ARTIGOS ORIGINAIS

 

Diagnóstico de enfermagem “desempenho do papel ineficaz” em puérperas: estudo descritivo

 

Bárbara Maranhão Calábria Cavalcanti1, Denise Cibelle Rodrigues Marques2, Fernanda Jorge Guimarães3, Suzana de Oliveira Mangueira3, Iracema da Silva Frazão3, Jaqueline Galdino Albuquerque Perrelli3

1Universidade Federal de Pernambuco
2Prefeitura de Afogados da Ingazeira
3Universidade Federal de Pernambuco

 


RESUMO
Objetivo: Investigar o diagnóstico de enfermagem “desempenho do papel ineficaz” em puérperas de unidades de saúde da família.
Método: Estudo descritivo, desenvolvido no interior de Pernambuco. A amostra foi de 51 puérperas. Os elementos componentes do diagnóstico apresentado foram identificados por meio de uma escala de rastreamento para depressão pós-parto (Postpartum Depression Screening Scale – PDSS).
Resultados: Identificou-se o desempenho do papel ineficaz em 52,9% das puérperas. Ansiedade, adaptação inadequada e autocontrole inadequado foram as características definidoras mais frequentes. Situação econômica desfavorecida, estresse e baixo nível de instrução foram os fatores relacionados com maiores percentuais.
Discussão: o fenômeno apresenta relação com sintomas depressivos no pós-parto indicados na PDSS, especialmente ansiedade e irritabilidade que interferem substancialmente na relação entre mãe e filho.
Conclusão: a PDSS possibilitou a verificação de uma resposta humana no período puerperal, portanto é um importante instrumento a ser introduzido nas atividades dos profissionais da Estratégia Saúde da Família.
Descritores: Diagnóstico de Enfermagem; Relações Mãe-Filho; Desempenho de Papéis; Depressão Pós-Parto.


INTRODUÇÃO

A maternidade é um processo iniciado na vida da mulher antes da gestação. Trata-se de um momento de planejamento, expectativa e desejos de ser mãe. Durante a gravidez, a mãe interage com o seu bebê por meio do toque na barriga, conversas rotineiras, observação dos movimentos fetais, além de atribuir características físicas, sociais e emocionais para o seu filho. Assim, se iniciam as primeiras relações de apego entre a mãe e o seu bebê(1).

A Teoria do Apego desenvolvida por Bowlby(2) propõe que existe uma necessidade humana de desenvolver vínculos afetivos íntimos, com função biológica de sobrevivência da espécie, desde a fase fetal e se estenderia até a velhice. Na infância, essas interações emocionais se desenvolvem primeiramente com os pais com o intuito de trazer conforto, proteção, carinho e amor. Na adolescência e na vida adulta, essas relações são aprimoradas, modificadas e novos laços com outras pessoas importantes são desenvolvidos e agregados.

Após o nascimento, o estreitamento desse vínculo afetivo entre os pais e o bebê acontece de forma individualizada e específica, conforme a resposta de todos os envolvidos no processo. É no puerpério que todo o processo da gravidez e parto é consolidado para o início de uma nova fase no curso da vida, pois os pais têm a oportunidade de conhecer o filho, tocá-lo, prestar os cuidados e exercer o seu papel.

O bebê, por sua vez, sinaliza a esses estímulos, no sentido de comunicar se estão sendo prazerosos ou não esses momentos de interação(1,3).

A teoria de Bowlby considera que a qualidade dessas relações, mais especificamente entre mãe e bebê, exerce influência direta na saúde mental da criança, devendo, portanto, ser calorosa, íntima, carinhosa e contínua, proporcionando prazer e conforto para ambos(2).

Contudo, sabe-se que o ciclo gravídico-puerperal torna a mulher mais vulnerável às alterações de natureza psíquica, incluindo os transtornos mentais no puerpério, especialmente a depressão pós-parto (DPP)(4). Um estudo de revisão mostrou que, no Brasil, as taxas de ocorrência desse transtorno têm variado de 7,2 a 43%(5).

