ARTIGOS ORIGINAIS

 

Reações da família da criança com diagnóstico de câncer: estudo descritivo

 

André da Silva Carvalho1, Jéssica Renata Bastos Depianti1, Liliane Faria da Silva1, Rosane Cordeiro Burla de Aguiar1, Ana Cláudia Moreira Monteiro2

1Universidade Federal Fluminense
2Universidade Estadual do Rio de Janeiro

 


RESUMO
Objetivos: identificar reações da família perante o diagnóstico do câncer infantil; descrever a atuação da equipe de enfermagem em virtude dessas reações; analisar a expectativa da família quanto ao cuidado de enfermagem frente ao diagnóstico do câncer infantil.
Método: pesquisa qualitativa, descritiva, realizada em ambulatório onco-hematológico localizado no Rio de Janeiro. Utilizou-se a entrevista semiestruturada.
Resultados: emergiram as unidades temáticas: as reações da família perante o diagnóstico de câncer infantil; atuação da equipe de enfermagem frente às reações da família da criança com diagnóstico de câncer; expectativa da família quanto à atuação da equipe de enfermagem perante os familiares da criança com câncer.
Discussão: os familiares vivenciam sentimentos como desespero, medo da morte, culpa, revolta e negação, sendo necessário incluir a família nos cuidados de enfermagem.
Conclusão: para atendimento das necessidades das famílias, o cuidado deve propiciar conforto, apoio e comunicação clara sobre a doença, minimizando, assim, o sofrimento delas.
Descritores: Enfermagem Oncológica; Família; Criança.


 

INTRODUÇÃO

O câncer é o termo que define um conjunto de várias doenças que têm em comum o crescimento desordenado de células malignas, que invadem os tecidos e órgãos, podendo espalhar-se para outras regiões do corpo, formando as metástases. Enquanto os tumores nos adultos estão, em geral, relacionados à exposição aos vários fatores externos, por exemplo, o tabagismo, hábitos alimentares, alcoolismo, medicamentos e fatores ocupacionais, na infância as causas ainda são pouco conhecidas.(1)

O diagnóstico do câncer infantil causa um grande impacto para a criança e sua família, constituindo-se em um acontecimento devastador, capaz de provocar mudanças e reações inesperadas, não apenas na vida de quem o possui como também na vida de seus familiares.(2)

A criança com câncer e a sua família deparam-se com estigmas e mitos advindos dessa doença, provocando impactos nesses indivíduos, como reações de protesto, desespero, negação, causando um choque diante do diagnóstico da doença.(3)

Pais e mães enfrentam de forma diferente o diagnóstico e tratamento do câncer, apesar de ambos compartilharem o mesmo sofrimento, já que, na maioria das vezes, é a mãe quem assume o papel de cuidadora principal da criança durante o período de internação(4), assim, ela fica mais exposta ao estresse do processo de tratamento do filho.

O diagnóstico de câncer na infância pode acarretar dificuldades de comunicação entre pais, profissionais de saúde e crianças durante o tratamento dessa patologia. Muitas vezes, os pais não esclarecem para os filhos a patologia que os acomete, ou até mesmo podem omitir informações sobre o estado de saúde da criança para os profissionais.(5)

Pelo exposto, nota-se que o diagnóstico de câncer infantil gera angústia tanto para a criança como para a família, e isso leva ao enfrentamento de problemas inerentes à própria doença, ao tratamento e às mudanças no cotidiano de vida de todos os envolvidos. Sendo assim, o enfermeiro tem papel fundamental no cuidado em relação a esses sujeitos, pois atua na assistência direta a ambos, tendo em vista a melhoria da qualidade de vida.(6,7)

Sabe-se que o câncer gera efeitos adversos devido aos quimioterápicos, mas também pode gerar efeitos psicossociais, como tristeza, raiva, depressão, entre outros. Sendo assim, para minimizar esses efeitos, é necessário que haja suporte de uma equipe multiprofissional que apoie a criança e sua família, tornando o tratamento menos impactante, melhorando, assim, a qualidade de vida desses sujeitos.(8)

