ARTIGOS ORIGINAIS

 

O significado do viver com o HIV/aids na adolescência: estudo descritivo

 

Lívia Rocha Bortolotti1, Thelma Spindola1, Stella Regina Taquette1, Vinícius Rodrigues Fernandes da Fonte2, Carina D’Onofrio Prince Pinheiro2, Márcio Tadeu Ribeiro Francisco2

1Universidade do Estado do Rio de Janeiro
2Universidade Veiga de Almeida

 


RESUMO
Objetivo: descrever os sentimentos dos adolescentes portadores do HIV/aids.
Método: pesquisa descritiva em abordagem qualitativa. Os dados foram coletados em três hospitais localizados no município do Rio de Janeiro, entre junho de 2011 e janeiro de 2012. Foram entrevistados 10 adolescentes soropositivos com auxílio de gravador de áudio e aplicada a técnica de análise temática.
Resultados: O HIV impõe restrições às atividades diárias devido ao tratamento e preconceito. Foram comuns os sentimentos de desespero, culpa, medo, negação e aceitação. A maioria recebeu apoio familiar e não contou o diagnóstico a terceiros. O tratamento melhora a qualidade de vida, mas gera dificuldade profissional.
Discussão: O preconceito provoca sensação de exclusão social e traz consequências para saúde física e mental.
Conclusão: Compreender os sentimentos de viver com o HIV na adolescência contribui para o cuidado com enfoque na melhoria da qualidade de vida.
Descritores: Adolescente; HIV; Síndrome da Imunodeficiência Adquirida; Cuidados de Enfermagem.


 

INTRODUCÃO

Viver com o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) na adolescência tem sido uma realidade presente no Brasil, pela exposição às situações de vulnerabilidade e a transmissão vertical. Dados do boletim epidemiológico apontam que, apenas em 2011, 734 crianças e adolescentes foram diagnosticados com HIV. Apesar do decréscimo ao longo dos anos (2006 – 919 casos diagnosticados; 2007 – 850; 2008 – 900; 2009 – 800; 2010 – 752), é possível observar a diminuição dos registros em menores de 05 anos e aumento na população de 15 a 19(1). O objeto deste estudo são os sentimentos dos adolescentes que vivem com o HIV e a síndrome da imunodeficiência adquirida (aids).

As múltiplas facetas da epidemia favorecem tanto a transmissão por via horizontal (infecção por sangue ou relações sexuais desprotegidas) quanto a vertical (mãe-bebê). Assim, crianças infectadas nos primórdios do surto sofriam pelo prognóstico de doença sem cura e fatal. Ao longo dos anos, após esforços de políticas públicas de saúde e o acesso aos antirretrovirais (ARV), um grande número de crianças infectadas começou a atingir a adolescência e a vida adulta(2-4).

Ao adentrar na adolescência, os jovens compartilham fatores biopsicossociais comuns, como transformações físicas; definição da identidade sexual por meio da experimentação e variabilidade de parceiros; pensamentos que conduzem ao egocentrismo e sentimentos de invulnerabilidade. Essas mudanças, somadas à instabilidade e susceptibilidade para influências grupais e familiares, expõem a riscos sem previsão de consequências. (5-6).

No entanto, características específicas têm afetado os jovens que vivem com HIV. Sua condição sorológica, de comprometimento imunológico e a vulnerabilidade às patologias oportunistas, exige acompanhamento permanente em serviços especializados de saúde para realização de exames laboratoriais e clínicos, com adesão a condutas de tratamento dependente de tecnologia medicamentosa(3,4-5,7).

Por se tratar de uma doença permeada de uma construção social, pautada em concepções discriminatórias e estigmatizantes, a convivência com o vírus traz angústia. O paciente deixa a revelação do diagnostico oculto ou restrito a poucas pessoas, em geral seus responsáveis ou familiares. As atitudes de questionamento, rebeldia, negação da enfermidade, desinformação, comprometimento da autoestima, diminuição da perspectiva de vida e medo do preconceito também favorecem as falhas na terapêutica, piora do quadro de saúde do portador e produção de vírus resistentes(4,7-9).