Essa patologia é definida como uma desordem de humor evidenciada nas primeiras semanas após o parto, que acarreta consequências negativas para mãe, bebê e família. Os sintomas são: humor deprimido, cansaço, desânimo, alterações de sono, falta de concentração, crise de choro, fadiga, falta de interesse nas atividades diárias e perda de prazer. Podem estar presentes os pensamentos suicidas e sentimentos excessivos de culpa(4).

Essa sintomatologia interfere substancialmente nos cuidados que a mãe deve realizar com o recém-nascido, influenciando negativamente seu papel de mãe. Dessa forma, observa-se a necessidade de se investigar quais os fatores que predizem a instalação desse quadro na mulher no período pós-parto, nos quais o enfermeiro pode intervir e minimizar os danos na relação entre mãe e filho, além de promover a saúde mental de ambos.

O enfermeiro desenvolve uma série de atividades no âmbito da saúde da mulher, especialmente no ciclo gravídico-puerperal, desde o pré-natal até o período pós-parto(6). Ademais, durante os primeiros anos de vida do bebê, esse profissional acompanha o crescimento e desenvolvimento da criança e tem a oportunidade de verificar dificuldades vivenciadas pela mulher no exercício de seu papel de mãe.

No entanto, a assistência de enfermagem não tem incluído precisamente em seu planejamento de cuidado os aspectos relacionados com a saúde mental dessa clientela. Esse fato pode estar relacionado com a deficiência de treinamentos nessa área de atuação e ausência de programas direcionados à saúde mental que capacitem o enfermeiro para a identificação de situações de riscos que direcionarão as suas intervenções.

Diante disso, com o intuito de proporcionar informações precisas que possam estruturar o processo de trabalho do enfermeiro com relação à saúde mental da mulher no puerpério, esse estudo tem como foco a identificação do diagnóstico de enfermagem “desempenho do papel ineficaz”.

Esse fenômeno é apresentado pela Taxonomia da NANDA International e definido como “padrões de comportamento e auto-expressão que não combinam com o contexto, as normas e as expectativas do ambiente”(7).

O estudo possibilitará o conhecimento das necessidades psicossociais da mulher no período pós-parto e direcionará as intervenções de enfermagem no sentido de promover a saúde mental da mulher e de auxiliá-la no exercício do papel de mãe.

Diante do exposto, o objetivo desta pesquisa foi identificar o diagnóstico de Enfermagem “desempenho do papel ineficaz” em puérperas, com base em uma escala de rastreamento para depressão pós-parto.

 

MÉTODO

Natureza do estudo
Trata-se de um estudo descritivo com abordagem quantitativa, desenvolvido em três Unidades de Saúde da Família (USF) situadas no interior de Pernambuco. Convém salientar que nessas unidades, o enfermeiro não desenvolve atividades específicas direcionadas à promoção da saúde mental da mulher. Esse fato ressalta a importância da aplicação desse estudo nesse contexto assistencial.

População e amostra
A população foi composta por puérperas atendidas em três USF. Os critérios de inclusão foram: mulheres na faixa etária de 15 a 49 anos, que estivessem entre duas e vinte seis semanas pós-parto e alfabetizadas. Óbito do recém-nascido durante o período de coleta e deslocamento da puérpera da área de cobertura da USF foram os critérios de exclusão adotados. A amostra foi de 51 mulheres selecionadas de forma consecutiva à medida que se encaixavam nos critérios de inclusão pré-estabelecidos. As participantes que aceitaram participar da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Variáveis do estudo
Foram investigadas as seguintes características definidoras do diagnóstico em questão: adaptação inadequada à mudança, ansiedade, autocontrole inadequado, depressão, desempenho do papel ineficaz, enfrentamento inadequado, incerteza, insatisfação com o papel, percepção do papel alterada, pessimismo e sentimento de impotência. Quanto aos fatores relacionados, foram averiguados: falta de educação, baixa autoestima crônica e situacional, depressão, situação econômica desfavorecida, estresse e idade jovem.

