ARTIGOS ORIGINAIS

 

Fatores associados ao diagnóstico precoce e tardio de tuberculose: estudo descritivo

 

Mara Cristina Ribeiro Furlan1, Regina Lúcia Dalla Torre Silva2, Sonia Silva Marcon2

1Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
2Universidade Estadual de Maringá

 


RESUMO
Objetivo: conhecer os fatores relacionados ao diagnóstico precoce e tardio de tuberculose e quais os sentimentos e vivências após o adoecimento por tuberculose. 
Método: Estudo descritivo de natureza qualitativa realizado com 23 sujeitos em tratamento de TB, no município de Maringá-PR. A coleta de dados ocorreu no mês de abril de 2012 por meio de entrevista semiestruturada. Para tratamento dos dados foi empregada análise de conteúdo.
Resultados: Foram evidenciadas três categorias: Conhecendo o caminho percorrido: fatores relacionados ao diagnóstico precoce e tardio de TB, dor e alívio: desvelando os sentimentos frente ao diagnóstico de TB e as mudanças advindas após o diagnóstico de TB.
Discussão: O diagnóstico imediato e o início precoce do tratamento são apontados como fatores essenciais para o controle da endemia.
Conclusão: Fatores como oferecer subsídios ao usuário para realização dos exames e disponibilidade dos resultados em tempo oportuno são fundamentais para o início precoce do tratamento.
Descritores: Tuberculose; Diagnóstico; Política de Saúde; Enfermagem.


 

INTRODUÇÃO

A tuberculose (TB) no Brasil, assim como no mundo todo, acomete a população desde longa data, principalmente nos finais do século XIX e início do XX,quando morriam metade dos indivíduos acometidos(1). Atualmente, apesar de já existirem recursos tecnológicos capazes de promover seu controle, ainda não há perspectiva de obter-se, em futuro próximo, sua eliminação como problema de saúde pública, uma vez que ainda surgem aproximadamente 85 mil novos casos por ano da doença e cinco mil óbitos no mesmo período no Brasil, além de ser a primeira causa de morte em pacientes com Aids(2).

Um dos fatores mais preocupantes no combate à TB é o diagnóstico tardio, que pode resultar em apresentação mais grave da doença, com mais sequelas em longo prazo, maior mortalidade e perpetuação da cadeia de transmissão(3). O diagnóstico precoce e o pronto início do tratamento medicamentoso, por sua vez, são fundamentais para um efetivo controle da doença(3) .

Além da relevância do diagnóstico precoce é fundamental garantir o sucesso do tratamento. Nessa perspectiva, é necessário que os profissionais de saúde compreendam a vivência da pessoa doente nesta fase e quais as mudanças advindas a partir de então. Isto fará com que os profissionais de saúde possam traçar estratégias e realizar orientações, a fim de fazer com que os usuários passem por essa fase de maneira menos dolorosa e amenizem dúvidas sobre a doença, pois estas, quando presentes, podem repercutir em todo o tratamento de forma negativa. Desse modo, o objetivo do estudo foi conhecer os fatores relacionados ao diagnóstico precoce e tardio de tuberculose e quais os sentimentos e vivências após o adoecimento por tuberculose.

 

MÉTODO

Estudo descritivo de natureza qualitativa, desenvolvido junto a 23 indivíduos em tratamento de TB no município de Maringá-PR, que está localizado na região Noroeste do Estado do Paraná, com área total de 488 Km2 e população de 357.077 habitantes(4). Em relação às redes de serviços de saúde, o município é sede da 15ª Regional de Saúde do Paraná, que é conformado por 30 municípios e conta com 10 hospitais e 1280 leitos para internação, 32 Unidades Básicas de Saúde (UBS) e duas Policlínicas. O diagnóstico de TB pode ser realizado em qualquer serviço de saúde, seja público ou privado; porém, o tratamento está descentralizado para as UBS e para as 67 equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF). O serviço de referência para casos de difícil diagnóstico, infecção multirresistente, entre outros, é o Consórcio Público Intermunicipal de Saúde do Setentrião Paranaense (CISAMUSEP), com sede na cidade de estudo.

As informações referentes ao perfil sociodemográficos, clínico e telefone dos sujeitos foram obtidos no Sistema de Informação de Agravos de Notificações (SINAN), junto à coordenação de TB da 15ª RS do Paraná. Participaram do estudo: pacientes maiores de 18 anos de idade, os quais possuíssem capacidade cognitiva para responder a questão norteadora e que não estavam sendo acompanhadas no sistema prisional.