Viver com o HIV nessa faixa etária é repleto de peculiaridades e exige dos profissionais a compreensão para fundamentar um plano terapêutico individual, objetivando a melhora clínica, o aumento do tempo de vida e a redução de falhas terapêuticas(7-8).

Selecionou-se como questão norteadora para este estudo: quais são os sentimentos dos adolescentes soropositivos em relação ao viver com o HIV/aids?
Depois do objetivo delimitado, serão descritos os sentimentos dos adolescentes soropositivos em relação ao viver com o HIV/aids.

Esta investigação busca trazer novas contribuições no atendimento aos adolescentes que vivem com o HIV, considerando que a promoção da saúde e a qualidade de vida das pessoas que vivem com o HIV/aids (PVHA) são moduladas pela articulação existente entre as políticas governamentais, os profissionais de saúde e os usuários.

 

MÉTODO

As bases empíricas dos resultados apresentados nesta pesquisa são provenientes do banco de dados da pesquisa “Aids em adolescentes no município do Rio de Janeiro”, realizada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Trata-se de um estudo descritivo com abordagem qualitativa. O cenário foi formado por dois hospitais universitários e um federal localizados no município do Rio de Janeiro, especializados na assistência as PVHA.

Foram considerados sujeitos elegíveis para participar do estudo todos os clientes com pelo menos seis meses de acompanhamento ambulatorial para o HIV/aids e que foram infectados pelo vírus durante a adolescência, ou seja, na faixa etária de 10 a 19 anos, conforme delimita a Organização Mundial da Saúde (OMS)(10). Como critérios de inelegibilidade para a pesquisa, adolescentes com deficiência intelectual e sensorial (surdez e afonia) e que estivessem internados.

A coleta de dados ocorreu entre os meses de junho de 2011 e janeiro de 2012, sendo adotada a amostra por conveniência, em que os sujeitos eram selecionados conforme o comparecimento às consultas de rotina na agenda de atendimento as PVHA.

Realizaram-se entrevistas em profundidade com auxílio de um roteiro semiestruturado contendo questões relacionadas ao perfil sociodemográfico, exposição ao vírus, opção sexual, idade do diagnóstico e sentimentos sobre a vivência com o HIV/aids. A média de duração de cada entrevista foi de 60 minutos.

Esta investigação é um recorte do banco de dados da pesquisa maior, em que se considerou a saturação das informações para encerramento do número amostral, que equivaleu a 39 respondentes na faixa etária de 15 a 31 anos. Aplicados os critérios de elegibilidade, foram selecionadas 10 entrevistas de adolescentes.

 


Para a aquisição dos relatos, os objetivos da pesquisa e a contribuição do estudo para cuidar da PVHA foram explicitados logo na abordagem. Aos que se mostravam interessados foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, solicitando-se que o adolescente e seu responsável assinassem. As entrevistas foram coletadas em salas que pudessem respeitar a privacidade do participante, sendo proposto que estivesse desacompanhado, para atribuir mais fidedignidade às falas, o que foi aceito por todos.

Os relatos foram coletados com o auxílio de um gravador de áudio tipo mp4. Os participantes verbalizaram seus sentimentos e expectativas em relação ao HIV/aids. Para preservar a sua identidade, foi atribuída à letra (E) seguida do número decorrente à participação nas realizações das entrevistas- - exemplo: E1, E2, E3.

Os depoimentos foram analisados inicialmente pela transcrição do áudio gravado e posterior leitura e releitura dos relatos, aplicando a técnica de análise de conteúdo na modalidade de análise temática. Nesse processo buscou-se captar as unidades temáticas que convergiam das entrevistas, com a síntese e categorização dos achados (11).

Em respeito aos princípios éticos de pesquisas envolvendo seres humanos, regulamentada pela resolução 466/2012, o referido estudo foi aprovado previamente pelos Comitês de Ética da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (047/2009), Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil (262A/2009) e Hospital Federal dos Servidores do Estado (000.442).

