidade.  Conclusão: Através deste estudo buscou-se contribuir para a reflexão dos enfermeiros sobre a importância da realização de práticas educativas inovadoras, transformadoras e que estas sejam incorporadoras dos princípios do SUS.

Palavras-chave: Enfermagem em Saúde Pública; Programa Saúde da Família; Educação em Saúde; Política de Saúde.

Resumen. Introducción: La realización de educativo práctico es una actividad importante de la enfermera profesional dentro del campo de la salud pública, principalmente cuando la salud de la familia se menciona a su funcionamiento en el programa. Sin embargo, en el diario de los servicios prácticos es existencia percibida de tradicional, se vuelve hacia la transmisión del conocimiento. Objetivo: De tal manera, el actual artículo discute los resultados de una investigación que tenía como objetivo para identificar el reconocimiento de parte de las enfermeras de los principios del Sistema Unido de la Salud (SUS) en el desarrollo de su educativo práctico en la salud del programa del llevado a través de la familia en el complejo del alemán, situados en la ciudad de Río De Janeiro. Metodología: Estudio de la naturaleza cualitativa que como metodológico estimado tenido la dialéctica que sube, siendo utilizado entrevistas y la observación semi-estructurada para la colección de datos. Resultados principales: El análisis del contenido de los datos divulga la permanencia de las actividades que poco estimula el proceso de la construcción de la autonomía de los usuarios y de los puntos como regalos educativos de los principios en su práctico lo completo, la equidad, la universalidad y la participación de la comunidad. Conclusión: Con este estudio uno buscó para contribuir para reflexión de las enfermeras' en la importancia de las prácticas educativas innovadoras y transformative que promueven la incorporación de los principios de SUS.

Palabras-clave: Enfermera de la salud pública; Programa de la salud de la familia; Educación de salud; Política de la salud.

 

1. Considerações Iniciais:

Este artigo apresenta alguns resultados e reflexões de um estudo realizado em um Programa de Saúde da Família (PSF) no município do Rio de Janeiro. O desenvolvimento do estudo em uma unidade do Programa de Saúde da Família justifica-se pelo fato do programa ser uma estratégia prioritária para o Ministério da Saúde voltada para a reorganização da rede de atenção básica à saúde, como também para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS).

Entende-se, que para o desenvolvimento de estratégias de reorientação da atenção básica à saúde, faz-se necessário acompanhar, descrever, aprofundar e analisar como estão sendo desenvolvidas as práticas educativas pelos profissionais inseridos no PSF e de que forma estas práticas incorporam os princípios do SUS.

Com a regulamentação do SUS em 1990, através das Leis Orgânicas de Saúde1, 2 e sua implementação durante estes 15 anos, vários trabalhos3,4,5 foram realizados na perspectiva de descrever, compreender experiências e avaliar o sistema de saúde considerando a participação efetiva dos sujeitos envolvidos no cotidiano dos serviços – usuários, gestores e profissionais de saúde, a fim de reorganizar as práticas assistenciais em saúde.

         Pretende-se, neste trabalho, identificar o reconhecimento por parte dos enfermeiros dos princípios do SUS no desenvolvimento de suas práticas educativas, além de sua contribuição para efetivação destes princípios.

O interesse em investigar as práticas educativas realizadas por enfermeiros surgiu ao perceber que tais práticas constituem parte importante tanto das atividades dos enfermeiros, quanto da proposta do PSF. Ressalta-se ainda no cotidiano dessas unidades a existência de práticas com metodologias onde os processos dialógicos e participativos estão longe de serem implementados, e as formas de cuidado não são entendidas como parte do processo educativo. Desta forma, conhecer e interpretar tais práticas pode auxiliar nas análises relativas à implementação do SUS.

Uma grande parte das atividades educativas realizadas no PSF, ainda, estão voltadas apenas para a transmissão de conhecimentos e mudança de hábitos, o que dificulta a percepção da incorporação dos princípios do SUS.