A coleta de dados foi realizada em abril de 2012. Primeiramente, foi realizado levantamento da lista dos sujeitos e, após, foi realizado contato telefônico, ocasião em que foram explicitados os objetivos do estudo e solicitada a participação no mesmo, e, com a aceitação, foi agendada visita domiciliar. A busca por novos informantes ocorreu até o momento em que os dados tornaram-se repetitivos e o objetivo do estudo já havia sido alcançado.

A coleta de dados ocorreu por meio da seguinte questão norteadora: Conte-me como ocorreu seu diagnóstico de TB e qual foi seu sentimento ao saber que estava com TB? As entrevistas foram gravadas para garantir a fidedignidade dos relatos e evitar a perda de elementos relevantes à pesquisa; foram, então, transcritas na íntegra e, posteriormente, submetidas ao processo de análise de conteúdo(5).

Para tanto, realizou-se a pré-análise, exploração de material e tratamento dos resultados com inferência e interpretação das categorias significativas. A unidade temática é a unidade de significação que se liberta naturalmente de um texto analisado segundo critérios relativos à teoria, que serve de guia à leitura e consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõe a comunicação e cuja presença ou frequência de aparição pode significar alguma coisa para o objetivo analítico do estudo(5).

Este estudo é parte integrante do projeto de pesquisa intitulado “Avaliação dos Serviços de Atenção Básica no controle da tuberculose na 15ª Regional de Saúde do Paraná”. O estudo foi desenvolvido em consonância com as diretrizes disciplinadas pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Secretaria de Saúde do Estado do Paraná (Parecer 423/2011).

Tanto por telefone quanto pessoalmente, foram explicados os procedimentos que seriam adotados no estudo, o tipo de participação desejada, a livre opção em participar ou não, sem qualquer prejuízo para a assistência dos pacientes, e o tempo provável de duração da entrevista. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e, como garantia de seu anonimato, foram identificados pela letra “E” seguida por números ordinais, gênero, mês de tratamento e forma clínica da TB.

 

RESULTADOS

Os sujeitos
Os participantes do estudo possuíam, em sua maioria, TB da forma pulmonar (82,6%), eram do sexo masculino (52,2%) e moravam com algum companheiro (52,1%). Quanto à idade 13% possuíam entre 18 e 19 anos; 60,9% entre 30 a 49 anos (60,9%) e 26,1% possuíam 50 anos ou mais. Em relação à renda família 26,2% possuíam até um salário mínimo; 47,8% entre um a três salários mínimos; 13% cinco salários mínimos ou mais e o mesmo percentual não possuíam algum tipo de renda. No que diz respeito à escolaridade 60,9% possuíam o ensino fundamental incompleto; 17,4% o ensino médio completo e 8,7% o ensino superior completo. 60,9% moravam com até duas pessoas, enquanto 39,1% com quatro pessoas ou mais.
Quanto aos depoimentos, a sua análise permitiu a apreensão das percepções dos usuários sobre a temática na forma de três categorias, as quais são apresentadas e discutidas a seguir.

Conhecendo o caminho percorrido: Fatores relacionados ao diagnóstico precoce e tardio de TB
Alguns fatores foram apontados pelos sujeitos como facilitadores do diagnóstico; entre eles, a disponibilidade de transporte para a realização de exames e a visita domiciliar para entrega destes, como visto no depoimento:

Eles me levaram de ambulância para fazer os exames. Os exames não demoraram em ficar pronto [...] A enfermeira vinha aqui me entregar e agendava as consultas (E16, F, 2º mês de tratamento, TB pulmonar).

 

Outro fator que facilita o diagnóstico de TB é a investigação dos comunicantes:

Meu esposo que pegou primeiro. Aí a enfermeira pediu o Raios-X, fiz no mesmo dia e depois passei pelo médico e ele disse que deu uma alteração. Na mesma semana fiz aquele exame, o de escarro, e deu que eu tinha TB (E2, F, 3º mês de tratamento, TB pulmonar).