 

RESULTADOS

Os adolescentes entrevistados apresentavam as seguintes características: seis eram do sexo feminino e quatro do masculino; idades entre 15 e 19 anos; receberam o diagnóstico positivo para o HIV com média de idade de 16 anos; cor parda (7) e negra (3); ensino fundamental incompleto (6) e ensino médio (4); tiveram exposição sexual ao HIV em relacionamentos heterossexuais (7) e homossexuais masculinos (3).

Na análise temática dos relatos foram identificados 154 unidades de significação agrupadas em 02 categorias e divididas em 04 subcategorias, conforme a Tabela 1.

 

Tabela 1: Estrutura de categorias temáticas entre adolescentes que vivem com o HIV no município do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2011-2012. (N=10).
Unidades de significação Total UR % UR Sub categorias N° UR % UR  Categorias N° Cat % UR
Limitação em relação às atividades diárias 8 5,2 O significado do HIV/aids  19 12,3      
Preconceito 11 7,1    
Qualidade de vida 10 6,5 A importância do tratamento 24 15,6
Expectativa de cura 14 9,1 Percepção do HIV/aids 90 58,4
Desespero 23 14,9 O Diagnóstico do HIV – sentimentos e sensações 47 30,5
Medo 13 8,4    
Culpa 5 3,2    
Negação 3 2    
Aceitação 3 2      
Dificuldade em revelar o diagnóstico a terceiros 12 7,8 Revelação do diagnóstico 64 41,6    
Revelou o diagnóstico a pessoas próximas 24 15,6    
Revelação do diagnóstico 64 41,6
Recebeu apoio de pessoas próximas 28 18,2      
Total 154 100   154 100   154 100
Legenda: unidades de registro (UR); categorias (CAT); vírus da imunodeficiência humana (HIV); síndrome da imunodeficiência adquirida (aids).
Fonte: elaborada pelos autores, 2014.


O significado do HIV/aids

No entender dos adolescentes, ser soropositivo significa conviver com o preconceito e as restrições às atividades diárias. Essas limitações estão relacionadas a atos que podem predispor essas pessoas a adquirirem uma doença oportunista. O depoimento de uma adolescente que descreve a dificuldade de ser mãe com o HIV clarifica este aspecto, ressaltando que o parto e os cuidados com o filho não são iguais aos de mulheres não soropositivas, o que gera o sentimento de exclusão.

Nas falas dos entrevistados pode-se perceber o preconceito nos relacionamentos amorosos, na própria família e no convívio social. Apenas um entrevistado menciona a aceitação do parceiro.

] né? Mas você fica com medo de fazer aquelas coisas, e de pegar friagem e, por exemplo, ter um resfriado. Você pode ficar doente a qualquer momento [...] (E.2)

É uma coisa que te impede, assim, quase que de viver [...] não poder fazer filho da forma normal, essas coisas assim. (E.3)

Ele [companheiro] não gostava muito, também não queria fazer mais nada comigo com medo de pegar. Tinha que vir no hospital direto, vinha sozinha. (E.7)

Eu [companheiro] gosto muito de você, mas eu não vou te deixar por causa disso, a gente vai superar isso junto. (E.4)


O diagnóstico do HIV – sentimentos e sensações

Sentimentos de desespero, culpa, medo, negação e aceitação foram descritos pelos entrevistados. Uma participante citou a sensação de angústia ao descobrir ser portadora do vírus e, embora tenha realizado pré-natal, transmitiu para o filho no momento do parto. O medo da morte após o diagnóstico e a culpa emergiram nas falas, assim como a conotação do HIV como castigo divino em decorrência de atos transgressores. Esteve presente a negação (fuga da realidade para evitar o sofrimento). Outros entrevistados aceitaram o diagnóstico, pois foi descoberto antes de adquirir alguma doença.