Mesmo vivenciando o choque da revelação do diagnóstico de câncer infantil, a família precisa reagir para dar continuidade ao cuidado e tratamento da criança já que o câncer demanda necessidade de adaptação para atendimento de diversas condições específicas dos protocolos de tratamento como exames, consultas e internação.(2)

A compreensão da doença e tratamento implementado por parte dos familiares, após o diagnóstico, é fundamental para a adesão ao mesmo, pois, nessa fase, a criança fica ainda mais dependente de seus familiares.(2,9) O enfermeiro, por sua vez, deve buscar conhecer as possíveis reações dos familiares frente ao diagnóstico do câncer infantil, assim como a expectativa que a família tem com relação ao cuidado a ela dispensado. Dessa forma, seria possível estabelecer uma assistência direcionada às suas reais necessidades.

Diante das questões apresentadas, delimitou-se como objeto desse estudo a atuação da equipe de enfermagem frente às reações da família com diagnóstico de câncer infantil.

Foram traçadas as seguintes questões norteadoras: quais são as reações da família perante o diagnóstico de câncer infantil? Como a equipe de enfermagem atua com essas famílias ante as suas reações? Qual a expectativa da família quanto ao cuidado de enfermagem diante do diagnóstico do câncer infantil?

Os objetivos da pesquisa foram: identificar as reações da família perante o diagnóstico do câncer infantil; descrever a atuação da equipe de enfermagem em virtude dessas reações; analisar as expectativas da família quanto ao cuidado de enfermagem no diagnóstico do câncer infantil.

 

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa descritiva, com abordagem qualitativa.(10) O cenário foi o ambulatório de onco-hematologia de um hospital público localizado no estado do Rio de Janeiro, que atende crianças, adolescentes e adultos com câncer, como leucemias e linfomas.

Os sujeitos foram sete familiares de crianças em tratamento oncológico, sendo um familiar por criança. Apesar de não termos preferência por nenhum grau de parentesco específico, destacamos que todas eram mães, pois eram elas que estavam acompanhando as crianças no ambulatório. Os critérios para inclusão dos sujeitos foram: familiar de criança com diagnóstico revelado há pelo menos seis meses, pois assim já teriam passado pela fase inicial do diagnóstico e tratamento; familiar com idade mínima de dezoito anos; ter contato com a criança em seu dia a dia. Foram excluídos os familiares de crianças em cuidados paliativos, por essa fase ser bastante delicada para a criança e sua família.

O número de participantes foi determinado durante o processo de transcrição e análise dos dados, e a organização dos depoimentos no decorrer do trabalho de campo possibilitou a identificação da saturaçãoempírica dos dados, ou seja, a recorrência de falas, padrões de comportamento, práticas e visões de mundo.(11) Esclarece-se que foram utilizados dois critérios para o enceramento do trabalho de campo. No primeiro, de validade interna da pesquisa, buscou-se a saturação empírica dos dados; e no segundo, de validade externa(11), comparou-se o número de participantes desta pesquisa com o número de participantes de outros estudos de abordagem qualitativa, desenvolvidos com familiares de crianças com câncer. Foram encontradas pesquisas com número de participantes que variou entre seis(12) e dezesseis.(13)

A coleta de dados foi realizada do dia 16 de abril de 2012 a 27 de abril de 2012, durante o turno da manhã, com turnos de quatro horas diárias, totalizando 40 horas. Para a coleta de dados se utilizou da entrevista semiestruturada. Para operacionalização da entrevista, foi utilizado um roteiro de entrevista dispondo de perguntas abertas e fechadas.

Inicialmente foram feitas as perguntas fechadas, importantes para identificação dos sujeitos e levantamento de algumas de suas características. Posteriormente, fizeram-se as seguintes perguntas abertas: como foi quando você recebeu o diagnóstico de câncer infantil? Como foi a atuação da equipe de enfermagem nessa fase de diagnóstico de câncer infantil? Como você acha que a equipe de enfermagem pode atuar com a família no momento do diagnóstico de câncer infantil?

Para um registro integral e preciso das falas dos sujeitos, as entrevistas foram gravadas com o auxílio de um aparelho mp3, com autorização prévia dos sujeitos. O anonimato dos participantes foi mantido durante todo o tempo e, para isso, utilizaram-se códigos alfanuméricos para identificá-los.

