The cancer and its treatment and its impact on the patients’ life. A qualitative study
O câncer e seu tratamento: impacto na vida dos pacientes
El cancer y su tratamiento: impacto en la vida de los pacientes
Maria Gaby Rivero de Gutiérrez*; Taís Cardoso Arthur**; Selma Montosa da Fonseca***; Maria Clara Cassuli Matheus*
* Professora Adjunto do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP. **Aluna de Graduação de Enfermagem. Bolsista do PIBIC/CNPq/UNIFESP. *** Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Enfermeira Encarregada do Ambulatório de Quimioterapia de Adultos do Hospital São Paulo/ UNIFESP.
ABSTRACT. Background: Offering the best level of comfort and quality of life as possible is one of the goals of nursing care for cancer patients and their family, for both the diagnosis and the treatment of cancer still causes great apprehension and suffering. Purpose: Understanding the effects of cancer and its treatment on the different dimensions of the patients’ life. Methods: Descriptive study, developed under a qualitative approach, carried out from June to August 2005 with cancer patients of the Chemotherapy Ambulatory of the São Paulo Hospital, in São Paulo, Brazil. A semi-structured interview form was used for data collection and content analysis was applied in order to identify the thematic units. Results: Three themes emerged from patients’ reports: suffering the disease’s shock; re-dimensioning life; and feeling the need of a sensitive care. Conclusion: The results reinforce the need of implementing the humanization principles of nursing care when assisting cancer patients and their families.
Keywords: Oncology nursing; chemotherapy; nursing care; quality of life.
RESUMO. Introdução. Uma das metas a ser alcançada pela enfermagem no cuidado a pacientes com câncer e seus familiares é a de proporcionar-lhes o melhor nível de conforto e qualidade de vida possível, pois o diagnóstico e seu tratamento ainda provocam apreensão e sofrimento. Objetivo. Compreender a repercussão do câncer e seu tratamento nos diferentes âmbitos da vida desses pacientes. Método. Estudo descritivo, de abordagem qualitativa, realizado de junho a agosto de 2005, com pacientes atendidos no Ambulatório de Quimioterapia de Adultos do Hospital São Paulo, Brasil. Utilizou-se a entrevista semi-estruturada para coletar os dados e a análise de conteúdo para identificar as unidades temáticas. Resultados. Três temas emergiram dos relatos dos pacientes: sofrendo o abalo da doença, redimensionando a vida e sentindo necessidade de um cuidado sensível. Conclusão. Os resultados reforçam a necessidade de colocar em prática os princípios da humanização do cuidado de enfermagem, no atendimento aos pacientes com câncer e seus familiares.
Descritores: enfermagem oncológica, quimioterapia, cuidado de enfermagem, qualidade de vida.
RESUMEN. Introducción. Proporcionar el mejor nivel de confort y de calidad de vida posible a los pacientes con cáncer y sus familiares es una de las metas del cuidado de enfermería, una vez que esa enfermedad y su tratamiento aún son causa de aprensión y sufrimiento. Objetivo. Comprender la repercusión del cáncer y su tratamiento en los diversos ámbitos de la vida de esos pacientes. Método. Estudio descriptivo, cualitativo, realizado de junio a agosto de 2005, con pacientes con cáncer atendidos en el Ambulatorio de Quimioterapia del Hospital São Paulo, Brasil. Se utilizó la entrevista semi-estructurada para la recolección de datos y el análisis de contenido para identificar las unidades temáticas. Resultados. Tres temas surgieron de los relatos de los pacientes: sufriendo el choque de la enfermedad, redimensionando la vida y sintiendo la necesidad de un cuidado sensible. Conclusión. Los resultados refuerzan la necesidad de colocar en práctica los principios de la humanización del cuidado de enfermería, en la atención al paciente con cáncer y sus familiares.
Palabras clave. Enfermería oncológica, quimioterapia, cuidado de enfermería, calidad de vida.