Descobri quando meu filho nasceu [...] nunca faltei a uma consulta do meu pré-natal. [...] aí chegou na hora dos exames ela falou que eu estava com HIV [...] O que eu fiquei mais chateada foi que meu filho nasceu doente. (E.10)

Quando você descobre já acha assim que vai morrer, [...] quando não tem informação nenhuma, você só se baseia por algumas [...] tipo assim, eu vi o filme do Cazuza,[...]. Quando vem um diagnóstico desse você não consegue pensar positivo, você só pensa negativo. (E.10)

Parece que é um castigo, castigo que eu to ganhando de Deus.[...] É porque eu já fiz tanta besteira. (E.6)  

Cada um tem sua cabeça, na minha visão assim, não é nada, uma coisa ruim, mas que pra mim é nada. (E.4)

Então eu já fui mais preparado, peguei, deu positivo, eu me dei bem com isso, eu conversei bastante com ela [médica] e foi tudo ok, as taxas estavam altas ainda, porque estava no início. (E.2)

 

Revelação do diagnóstico

A revelação do diagnóstico foi o momento mais temido pelos adolescentes que vivem com o HIV, devido ao preconceito a qual estão expostos. Por esse motivo, a maioria não revelou a terceiros. Muitos contaram somente para pessoas próximas, como alguns familiares, amigos e parceiros, evitando a exposição, a crítica e o abandono.

Geralmente eu não abro, isso fica guardado pra mim, [...] a não ser que seja um caso especial, [...] de uma pessoa que passa por essa situação aí eu geralmente me abro. Eu gosto de me reservar já que eu não sei a reação das pessoas por causa do o preconceito. (E.1)

Não, só ele [companheiro] que sabe, minha avó e minha tia.[...] Minha mãe não sabe não. (E.8)

A maioria dos depoentes mencionou ter recebido apoio familiar com incentivo ao uso do preservativo. Um dos participantes enfatizou uma maior preocupação com a forma de exposição ao HIV do que com seu estado emocional.

Minha mãe me apoia, dá conselho, e ela sempre fala [...] não deixa de usar o preservativo. (E.3)

Minha mãe ficou chorando, falou: 'Como é que você pegou isso? Eu falei pra você usar camisinha, não sei o que, tá vendo?'. (E.6)

A minha tia se preocupou mais como eu peguei; ela não se preocupou com meu psicológico. (E.1)

 

O significado do tratamento para os adolescentes

A maioria dos entrevistados tem uma visão otimista em relação ao tratamento e enfatiza a melhoria da qualidade de vida e esperança de cura. Um participante acrescentou, também, que outras doenças crônicas se tornaram mais graves e letais que o HIV:

Ah, às vezes eu penso que ela é uma doença grave, assim, que poderia até matar, mas pelos os cuidados que a pessoa tem hoje em dia [...], eu já penso assim, como uma coisa até normal. (E.3)

Hoje essa doença assim tem sido normal, vê assim o câncer, hoje parece que HIV é melhor que o câncer, né? Porque o câncer tem matado mais do que o HIV. (E.5)

Mas eu tenho esperança, né? De achar a cura. (E.6)

To começando a tomar o remédio hoje, vou ficar quatro anos. Só que essa, infelizmente, ainda não acharam a cura.  E acho que vou estar viva, se Deus quiser. (E.10)

A fragilidade dos adolescentes que vivem com HIV/aids na adesão ao tratamento, principalmente no início, é comum e dificulta a sua manutenção até o final. O tratamento envolve não só o uso da medicação em horários regulares como também o comparecimento às consultas e aos exames. Esse fato pode gerar insegurança e dificuldade no relacionamento familiar e profissional, conforme os depoimentos sinalizam:

O meu maior medo é de ter que tomar esse remédio. (E.3)

O pior de tudo no tratamento é o remédio.[...] e sempre vir nas consultas, que é muito chato,[...] ainda mais que, assim, eu trabalho e sempre tenho que dar desculpa pro meu patrão. (E.5)

 

DISCUSSÃO

Os relatos dos adolescentes que vivem com o HIV denotam os significados que a infecção assume no cotidiano deles. Apesar dos avanços científicos e sociais, ainda perpetuam-se as visões estigmatizantes decorrentes de uma doença sem cura e transmissível, que requer acompanhamento permanente em serviços de saúde e dependência medicamentosa(4-5).