No entanto, apesar da investigação dos contatos respiratórios ser um dos eixos estruturantes do controle da TB, ela nem sempre é realizada em todos os contatos necessários de forma preventiva, como pode ser observado no relato a seguir:

Fui ao posto de saúde, falei do meu problema (tosse e febre), como meu marido já tinha (TB pulmonar), me diagnosticaram rápido. Eles não pediram os exames antes, não, só depois que marquei consulta, porque estava com muita febre, tosse e emagreci muito. Daí já desconfiei que fosse (E4, F, 3º mês de tratamento, TB pulmonar).

Além disso, o diagnóstico tardio pode estar relacionado com a inabilidade dos profissionais de saúde. Alguns depoimentos mostram que mesmo na presença de alguns sintomas, os pacientes precisam passar por vários médicos, realizar diversos exames e inclusive fazer uso de medicamentos para outros diagnósticos.

Houve muita demora em fazer o diagnóstico. Os profissionais de saúde tanto da rede pública quanto privada não sabem dessa doença. Só eu sei o que eu passei, estou nessa luta há muito tempo (E23, M, 4 º mês de tratamento, TB pulmonar).

Demorou 45 dias para me diagnosticarem, gastei dinheiro, muito dinheiro com medicamentos para tosse e febre e não para TB (E7, F, 4º mês de tratamento, TB pulmonar).

 

Se em muitos casos a TB pulmonar é diagnosticada de forma tardia, mesmo as pessoas apresentando sintomas característicos da doença, como febre noturna e tosse há mais de três semanas, pessoas com TB extrapulmonar tendem a sofrer mais com a angústia de não saber qual a origem dos seus sintomas e adoecimento, pois essa forma é menos comum e não é a primeira opção de investigação dos profissionais de saúde:

Eu fiquei quase um ano para descobrir que era TB. Passei por vários especialistas, até o infectologista descobrir que era TB. Depois disso, meus nódulos começaram a sumir, apesar de ter alguns ainda. Mas, já não aguentava mais ir a tanto médico e tomar remédio e eles só aumentarem. (E18, F, 3º mês de tratamento, TB ganglionar).

Dor e alívio: desvelando os sentimentos frente ao diagnóstico de TB
Mesmo com toda tecnologia desenvolvida ao longo dos anos, o que possibilita que antibióticos mais eficazes sejam empregados no tratamento de TB, tornando a doença curável, o seu diagnóstico ainda é gerador de receio e angústia. Isto não se deve apenas ao medo de morte, mas principalmente ao estigma que acompanha a doença:

Duas coisas que eu nunca queria ter era TB e câncer. Não imaginava que teria isso [...] Eu nunca fui de ir a baile, de beber, sair de casa. Não sei por que peguei essa doença (choro). (E1, F, 2º mês de tratamento, TB pulmonar).

Em outros casos o estigma e até o preconceito  pode ser observado na comunidade:

Eu não tenho preconceito. Quando cheguei em casa do hospital, os vizinhos queriam me visitar e pedi para minha mulher dizer a eles que estava com TB e não era bom eles virem, porque eu estava bacilando ainda [...] Mas estou chateado, porque mesmo depois de quatro meses, tem vizinho que até hoje não passa em frente da minha casa (E23, M, 4º mês de tratamento, TB pulmonar).

Quando tive o diagnóstico, foi minha família que teve preconceito, queriam tirar minhas filhas de mim durante o tratamento. Mas eu não deixei, levei todos no posto e pedi para o médico e a enfermeira explicarem para eles sobre a TB e o tratamento. Daí eles pararam de implicar comigo (E16, F, 2º mês de tratamento, TB pulmonar).

Por outro lado, o diagnóstico de TB não suscita apenas sentimentos dolorosos, uma vez que há casos em que as pessoas estão mais informadas e entendem que a doença é curável. Soma-se a este fato, que a demora em encontrar o diagnóstico e a suspeita por outras doenças de difícil tratamento, gera sentimento de alívio ao descobrir que se está com TB.
Eu fiquei 21 dias internado sem saber o que tinha, piorando cada vez mais. Até que um dia minha mulher e meu filho foram me visitar e a auxiliar de enfermagem perguntou: cadê o avental e a máscara? Vocês não podem ficar aqui sem o avental e a máscara. Minha esposa perguntou: Mas, por quê? Eu quero saber o que está acontecendo! Ela disse: eu não posso falar. Minha esposa respondeu: Então traz alguém que pode falar. Ela chamou o enfermeiro que disse que eu estava com suspeita de TB, mas não tinha confirmado ainda [...] Quando confirmaram eu fiquei aliviado, porque agora que eu sabia o que tinha, poderia me curar (E20, M, 6 mês de tratamento, TB pulmonar).