Estudos apontam que avanços nos meios diagnósticos e no tratamento do câncer têm aumentado a sobrevida dos pacientes portadores dessa doença. Entretanto, em que pesem esses avanços, a doença e seu tratamento ainda são motivos de apreensão e sofrimento por parte dos pacientes e seus familiares. No que diz respeito à assistência de enfermagem, a literatura refere que uma das metas a ser alcançada na prestação de cuidados aos pacientes com câncer é a de proporcionar-lhes o melhor nível de conforto e qualidade de vida possível, tanto aos que estão em fase de tratamento, quanto aos que estão em cuidados paliativos. Assim, conhecer o impacto da doença e do tratamento na vida desses pacientes é de vital importância para o planejamento de ações que visem ao adequado atendimento de suas necessidades. Dentro desse contexto, e com a finalidade de obter dados que subsidiem a proposição de um modelo assistencial coerente com os princípios acima mencionados, a ser implementado do Ambulatório de Quimioterapia de Adultos do Grupo Multidisciplinar de Oncologia do Hospital São Paulo da Universidade Federal de São Paulo (GMO/HSP/UNIFESP), decidimos desenvolver o presente estudo com o objetivo de compreender, a partir da perspectiva de pacientes com câncer em tratamento quimioterápico, a repercussão da doença e do tratamento nos diferentes âmbitos de sua vida pessoal, familiar e social.
MÉTODO
Trata-se de um estudo descritivo, de abordagem qualitativa, realizado com pacientes atendidos no Ambulatório de Quimioterapia de Adultos do GMO/HSP/UNIFESP, após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFESP. Participaram da pesquisa 13 pacientes de ambos os sexos, que tinham conhecimento do diagnóstico de câncer, que estavam pelo menos no segundo ciclo do tratamento e que concordaram em participar da pesquisa assinando o termo de consentimento livre e esclarecido, conforme determinado na Resolução 196/96 do Ministério da Saúde (1) . Os dados foram coletados entre os meses de julho e agosto de 2005, por meio de entrevista semi-estruturada. As entrevistas foram gravadas e realizadas no Ambulatório de Quimioterapia de Adultos do GMO, durante a consulta de enfermagem, pois, pelas características organizacionais do HSP, este é um dos serviços que congrega pacientes com câncer das diversas disciplinas atuantes em oncologia no complexo HSP/UNIFESP.
Os conteúdos das gravações foram transcritos, codificados, comparados e agrupados por similaridade de sentido,(2,3) formando sucessivamente categorias que, integradas, deram origem a temas relacionados às três questões norteadoras:
- Como sua doença (câncer) e o seu tratamento estão repercutindo na sua vida pessoal, familiar, profissional e social?
- Como o sr (a) tem enfrentado essa situação?
- O que o sr (a) acredita que nós, enfermeiras, poderíamos fazer para auxiliá-lo (a) nessa situação?
Os resultados serão discutidos à luz da concepção existencialista e de outros autores que abordam a perspectiva do paciente que vivencia a experiência de ter câncer.
RESULTADOS
Caracterização dos sujeitos
Dos 13 pacientes que participaram do estudo, sete eram mulheres com idade variando de 25 a 70 anos e seis homens com idade entre 48 e 70 anos. Quanto ao grau de escolaridade a maioria desses pacientes tinha o primeiro grau incompleto e a renda familiar predominante era entre um e dois salários mínimos. O tempo de diagnóstico médico variou de três meses e meio a três anos. A maioria das mulheres tinha câncer de mama e entre os homens a localização anatômica foi diversificada.
Quanto ao tratamento, sete pacientes haviam sido submetidos a tratamento cirúrgico e quimioterapia, quatro se submeteram à cirurgia, quimioterapia e radioterapia e somente dois fizeram exclusivamente quimioterapia.
A partir dos dados gerados das entrevistas com os pacientes, emergiram três temas: Sentindo o impacto da doença, Redimensionando a vida e Sentindo a necessidade de um cuidado sensível.
O primeiro, Sentindo o impacto da doença, descreve e explica a repercussão do abalo que o paciente, seus familiares e amigos sentem após a constatação do diagnóstico de câncer, conforme exposto no diagrama a seguir.
A notícia de que o paciente está com câncer abate tanto a ele quanto a sua família, deixando todos atônitos e perplexos. Esta situação constituiu a categoria denominada Sofrendo o abalo inicial e, suas subcategorias, ficando atordoado e vendo a família e amigos abatidos, referem-se à primeira reação deles (paciente, familiares e amigos) quando percebem que a existência do paciente está comprometida por causa do diagnóstico de câncer, ficando consternados e aflitos com a sua situação.
Como é uma notícia inesperada e concretiza a vulnerabilidade da pessoa do paciente, eles sentem-se intensamente perturbados, conforme evidenciado nos relatos a seguir:
Quando me disseram que era câncer tive um baque...
