ARTIGOS ORIGINAIS
Educação ambiental na visão de docentes da saúde coletiva: um estudo descritivo-exploratório
Roger Rodrigues Peres1, Silviamar Camponogara1
1Universidade Federal de Santa Maria
RESUMO
Objetivo: analisar a visão dos docentes da saúde coletiva sobre a educação ambiental.
Método: estudo qualitativo, do tipo descritivo-exploratório, realizado com oito professores da saúde coletiva de uma instituição de ensino superior do sul do Brasil, intencionalmente selecionados. Os dados foram coletados nos meses de agosto a outubro de 2011, por meio de entrevista semiestruturada e averiguados com base no referencial proposto para análise de conteúdo.
Resultados: os sujeitos acreditam que a educação ambiental envolve conscientização e mudanças de comportamento, devendo também agregar criticidade aos problemas socioambientais, biológicos, culturais, entre outros tão importantes quanto a ação de preservação ambiental.
Discussão: Depreende-se que a abordagem sobre o tema é incipiente. Para tanto, há necessidade de inclusão formal do assunto nos currículos dos cursos de graduação.
Conclusão: Conclui-se ser necessário fomentar o debate entre os docentes e instituições de ensino, com vistas de incluir a educação ambiental na formação profissional em saúde.
Palavras-chave: Saúde; Meio Ambiente; Saúde Pública; Docentes.
INTRODUÇÃO
Vivencia-se uma crise ambiental que se torna evidente e preocupante a partir dos anos 60; marcada, principalmente, pela irracionalidade ecológica dos padrões dominantes de produção e consumo, e limites do crescimento econômico mundial(1). O marco histórico que deflagrou tal momento foi a I Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo no ano de 1972, que aumentou a discussão sobre os impactos da destruição ambiental na vida humana.
Na esteira desse debate, começaram a surgir ideias sobre novas concepções, no intuito de se buscar resolutividade para as questões relativas ao acelerado processo de destruição ambiental e sua influência negativa sobre diferentes aspectos na vida humana. Entre essas propostas, podem destacar-se as relativas ao desenvolvimento sustentável e à educação ambiental (EA). A primeira, motivada pela preocupação de frear a destruição ambiental sem comprometer o processo de avanço econômico da sociedade; e a segunda, com o propósito de se estabelecer ações direcionadas à preservação ambiental, especialmente, imbuídas da busca de conscientização sobre o tema.
A partir do I Encontro Internacional de Educação Ambiental, acontecido em 1975, na cidade de Belgrado (Iugoslávia), a luta a favor da preservação ambiental ganhou força. A partir daí, educação começou a ser entendida como prática social que pode gerar movimentos de transformação e de alteração dos níveis alarmantes de degradação da qualidade de vida e, também, ambientais(2).
No Brasil, essa discussão ganhou caráter formal a partir da promulgação da Lei Nº 9.795, de 27 de abril de 1999, que dispõe sobre os princípios básicos da EA, demarcando o que se constitui em processo essencial para que indivíduos e coletividade construam valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do ambiente. Além disso, deve ser desenvolvida como uma prática educativa integrada, contínua e permanente, em todos os níveis e modalidades do ensino formal(3).
No entanto, a despeito das determinações legais, percebe-se que essa educação não se constitui em alvo de debate em alguns cenários de ensino. O que se verifica é que a temática tem tido maior destaque nos níveis de escolaridade fundamental e médio. No que tange ao superior, parece haver lacunas importantes sobre tema. Essa realidade é ainda mais evidente no cenário de formação profissional em saúde: apesar das mudanças curriculares recentes, ainda apresenta seu foco voltado para técnicas e práticas não preventivas. A questão ambiental não ocupa posição de importância em estudos que relacionem estratégias de promoção em saúde na relação homem-ambiente(4).