As respostas decorrentes à epidemia ao longo dos anos trouxeram diversos conceitos que repercutiram na representação social do HIV/aids. A generalização dos primeiros indivíduos infectados pelo HIV culminou no uso da terminologia “grupo de risco”, composto por homossexuais, usuários de drogas, profissionais do sexo, hemofílicos e haitianos. Trazendo uma sensação de segurança e invulnerabilidade aos indivíduos que não se enquadravam nesse conjunto e reforçando a discriminação e os estigmas sociais às pessoas ditas como "transgressoras" de normas sociais, a doença foi vista como um castigo frente aos comportamentos desviantes(12).

As mudanças no perfil epidemiológico - caracterizadas pela feminização, interiorização e pauperização - demonstram a suscetibilidade de todos os indivíduos à infecção.  Surge, então, o conceito de “comportamento de risco”, fortemente criticado por culpabilizar única e exclusivamente o indivíduo pelas falhas na adoção de medidas preventivas, além de propiciar julgamentos morais oriundos de uma doença transmitida pelo sangue e por relações sexuais(12).

Atualmente é proposto o conceito de vulnerabilidade, por considerar que todas as pessoas são hipoteticamente predispostas à infecção, decorrente de um conjunto de fatores individuais, coletivos e contextuais(12).

Apesar das mudanças de nomenclatura, esforços de movimentos sociais e políticas governamentais, o estigma e a discriminação se fazem presentes na vida das PVHA. A população jovem vem sendo alvo de estudos científicos, em virtude do número de infecções por via horizontal (sanguínea e sexual) nessa faixa etária e o aumento da sobrevida de crianças infectadas (por transmissão vertical) que adentraram na adolescência(2-4,13). Nesse contexto, destaca-se que a adolescência é uma etapa do desenvolvimento humano entre a infância e a vida adulta, caracterizada por mudanças físicas e psicossociais amparadas pela puberdade e pelo ambiente. Desse modo, adolescer com HIV combina os dilemas próprios da adolescência aos conflitos envoltos ao viver com HIV(13).

Estudos(5,7,13) realizados em São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul descrevem o cotidiano de jovens que vivem com o HIV e revelam  uma vivência comum a essa fase do desenvolvimento. Gostam de ir à balada, de liberdade e privacidade, utilizam a internet, estabelecem laços de amizade e afetivos, reconhecem a necessidade da responsabilidade e maturidade. Percebem que estão crescendo e que o corpo está mudando, inclusive o seu jeito de ser.

Para os entrevistados, os dilemas próprios da adolescência assumem uma importância significativa maior. Os jovens se recusam (ou “nem ligam” para) viver com o HIV. Desenvolvem, assim, um sentimento de medo e recusa em abordar a infecção publicamente, com medo do preconceito. Acreditam que, ao compartilhar seu diagnóstico, poderão sofrer exclusão do espaço social ocupado(2,7,13). Nessa busca pela aceitação, assumem uma identidade impessoal, pois ser considerado “diferente” os expõe a julgamentos e dificulta a convivência com as pessoas. Deste modo, exercem uma identidade daquilo considerado comum e esperado por todos(5,13).

Uma investigação(14) conduzida no Rio de Janeiro com 630 pessoas identificou que a convivência com PVHA no trabalho e na escola tem aceitação maior do que nos relacionamentos afetivos (sexuais). Esse aspecto reforça o medo em compartilhar o diagnóstico com parceiros(as).

A convivência na escola, contudo, ainda é percebida pelos adolescentes como uma situação embaraçosa, na qual relatam não participar de algumas atividades e ter problemas no relacionamento com os colegas por receio da discriminação(7). Sabe-se que viver com o HIV/aids não impede a realização de atividades do cotidiano; todavia, as concepções discriminatórias e o estigma são entraves ainda presentes no convívio social.

Assim, viver com o HIV na adolescência apresenta duas facetas: o indivíduo vivencia uma adolescência “normal” e “anormal” por estar infectado por uma doença sem cura e estigmatizante(13).

Estudos(15,16) indicam que os jovens não aceitam plenamente a convivência com o HIV e apresentam oscilação entre os períodos de aceitação e compreensão da situação, com momentos de completa aversão por não conseguirem se adaptar.