Quando eu fiquei assim doente, a minha família ficou muito chocada porque não tinha casos de câncer na família, então ficaram assim... apavorados...
O segundo tema, Redimensionando a vida, refere-se tanto ao conjunto de conseqüências que acometem ao paciente com câncer, principalmente as relacionadas aos efeitos da quimioterapia, quanto às estratégias de enfrentamento que ele utiliza para fazer face à doença e seu tratamento, sendo composto pelas categorias Vendo a vida transformada, Valorizando o tratamento, Tendo fé e Buscando ser forte. O próximo diagrama mostra a composição do tema.
O tema Redimensionando a vida decorre das conseqüências da doença e do tratamento depois de passado o abalo inicial da confirmação do diagnóstico de câncer. Como todas as esferas da existência do paciente ficam abaladas, a primeira categoria foi intitulada Vendo a vida transformada.
A transformação da vida, na perspectiva do paciente, possui aspectos que ele considera como sendo construtivos, conforme revelado nas subcategorias: tendo uma perspectiva positiva da doença e do tratamento e estreitando laços com familiares e amigos.
Desta forma, passados os momentos iniciais, que podem durar dias ou meses, grande parte dos pacientes vai se reestruturando e, um dos motivos, é a esperança na possibilidade de domínio e até de cura do câncer com o tratamento. O paciente recupera parte do controle de sua existência, o que ameniza a sua percepção de vulnerabilidade como se observa no seguinte relato:
Porque quando tira o caroço, quando dá sorte, fica naquilo... que nem você vê falar na Ana Maria Braga. Você vê falar em outros artistas... A verdade é que não se espalha.
Outro aspecto positivo deriva da rede de solidariedade de familiares e amigos que se forma ao seu redor, fazendo-o sentir não só a proximidade como também o apoio deles. O estreitamento dos laços familiares o fortalece ainda mais e este é outro fator que diminui a sensação de fragilidade que sentia, como explica o relato abaixo:
Depois que eu apareci com essa doença é que eu ganhei mais amigos, a gente vê os amigos que tem agora.
Meus amigos, também os da escola mesmo onde eu trabalhava, me dão muito conselho: não, você tem que enfrentar, eu sei que você pode, você vai conseguir
“Em casa tudo bem, a família acolhe, tem paciência”
Em que pesem esses aspectos construtivos, os pacientes vivenciam, também, conseqüências que lhes causam mal-estar e sofrimento, principalmente, em decorrência das restrições que a doença e o tratamento lhes impõem.
Assim emergiu a subcategoria ficando com a vida limitada.
Todas as limitações geradas desse contexto causam sofrimento, como por exemplo, quando percebe que nem todas as pessoas se aproximam ou lhe dão apoio, ao contrário, algumas, deliberadamente se afastam e o paciente se ressente deste fato, entristecendo-se com o afastamento das pessoas, ou como ele mesmo diz:
As pessoas vêem a gente assim..., não se aproximam, têm medo.
“Essa doença tem gente ainda que tem receio, quando a pessoa vai na casa..., às vezes dá em copo..., assim..., separado;
Só que, às vezes, eu não conto para as pessoas o que eu tive..., às pessoas que não são parentes..., porque às vezes as pessoas têm um certo tipo de preconceito e acham que a gente já está dentro do caixão.
Esse afastamento pode estar relacionado ao desconhecimento dos fatores que contribuem para o desenvolvimento do câncer, como por exemplo, o fato de não ser contagioso; assim como ao desconhecimento ou estigma ligados à doença, entre eles, o de ser sinônimo de sofrimento e de morte. Ambos, desconhecimento e estigma acabam dificultando os relacionamentos que amigos e familiares têm com os pacientes. Muitas vezes, o distanciamento é uma busca de proteção no sentido de que, quanto mais próximos estiverem do paciente mais sofrerão, já que o resultado final poderá ser a morte.
Além do abalo emocional, ele passa a conviver com as repercussões negativas do tratamento que vão desde sentir enjôos, fraqueza, mialgias, dor, queda de cabelos, até cirurgias que o mutilam, situação que se caracterizou, primordialmente, pela debilidade física.
Dá dor no corpo, só vontade de dormir, a gente fica meio mole;
O que me faz nem ir à Igreja é o desanimo e a fraqueza.