Destaca-se, ainda, que comumente a abordagem da interface saúde e meio ambiente, quando realizada por meio da EA, encontra-se alocada nos conteúdos da saúde coletiva, devido, provavelmente, à proximidade desses profissionais com a comunidade, convivendo com seus problemas, sejam sociais, econômicos ou ambientais(5). Credita-se também a essa vinculação o fato de que a situação de moradia, alimentação, acesso aos serviços de saúde, ocorrência de doenças transmitidas por vetores e exposição a poluentes atmosféricos são fatores que aumentam a vulnerabilidade de populações expostas aos episódios das mudanças climáticas, causando agravamento de quadros clínicos e um despertar da saúde pública para os efeitos do ambiente na saúde humana(6).
Nessa perspectiva, verifica-se a imprescindibilidade de uma educação voltada para os aspectos ambientais em toda sua complexidade e nas diferentes áreas do conhecimento, incorporando-a também como inerente ao desenvolvimento de ações de saúde, a qual deve ser revista desde a formação profissional(7). Com isso, o papel da Universidade na trajetória socioambiental torna-se indiscutível, pois ela acumula funções de pesquisa, ensino e extensão, sendo responsável pela formação do cidadão profissional que vai atuar em vários setores da sociedade. Assim, essa instituição transforma-se em um fórum de diálogo com a escola e toda a sociedade, possibilitando a expressão de novos valores, conhecimentos e novas realidades socioambientais(8).
Frente ao exposto, considera-se importante compreender o que pensam os docentes vinculados à saúde coletiva sobre educação ambiental, tendo em vista seu papel essencial junto dos futuros profissionais, no sentido de instigar um pensamento reflexivo frente aos problemas de saúde e socioambientais.
Desenvolveu-se, assim, um estudo orientado pela seguinte questão: qual a visão de docentes da área da saúde vinculados à saúde coletiva sobre a educação ambiental na formação profissional? Para tanto, constituiu-se como objetivo da investigação analisar a visão dos docentes da área da saúde vinculados à saúde coletiva sobre a educação ambiental na formação profissional.
MÉTODO
O estudo foi orientado pela abordagem qualitativa, a qual possibilita a aquisição de informações referentes à subjetividade dos sujeitos, captando os significados e significações acerca dos fenômenos em estudo(9). A investigação caracteriza-se como descritivo-exploratória, tendo sido realizada com o montante de oito docentes vinculados à saúde coletiva.
Os participantes eram ligados aos diferentes departamentos da área da saúde de uma instituição pública de ensino superior do sul do Brasil, a saber: Enfermagem, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Odontologia e Saúde Comunitária. Estes foram selecionados por meio de sorteio a partir de uma listagem dos professores que trabalhavam com a saúde coletiva, vinculados aos departamentos citados anteriormente. O encerramento da amostra obedeceu ao critério de saturação de dados. Como critérios de inclusão, adotou-se ser docente da área da saúde efetivo da instituição e estar atuando há mais de um ano na função.
Os dados foram coletados durante os meses de agosto a novembro de 2011 por meio de entrevista semiestruturada, composta por dez questões que abordavam a temática. Tais perguntas instigavam a exposição das percepções sobre meio ambiente, problemática ambiental, relação saúde e meio ambiente e educação ambiental. As entrevistas foram realizadas pelos pesquisadores (mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) em local reservado, gravadas e, posteriormente, transcritas pelos mesmos. Os sujeitos foram identificados pela letra “E”, significando “entrevista”, e pelo número da respectiva entrevista realizada.
Os pesquisadores avaliaram com base no referencial proposto para análise de conteúdo, obedecendo às seguintes etapas: reunião do corpus de dados (entrevistas realizadas e transcritas pelos próprios autores); realização de leitura flutuante dos achados (ou pré-análise, buscando expressões significativas nas falas dos sujeitos participantes do estudo); leitura aprofundada (com o intuito de constituir categorias de análise); e análise interpretativa das categorias, seguida da discussão com a literatura pertinente(10).