 2. O Sistema Único de Saúde e o Programa de Saúde da Família

Aproximadamente no ano de 1993, o Ministério da Saúde iniciou a implementação no Brasil do Programa Saúde da Família (PSF), propondo a interiorização do SUS, entendendo o PSF como estratégia de reorganização da Atenção Básica, priorizando as ações de promoção e proteção a saúde individual e coletiva6.

No entanto, é importante salientar que antes da criação e implementação do PSF, houveram experiências e modelos de saúde comunitária sendo desenvolvidos no Brasil e em várias partes do mundo.

Dentre estas experiências podemos ressaltar a de Murialdo, um município de Porto Alegre no Rio Grande do Sul, que na década de 70 desenvolveu uma proposta de atenção à saúde da população voltada à Atenção Primária7.

Este município foi dividido em cinco Unidades Sanitárias, cada uma com uma equipe mínima de saúde, composta por médico e enfermeiro comunitários, dois a quatro auxiliares de enfermagem e voluntários de saúde, que eram moradores provenientes das próprias comunidades. Esta equipe se relacionava diretamente com os usuários7.

Relativamente na mesma época, movimentos se propagavam em países europeus, no Canadá e no México, com o objetivo de lutar contra a ênfase na medicalização, na complexidade tecnológica e na supremacia das especialidades médicas em detrimento da assistência integral à saúde.

Estes movimentos propunham o retorno à idéia do médico de família, no sentido de reorientação da prática médica, sem avançar, no entanto na discussão da reorganização da atenção à saúde como um todo8.

Em 1974, o país vivenciava com o regime militar um momento sócio-econômico e político crítico. De um lado ocorreu um abrupto crescimento econômico, de outro, no setor saúde, altíssimas taxas de mortalidade infantil8.

Preocupado com esta situação, o governo militar lança alternativas para um novo modelo de saúde, passando a financiar empresas privadas através da previdência pública de saúde.

Em contrapartida, alguns profissionais da área de saúde e movimentos populares, apoiados pela Igreja Católica buscam espaços nas instituições públicas a fim de difundir a valorização da atenção primária8.

Esta valorização atingiu o ápice em 1978, com a Conferencia Internacional sobre Atenção Primária em Saúde promovida pela United Nations Children’s Fund (UNICEF) e Organização Mundial de Saúde (OMS), onde através da Declaração de Alma-Ata os países participantes assumiram a atenção primária como estratégia de reorganização no setor saúde9.

A partir deste contexto, vários programas foram implementados no Brasil e em outros países como o Programa Médico de Família em Cuba, em decorrência da proposta de atenção primária à saúde.

No Brasil pode-se dizer que o PSF teve uma primeira etapa de implantação com o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) em 1991, ocorrendo a partir de 1994 a formação das primeiras equipes de Saúde da Família, as quais incorporaram a atuação dos agentes comunitários de saúde6.

Desde o início de sua implantação o PSF, tinha o propósito de colaborar com a organização do SUS principalmente no que diz respeito a municipalização da integralidade e da participação da comunidade. No entanto, a princípio tinha como foco de atenção privilegiar os expostos ao maior risco de adoecer e morrer, baseados em dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada)7.

Com isto, ao implantar o programa enfatizando a população com maior risco o Ministério da Saúde acaba por cometer um equívoco, pois ao priorizar determinadas populações fere-se um dos princípios do SUS que é a universalização da atenção, e o programa passa a ser visto como um modelo de atenção à saúde de pouco investimento, voltado apenas para os grupos sociais empobrecidos, devido ao seu público alvo7.

No entanto, em 1996, por intermédio de um documento preliminar sobre o PSF, inicia-se a preocupação com a imagem pública do Programa. As idéias que subsidiam a estratégia do PSF enfatizam que não se constitui em um modelo simplista, de pobre para pobre, não recorta a população em fatias, nem a atenção em níveis. Pressupõe ainda que integralidade significa também articulação, integração e planejamento unificado de atuação intersetorial7.

A partir de então, aumentam-se os investimentos públicos no Programa e o interesse dos municípios em sua implantação.