Esta situação também influencia seu desempenho e disposição, afetando o desenvolvimento de suas atividades diárias. Além disso, fazer o tratamento consome tempo e ele tem que estar disponível para tal. Assim, a maioria dos pacientes não consegue continuar trabalhando. Inclusive, em determinadas situações, as limitações e mutilações são restrições com as quais terá que conviver para o resto da vida e que acabam influenciando diretamente suas atividades, sejam elas profissionais ou não. É o caso de pacientes que realizam mastectomia radical com esvaziamento ganglionar e podem passar a ter uma série de restrições com relação às atividades com aquele membro.
Foi necessário parar de trabalhar por causa do tratamento, muitos exames, tinha que comparecer, então ai...;
Eu tive que parar de trabalhar (...) o trabalho é pesado e agora eu só posso fazer coisas mais leves... aí não dá para trabalhar;
Outra conseqüência do tratamento é a necessidade de reformular seu orçamento doméstico em função dos gastos que tem que assumir com transporte, medicação e redução ou perda de sua fonte de renda, já que, freqüentemente, precisam abandonar o emprego, temporária ou definitivamente, ficando financeiramente abalados.
Aí o pouco que tinha tive de vender para poder se segurar.
Os gastos com transporte nos remetem às dificuldades de acesso ao tratamento que os pacientes com câncer enfrentam, uma vez que o sistema de saúde, em nossa cidade, não dá conta da demanda gerada com relação a essa doença.(7)
Em função dos efeitos do tratamento e da evolução da doença, o paciente pode precisar de ajuda das outras pessoas, até para se cuidar, tornando-o dependente. Perceber que sua existência depende tanto dos outros é muito doloroso, pois, expõe mais uma vez sua vulnerabilidade e fragilidade.
Era uma pessoa que não parava, cuidava da minha casa, estava sempre na igreja... agora eu quase não vou.
Todos esses fatos levam o paciente a ficar com a auto-estima comprometida, em decorrência das inúmeras experiências que afetam sua pessoa e a sua própria existência.
Quem me viu, quem me vê...
Uma forma construtiva de enfrentar a doença é Valorizando o tratamento, pois os pacientes, mesmo sofrendo os efeitos colaterais da quimioterapia, submetem-se a ela seguindo rigorosamente todas as orientações.
Porque se você faz um tratamento, você está percebendo que está melhorando, você dá continuação naquilo. Agora se você percebe que não vai melhorar... vai dar continuação numa coisa que não está melhorando nada?
Mas eu agüento... se for para melhorar, para sarar, eu faço
A valorização do tratamento é também enfatizada pela equipe de saúde que centra suas ações na orientação sobre os cuidados que ajudam o paciente a conviver e manejar os efeitos tóxicos com vistas a promover maior aderência ao tratamento.
Outra forma de buscar certo equilíbrio em face dessa situação é a tendência dos pacientes de voltar-se a Deus. A crença em algo maior que tudo, maior que a doença e o tratamento, fortalece a sua esperança de superar, com a ajuda Dele, essa situação e, por isso, esta categoria intitula-se Tendo fé.
Então tem que ter fé em Deus e seguir em frente
Porém, alguns pacientes acreditam que a vontade de enfrentar a doença e o tratamento precisam ser sentimentos que brotem, primeiramente, de dentro dele, dando origem à categoria Buscando ser forte. Assumir uma atitude positiva frente a tantos desafios é, para alguns, decisivo.
Meus amigos é que falam, não sei como você agüenta... e ainda é brincalhão.
O que mais me ajuda é minha vontade, que eu tenho de melhorar, ficar boa, que eu tenho bastante filho pra cuidar.
Desta forma, o papel de apoio e acolhimento na assistência de enfermagem a esses pacientes torna-se imperativo.
O terceiro tema relaciona-se à questão que focava a expectativa de cuidado de enfermagem por parte do paciente atendido no Ambulatório de Quimioterapia de Adultos do GMO/HSP/UNIFESP. Como a maioria referiu-se à necessidade de acolhimento e informação este tema foi denominado SENTINDO NECESSIDADE DE UM CUIDADO SENSÍVEL, evidenciado nos depoimentos a seguir.