O estudo obedeceu aos preceitos indicados para pesquisa com seres humanos, de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, somente havendo coleta de dados após aprovação institucional e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (CAAE Nº 0160.0.243.000-11).
RESULTADOS
A seguir estão apresentadas as principais categorias oriundas da pesquisa realizada, entremeadas com depoimentos dos sujeitos e a interpretação dos achados.
Educação ambiental: comportamento, consciência e promoção da saúde
Os docentes foram estimulados a refletir sobre sua percepção de meio ambiente, saúde e a prática docente, para que posteriormente formulassem e expusessem sua visão de EA. Eles apontaram que a EA não é algo simples e pontual; ao contrário, relacionaram-na com o vivido pelo sujeito, a ponto de se refletir em mudanças de posturas e comportamentos, que permeiam o cotidiano dos indivíduos. Dessa forma, os extratos de depoimentos a seguir evidenciam a complexidade com que o tema é tratado.
]que seja assumida no teu cotidiano, vivida, e que ela enfoque a mudança de comportamento. Acho que tem que ser a mudança de atitude, de concepção do modo de como a gente se relaciona com o ambiente. Então a educação é revisão de hábitos, de rotinas, de processos de trabalho, desde a família até a universidade; é no dia a dia formal, seja em uma disciplina, em uma prática planejada, organizada, ou informal[...] (E02)
]não dá para a gente pensar que educação ambiental é só não poluir o ar, não jogar lixo na rua. É muito mais, e se eu tiver a consciência de não jogar lixo na rua isso também vai ter um reflexo em outras atitudes que têm a ver com o meio ambiente. Então é educação, um olhar ampliado para as coisas que estão no nosso contexto[...]
As manifestações fazem referência à EA como uma revisão de atitudes, uma mudança de comportamentos e da maneira com que as pessoas se relacionam com o ambiente, denotando um cuidado direcionado às ações de preservação ambiental e à abordagem complexa do mesmo - o que não deixa de ser coerente com as idéias expressas pela literatura. Alguns entrevistados apontam que essa educação vai além das ações pontuais; ou seja, ‘é muito mais’, ‘uma coisa extremamente ampla’, entrelaçando-se com o saber em saúde.
Extrapolar as ações meramente conservacionistas, constantemente reforçadas pelos meios midiáticos, apresenta-se justamente como um desafio da atualidade, pois o ser humano deve sentir-se tocado, sensibilizado e aberto ao diálogo e compreensão da atual situação de crise. Compreende-se, assim, que a educação entendida pelos sujeitos contém sua origem justamente nessa necessidade do “algo mais”, na preocupação também com as questões que são intrínsecas ao meio ambiente, sejam elas sociais, econômicas, naturais, educacionais, culturais, entre outras.
Dessa maneira, urge a dever do indivíduo se sentir sensibilizado pelo tema, para viver e trabalhar o assunto ao mesmo tempo. A internalização das ações direcionadas às práticas de preservação ambiental é condição fundamental para a sua concretude cotidiana; mas não deve ser, como visualizado na concepção dos docentes, o ponto final da EA.
O pensamento de que a EA perpassa pela carência de conscientização por parte da sociedade também foi abordado pelos docentes. No entanto, chama a atenção o fato de as manifestações demarcarem que se deve estimular essa consciência em outras pessoas, não havendo uma referência sobre a necessidade de os próprios depoentes serem alvo dessa conscientização; ou então, a inclusão da formação profissional nesse processo. Nesse sentido, os depoimentos apontam para certa banalização da EA, que pode ter sua fundamentação em jargões amplamente divulgados.
]educação ambiental é esta consciência que a gente precisa desenvolver nas pessoas de que tudo, todo o desperdício é reprovável[...] (E03)
Outro dado se refere à vinculação que os professores manifestaram entre educação ambiental e promoção da saúde na formação profissional, destacando-se que a concepção dos sujeitos sobre saúde pode trazer implicações para a sua percepção sobre as questões ambientais.
