ARTIGOS ORIGINAIS

 

Representações sociais de mulheres sobre gravidez, puerpério e ações educativas


Dafne Paiva Rodrigues1, Eryjosy Marculino Guerreiro1, Márcia de Assunção Ferreira2, Ana Beatriz Azevedo Queiroz2, Delano Franco da Costa Barbosa3, Ana Virginia de Melo Fialho1

1Universidade Estadual do Ceará
2Universidade Federal do Rio de Janeiro
3Prefeitura Municipal de Caucaia

 


RESUMO
Objetivo: Compreender as representações sociais de puérperas sobre a educação em saúde no ciclo gravídico-puerperal.
Método: Estudo descritivo norteado pela Teoria das Representações Sociais, desenvolvido em nove Centros de Saúde da Família de Fortaleza, Ceará. Os sujeitos da pesquisa foram usuárias cadastradas em um dos referidos centros, em período pós-parto, maiores de 18 anos, com no mínimo seis consultas pré-natal e uma consulta puerperal. Utilizou-se o Teste de Associação Livre de Palavras.
Resultados: As primíparas associam ações educativas com educação familiar. Quanto às multíparas, têm em suas evocações representações das ações de saúde prestadas pelo médico, cursos e palestras.
Discussão: As multíparas passam por um processo de ressignificação da sua experiência após as consultas. Impõe-se o saber científico e desvaloriza-se o saber popular.
Conclusão: É preciso ressignificar as ações educativas para que sejam entendidas como veículo de construção de saberes, rompendo a tradicional concepção de transmissão e reprodução.
Descritores: Educação em Saúde; Enfermagem; Mulheres; Gravidez; Período Pós-parto.


 

INTRODUÇÃO

As políticas voltadas para a saúde da mulher enfatizam ao longo dos anos a necessidade de educar em saúde durante todo o ciclo gravídico-puerperal por se tratar de um momento novo, único e repleto de modificações na vida da mulher e de sua família.

Em 1984, o Ministério da Saúde elaborou o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), que incorporou como princípios e diretrizes as propostas de descentralização, hierarquização e regionalização dos serviços, bem como a integralidade e a equidade da atenção(1). Porém, uma das maiores críticas ao programa é que não foi de fato regionalizado, apesar de ter sido um marco nas políticas de saúde da mulher, fruto principalmente dos movimentos feministas.

No ano de 2000, o Ministério da Saúde instaura o Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (PHPN), seguindo os princípios primeiramente apresentados no PAISM para garantir uma melhor assistência à mulher no ciclo gravídico-puerperal, todavia, adotando um conceito de saúde mais amplo. O PHPN traz a perspectiva da mulher como sujeito promotor de sua saúde e a garantia de seus direitos reprodutivos, sendo a humanização da assistência a sua principal estratégia(2).

Alguns anos mais tarde, em 2004, mais uma conquista é alcançada no âmbito da saúde da mulher com a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM), que teve como eixos norteadores: a promoção da saúde, o gênero e a integralidade. Um dos seus objetivos é promover a melhoria das condições de vida e saúde das mulheres brasileiras, mediante a garantia de direitos legalmente constituídos e ampliação do acesso aos meios e serviços de promoção, prevenção, assistência e recuperação da saúde em todo o território(1).

Esse acesso foi ampliado através da Política Nacional de Atenção Básica, em 2006, que propôs a criação da Estratégia de Saúde da Família (ESF), permitindo a reorientação do modelo biomédico, e por meio da Política Nacional de Promoção da Saúde, a qual estabelece a operacionalização da promoção de saúde, tomando como objeto os problemas e necessidades de saúde, seus determinantes e condicionantes(3).

Vale destacar ainda a Rede Cegonha, implantada via Portaria nº 1.459, a qual assegura à mulher o direito à atenção humanizada durante todo o ciclo gravídico-puerperal e em todos os níveis de atenção. Esse modelo de atenção ao parto e ao nascimento foi inspirado na qualificação das maternidades e no programa Cegonha Carioca, que busca a redução da mortalidade materna e infantil e incentiva o pré-natal na ESF mediante acolhimento, visita à maternidade, atenção pré-natal e transporte(4).