Dessa forma, o PSF passa a ser visto como uma estratégia de incorporação dos princípios do SUS, apresentando como principal objetivo reorganizar a atenção básica em substituição ao modelo tradicional, hospitalocêntrico, que prioriza ações curativas, realizadas principalmente em ambiente hospitalar. A atenção está centrada na família, entendida e percebida a partir de seu ambiente físico e social o que vem favorecer a aproximação pelas equipes de Saúde da Família de uma compreensão ampliada do processo saúde/doença e da necessidade de intervenções que superem as práticas curativas10.

 3. Metodologia

Este estudo descritivo de natureza qualitativa tem como pressuposto metodológico a abordagem dialética, por entender que esta possibilita a construção do conhecimento a partir da troca de saberes entre entrevistador e entrevistado através de uma prática dialógica.

         A área de estudo consiste em cinco unidades do Programa Saúde da Família inseridas no município do Rio de Janeiro, as quais foram definidas em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde. As cinco áreas escolhidas pertencem ao conjunto de comunidades que englobam o complexo do Alemão e são denominadas: Alemão, Adeus, Baiana, Esperança e, Nova Brasília.

Os sujeitos deste estudo foram 12 enfermeiros do PSF das áreas escolhidas, de um total de 14 enfermeiros que atuam em unidades de saúde da família na região.  Não foi possível realizar a entrevista com o número total de 14 enfermeiros devido à ocorrência de episódios de violência associada ao tráfico de drogas na área estudada.

As entrevistas foram realizadas após leitura e autorização de acordo com termo de consentimento livre esclarecido que garantiu o anonimato dos entrevistados. Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, atendendo assim à Resolução n°196/96, do CNS/MS que normativa a pesquisa com seres humanos.

      A utilização da abordagem dialética e a escolha da entrevista e observação semi-estruturadas como técnicas de coleta de dados possibilitaram a construção de conhecimentos a partir da troca de saberes entre entrevistador e entrevistado. Além disso, proporcionou liberdade ao entrevistado ao responder as perguntas, favorecendo a inserção de novos dados, os quais facilitaram o aprofundamento e compreensão das questões levantadas pela pesquisa11.

Para responder ao objetivo proposto neste artigo, serão apresentadas duas categorias de análise complementares referentes às questões norteadoras do estudo: a primeira que aborda como são planejadas as atividades educativas pelos enfermeiros do PSF e a segunda que analisa a incorporação dos princípios do SUS nestas práticas.

 4. Análise e discussão dos resultados

4.1 Planejamento das práticas educativas

Entende-se que para realização de uma prática educativa faz-se necessário o planejamento prévio da mesma. Porém, é importante refletir como estão sendo realizados os planejamentos destas atividades.

Nesta pesquisa observou-se que o planejamento ocorre durante reuniões periódicas, onde, em alguns casos, há a participação da equipe multidisciplinar, e em outros se pode observar apenas a participação dos enfermeiros e agentes comunitários de saúde (ACS). Em nenhuma das entrevistas observou-se a participação dos usuários no planejamento das práticas educativas.

É nítido o cuidado da equipe de saúde com a periodicidade no planejamento da prática educativa, no entanto a proposta do planejamento não é realizada de modo participativo, ou seja, em conjunto com os atores sociais principais nesse processo, os usuários das unidades de saúde da família. Talvez este seja um dos maiores desafios encontrado pelos profissionais: a identificação e discussão dos problemas com a comunidade, para que através de um processo de troca de experiências possam juntos decidir as estratégias a serem utilizadas.

A ausência do usuário nas reuniões de planejamento das práticas educativas ressalta o seu papel de expectador e a limitação de sua presença aos grupos e às consultas. Com isso, parece não ocorrer uma participação efetiva da população com a valorização e a incorporação dos saberes populares, desses grupos sociais, por parte dos profissionais.