[...] quem está ‘ligado’ na questão técnica da área da saúde, quem está preocupado em fazer a ação, eu acho que às vezes se esquece [...] Então percebo que isso, para quem é fechado na técnica, parece que tangencia a formação; agora para quem já tem essa questão da promoção da saúde correndo nas veias, eu já acho que isso tem que ser diferente[...]
Bom eu não sei por que, a nossa área é a área da saúde coletiva, então nós temos essa ligação direta com a parte ambiental [...] (E07)
Os relatos colocam o estreito vínculo da EA com relação às ações de promoção da saúde no campo da saúde coletiva. Tal aproximação também permite inferir que os docentes se identificam como educadores ambientais, percebendo a proximidade e interdependência dos conhecimentos.
Perceber proximidade da EA com a promoção da saúde demonstra uma percepção de saúde e ambiente ampliada de modo que, ao unificá-los, corrobora-se para um cuidado do bem-estar maior, não preocupado apenas na saúde particular ou comunitária hoje, mas com a instância planetária e intergeracional.
Depreende-se que, apesar de haver certa compreensão sobre a complexidade do conceito de EA entre os sujeitos do estudo, ainda não se verifica um aprofundamento do debate sobre o tema. A ideia de que a educação ambiental deva fazer parte do cotidiano das pessoas aparece entremeada a uma aparente concepção banalizada sobre a necessária ‘conscientização ambiental’. Contudo, as expressões que apontam para a interface entre educação ambiental e saúde coletiva podem ser entendidas como prenúncios de um processo reflexivo sobre a temática, apontando para uma possibilidade de novas significações sobre a relação entre saúde e meio ambiente na prática docente.
Isso pode denotar um impacto bastante positivo para o processo de formação na área da saúde, no sentido de buscar a valorização da dimensão ambiental como inerente ao processo assistencial em saúde.
Entretanto, a falta de uma abordagem sistemática sobre o assunto e da inclusão oficial desse tema nos currículos dos cursos da área da saúde podem ser considerados obstáculos importantes para a consecução do propósito de aprofundamento da discussão sobre a interface saúde e meio ambiente no processo de formação profissional. Aliado a isso, soma-se o fato de que a formação do docente pode não ter sido contemplada com reflexões sobre a temática, decorrente de um momento histórico em que a realização da EA, abordando aspectos relativos à interface saúde e meio ambiente, ainda não eram abordadas em toda sua complexidade.
A fragilidade da educação ambiental na formação profissional em saúde: refletindo responsabilidades
A abordagem da EA em diversos níveis de ensino, inclusive no ensino superior, tem sido apontada como diretriz importante a ser seguida por docentes e dirigentes de Instituições de ensino. Contudo, esta ainda não parece ser uma realidade amplamente encontrada. Na instituição investigada, esse questionamento ficou claramente evidenciado a partir dos relatos dos depoentes, quando questionados sobre a sua visão frente à discussão da EA na formação profissional em saúde:
]mas eu não vejo as áreas da saúde nem os núcleos levantando bandeira ou mostrando a preocupação. Acho que as pessoas estão ainda um pouco alienadas. Se você tem o valor pessoal relacionado ao meio ambiente, no seu cotidiano, na sua prática, você ainda comenta, faz e pratica, mas se você não tem isso como valor, eu acho que isso é meio esquecido[...]
Não tem. Não vejo ninguém falando disso, de educação ambiental, na área da saúde, na formação[...] Ela está muito localizada em pessoas ainda, mas não está instituída de forma alguma. (E02)
A abordagem da EA na formação profissional em saúde ainda é inexistente ou muito incipiente. Essa constatação levantada pelos sujeitos merece destaque, tendo em vista a futura atuação dos profissionais em formação no que diz respeito aos aspectos socioambientais que influenciam a saúde da população e pelos quais os profissionais da área detêm, direta ou indiretamente, responsabilidade.