As falas dos entrevistados foram transcritas na íntegra, e os dados analisados por meio da análise temática. Foram realizadas as seguintes etapas preconizadas pelo método analítico: leitura flutuante mediante o contato exaustivo com material; exploração do material, na qual, a partir da leitura dos dados brutos, as falas foram agregadas às unidades temáticas pré-estabelecidas que responderam aos objetivos e hipótese da pesquisa; e, por último, o tratamento e interpretação dos resultados obtidos(6).

De acordo com a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que define as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos, o projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do hospital onde foi realizado (nº 276/11).

 

RESULTADOS

Com as respostas dos familiares entrevistados emergiram as seguintes unidades temáticas: as reações da família perante o diagnóstico de câncer infantil; atuação da equipe de enfermagem frente às reações da família com diagnóstico de câncer infantil; expectativa da família quanto à atuação da equipe de enfermagem perante os familiares da criança com câncer.

 

As reações da família perante o diagnóstico de câncer infantil
Ao responderem à pergunta referente à própria reação na revelação do diagnóstico de câncer infantil, obtiveram-se as seguintes respostas:
Na hora que ela (médica) me falou, não caiu a ficha, depois que eu fui lá para fora, eu sentei, ai eu falei: câncer, meu Deus! Leucemia! (...) Aí comecei a chorar, fiquei desesperada, muito desesperada e muito triste. (M-02)

No momento que a gente recebe a notícia, a gente fica meio sem chão, né? Meio perdida, sem entender (M-05).

Poxa, meu chão caiu, né? Foi horrível, acho que foi uma das piores notícias que eu poderia ter. Eu fiquei muito mal mesmo. (M-03).

Percebe-se que o momento de revelação do diagnóstico leva o familiar ao desespero e tristeza, sentem-se “sem chão” e, inicialmente, em alguns casos, se sentem perdidos e necessitam de tempo para entender o que é falado, para a “ficha cair”. Nesse sentido, nota-se que o familiar só se dá conta de que a criança tem câncer depois que saem da presença do profissional.

Ao receberem o diagnóstico de câncer infantil, pensaram na possibilidade de morte e perda da criança:
Você acha que o câncer é uma coisa assim: meu filho está com câncer... Vai morrer agora, já! (M-05).

Ah, você pensa logo que a criança vai morrer (...) você não consegue pensar em outra coisa, entendeu? (...) no primeiro impacto a gente pensa logo que vai morrer. (M-06).

Na revelação do diagnóstico do câncer infantil, o medo da morte e perda rápida da criança foi presente na fala dos familiares, e essa situação reforça a ideia do estigma do câncer como doença aguda, incurável e associada à morte inevitável e rápida.

Relataram que buscaram apoio na fé para enfrentarem o diagnóstico de câncer infantil:
A fé é muito grande (...) me apeguei com Deus, e botei meu filho nas mãos Dele. (M-04)

Eu tenho muita fé, eu tenho muita fé em Jesus, né? Então eu me apeguei a isso, nas orações! (M-05).

A gente tem que confiar em Deus, né? (M-06)

A crença de que o câncer é uma doença incurável e associada à morte rápida, pode ser determinante para que os familiares se apeguem à fé religiosa e busquem apoio nas orações e preces.
Outro aspecto destacado pelos sujeitos foi a necessidade de se fortalecerem para passarem força e apoio à criança e, assim, ajudá-la no enfrentamento do câncer.

Eu preciso passar força para ele, né? Então a gente tem que aprender a ser forte e, mesmo sendo muito difícil, na hora a gente tem que ser forte, para poder passar força para eles. (M-03).

Tive que me levantar até mesmo para passar força para meu filho. Porque ele precisava lutar, precisava acreditar que isso vai passar (...) porque eu sabia que tinha que lutar, tinha que passar essa força para o meu filho (M-05).

Os familiares reconhecem a necessidade de estarem ao lado da criança, passando confiança e força para ajudá-la no seguimento e enfrentamento da doença e tratamento. Essa necessidade de estar junto foi motivadora para que, mesmo diante do choque da revelação do diagnóstico, buscassem se fortalecer e seguir apoiando a criança.