Eu estava com suspeita de câncer de pulmão. Quando saiu o diagnóstico de TB eu fiquei aliviada.(E13, F, 4º mês de tratamento, TB pulmonar).

As mudanças advindas após o diagnóstico de TB
Em relação as mudanças advindas após o diagnóstico de TB, por se tratar de doença infecciosa, que atinge na maior parte dos casos o pulmão, a TB faz com que, após os sintomas, os indivíduos tenham problemas respiratórios, principalmente fadiga, levando muitas pessoas  a pararem de trabalhar por um longo tempo, outras devido a necessidade financeira, continuam a trabalhar, mesmo não sendo recomendável:

Tive que parar de trabalhar, porque me dá muita falta de ar. É bem difícil porque trabalho por conta, eu que sustento minha família. Já fui atrás de receber auxílio doença, mas eles dizem que pra essa doença não tem. Daí não sei mais o que fazer, já tentei trabalhar, mas não aguento nem meio dia. (E14, M, 4º mês de tratamento, TB pulmonar)

Durante o tratamento continuei trabalhando, o médico pediu para eu ficar de repouso alguns meses, mas não tive como parar de trabalhar. Eu trabalho por conta, toco obra. Eu continuei trabalhando normalmente e tomando o medicamento, pois precisava do dinheiro (E22, M, 6º mês de tratamento, TB pulmonar).

 

DISCUSSÃO

A caracterização dos doentes, de acordo com a forma clínica, mostrou predomínio da forma pulmonar, não diferindo da distribuição encontrada em outros estudos(6,7).  Sendo que esta forma é a que merece maior atenção para as atividades de controle da TB, por ser a forma transmissível da doença(6). Daí a necessidade do diagnóstico e início do tratamento o mais rápido possível. A maior frequência de doentes com idade entre 30 e 49 anos também corrobora resultados de estudos realizados na região sudeste e norte do país, que identificaram que a faixa etária média atingida pela doença é de 20-49 anos(8,9).  Quanto ao sexo, a proporção de homens foi pouco superior ao de mulheres, o que difere de resultados encontrados em outros estudos, que apontam essa diferença acima de 60%(6,8).

Em relação ao diagnóstico de TB, apesar de sua relativa facilidade e da efetividade do tratamento, a tuberculose ainda persiste como um problema mundial de saúde pública(3), e a agilidade para o seu diagnóstico é um dos principais desafios do Programa Nacional de Combate à Tuberculose (PCNT), tendo em vista que se a pessoa for diagnosticada logo após a infecção, o número de pessoas que podem ser infectadas diminui, devido ao menor tempo do bacilo na comunidade. Portanto, são fundamentais que estratégias sejam lançadas pelos profissionais de saúde para que o diagnóstico seja precoce, como a disponibilidade de transporte para a realização de exames e a visita domiciliar para entrega destes mencionadas pelos sujeitos.

Outra estratégia que deve ser adotada é a investigação dos comunicantes respiratórios. Contudo isto foi ausente na percepção de alguns sujeitos do estudo. Nesse contexto, o PCNT recomenda que todos os contatos dos doentes de TB, especialmente dos pulmonares positivos, devem ser investigados quanto à aquisição da infecção(2), pois, frequentemente, a fonte de infecção é um indivíduo com a forma pulmonar da doença, eliminando bacilos para o meio exterior, segundo seu índice (estado) bacteriológico. Calcula-se que, durante um ano, numa comunidade, uma fonte de infecção possa infectar, em média, de dez a quinze pessoas que com ela tenham tido contato(10).

A organização da atenção ao comunicante de tuberculose é uma preocupação para responder aos indicadores de saúde, a fim de monitorar a assistência prestada pelo serviço e sua qualidade, destacando-se a prevenção. Existe a necessidade de o serviço incorporar a vigilância epidemiológica, ou seja, identificar o comunicante, fazer os exames e monitorar o seu acompanhamento de forma preventiva. O risco de adoecimento de uma pessoa cujo cônjuge é doente de tuberculose é de duas a 40 vezes maior que o da população em geral, o que permite concluir que a proximidade do contato é um dos aspectos importantes a se considerar na transmissão do bacilo(10).