Isso de poder conversar, isso é bom, também ajuda a cabeça, vocês conversando a gente se entende!;
Acolhimento em primeiro lugar
As informações que são dadas fazem com que a gente não fique ignorante..., dá uma tranqüilidade, pois, o problema é ter efeitos e não saber porque. Já quando a gente sabe o porque de estar sentindo, a gente fica mais tranqüila, mais calma.
DISCUSSÃO
Como referido anteriormente, buscamos na concepção existencialista uma das possibilidades de compreensão e discussão dos resultados, pois, segundo os filósofos dessa corrente de pensamento, “o homem é o ser que põe em questão a sua própria existência”.(4:82)
Na descrição do tema “Sentindo o impacto da doença” podemos verificar que o homem ao viver a realidade se dá conta de sua finitude, da sua fragilidade no mundo, ou seja, da morte. É essa situação, segundo a filosofia existencialista, que o leva a sentir angústia, conforme descrito quando o paciente fica atordoado e percebe sua família e amigos também abatidos ao ter o câncer como diagnóstico.
Pesquisadores, ao estudarem o significado da experiência de ser um doente crônico e ter câncer, apontaram a percepção de limite como sendo a categoria que explica o sentido da experiência de ser um paciente com câncer. Ao se reportarem também ao existencialismo, explicam que essa percepção de “limite” surge com diferentes intensidades desde o estabelecimento do diagnóstico, e que o paciente carrega essa impressão por toda a vida, pois, sempre terá que conviver com a ameaça de sua existência.(5) Esse sentimento de incerteza provocado, principalmente, pelo medo da recorrência da doença, reforça o senso de vulnerabilidade.
Um estudo com sobreviventes de câncer de mama mostra que a incerteza foi um preditor negativo significante para a autopercepção do paciente acerca dos seus próprios recursos para lidar com as adversidades. Isto implica em que pacientes com alto grau de incerteza têm o seu senso de autocontrole diminuído.(6)
Por outro lado, transformar uma situação potencialmente estressante em uma experiência positiva, como explicado no tema Redimensionando a vida, pode ocorrer mais facilmente em pessoas/pacientes que sintam que possuem recursos internos e externos que os ajudem a enfrentar e resolver seus problemas.(6)
Segundo Heidger, um dos maiores nomes do existencialismo contemporâneo, “o ser é sempre sua possibilidade, por isso ele pode escolher-se, conquistar-se ou perder-se” (4:66). Neste estudo, a maioria dos pacientes optou por agarrar-se ao tratamento como possibilidade de garantir sua existência. E mais, isso significa, ainda segundo esse filósofo que, estar no mundo é poder cuidar das coisas e ter a possibilidade de mudá-las.
Quanto ao estreitamento dos laços familiares, conforme os pacientes manifestaram, também pode ser compreendido pela filosofia existencialista. Segundo Marcel, outro filósofo existencialista, afirmar-se como pessoa não depende somente da responsabilidade que assumimos sobre nossos atos e decisões, mas também decorre da “medida em que creio que a existência dos outros pode dar forma à minha conduta”.(4:63)
Todas essas transformações na vida do paciente com câncer também foram descritas em estudos que apontam a incerteza, vulnerabilidade, isolamento, desconforto, e redefinição de papéis, como sendo as categorias que compõem o fenômeno “experienciando mudanças existenciais”, que explica a vivência dos pacientes com câncer.(8,9) Este fenômeno aproxima-se ao descrito neste estudo como Redimensionando a vida.