A partir da fragilidade da EA na formação profissional, ressalta-se a necessidade de haver diálogo entre o corpo docente formador com vistas à reflexão para essas questões, discutindo também como se dará a inclusão dessa perspectiva nos projetos político-pedagógicos dos cursos. Reitera-se ainda o imperativo da harmonia e complementaridade nos conteúdos trabalhados, incentivando também a necessária interdisciplinaridade que a temática exige.
Dessa maneira, trabalhar a EA nos diferentes cursos da saúde torna-se imprescindível para que os atuais graduandos estejam sensibilizados ou familiarizem-se com a temática, principalmente quando se sabe que esses se tornarão os responsáveis por instigar tal reflexão, seja na comunidade, no âmbito hospitalar e até mesmo na formação de novos profissionais. Essa percepção leva a refletir de outro ponto da pesquisa, que consiste na visão dos professores frente a sua responsabilidade na abordagem da EA na formação profissional.
Emergiram, dos depoimentos, dois pontos que colaboram para o alcance de novas realidades na formação em saúde, destacando-se o sentimento de compromisso com a mudança e o exemplo que deve ser inerente à profissão de educador. Nessa vertente, os sujeitos entendem ter significativo compromisso com a temática; constatação evidenciada nas manifestações a seguir.
]a responsabilidade é total, imensa e eu acho que esse processo precisa evoluir. Tem que criar formas e meios que a gente internalize isso e incorpore[...]
Todo o docente tem responsabilidade em todos os sentidos. Ele tem responsabilidade em ser modelo para o aluno que está se formando. Ele tem responsabilidade enquanto servidor público, trabalhando em uma universidade pública, e também sobre as questões ambientais, se nós falarmos na formação[...] (E08)
O sentimento de responsabilidade é presente, pelo menos ao nível do discurso. Embora alguns manifestem que já vem realizando esse tipo de abordagem, também se verifica, nos depoimentos, o entendimento de que ainda é necessário um movimento de sensibilização, que instigue a reflexão para as questões ambientais e o vínculo destas com a saúde. Assim, talvez, a temática poderá ser abordada com maior segurança.
Articular conhecimentos construídos por grupos de estudos que trabalhem com EA com os específicos da área de cada docente, engendrando reflexões sobre a história desses conteúdos, realidade atual, maneiras de intervenção, entre outros, podem ser maneiras de aproximar a temática da realidade docente, desconstruindo temores e incentivando o sentimento de responsabilidade.
Existe a imprescindibilidade de se abordar a temática com os professores, para que esses instiguem essa reflexão na graduação a partir de suas realidades e experiências. Entende-se também que a estratégia do ser-exemplo no desenvolvimento de ações de cunho sustentável é indispensável para se abordar qualquer educação com interface ambiental.
Eu acho que toda a responsabilidade do docente é uma questão de dar exemplo[...]Eu acredito que somos educadores em todas as dimensões, não só na nossa área profissional. O exemplo é uma das melhores ferramentas educativas[...]
]então a minha responsabilidade perante o aluno é imensa, e para ter repercussão, eu preciso praticar aquilo que eu falo. Então acho que na relação de educação, em qualquer nível, todos nós temos responsabilidade, sobretudo a gente que tem uma formação diferenciada[...]
Ser exemplo realmente constitui-se em uma forma de instigar a reflexão para as questões ambientais nos discentes; entretanto, as ações ou comportamentos ambientalmente responsáveis devem ser minimamente destacados ou citados, seja na sala de aula, nas práticas da atenção básica, nas práticas hospitalares ou no dia a dia do docente. Faz-se a ressalva para esse aspecto pois, em alguns momentos, os sujeitos referem estar imbuídos das práticas ambientalmente responsáveis, mas ao mesmo tempo colocam nunca terem feito destaque ou reflexão sobre o tema ambiental.