A experiência com a doença torna-se um desafio para os infectados por causa do preconceito ainda presente na sociedade, que pode acarretar consequências tão devastadoras quanto as doenças oportunistas, como abandono, perda do emprego, baixa auto estima e desmotivação(15). Nesse contexto, estudos têm demonstrado a associação do estigma às PVHA com o desenvolvimento de depressão(17-18).

O descrédito vivenciado pelas PVHA pode ser percebido de duas formas: quando o indivíduo tem receio ou mesmo antecipa a rejeição de terceiros e manifesta sentimento de vergonha; e no momento em que vivencia uma experiência discriminatória. Tanto um quanto o outro levam os adolescentes a moldar seus comportamentos de modo a evitar situações estigmatizantes(15).

Nos relatos dos participantes deste estudo nota-se a influência da mídia na construção do infectado pelo HIV no imaginário dos adolescentes. Sua abrangência na veiculação de informações acarreta representações de comportamentos sem a reflexão necessária acerca do que é certo ou errado, útil ou não, principalmente entre crianças e adolescentes que estão no processo de construção de saberes e visualizam essas matérias como verdades absolutas(16).

A aceitação da doença como castigo de Deus (relatada por um entrevistado) pode ser justificada tanto pela construção histórica da epidemia, associada a transgressores de normas sociais, quanto pelas filosofias religiosas. Em muitas situações, a busca por um futuro melhor e motivador encontra na fé e na espiritualidade seus alicerces. O ambiente religioso desperta nas pessoas sentimentos de crença, proteção e amparo frente à fragilidade de viver com o HIV(16).

A revelação do diagnóstico tem sido um dilema para o jovem soropositivo em função do preconceito, sendo abordada em diversas investigações(5,7,16). Ela costuma ser restrita a um pequeno grupo de pessoas, geralmente familiares. Apesar de perceber que é observado de modo diferente, decorrente de possíveis modificações na aparência física, permanece a decisão de não contar pelo pavor da rejeição(5,7). O medo de ser “descoberto” influencia, inclusive, na adesão a terapia medicamentosa e o acesso aos cuidados de saúde por receio dos questionamentos e da suspeita do seu círculo social(7,15).

A falta de compreensão da aids como uma doença crônica e passível de convivência em sociedade ocasiona mudanças de comportamento tanto para os adolescentes como seus familiares, que mantêm em segredo a soropositividade e assumem uma postura protetiva do adolescente no núcleo familiar aos preconceitos e representações que a infecção suscita.(4,15-16).

Os participantes desta pesquisa ainda sofrem preconceito no seio familiar, o que corrobora com outras pesquisas e evidencia que nem sempre a família oferece o apoio e suporte emocional aos adolescentes soropositivos(2,8). O profissional de saúde, no contexto do HIV/aids, deve atuar como um facilitador para desmistificar tabus e auxiliar a estrutura familiar, caso o jovem deseje revelar o diagnóstico ou expresse desconforto quanto a episódios discriminatórios.

Apesar da revelação do diagnóstico ainda estar associada a sentimentos negativos, um estudo evidencia que os adolescentes que vivenciam níveis altos de revelação (quando a maioria das pessoas tinha conhecimento do seu diagnóstico) eram mais competentes nas relações interpessoais.  A manutenção aberta e franca sobre a infecção teve associação com uma melhor relação familiar, ajustamento psicossocial e enfrentamento por parte das crianças e adolescentes, e menos ansiedade aos cuidadores(7,15).

A revelação, entretanto, nem sempre é fácil e envolve muitos fatores, inclusive o tempo de diagnóstico. Pesquisas indicam que adolescentes com soropositividade recentemente revelada possuem dificuldade maior que aqueles que vivem com a infecção desde a infância. No entanto, todos apresentam angústia relacionada à rotina de vida modificada em função da infecção(3,7).

Os participantes da pesquisa tinham uma visão otimista em relação ao tratamento. Apesar de menos frequente, quando comparado com outras investigações, os adolescentes tinham consciência de que a adesão ao tratamento contribui para a manutenção e qualidade de vida, evitando a morte e, consequentemente, o sofrimento das pessoas com quem convivem(3,16).