 

Atuação da equipe de enfermagem frente às reações da família da criança com diagnóstico de câncer
Ao serem questionados quanto à atuação da equipe de enfermagem na ocasião em que receberam o diagnóstico de câncer infantil, os familiares responderam da seguinte forma: 
Quando descobrimos a doença dele, eu fiquei muito tempo aqui dentro do hospital internada, um mês e pouco. Elas (equipe de enfermagem) me ajudaram, deram carinho, conversavam comigo e com ele (criança). Peguei amor por elas. (M-02).

A equipe de enfermagem, em nenhum momento escondeu o que estava acontecendo (...) ela me falou mesmo qual era o diagnóstico, não tentou me esconder nada. Deram muito apoio, confortaram (...) tive informação quanto à doença (M-01).

Sempre explicavam o que era o remédio que estavam colocando (...) foram muito otimistas e procuraram passar informação sobre a doença, procuraram acalmar no momento que eu estava desesperada (...) como uns anjos da guarda (...) sempre passando o que estava acontecendo. (M-05).

É um momento que às vezes a gente está só (...) mas tem um apoio tão grande que você não se vê só (...) sempre tem um enfermeiro para te orientar. (M-07).

Quando minhas irmãs vieram na visita, conversam com elas (equipe de enfermagem). Elas explicaram e orientaram tudo direitinho. (M-03).

Percebe-se pela fala dos sujeitos que a comunicação é essencial para uma melhor assistência de enfermagem à família da criança com câncer. Foi destacada entre a atuação da enfermagem a conversa que tiveram com os familiares, na qual davam apoio e orientação acerca da doença e do tratamento a que a criança era submetida durante a administração de medicamentos.

As orientações se estendiam a outros familiares visitantes, e não apenas ao acompanhante da criança. Essa proximidade, a conversa, apoio e orientações ajudaram os familiares a não se sentirem sozinhos.

Os sujeitos falam ainda sobre a atuação da equipe ante o comportamento das crianças:
Meu filho é muito levado, quando vou brigar, elas sempre falam: deixa brincar, ele é criança! Elas sempre foram carinhosas, sempre ajudaram. (M-02).

Uma vez meu filho chutou uma enfermeira na hora que ela foi dar uma injeção (...) eu pensei que ela ia ficar chateada (...) mas conversou com ele, disse não era assim, que ela não estava fazendo nada por mal (...) que sentia muito por ter que dar injeção, mas que era necessário. Ela explicou tudo! (M-05).

Eles trabalham com amor e carinho. Procuram não furar muito, procurando pegar a veia, para não sacrificar a criança. (M-05).

Os profissionais de enfermagem buscam interagir com as crianças e compreendem o momento que estão passando. Estimulam os familiares a deixarem a criança brincar, conversam com elas quando vão realizar procedimentos, explicando a necessidade de sua realização e, além disso, evitam repetidas punções venosas, o que favorece estabelecimento de cuidado menos traumático para a criança.

Na percepção dos familiares, no cuidado de enfermagem há preocupação com a orientação do familiar acompanhante, assim como de outros familiares no período da visita hospitalar e, com isso, os familiares sentem-se apoiados. A conversa e explicações são também voltadas às crianças em tratamento oncológico, para que a mesma entenda a necessidade de realização dos procedimentos.

 

Expectativa da família quanto à atuação da equipe de enfermagem perante os familiares da criança com câncer
A terceira unidade temática que emergiu das falas dos sujeitos foi referente às expectativas que os familiares têm com relação à atuação da equipe de enfermagem diante da família, quando esta recebe o diagnostico de câncer infantil:

Eu acho que ela (equipe de enfermagem) deve estar próxima da família (...) deve falar alguma coisa para confortar, para família não ficar tão nervosa. (M-01).

Sempre atendendo a família, apoiando do jeito que podem, porque eu vejo não somente profissionais, vejo a parte humana deles (...) eles participam, se entregam, choram junto com você, procuram entender (...) eu só tenho a dizer que eles continuem assim sempre. (M-05).

Tem que ter carinho, atenção porque a gente fica muito sensível. (M-06).

Entre as expectativas dos familiares, eles destacam que a equipe de enfermagem deve estar próxima à família e, assim, proporcionar conforto, carinho e apoio. Essa proximidade favorece que se sintam menos nervosos, já que estão em momento de fragilidade.