Atentar para a necessidade de evidenciar a perspectiva ambiental, nas suas atitudes e maneiras de fazer saúde na docência, pode ser outro aspecto que demonstra e traz otimismo para o fortalecimento de uma percepção de saúde ampliada. Dessa maneira, haverá a formação de profissionais responsáveis e imbuídos da importância da interface saúde e meio ambiente, gerando um movimento proativo da área da saúde em direção a pressupostos éticos que consolidem a educação ambiental como parte do processo de formação profissional do fazer saúde.
DISCUSSÃO
As afirmações dos docentes que referem EA como um revisar de posturas e da relação estabelecida com o ambiente corroboram com a literatura no entendimento de que não é suficiente somente mudar comportamentos individuais e pontuais frente aos problemas ambientais contemporâneos para que se alcance um ideal de bem estar socioambiental. Essa perspectiva é evidenciada em estudo que aponta as ações ambientalmente responsáveis, principalmente na área da saúde hospitalar, como sendo mecanizadas, ou seja, não são frutos de reflexão sobre um cuidado ambiental. Frente a essa constatação, a pesquisa reitera que tais ações possam estar relacionadas com o pouco conhecimento disponível da temática e com a característica da atividade laboral, marcada pela normatização e rotinização hospitalar(11).
Dessa maneira entende-se que, por meio da EA, que disponibiliza estratégias de reflexão sobre as atuais problemáticas ambientais, os atuais discentes e ou futuros profissionais poderão ter maiores subsídios para reflexão sobre seus próprios comportamentos, motivando-se para a construção de ações e de um pensar responsável sobre o meio ambiente(11).
Vale ressaltar que não se exime aqui as responsabilidades dos profissionais atuantes tanto no cenário hospitalar como na atenção primária em saúde. Com suas chefias, eles também precisam debater sobre a temática ambiental por meio de um processo de educação permanente, sistematizado e abrangente, pautado em processo reflexivo que problematize as concepções, crenças e valores dos envolvidos com vistas no desenvolvimento de práticas ambientalmente conscientes(12).
Nessa perspectiva, se reforça a necessidade de abordar a temática ambiental com a complexidade que essa envolve, nos diferentes cenários, demandando a emergência de uma nova postura, de realmente haver uma renovação de valores, de cidadania, de compromisso com o social, de cuidado, de respeito, responsabilidade e interesse, ou seja, de uma ética no ato de cuidar o ambiente(13).
O destaque feito pelos docentes para a EA, enquanto conscientização das pessoas, demonstra-se simplista, pois embora essa educação se coloque justamente como um desafio no que tange às mudanças de comportamento em relação ao meio ambiente, entende-se que seja complexo apontar a “conscientização” para completa resolução de problemas sem antes considerar uma sensibilização, reflexão ou aproximação da temática com a vida do sujeito de maneira instigadora.
Essa percepção de compreensão e mudanças também é evidenciada em estudos com discentes da área da saúde. Embora se percebam atentos para os problemas ambientais contemporâneos, os alunos não realizam ações que remetam a um cuidado ambiental, delegando, por vezes, esse compromisso a terceiros(14).
Em um movimento contrário a essa simplificação sobre as questões ambientais e de saúde, os docentes destacam, por meio da conscientização, a complexidade da aproximação entre EA e a saúde coletiva. Credita-se isso ao fato de a área da saúde coletiva ser aquela que procura visualizar os objetos de sua ação em seu contexto, considerando as suas particularidades. Tal perspectiva ocorre em contrariedade ao paradigma, muitas vezes, identificado nas instituições hospitalares, em que a equipe multiprofissional desenvolve suas atividades numa perspectiva de fragmentação do ser humano(15).
Dessa maneira, reafirma-se a necessidade de que a formação dos profissionais de saúde explore o potencial da Saúde Coletiva, a fim de despertar nos discentes a apreensão de conhecimentos que relacionem a saúde ao ambiente, no sentido de ir além da aquisição de conteúdos acerca do corpo biológico, dividido e finalizado(15).