A não investigação dos contatos pode ser explicada pela sobrecarga do serviço de saúde e pela falta de investimento em uma política de saúde pública organizada e, até mesmo, pela desinformação dos pacientes em relação ao risco de transmissão e à necessidade de investigação dos comunicantes respiratórios(11). Contudo, se os comunicantes esperaram o surgimento dos sintomas para procurar assistência, isto constitui indicativo de falha na investigação epidemiológica dos contatos domiciliares.  Desse modo, a falta de recursos humanos, treinados para o diagnóstico, ainda se configura como uma grande dificuldade para o controle da doença(12,13).

Algumas vezes, o diagnóstico tardio pode estar relacionado com a inabilidade dos profissionais de saúde para suspeitar da doença, mesmo no caso dos sintomáticos respiratórios. Assim, ainda que os doentes procurem o serviço de saúde, este não se apresenta resolutivo(14).

Percebe-se que os sujeitos do estudo procuraram por serviços de saúde com sintomas da TB, mas os profissionais de saúde os encaminharam a outros serviços para a realização do diagnóstico. Enfim, parece haver um círculo vicioso de repetidas visitas aos serviços de saúde sem a obtenção do diagnóstico correto, o que resulta em tratamento não específico, gerando gastos para o sistema e também para o paciente(15).

A demora em diagnosticar a TB, pode significar um agravamento no estado do paciente além de favorecer a disseminação da doença na comunidade, visto que quando se percebe a sintomatologia, o doente já se encontra num estágio mais avançado e já entrou em contato com várias pessoas(18). Em um estudo realizado em São Paulo-SP, com 11 pacientes que realizavam o tratamento de TB e 12 profissionais de saúde, foi verificado que o tempo entre a primeira consulta em uma unidade de saúde e o diagnóstico era demasiadamente demorado, sendo que este tempo médio era de duas semanas, em 25% dos casos demorando em torno de oito semanas para início do tratamento(11).

O diagnóstico imediato e o início precoce do tratamento são apontados como fatores essenciais para o controle da endemia, uma vez que a interrupção da cadeia de transmissão depende, quase que exclusivamente, do tratamento dos indivíduos infectados(15). Assim, sugere-se que o retardo no diagnóstico após a entrada do paciente no sistema de saúde esteja relacionado aos problemas na infraestrutura do sistema e a falta de conhecimento da doença, seus sinais e sintomas pelos profissionais de saúde(15).

Outro fator relacionado a demora do diagnóstico é ser acometido pela doença na forma extrapulmonar. Isso pode ser explicado pela dificuldade de acesso à maioria das lesões para análise e realização do diagnóstico e pelo fato de, habitualmente, as lesões serem paucibacilares, situação na qual a baciloscopia costuma ser negativa(16), pois comumente a confirmação bacteriológica do diagnóstico acontece em somente cerca de um quarto dos casos.

Em relação aos sentimentos frente ao diagnóstico de TB, percebe-se que em alguns casos, o paciente se sente responsável pela TB, como se a doença significasse a materialização de alguma punição por um comportamento que o coloca fora dos padrões da sociedade(15).

Além disso, a vivência do diagnóstico de TB pode gerar sentimentos de angústia, pois os doentes ainda sofrem com o estigma e preconceito pela sociedade. Essas características também foram identificadas em outro estudo, que revelou que o diagnóstico de TB gera um impacto emocional devido às representações negativas sobre a doença que ainda perduram nos dias atuais(11). Por mais que a doença seja antiga, o seu modo de transmissão e tratamento é desconhecido para muitos, o que pode causar receio de amigos e familiares em se relacionarem com o doente durante o tratamento, deixando de constituir apoio nessa fase singular(14).

Estudo realizado em Ribeirão Preto evidenciou que a família teve um papel importante se esforçando para proteger o doente da discriminação social, apoiando-o durante o diagnóstico e incentivando o tratamento; contudo, o impacto da doença ainda provoca constrangimentos e enfraquecimento da autoestima do doente(14).