As características definidoras e os fatores relacionados citados foram selecionados de acordo com uma escala de rastreamento de depressão pós-parto denominada Postpartum Depression Screening Scale (PDSS) desenvolvida por Beck e Gabler(8). Esse instrumento encontra-se adaptado e validado para população de mulheres brasileiras e possui elevado coeficiente de confiabilidade (α=0,95)(9). Por isso, com o intuito de fornecer achados precisos e acurados, optou-se por utilizar essa escala para identificar os elementos do diagnóstico de enfermagem “desempenho do papel ineficaz”. Cada item da escala foi analisado para se determinar a presença ou ausência das características e dos fatores relacionados ao fenômeno em estudo.   

Instrumento e procedimento de coleta de dados
A PDSS é uma escala autoaplicável com respostas tipo Likert que avaliam níveis de intensidade de sintomas. O instrumento contém 35 itens distribuídos em sete dimensões: distúrbios do sono/apetite, ansiedade/segurança, labilidade emocional, prejuízo cognitivo, perda do eu, culpa/vergonha e intenção de causar dano a si. Cada dimensão é composta de cinco itens que descrevem os sentimentos da mãe após o nascimento de seu bebê(8,9).

A coleta de dados ocorreu nos meses de fevereiro e março de 2011, durante a visita domiciliar à puérpera e/ou consulta de puericultura na USF. As puérperas foram solicitadas a indicar seus graus de discordância ou concordância com cada item da PDSS em um nível que varia de forte discordância(1) a forte concordância (5). Para preencher o instrumento, a mulher foi orientada a assinalar a resposta que melhor identificou seu estado de humor nas duas últimas semanas que antecederam a coleta. O ponto de corte para indicação de sintomas de DPP é 102(9).

Análise dos dados
Os itens da escala foram inseridos em uma planilha do software Excel versão 2003 e relacionados com os elementos componentes do diagnóstico de enfermagem(7): características definidoras e fatores relacionados, apresentados em tópico anterior.

Após essa etapa, dois enfermeiros avaliaram os itens e sua relação com as características definidoras e fatores relacionados, assim como averiguaram esses dois últimos elementos para determinarem a presença ou ausência do “desempenho do papel ineficaz”. Quando houve discordância entre esse par, um terceiro enfermeiro foi convidado a avaliar o fenômeno. 

Os dados foram analisados com o apoio do pacote estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 17.0. Para a descrição das variáveis foram utilizadas frequências absolutas e relativas. Verificou-se a associação entre o diagnóstico de enfermagem e os fatores relacionados por meio do Teste de qui-quadrado ou Teste exato de Fisher.

O estudo foi encaminhado ao Comitê de Ética do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco (CEP/CCS/UFPE), e obteve parecer favorável por meio do ofício número 324/2011. Foram atendidos os aspectos contidos na Resolução 466/12 sobre pesquisa com seres humanos do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde(10).

 

RESULTADOS

As participantes apresentaram idade compreendida entre 16 e 36 anos, com média de 25,06 anos. Aproximadamente 70,0% das mulheres residem na zona urbana. A média de filhos por família foi 2,39.

Quanto ao estado civil, 47,1% são casadas e 43,1% possuem união estável. Com relação ao nível de escolaridade, 41,2% cursaram o ensino médio completo. No que concerne à ocupação, mais da metade (51,0%) são donas do lar. Quanto ao planejamento da gravidez, cerca de10,0% das puérperas não desejaram a gravidez e estão na faixa etária de 16 a 27 anos.

Conforme já mencionado, utilizou-se a escala de rastreamento (PDSS) para a identificação das características definidoras e fatores relacionados ao “desempenho do papel ineficaz”. Os dados estão apresentados na tabela 1.


Tabela 1: Distribuição das características definidoras e dos fatores relacionados ao diagnóstico de enfermagem “desempenho do papel ineficaz” em puérperas. Vitória de Santo Antão - Pernambuco, 2013


VARIÁVEIS

N

%

Características definidoras

Ansiedade

33

64,7

Adaptação inadequada à mudança

22

43,1

Autocontrole inadequado

22

43,1

Percepções do papel alteradas

19

37,3

Enfrentamento inadequado

16

31,4

Sentimento de impotência

12

23,5

Insatisfação com o papel

6

11,8

Pessimismo

5

9,8

Depressão

4

7,8

Fatores relacionados

Estresse

28

54,9

Baixo nível de instrução (falta de educação)