Dois sujeitos falaram que entre as suas expectativas de atuação da enfermagem está o fornecimento de informações:
Acho que elas podem atuar sentando, conversando, explicando essas coisas. Explicar direitinho, conversar (M-02).

Passando o que sabem (...) as quimioterapias têm vários nomes, tem coisas que a gente não sabe qual a reação (...) teve uma quimioterapia que eu queria saber, qual era a reação que dava, porque, houve várias coisas, né? (M-05)

No início do tratamento, os familiares e crianças são expostos a um universo que não faz parte do seu cotidiano, no qual se deparam com medicamentos quimioterápicos com nomes e reações desconhecidas e, por isso, sentem a necessidade de que a equipe de enfermagem esteja preparada para conversar, ouvir suas dúvidas e explicar o que for necessário para saná-las.

 

DISCUSSÃO

Os achados desta pesquisa corroboram com outros estudos, os quais, ao analisarem as reações da família desencadeadas pelo diagnóstico de câncer infantil, identificaram que a maioria dos familiares vivenciam desespero, medo da morte, culpa, revolta e negação.(14) A revelação do diagnóstico de câncer infantil causa, especialmente nas mães, uma avalanche de emoções, inicialmente inexplicáveis e caracterizadas pelo choque, desespero, surpresa e medo.(2) Ao receber o diagnóstico de câncer infantil, a família atravessa uma fase de negação, sentem-se fragilizados e necessitam de apoio. A equipe de enfermagem deve estar consciente de que deve oferecer apoio à família para ajudá-la a suportar esse momento de dor.(15)

Apesar de a possibilidade de cura do câncer infantil ser uma realidade, que é favorecida com o diagnóstico precoce e avanço nas modalidades de tratamento, observou-se nas falas dos sujeitos que ele está relacionado à possibilidade de morte.

Mesmo sabendo que há possibilidade de cura, constata-se que o câncer é por si só uma patologia que carrega consigo o estigma, que foi socialmente construído, de sentença de morte. Em se tratando da infância, nela a morte é revestida de especial crueldade, pois criança é sinônimo de alegria, crescimento e planos de futuro. Essa possibilidade de morte da criança demanda acreditar que um intenso cuidado e superproteção poderá postergar a vida, e, mesmo sabendo que existe a possibilidade da cura, a noção de risco prevalece.(2)

As percepções que os familiares têm acerca da doença precisam ser levadas em consideração ao fazermos o planejamento dos cuidados com vistas à troca de informações, orientações e esclarecimentos quanto às modalidades de tratamento que contribuirão para o desenvolvimento de suas habilidades e capacidades. Isso requer que a enfermagem promova educação em saúde ao longo de sua assistência, pautada na certeza de ser a família uma importante fonte de apoio e bem-estar para a pessoa em situação de adoecimento, particularmente para a criança com câncer.(16)

Nas falas dos sujeitos, percebeu-se que eles se fortalecem na religiosidade. Desta maneira, quando a entidade divina domina a vida dos homens, o imprevisto, nesse caso, o câncer, é explicado e a fatalidade cede espaço à segurança oferecida pela divina providência.(13) Assim, os familiares alimentam-se de esperança e confiam na religiosidade que têm.

Ao receberem o diagnóstico de câncer infantil, tudo parece irreal e inacreditável e, por isso, eles passam um tempo sem entender o que está acontecendo. Entretanto, chega o momento em que eles precisam reagir e buscam força, apesar do sentimento de tristeza. Eles percebem que mais nada pode ser feito para contornar a situação a não ser se tornarem fortes na tentativa de transmitir força aos seus filhos.(2)

Durante os cuidados à criança com câncer e sua família, os profissionais de enfermagem se envolvem na rotina de realização de procedimentos, além disso, desenvolvem atividades de orientações para as crianças e familiares sobre a doença e o ambiente hospitalar, aliando os conhecimentos e as habilidades técnicas à solicitude, permeada de sensibilidade e disponibilidade de estar mais próxima das dificuldades, ansiedades e temores vividos pelos familiares, identificando a necessidade de intervenção de outros profissionais de saúde.(17)