Nessas reuniões são definidos os participantes, os temas e a estratégia a ser implementada na prática. Os participantes dessas práticas educativas são selecionados de acordo com os grupos populacionais sendo citados os idosos, as mulheres, as crianças, os professores das escolas da área trabalhada, os agentes comunitários de saúde e portadores de doenças, conforme citações a seguir:

[...] eu fiz um grupo de mulheres dentro do módulo. (Cravo)

[...] eu costumo fazer grupos de hipertensos, ou de diabéticos ou de saúde da mulher. (Jasmim)

Pode-se perceber que a realização de práticas voltadas para portadores de doenças favorece a probabilidade de estigmatização do portador, como também a exclusão de usuários não portadores de uma patologia específica. Alguns enfermeiros mostraram-se preocupados com esta questão, optando por classificar os grupos com nomes alternativos, como o grupo de donas de casa e o grupo de grandes amigos.

[...] a gente juntou tudo porque a gente não queria classificar com a doença.(Rosa)

 Uma das principais vantagens do trabalho com os grupos populacionais em detrimento da realização de práticas voltadas para portadores de doenças, apontada pelos entrevistados, é a possibilidade de discutir os assuntos de interesse do grupo em questão. Esta afirmação pode ser confirmada ao entender-se que a valorização do saber popular permite que o educando se sinta “em casa”, proporcionando assim uma maior interação entre os atores envolvidos facilitando a troca de conhecimentos e a construção de um saber coletivo e de uma sabedoria prática5, 12.

[...] a todo o momento eu tentei estar resgatando deles experiências que eles tinham naquela situação. (Cravo)

 [...] tem um roteiro, mas se você observa que determinado assunto interessa a eles e motivou o grupo, eu deixo caminhar. (Girassol)

 [...] então é pura construção do conhecimento. (Vitória -régia)

 Espera-se que através do planejamento das práticas educativas ocorra a construção de uma prática mais participativa, onde os sujeitos envolvidos possam, por meio do diálogo, desenvolver suas potencialidades e criatividades em busca de um saber coletivo.

 4.2 Incorporação dos princípios do SUS na prática educativa 

Os princípios do SUS apontados pelos enfermeiros como presentes em suas práticas educativas foram: integralidade, equidade, universalidade e participação da comunidade.

[...] eu creio que a gente consegue muita coisa com o SUS: equidade e participação.(Lírio)

Em algumas falas foi possível identificar o princípio do SUS embora este não estivesse relatado de forma explícita como o disposto na lei 8080/90, o que mostra certa dificuldade dos enfermeiros em denominá-los1.

[...] A gente mostra para a população que saúde é um direito de todos nós. (Bromélia

O princípio do SUS mais apontado pelos entrevistados foi o da participação. A participação remete não só à atuação da comunidade na gestão do SUS através das instâncias colegiadas, mas também à democratização do conhecimento relativo ao processo saúde/doença e dos serviços, e o estímulo à organização da comunidade para o efetivo controle social. Desta forma percebe-se que a participação pode ser vista e entendida em diferentes contextos e conceitos 13,14.

Entretanto, o que pôde ser observado através das entrevistas e observações semi-estruturadas é que este conceito amplo de participação não é visto na prática. Muitas vezes o que ocorre é associação de participação à freqüência nas práticas, e não no sentido de participação efetiva dos usuários no planejamento e fiscalização das ações.

[...] a participação deles ainda está muito pequena. (Camélia

Podemos caracterizar a participação, no seu sentido mais amplo, como uma conquista, na qual os sujeitos participam e entendem de todas as fases do processo, o constante ‘vir-a-ser’, a qual não pode ser considerada acabada e nem completa, sendo assim, a participação é uma conquista processual15.

Este tipo de participação ainda é pouco vivenciado devido à predominância de uma metodologia arraigada em um modelo tradicional, que não vê o outro como sujeito participante de todo o processo de desenvolvimento de uma prática educativa, e sim como um expectador, proporcionando apenas uma participação passiva.

A participação é estimulada quando uma nova relação entre os atores sociais envolvidos no SUS é estabelecida; quando há formação do vínculo entre profissionais de saúde e a clientela/usuários, há também um estímulo a atuação do indivíduo enquanto agente de sua própria saúde e da saúde da comunidade que integra.

Além disto, é importante considerar a natureza de um processo participativo, que quando profundo, tende a ser lento, onde as dificuldades servem como ponto de partida15.