Quanto à ESF, apresenta como ideia central uma prática educativa que visa à promoção de saúde por meio de um conjunto de atividades orientadas a melhorar as condições de bem-estar e acesso a bens e serviços sociais. Conta com o suporte de estar alocada no território da comunidade a ser atendida e com equipe multidisciplinar, além de considerar a contextualidade, integralidade e educação em saúde em todas as atividades desenvolvidas(5).

Dessa forma, a educação em saúde pode ser vista como importante ferramenta para promover a emancipação do sujeito, caso os envolvidos no processo a percebam como possibilidade de transformação e desenvolvam ações educativas que favoreçam o fortalecimento da autonomia.

A educação em saúde no ciclo gravídico-puerperal envolve as usuárias com papel de destaque, por serem o centro do processo educativo, possibilitando inferir a existência de representações nesse grupo. Entende-se, portanto, que a forma de expressão das puérperas no processo educativo fornece direcionamentos acerca da educação em saúde na gestação e no puerpério.

Neste sentido, o objeto da pesquisa é a educação em saúde sob o olhar social dos significados, considerando os indivíduos como portadores de um saber construído e partilhado socialmente pela interação(6).

Adotou-se a Teoria das Representações Sociais como a possibilidade teórica capaz de nortear como os indivíduos agem sobre a realidade, especificamente as usuárias sobre a educação em saúde no ciclo gravídico-puerperal, tendo como base um sistema de valores definido sob a influência social.

Para gerar representações sociais, o objeto deve ter suficiente relevância cultural ou espessura social. Deve ser um fenômeno para o conjunto social escolhido para representá-lo, estando implicado, de forma consistente, em alguma prática do grupo, detectado em comportamentos e comunicações que de fato ocorram sistematicamente(7). Assim, entendendo a educação em saúde como fenômeno social, tem-se como objetivo deste estudo: apreender as representações sociais de puérperas sobre a educação em saúde no ciclo gravídico-puerperal.

 

MÉTODO

Trata-se de um recorte da dissertação intitulada “Representações sociais de puérperas sobre a educação em saúde no ciclo gravídico-puerperal”. Pesquisa descritiva norteada pela abordagem processual da Teoria das Representações Sociais(6,8).

O estudo foi desenvolvido em nove Centros de Saúde da Família (CSF) da Secretaria Executiva Regional (SER) IV do município de Fortaleza, Ceará. Os sujeitos da pesquisa foram o grupo de usuárias que atenderam aos critérios de inclusão: cadastradas em um dos centros, que estivessem no período pós-parto, maiores de 18 anos, que realizaram no mínimo seis consultas de pré-natal e uma consulta puerperal. O critério de exclusão foi: mulheres que saíram da área de abrangência do CSF, por mudança de endereço, no período da coleta de dados.

Escolheu-se mulheres no puerpério por puderem relatar sua vivência durante todo o ciclo, que tivessem no mínimo seis consultas de pré-natal, por ser este o preconizado pelo Ministério da Saúde(9) e uma consulta puerperal pelo número reduzido de usuárias que realizam consultas puerperais(10). Participaram desta pesquisa 115 puérperas, divididas em dois grupos: 54 primíparas e 61 multíparas.

A entrada nos locais de investigação foi efetivada após parecer de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará, com número: 26905, de 14 de maio de 2012, e autorização emitida pelo Sistema Municipal de Saúde Escola e pelo Distrito de Saúde/Atenção Básica da SER IV, de acordo com a resolução nº 196/96, que regulamenta a pesquisa com seres humanos(11). Mediante autorização do estudo, a coleta de dados ocorreu entre os meses de maio a julho de 2012.