Práticas educativas ambientalmente sustentáveis apontam para propostas pedagógicas centradas na criticidade e na emancipação dos sujeitos, com propósito de mudança de comportamento e atitudes, ao desenvolvimento da organização social e da participação coletiva(16). Ao passo que os docentes entendem a si próprios como agentes participantes da coletividade - e mais do que isso, difusores ou instigadores de conhecimentos -, torna-se coerente a manifestação ‘o exemplo é uma das melhores ferramentas educativas’, tendo em vista que as suas atitudes também instigarão a reflexão daqueles ao seu redor.
Cabe também ressalvar que, nessa proposta de educação reflexiva e engajada, centrada nos saberes e fazeres construídos com e não para os sujeitos aprendentes e ensinantes, a EA difere, substancialmente, da informação ambiental, o que merece grande atenção nas práticas docentes. A informação ambiental nada mais é do que uma relação focada em elaborar e transmitir conteúdos descontextualizados e “despolitizados”, não instaurando assim mudanças efetivas na realidade por meio da tessitura de um conhecimento crítico ou intencionalmente engajado(16).
Diante desse panorama, para a inclusão e organização da EA na formação, defende-se a ideia de que a abordagem aconteça de modo transversal, ou seja, não fazendo parte de uma matéria em específico, mas que perpasse por todas as disciplinas(17). Embora se entenda tal abordagem como ideal, compreende-se também a existência de obstáculos para isso, como a dificuldade de transformação dos paradigmas dominantes institucionalizados, que além de fragmentar o conhecimento e os conteúdos educacionais, também tornam esses legitimados e arraigados nos saberes e interesses econômicos globais(1).
Trabalhar então a conceitualização da problemática ambiental, dos processos que a constituem e de sua inscrição dentro de uma racionalidade social e um determinado processo de desenvolvimento torna-se uma alternativa de mudança, principalmente quando se sabe que a incorporação do saber ambiental às práticas científicas e docentes vai além de uma exigência de atualização dos currículos universitários a partir da internalização de uma “dimensão” ambiental e de um pensamento ecológico(1).
CONCLUSÃO
A partir do estudo realizado, pode-se inferir que os docentes visualizam a educação ambiental como processo complexo, que envolve o íntimo, o subjetivo, a racionalidade do ser humano; refletindo nas suas ações, comportamentos e atitudes para com o ambiente, mas que também se configura na necessidade de conscientizar a população para a temática. Os sujeitos evidenciam proximidade entre as ações de promoção da saúde, no campo da saúde coletiva, e a educação ambiental, despertando um sentimento de responsabilidade e, ao mesmo tempo, preocupação pela incipiência e fragilidade da abordagem da EA na formação profissional em saúde. Essa perspectiva trouxe outro achado do estudo, onde ser exemplo, para o discente, constitui-se na principal forma de instigar a reflexão para as questões ambientais.
A percepção de Educação Ambiental construída pelos professores precisa ser compreendida para além de uma mudança de comportamentos, sendo, para isso, necessário agregar criticidade aos problemas socioambientais, biológicos, culturais, entre outros tão importantes quanto à ação de preservação ambiental propriamente dita.
Fica evidente a necessidade de se buscar alternativas que instiguem docentes e discentes a refletirem sobre as questões ambientais, resgatando o sentimento de co-responsabilidade demonstrado pelos sujeitos do estudo e, também, maneiras de como essa temática pode se inserir nos projetos político pedagógicos dos diferentes cursos.
Acrescenta-se que ao compreender a regionalidade da pesquisa realizada é que se considera importante o desenvolvimento de novos estudos que aprofundem a temática e forneçam subsídios para intervenção na realidade, pois a Educação Ambiental na formação profissional em saúde torna-se, cada vez mais, um imperativo frente ao cenário atual de crise socioambiental.
REFERÊNCIAS
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Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a materia em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf
Recebido: 29/04/2013
Revisado:14/07/2014
Aprovado:14/07/2014