Ao apontarem o princípio da integralidade, os entrevistados demonstram a necessidade de realização de uma prática de saúde diferenciada, baseada nos fatores determinantes e condicionantes da saúde, voltada às reais necessidades de saúde da população, com olhar crítico e global, visando o indivíduo como um todo, englobando atividades voltadas à promoção, à proteção e à recuperação da saúde.

[...] Na parte da educação a integralidade eu acho legal, você está vendo o indivíduo como um todo, você não está vendo só a doença. (Cravo)

 [...] A questão da integralidade é ver o ser humano como um todo, porque se você foca muito naquela doença não vai enxergar o que está ao redor daquele ser humano. (Vitória -régia)

 

Embora os princípios de integralidade e participação tenham sido identificados como princípios do SUS relacionados às práticas educativas, também foram citados como princípios ainda não incorporados às mesmas, conforme expressam as falas a seguir:

[...] Integralidade ainda não está solidificado porque a gente ainda não está conseguindo as parcerias todas que a gente precisa. (Jasmim

[...] Essa participação da comunidade, esse controle social, ainda está muito no começo. (Camélia)

         Durante a realização das práticas educativas, pode-se observar um dos sentidos da integralidade: o olhar diferenciado, a preocupação não só com o indivíduo, mas também com sua família e o ambiente onde este está inserido16, o que é encontrado na fala abaixo:

[...] eu tenho pessoas que sentam aqui do meu lado e eu tenho que esquecer o problema, a doença em si que ela tem, porque às vezes ela vem querendo falar da fome que está passando, do marido que esta espancando ela, do filho que esta indo para o tráfico, então quanta coisa tem dentro deste mesmo ser humano. (Vitória-régia) 

Equidade e universalidade são princípios que refletem os avanços do SUS, reforçados também através do PSF. Entretanto, a universalização parece ser um dos grandes dilemas do SUS, pois um sistema verdadeiramente universal implica em construir socialmente um sistema público para todos os brasileiros, onde os sistemas privados serão de fato, opções suplementares a um sistema público universal17.

É necessário que ao se discutir as dimensões desse modelo de atenção incorporado pelo PSF, seja acrescentada a integralidade. Desta forma acreditamos que estes três princípios do SUS possam expressar e traduzir o ideário da Reforma Sanitária Brasileira. Com isto, entende-se a saúde e o exercício da cidadania como direito de todos e como estratégia de superação das injustiças resultantes da nossa estrutura social18.

         Os entrevistados identificaram ainda a cidadania como princípio e a relacionaram às práticas desenvolvidas:

[...] a partir do momento em que você começa a falar, eles começam a perceber que ele é um cidadão como outro, que ele tem direito. (Hortência

[...] as próprias pessoas sentem aquele princípio da cidadania. (Bromélia) 

[...] eles se sentem cidadãos quando são atendidos. (Margarida) 

Ainda que não se constitua em principio do SUS, o exercício da cidadania é um elemento fundamental para sua consolidação.

        Cidadania pode ser entendida como a essência de ser cidadão19. Pressupõe o indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos, com isto a cidadania pode ser definida como qualidade de uma sociedade organizada sob a forma de direitos e deveres majoritariamente reconhecidos, sendo o cidadão, o homem participante15.

A cidadania coletiva pode ser concretizada através de uma educação não formal, que é a educação através da prática social20. Assim pode-se destacar o papel da educação como formação para a cidadania e a importância de realização de práticas educativas comprometidas com os sujeitos envolvidos, não reduzidas à mera transmissão de informações, e sim práticas que gerem impactos sociais, que estimulem a cidadania organizada, através de processos participativos.

Não foi possível observar o processo de construção da cidadania em todas as práticas educativas analisadas, pois para que isto ocorra seria necessário uma vivência maior no campo, através do acompanhamento diário. Porém, em algumas entrevistas pode-se observar o inicio deste processo.

[...] a partir do momento em que dou informação eles passam a buscar isso. (Orquídea  

     5. Considerações Finais

         O modelo de atenção preconizado pelo PSF nos exige práticas de saúde inovadoras para atender as diferentes demandas populacionais. No entanto, para isto são exigidas dos profissionais de saúde e dos serviços intervenções mais ágeis e eficazes.