25

49,0

Economicamente desfavorecido

16

31,4

Baixa autoestima

9

17,6

Juventude

8

15,7

Depressão

4

7,8

Diagnóstico de enfermagem: desempenho do papel ineficaz

Presente

27

52,9

Total

51

100,0

Fonte: dados da pesquisa
O diagnóstico de Enfermagem foi identificado em 52,9% das puérperas entrevistadas. Quanto às características definidoras, as mais frequentes foram: ansiedade (64,7%), adaptação inadequada à mudança (43,1%) e autocontrole inadequado (43,1%). Encontrar-se em uma situação econômica desfavorecida, estresse e baixo nível de instrução foram os fatores relacionados mais presentes. Em contrapartida, embora a baixa autoestima (15,7%), juventude (15,7%) e depressão (7,8%) tenham apresentado menores percentuais, são indicadores extremamente relevantes para a identificação de alterações no exercício da maternidade. A tabela 2 mostra as associações entre os fatores relacionados e a presença do diagnóstico de enfermagem em questão.


Tabela 2: Associação entre os fatores relacionados e a presença do diagnóstico de enfermagem “desempenho do papel ineficaz” em puérperas. Vitória de Santo Antão - Pernambuco, 2013


VARIÁVEIS

N

%

Valor p

Fatores relacionados

Estresse

28

54,9

<0,001*

Baixo nível de instrução (falta de educação)

25

49,0

0,668*

Economicamente desfavorecido

16

31,4

0,749*

Baixa autoestima

9

17,6

0,002*

Juventude

8

15,7

0,120*

Depressão

4

7,8

0,113**

Fonte: dados da pesquisa
*Teste de qui-quadrado; **Teste exato de Fisher

 

DISCUSSÃO

O diagnóstico “desempenho do papel ineficaz” está presente no cotidiano das mães atendidas em USF, portanto é um fenômeno que demanda intervenções de enfermagem que auxiliem as mulheres no exercício da maternidade.

Os achados mostraram que aproximadamente 50,0% das participantes exercem atividades remuneradas que exigem que elas se ausentem de sua residência, de modo que apresentam dificuldades para dedicar maior tempo aos cuidados com o seu filho. Um estudo acerca da experiência da maternidade mostrou que mães que optam por afastar-se de seus filhos em função do trabalho apresentam altos níveis de culpa e inadequação ao exercício da maternidade. Este fato estaria associado a maior ansiedade frente à separação do bebê e ao sentimento de ser a única pessoa capaz de cuidar do recém-nascido, implicando na resistência e até rejeição de cuidados alternativos(11).

Quanto ao nível de instrução, quase metade relatou menos de dez anos de estudo. A baixa escolaridade aumenta as chances de ocorrer uma gravidez não planejada ou indesejada, acometendo principalmente a faixa etária jovem, e é responsável pela ruptura das expectativas e aspirações dos planos futuros(12).

No entanto, quando a gestação é deseja e planejada, uma parcela das adolescentes criam expectativas positivas quanto ao seu futuro e ao do seu filho. Além disso, após o nascimento do bebê, os seus sonhos e objetivos se concretizam e proporcionam o que há de melhor para ao seu filho(12). Os dados corroboram com os achados na amostra de puérperas estudadas, pois a maioria (90,4%) afirmou ter planejado ou desejado a gravidez.

A ansiedade tem sido foco de atenção de alguns pesquisadores em razão da crença de que, na puérpera, os quadros ansiosos são exacerbados nesse período(5). Durante o puerpério, devido aos efeitos negativos da ansiedade, ficam nítidas a redução da capacidade de enfretamento, a diminuição da sensibilidade e o aumento dos sentimentos de ineficácia no desempenho do cuidado com a criança. Além de proporcionar efeito negativo sobre a galactopoese e sobre a qualidade do vínculo mãe-bebê(13).

Neste estudo, a presença da ansiedade foi claramente evidenciada por 64,7% das puérperas, ressaltando a importância do diagnóstico precoce na atenção primária, ao passo que é nesse contexto que ocorre o primeiro contato da mulher com a equipe de saúde.