O cuidado de enfermagem nesse contexto é complexo, pois transcende o cuidado tecnicista e se expressa pelas suas atitudes no relacionamento com as crianças e seus familiares. Cabe ao enfermeiro promover um cuidado centrado na criança e sua família e estabelecer comunicação efetiva com os familiares, pois estes são essenciais na promoção e assistência integral à saúde da criança.(3,7)

A comunicação é um meio de troca de informação que se dá de forma verbal e não verbal. Ela é importante para a enfermagem visto que promove apoio e é também uma proposta terapêutica, cujo objetivo é estreitar os laços entre a tríade enfermeiro-criança-família.(16) É oportuno que o enfermeiro desenvolva uma estratégia de educação em saúde com os familiares como forma de promover orientações sobre a saúde e os cuidados às crianças ainda durante a hospitalização.(18)

Como o cuidado é a essência da enfermagem, esse cuidar reflete uma preocupação com o outro, estabelece vínculos de carinho e afeto, promove manifestações de apoio e compreensão para a criança e sua família e fortalece seus laços.(7)

Outro aspecto levantado pelos familiares foi quanto à atuação da equipe diante do comportamento das crianças. Para eles, é importante que os profissionais compreendam o momento pelo qual elas estão passando, e busquem oferecer cuidados menos traumáticos. Esses dados corroboram com pesquisas que destacam ser preciso considerar as singularidades e momentos de desenvolvimento de cada criança, porque ela precisa de apoio e de um ambiente o menos hostil possível, onde a enfermagem e os membros da equipe de saúde podem investir esforços para ajudar nessa situação crítica, tornando-se próximo dela.(17,19,20)

Entre as expectativas que os familiares têm com relação à atuação da equipe de enfermagem, houve destaque para a comunicação com troca de informações e orientações. Nota-se que comunicação é um dos instrumentos mais importantes nas relações entre a criança, à família e o enfermeiro. Porém, a comunicação é muito mais que um simples instrumento para conseguir informações, é um processo que deve envolver uma série de habilidades, atitudes, posturas que englobem uma visão biopsicossocial do ser humano de uma forma mais ampla(15).

No contexto da enfermagem, a comunicação verbal é frequente e evidente, expressa pela verbalização de palavras, anotações e registros em prontuários. No entanto, muitos profissionais de enfermagem limitam-se a esse aspecto e deixam de desenvolver esse processo na sua totalidade, como a linguagem não verbal, que envolve a expressão de sentimentos, gestos e toques.(15) Essas outras dimensões, na linguagem não verbal, foram apontadas pelos familiares como expectativas que têm na relação com a equipe de enfermagem.

 

CONCLUSÃO

O diagnóstico de câncer infantil gera sofrimento tanto para a criança como para seus familiares, levando-os a enfrentarem problemas relacionados à própria evolução da doença, ao tratamento ambulatorial, às internações prolongadas e mudança no estilo de vida.

Após a revelação do diagnóstico de câncer infantil, os familiares passam por várias fases. Inicialmente se sentem perdidos, sem entender claramente o acontecimento e, quando compreendem que a criança tem câncer, ficam desesperados e tristes. Associam o diagnóstico à morte e, com isso, buscam apoio na religiosidade, fortalecem-se para passarem força e apoio para ajudar a criança no enfrentamento da doença e tratamento.

No cuidado com a criança e sua família, a equipe de enfermagem deve atuar de modo a propiciar apoio e conforto. É necessário que haja comunicação clara com a família, com troca de informações, explicações e orientações sobre a doença. No tocante à criança, é preciso haver compreensão por suas reações, na realização dos cuidados e procedimentos, minimizando o sofrimento delas.

Entre as expectativas da família com relação ao cuidado da equipe de enfermagem, estão aquelas relacionadas a ações voltadas para propiciar conforto, oferecer carinho e apoio, além do fornecimento de informações, por meio de escuta ativa, conversas e explicações sobre a patologia, o tratamento e os cuidados necessários para atender às demandas das crianças em tratamento oncológico. Essas expectativas expressam a necessidade de cuidado oferecido de maneira humanizada.

 

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Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a materia em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf

 

 

Recebido: 26/04/2013
Revisado: 09/06/2014
Aprovado: 16/06/2014