A transformação da vida do paciente, ocasionada pela doença e o tratamento, é também relatada em estudo que identificou as categorias: sentimentos positivos, sentimentos negativos, problemas cognitivos e sociais, fadiga, dor, comprometimento da vida sexual, problemas referentes à aparência, às finanças, bem como a limitação de papel e medo da recorrência do câncer, como sendo as que afetam a qualidade de vida dos pacientes.(10)
Já a importância dada ao tratamento e a esperança na possibilidade de cura que ele representa é o que induz os pacientes a minimizarem os efeitos do tratamento e os impulsiona a continuar, apesar dos diversos efeitos desagradáveis que o mesmo provoca.(11)
Outro aspecto a considerar é o da espiritualidade. Há trabalhos que mostram, assim como os dados do presente estudo, que a religiosidade emerge fortalecida em situações de grande desestabilidade emocional, como um recurso que mantém a esperança daquele que está sofrendo. As religiões aparecem como mensagens de salvação que procuram responder às questões básicas dos seres humanos como amor, sofrimento, culpa, perdão, vida e morte. (12)
Outros autores chegam inclusive a afirmar que a crença em Deus favorece o sentimento de continuidade, o que preserva, conseqüentemente, o sentimento de existir.(13)
A espiritualidade e a mística geram esperança de cura e/ou a possibilidade de um futuro transcendente do ser humano e do universo.(12, 13)
Outro fator importante no enfrentamento da doença por parte do paciente é a rede de apoio que se forma em torno dele. A este respeito, os achados de um estudo realizado com sobreviventes de câncer de mama evidenciaram que a combinação entre suporte social e a percepção dos pacientes de contar com todos os recursos internos necessários para enfrentar a doença e o tratamento, melhoraram a sua auto-estima e foram preditores significativos do sentimento de bem-estar. Os autores referem, ainda, que os pacientes que acreditam e utilizam as habilidades de autocontrole para adequar suas respostas ao processo de adoecimento e cura ou sobrevivência ao câncer devem ser apoiados e estimulados a fortalecê-los.(6)
No que se refere à assistência de enfermagem, os aspectos relacionais e de orientação para o manejo dos efeitos colaterais da quimioterapia foram apontados como muito significativos, pois, num momento de tanta fragilidade, esses atributos são imperativos para proporcionar-lhes bem-estar. (14,15)
A necessidade de acolhimento manifestada pelos pacientes deste estudo remete-nos à idéia de humanização do cuidado em saúde,(16) ou seja, de um cuidado sensível, onde os aspectos relacionais sejam de fato valorizados. Dessa forma estaríamos ocupando não apenas o espaço de natureza explicativa da nossa profissão, mas também o privilegiado espaço de natureza compreensiva.(12) Isto implica em privilegiar valores que precisam ser vivenciados no cotidiano organizacional dos serviços de saúde “que guardam relação com a proteção e a promoção da dignidade das pessoas”, cuidando e dispensando atenção à saúde e ao sofrimento delas, já que o acolhimento prioriza a pessoa.(17)
Sabendo-se que esta forma de cuidar é geradora de intenso desgaste profissional, destaca-se a importância de investir, também, no cuidado de quem cuida, proporcionando-lhes acompanhamento psicológico e promovendo a institucionalização de espaços para a discussão de suas angustias bem como aumentando a oferta de cursos de especialização na área de enfermagem oncológica, com vistas a capacitá-los para a complexidade que envolve o cuidado de paciente com câncer, o que também ajudará a diminuir o desgaste gerado pela sua atuação.(18)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados deste estudo evidenciaram que o processo de adoecimento e de tratamento do câncer repercute significativamente na vida dos pacientes. Este fato, associado a referências de que esse processo não se encerra com o tratamento, pois o acompanha ao longo de sua sobrevivência, tem uma repercussão importante para a enfermagem, na medida em que é necessário apoiar-se em múltiplos referenciais para atender ao paciente como um todo, pois as demandas de cuidado são multifacetadas. Elas compreendem peculiaridades que se estendem desde o abalo inicial provocado pela confirmação do diagnóstico, até o redimensionamento da sua vida, apoiando-o para que utilize e fortaleça suas estratégias de enfrentamento, a fim de alcançar o melhor nível possível de qualidade de vida e bem-estar. O incentivo para a formação de grupos de apoio entre os pacientes, que ao compartilhar suas experiências se enriqueçam uns com os outros e se ajudem a superar as vicissitudes que forem surgindo ao longo do tempo, pode constituir-se numa das estratégias a ser implementada pelas enfermeiras.
O cuidado sensível não prescinde da utilização de instrumentos para avaliar de forma acurada o quanto o paciente foi afetado pelo impacto produzido pela doença, o tratamento e o medo da recorrência, assim como a sua potencialidade para enfrentar situações estressantes. Desse modo, cuidar de pacientes com câncer significa lidar com um ser humano em situação de grande fragilidade, exigindo da enfermeira além de competência técnico científica, competência nas relações interpessoais e na esfera espiritual. Fica evidente que cuidar de pacientes com câncer nas diferentes fases do processo de doença e cura demanda a atuação de uma equipe multiprofissional que saiba unir à competência técnica a sensibilidade para lidar com pessoas, de modo a ajudá-las a sair do luto para a luta.
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Received Aug 15 , 2006
Revised Oct 14 , 2006
Accept Oct 22, 2006