No que tange ao diagnóstico de TB em relação ao câncer pulmonar. A literatura aponta que a preferência em adquirir TB ao câncer pode estar relacionada ao melhor prognóstico da primeira, tendo menor percentual de mortalidade e apenas tratamento medicamentoso oral, enquanto o câncer, em grande parte dos casos, exige quimioterapia com mais efeitos tóxicos e colaterais, além de, muitas vezes, o câncer de pulmão necessitar de tratamento cirúrgico e apresentar maior letalidade.

É fundamental que todos os pacientes sejam esclarecidos de que a TB é uma doença passível de cura, desde que seguido o tratamento corretamente. Esse fato faz com que o momento do diagnóstico seja mais ameno, com menos sentimento de angústia ao doente, podendo proporcionar maior adesão ao tratamento.

Em relação as mudanças advindas após o diagnóstico de TB, muitas pessoas  param de trabalhar por um longo tempo, devido aos sintomas da doença. Como a doença acomete, em sua maioria, pessoas em vulnerabilidade social e adultos jovens, ou seja, em idade produtiva, o afastamento do trabalho é um fator que pode agravar sua situação socioeconômica. 

Ademais, os sintomas debilitantes advindos da TB remetem à invalidez relacionada ao mercado de trabalho e o doente se percebe como improdutivo, não sendo capaz de manter-se ativo e nem de sustentar a família, representando perda da legitimidade social e da dignidade social, perda esta imposta pela sociedade que valoriza a pessoa a partir do que ela é capaz produzir com seu trabalho(8).

Nesse sentido, a adesão ao tratamento ultrapassa a abordagem que reduz os problemas aos aspectos clínicos e biológicos(14). Faz-se necessário o estabelecimento de vínculo entre profissional de saúde e paciente, a fim de que aquele conheça a situação deste e que desenvolva articulações com outros setores de assistência social para que o doente de TB possa receber auxílio neste momento, pois do contrário, ele poderá abandonar o tratamento ou continuar favorecendo o contato do bacilo para um número elevado de indivíduos.

 

CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo apontaram aspectos que facilitam o diagnóstico precoce da TB; entre eles a disponibilidade de transporte para a realização de exames, a visita domiciliar para entrega destes e a investigação dos comunicantes de pessoas com a doença já instalada. Por outro lado, os achados mostraram que vários aspectos podem retardar o diagnóstico, como: inabilidade dos profissionais de saúde em suspeitar da doença e mesmo nos casos de sintomáticos respiratórios, serviço de saúde não resolutivo, presença de TB extrapulmonar e atuação dos profissionais de saúde de forma não integral e humanizada.

Entre os sentimentos frente ao diagnóstico de TB, encontram-se medo, receio e angústia frente ao preconceito e estigma apresentado pela comunidade e familiares. Outro fator advindo com a doença é a necessidade de se ausentar do trabalho, aspecto que não foi realizado por todos, devido à necessidade de sustentar a família.

Diante disso, cabe aos profissionais de saúde, principalmente os enfermeiros, ter um olhar diferenciado ao paciente com TB, pois o atraso do diagnóstico aumenta o risco da população em geral adquirir a doença, custos desnecessários para o usuário, entre outros. Fatores como oferecer subsídios ao usuário para realização dos exames e disponibilidade dos resultados são fundamentais para o início precoce do tratamento. Outro fato importante é a realização da investigação de todos os comunicantes, tendo em vista que essa população é mais propícia à infecção. A organização do serviço de saúde é fundamental para que isto ocorra. Todas as pessoas em tratamento de TB devem ter no seu prontuário ou ficha os dados referentes aos seus comunicantes e assinalados se realizaram ou não a investigação da doença. Em caso negativo, é necessária busca ativa.

É importante destacar na maior parte dos casos o enfermeiro é o gerente da equipe que está responsável pelo diagnóstico e tratamento de TB, seja nos ambulatórios de referências ou na Estratégia de Saúde da Família. Portanto, organizar o processo de trabalho da equipe, tendo em vista os estrangulamentos apontados por este estudo para o diagnóstico de TB.

Além disso, os gestores devem oferecer educação contínua para que os profissionais que atuam no PCT estejam atentos aos sintomas da doença e possam oferecer atendimento adequado. Isso inclui orientações para o usuário e sua família sobre o modo de transmissão, tratamento, efeitos colaterais dos medicamentos, entre outros, com vistas a amenizar sentimentos negativos frente à doença.
Por último, são necessárias novas estratégias intersetoriais que visem à promoção da saúde e à melhoria da qualidade de vida de determinados grupos populacionais, visto que a prevenção e o controle da TB devem ser orientados por uma visão que vai além das fronteiras da clínica, já que devem ser envolvidas as condições de vida em que estes doentes estão inseridos.