Na rotina de tratamento vivenciada pelos adolescentes, a terapia medicamentosa é frequentemente descrita com dificuldade em diversas avaliações(7-8,13). Para a adesão ser considerada satisfatória, o indivíduo deve ingerir pelo menos 95% dos comprimidos prescritos; quando não aderida corretamente, promove o aumento da carga e resistência viral, queda de linfócitos TCD4+ e aumento nos riscos de infecções oportunistas(8).

Os jovens têm demonstrado dificuldades de adesão à medicação devido a atitudes de questionamento e rebeldia quanto à doença, ao tratamento e à supervisão dos cuidadores. A cronicidade da doença e a necessidade de utilização de uma terapia medicamentosa contínua, mesmo sem a presença de sintomas, é desestimulador. A rigidez dos horários, o número e sabor dos comprimidos, alterações das rotinas diárias e efeitos indesejáveis da medicação são apresentados, também, como fatores que comprometem a terapia(3,7,13).

A fragilidade do acesso dos adolescentes que vivem com HIV/aids às instituições de saúde foi abordada em um estudo(4) que aponta as limitações da estrutura do serviço, quanto ao espaço próprio à essa população, a distância, a formação de vínculo com a equipe e o preparo dos profissionais para realizar um cuidado integral, holístico e resolutivo a outras demandas apresentadas. Em geral, os serviços de referência acabam sendo hospitais universitários, que possuem um grande fluxo de estudantes e profissionais, dificultando a construção de vínculos e a continuidade de um bom tratamento.

A sistematização da assistência de enfermagem a pessoas acometidas pelo HIV tem demonstrado bons resultados. Uma investigação realizada em hospital de referência de Goiânia evidenciou que a orientação do enfermeiro frente aos diagnósticos de enfermagem promoveu alterações benéficas do lazer, autocuidado, autoestima e ansiedade(9).

A equipe multiprofissional e a enfermagem têm papel significativo para a melhoria da qualidade de vida da PVHA. Considerando as representações de viver e conviver com o HIV/aids entre os adolescentes, é importante que os profissionais realizem uma escuta atentiva, sejam sensíveis para a elaboração de estratégias de inclusão dos familiares nas terapias para a superação do estigma social e não se limitem às ações mecânicas e direcionadas apenas ao tratamento medicamentoso. É preciso ter sensibilidade para o não dito, perceber nuances e facilitar a exteriorização das emoções que auxiliarão na promoção do autocuidado do adolescente soropositivo.

 

CONCLUSÃO

Viver com o HIV remete a uma multiplicidade de significados para adolescentes soropositivos. O estudo possibilitou conhecer as percepções e o significado do HIV/aids para os participantes. Em seus relatos, descrevem o preconceito, a sensação de exclusão no ambiente social, a insegurança e as dificuldades relativas ao seguimento do tratamento e nos relacionamentos interpessoais e profissionais.

A revelação do diagnóstico ainda provoca medo em decorrência do preconceito, sendo limitada a poucas pessoas, geralmente membros familiares. O apoio familiar e social possibilita maior adesão ao tratamento, melhora a qualidade de vida e promove motivação a um futuro melhor. Nesse sentido, os profissionais de saúde devem se engajar em atividades educativas, principalmente de grande impacto (internet, rádio, televisão e jornais), para desconstrução de preconceitos e estigmas.

A enfermagem contribui na prestação de cuidado aos adolescentes soropositivos, assistindo-os com visão holística e empatia, compreendendo as demandas de saúde e as questões psicossociais envolvidas, realizando planos de cuidado e orientando na adesão ao tratamento e promovendo a autonomia.

Apesar da limitação da área geográfica, o resultado desta pesquisa está em consonância com outras investigações que descrevem as vivências dos adolescentes soropositivos a nível nacional. Sabe-se que as PVHA apresentam limitações em seu cotidiano, no contexto social e no atendimento nos serviços de saúde. Todavia, é imprescindível que a atenção para a saúde desse grupo respeite os aspectos individuais e subjetivos de cada adolescente.

 

REFERÊNCIAS

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Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a materia em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf

 

 

Recebido: 07/12/2013
Revisado: 26/09/2014
Aprovado: 26/09/2014