A medida terapêutica é importante, pois a ansiedade materna não se limita ao período puerperal, promovendo efeitos em longo prazo na relação afetiva. Muitas mães com altos níveis de ansiedade no pós-parto tem uma maior probabilidade de apresentar sinais de desadaptação no cuidado com os seus filhos quando comparadas às mães com baixos níveis de ansiedade no pós-parto(13).

A característica definidora adaptação inadequada à mudança é vista nos sintomas da DPP como: desânimo persistente, alterações do sono, ideias suicidas, redução do apetite e da libido, diminuição do nível de funcionamento mental e presença de ideias obsessivas(14). O despertar noturno do bebê e o sono agitado estão associados com os sintomas depressivos maternos. Durante o período noturno, a puérpera realiza atividades voltadas ao cuidado com o bebê como: amamentação, troca de fraldas dentre outras necessidades. Essas atividades executadas à noite associadas à DPP prejudicam a qualidade do sono e podem exacerbar os sintomas depressivos nessa mulher(15)

Os resultados revelam que as alterações ocorridas no ciclo circadiano da puérpera podem resultar numa adaptação inadequada a mudança vivenciada nessa fase da vida. Esse fato foi evidenciado neste trabalho, haja vista que 43,1% das mães apresentaram a característica definidora adaptação inadequada à mudança.

O sentimento de impotência presente em 23,5% das mulheres foi evidenciado na puérpera que, após o nascimento de um filho, experimenta sentimentos contraditórios e inconciliáveis com a imagem idealizada de maternidade ditada pela cultura. Dessa forma, estabelece um conflito entre o ideal e o vivido criando um sofrimento psíquico que pode instaurar-se numa depressão após o parto(16).

Essa situação foi observada durante o período de coleta de dados, uma vez que algumas mulheres apresentaram receio de expressar seus sentimentos em relação à maternidade diante de um membro da família, dos amigos e até da própria equipe de saúde de sua comunidade. Isso ocorre, possivelmente, em virtude da ausência do apoio dos familiares, em especial do pai da criança, o que contribui para a sobrecarga das mães com as tarefas que envolvem o bebê, a casa e os demais filhos.

A percepção do papel alterada (37,3%) pode estar relacionada com a percepção das mães sobre a maternidade, pois, antes, ela era estudante, esposa, dona de casa, possuía emprego fixo, entre outras atribuições, e, atualmente, além disso, ela é mãe, e apresenta uma série de dúvidas acerca do processo da maternidade no qual outros sujeitos estão envolvidos.

Um estudo de revisão integrativa analisou a mudança na autopercepção do papel de mulheres perante a hospitalização do recém-nascido e verificou-se que elas relataram não se sentirem completamente mães por não ser responsáveis pelo cuidado, não poderem cuidar à sua maneira e não ter com o filho a relação que imaginaram. Este estudo também mostrou alguns depoimentos de puérperas que expressava a dificuldade de desempenhar o papel devido à deficiência de conhecimento quanto aos cuidados com o seu bebê, sentimento de invalidez ou de não se sentir mãe. Alguns fatores contribuem para esta análise como a hipogalactia, o que reforça a percepção de que seu papel materno não está sendo exercido, podendo causar certo distanciamento no vínculo mãe-bebê(17).

O puerpério pode ser marcado por vários sentimentos conflitantes como: euforia e alívio, expectativa com o nascimento, sentimento de decepção com o filho, seja pelo sexo ou aparência física, aumento da autoconfiança, medo de não conseguir amamentar. Esses sentimentos refletem na insegurança de não ser capaz de cuidar e responder as necessidades do bebê ou o medo de não ser uma boa mãe(16).

Baixa autoestima foi verificada como fator relacionado ao diagnóstico “desempenho do papel ineficaz” em 17,6% das puérperas. Autoestima é definida como sendo o julgamento do indivíduo sobre si mesmo, com início na primeira infância, de fundamental importância na relação dele consigo e com os outros, trazendo influência na sua percepção acerca dos acontecimentos e de seu próprio comportamento(18).