 

REFERÊNCIAS

1. Hijjar MA, Gerhardt G, Teixeira GM.  Retrospecto do controle da tuberculose no Brasil. Rev Saúde Pública. 2011: 41(1):50-8.

2. Ministério da Saúde (Brasil). Manual de recomendações para o controle de tuberculose no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2011.

3. Cardozo-Gonzales RI, Costa LM, Pereira CS, Pinho LM, Lima LM, Soares DMD, et al. Ações de busca de sintomáticos respiratórios de tuberculose na visão dos profissionais de uma unidade saúde da família. Rev enferm saúde. 2011; 1(1): 24-32.

4. Intituto Brasileiro de geografia e estatística (Brasil).  Cidades [ cited 2013 June 19 ]. Available from: http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?sigla=pr  

5. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Editora Setenta; 2008.

6. Hino P, Cunha TN, Villa TCS,  Santos CB. Perfil dos casos novos de tuberculose notificados em Ribeirão Preto (SP) no período de 2000 a 2006. Ciênc saúde coletiva [ Internet ]. 2011; 16 Suppl 1: 1295-301. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011000700063.

7. Prado TN, Caus AL, Marques M, Maciel EL, Golub JE, Miranda AE. Epidemiological profile of adult patients with tuberculosis and AIDS in the state of Espírito Santo, Brazil: Cross-referencing tuberculosis and AIDS databases. J bras pneumol. 2011; 37(1):93-9.

8. Medeiros CJ, Pretti CBO, Nicole AG. Características demográficas e clínicas dos casos de tuberculose notificados pelo Núcleo de Epidemiologia Hospitalar no Município de Vitória, Estado do Espírito Santo, Brasil, 2009-2010. Epidemiol serv saúde  [ Internet ]. 2012  Mar [ citado  2012  Oct  10 ]  21(1): 159-66. Available from: http://scielo.iec.pa.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-49742012000100016&lng=pt

9. Coelho DMM, Viana RL, Madeira CA, Ferreira LOC, Campelo V. Perfil epidemiológico da tuberculose no Município de Teresina-PI, no período de 1999 a 2005. Epidemiol serv saúde. 2010;19(1):33-42.

10. Gazetta CE, Ruffino Netto A, Pinto Neto JM, Santos MLSG, Cury MRCO, Vendramini SHF, et al. Investigation of tuberculosis contacts in the tuberculosis control program of a medium-sized municipality in the southeast of Brazil in 2002. J bras pneumol. 2006; 32 (6): 559-65.

11. Queiroz EM, Bertolozzi MR. Tuberculosis: supervised treatment in North, West and East Health Departments of São Paulo. Rev Esc Enferm USP. 2010; 44(2): 453-61.

12. Trigueiro JS, Silva ACO, Góis GAS, Almeida SA, Nogueira JA, Sá LD. Percepção de enfermeiros sobre educação em saúde no controle da tuberculose. Cienc Cuid Saúde. 2009 Oct; 8(4):660-6.

13. Oliveira Á, Andrade M. Permanent education in health in the supervised treatment of tuberculosis: a descriptive study. Online braz j nurs [ Internet ]. 2012  Oct [ cited  2013  April  15 ]  11(2): 509-13. Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/3974.

14. Hino P, Takahashi RF, Bertolozzi MR, Egry EY. The health needs and vulnerabilities of tuberculosis patients according to the accessibility, attachment and adherence dimensions. Rev Esc Enferm USP. 2011; 45(spe 2): 1656-60.

15. Maior ML, Guerra RL, Cailleaux-Cezar M, Golub JE, Conde MB. Time from symptom onset to the initiation of treatment of pulmonary tuberculosis in a city with a high incidence of the disease. J bras pneumol. 2012; 38(2): 202-9.

16. Lopes AJ, Capone D, Mogami R, Tessarollo B, Cunha DL, Capone RB,  et al. Tuberculose extrapulmonar: aspectos clínicos e de imagem. Pulmão RJ. 2006; 15(4): 253-61.

 

 

Recebido: 17/07/2013
Revisado: 28/05/2013
Aprovado: 06/08/2013