         Há tempos busca-se alcançar esses caminhos. Pode-se perceber a evolução e o percurso percorrido ao observarmos os debates teóricos sobre o tema. Buscou-se construir um Sistema de Saúde que fosse universal e descentralizado e que proporcionasse a todos os indivíduos uma atenção à saúde pautada na equidade e na integralidade. Ressaltou-se ainda a criação de um espaço de participação da comunidade com a democratização dos processos decisórios permitindo assim o exercício do controle social1,2.

         No entanto, ao nos depararmos com o SUS na década de 90 notamos poucos progressos, principalmente no que diz respeito aos princípios da integralidade e participação. Nesta mesma época, na tentativa de ajudar a reorientar o Sistema foi criado e implementado o PSF.

         Passados mais de 10 anos de sua implementação, percebe-se um grande avanço nas práticas de saúde. Entretanto ao analisarmos as práticas educativas desenvolvidas por enfermeiros em PSF, percebe-se pouca incorporação dos princípios do SUS. Nota-se ainda a permanência de um discurso autoritário, pouco estimulador do processo de construção da autonomia dos usuários do programa, o que não condiz com o discurso encontrado muitas vezes nas falas.

         Dessa forma, vemos o princípio da participação citado pelos entrevistados, associado apenas a presença do usuário nas atividades oferecidas, o que apresenta uma forma de representação do princípio de participação muita limitada e que não condiz com a participação ampla proposta em algumas literaturas.1,2,15.

         Ao apontarem o principio da integralidade os profissionais reforçam a necessidade de uma prática de saúde diferenciada voltada para as necessidades da clientela, privilegiando a escuta e a promoção da saúde.

         Contudo, vemos a necessidade de uma reflexão a respeito das ações ditas como geradoras do princípio da integralidade. Enquanto tivermos as ações de saúde limitadas a modelos biologicistas e mecanicistas não teremos um cuidado de saúde integral21.

         É necessário compreender que a integralidade será alcançada quando entendermos que qualidade de vida e saúde são resultado da interação de diferentes campos de atuação21 e saberes.

         Além de mudar nossas práticas precisamos romper barreiras, algumas das quais estão ligadas as ausências de incorporação efetiva por parte dos profissionais de saúde dos princípios do SUS e da intersetorialidade.  Parece-nos que só assim conseguiremos alcançar um SUS condizente com seus princípios. 

 REFERÊNCIAS

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2.Brasil, Lei 8142 , de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da  comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. Disponível em <http://portalweb.saude.gov.br/saude/visao/cfm?id_area=169> Acesso em 04 jan. 2005.

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 8.Vasconcelos EM. Participação popular e educação nos primórdios da saúde pública brasileira. In: Vasconcelos, E. M. A saúde nas palavras e nos gestos: reflexões da rede de educação popular e Saúde. São Paulo (SP): Hucitec; 2001.

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  17.Mendes EV. Os grandes dilemas do SUS. Salvador: Instituto de Saúde Coletiva: Casa da Qualidade Editora; 2001.

 18.Cecílio LCO. As necessidades de saúde como conceito estruturante na luta pela integralidade e equidade na atenção em saúde. In: Pinheiro R, Mattos, RA. (Organizadores).Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro (RJ): Abrasco; 2001. p.113-126.

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 21.Souza FGM, Terra MG, Erdmann AL. Organização dos serviços de saúde na perspectiva da intersetorialidade: limites e possibilidades da prática integralizadora. Online Brazilian Journal of Nursing (OBJN-ISSN 176-4285) v.4, n.3, 2005 [Online]. Available at: www.uff.br/nepae/objn103simoes.htm

 Endereço para correspondência:

 Vanessa de Almeida Ferreira.Rua Pereira da Silva nº 87/1805 Icaraí. Niterói/RJ. CEP: 24220-030. e-mail: nessa_aferreira@hotmail.com. Tel: (21) 9736-6794

 

Received Aug 18th, 2006

Revised Sep 9th, 2006

Accept Sep 30th, 2006