Observaram-se nas unidades básicas de saúde, lócus deste estudo, que as atividades de assistência pré-natal e puerperal não incluíam aspectos relacionados à autoestima da mãe, abordando-se apenas as questões fisiológicas referentes à gestação, parto, pós-parto e cuidados com o recém-nascido.

Portanto, faz-se necessária uma reflexão acerca da estratégia educativa que vem sendo utilizada, de modo que a saúde psíquica da mulher, neste período, seja enxergada como algo primordial para o estabelecimento do vínculo entre mãe e filho, em sua totalidade, sem prejuízo para nenhum dos envolvidos.

A ausência de ações voltadas para a promoção da saúde mental da mulher, juntamente com a baixa escolaridade, gravidez não planejada e ausência da ajuda do parceiro após o nascimento do bebê, contribui para a baixa autoestima e podem desencadear outros sentimentos negativos durante esse período que interferem na relação afetiva entre mãe e filho(18).

Quanto ao fator relacionado juventude, vale ressaltar que a gestação nesse período da vida, na maioria dos casos, é enfrentada com dificuldade, pois reflete numa fase de transição, onde ocorre a rápida passagem da condição de filha para a de mãe. Nessa transição abrupta, a jovem mãe vivencia perdas de caráter social e familiar que refletem diretamente em seu estado emocional. Esse fato pode acarretar consequências psicológicas com aparecimento de sinais e sintomas que porão em risco uma gestação saudável(18).

O rastreamento por meio da PDSS revelou que 7,8% apresentaram escores indicativos de depressão no pós-parto. Esse transtorno é apontado no processo de diagnóstico em enfermagem como característica definidora e também fator relacionado ao “desempenho do papel ineficaz”.

Os sintomas depressivos nem sempre expressam um estado patológico. Entretanto, no período gestacional e puerperal, eles podem estar associados com outros fatores como ansiedade e irritabilidade, e podem evoluir para um processo patológico de difícil diagnóstico.

A ansiedade está relacionada com diminuição da responsividade e atenção dada às necessidades da criança pela mãe deprimida. Trata-se de um sinal de alerta que chama a atenção para um perigo iminente e permite ao indivíduo tomar medidas para lidar com a ameaça. Enquanto que a irritabilidade da mãe se refere à maior expressão de afeto negativo e menor tolerância frente aos comportamentos da criança(17)

Neste trabalho, foi verificado um quantitativo de quatro mulheres com indícios de DPP, o que é bastante significativo, pois equivale a aproximadamente 8% da amostra.

Além disso, 27 participantes apresentaram dificuldades para desempenhar o papel de mãe, por diversos motivos, dentre eles alguns sintomas depressivos no pós-parto e até outras características que não se traduziram em um transtorno, mas em uma situação em que o enfermeiro pode intervir com competência.

 

CONCLUSÃO

O uso da escala de autoavaliação PDSS possibilitou a verificação de uma resposta humana no período puerperal e o rastreamento da depressão pós-parto, no contexto da atenção primária, sendo um importante instrumento a ser introduzido nas atividades dos profissionais da Estratégia Saúde da Família.

O enfermeiro possui competência para utilizá-la, com vistas a qualificar a assistência oferecida às mulheres no pós-parto, ou até mesmo durante o período gestacional. Especificamente quanto ao diagnóstico “desempenho do papel ineficaz”, observou-se que a ansiedade e a adaptação ao papel de mãe, bem como a percepção da mulher quanto à maternidade foram aspectos presentes na amostra estudada e que merecem atenção especial do enfermeiro no exercício de sua assistência.

O estudo apresenta limitações referentes ao tamanho da amostra e quantitativo de USF utilizadas como lócus da pesquisa. Portanto, sugere-se a realização de outros estudos com amostras maiores de diversas unidades de saúde que abordem aspectos referentes à saúde mental da mulher, especialmente aqueles relacionados com o seu estado de humor na gestação e no puerpério que influenciam o seu papel de mãe.

 

REFERÊNCIAS

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Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a materia em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf

 


Recebido:08/03/2013
Revisado: 16/03/2014
Aprovado: 26/03/2014