Houve um contato inicial entre pesquisadores e pesquisadas nos CSF e nas residências, por intermédio dos agentes comunitários de saúde. O contato foi sucedido por esclarecimento, que compreendeu a apresentação dos pesquisadores e a explicação às pesquisadas do que se pretendia fazer e o porquê, assegurando o anonimato de suas respostas, assim como, a importância de suas contribuições, oferecendo-lhes, por fim, a liberdade para participar ou não do estudo. A aceitabilidade implicou na assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foi utilizado um instrumento de produção de dados para traçar um perfil sóciofamiliar demográfico e obstétrico das participantes e, posteriormente, o Teste de Associação Livre de Palavras (TALP).

O TALP é caracterizado por ser uma técnica projetiva que favorece os indivíduos a revelarem o conteúdo latente da memória em relação a um objeto determinado implícito, muitas vezes, em seus depoimentos. O procedimento de aplicação é bastante simples, bastando pronunciar diante do sujeito uma ou mais palavras, denominadas indutoras. Em resposta, o sujeito deve verbalizar o mais rápido possível as primeiras palavras que lhe vêm à mente. Deve-se ter o cuidado de não permitir que haja tempo para elaboração das respostas, estas deverão ser enunciadas o mais rápido possível(12).

As palavras indutoras escolhidas para este estudo foram quatro: ações educativas; gravidez; resguardo; ações educativas na gravidez e no resguardo. As palavras foram escolhidas com vista a aproximarem-se da linguagem simples e facilmente entendida pelas usuárias.

Após a aplicação do teste, para cada estímulo indutor foi criado um dicionário em que foi inserido todo o repertório de respostas evocadas por toda a amostra com relação ao respectivo estímulo indutor. Em seguida, as respostas foram organizadas por ordem alfabética para verificação das respostas mais frequentes e agrupamento daquelas de maior frequência às palavras que possuíam a mesma similaridade semântica, mas que apareceram isoladamente ou possuíam frequência estatisticamente irrelevante. Uma vez organizados os dicionários, foi construído o banco de dados(12-13).

Foram escolhidas três variáveis fixas: paridade, escolaridade e idade. O processamento dos dados foi realizado através do software Trideux 5.1, que permite a análise fatorial de correspondência dos dados. Com o programa foi possível verificar correlações entre os grupos, assim como visualizar as relações de atração e de afastamento entre os elementos do campo representacional a propósito do objeto(12,14). O Trideux evidencia as variáveis fixas em colunas e as modalidades ou variáveis de opiniões em linhas, que se confrontam e se revelam graficamente na representação do plano fatorial(13).

 

RESULTADOS

Perfil sóciofamiliar demográfico e obstétrico das participantes do estudo

Os dados provenientes da captação do perfil das 115 mulheres que realizaram o TALP foram submetidos a tratamento estatístico por frequência simples e percentual, e organizados em tabelas capazes de propiciar sua visualização e entendimento (Tabelas 1 e 2).


No que condiz ao perfil sociodemográfico, a Tabela 1 destaca que houve variação das idades de 18 a 41 anos, predominando a faixa etária entre 18 e 25 anos (46,9%), com menor frequência de puérperas com idade acima de 33 anos (19,1%). Com relação a viver com companheiro ou não, a maioria morava com companheiro (57,4%), sendo 35 mulheres casadas e 31 em situação de união estável, enquanto que 42,6% não tinha companheiro.

No que se refere à escolaridade, 27,8% possuía ensino fundamental incompleto, 26,1% ensino médio completo e 25,2% ensino médio incompleto. Somente uma (0,9%) puérpera cursou pós-graduação. Quanto ao trabalho remunerado, mais da metade (58,3%) possuía algum trabalho remunerado, seguida das mulheres que não possuíam qualquer trabalho com remuneração (41,7%).

As profissões exercidas por ordem de representatividade das mulheres foram: atividades no próprio lar (42), empregadas domésticas (19), estudantes (9), costureiras (5), vendedoras (4), diaristas (3), babás (3), cozinheiras (2), manicures (2), comerciantes (2), promotoras de vendas (2), artesãs (2), garçonetes (2), servidoras públicas (2), auxiliar de produção (1), nutricionista (1), agricultora (1), atendente (1), operadora Call Center (1), recepcionista (1), gerente de loja (1), setor administrativo (1), ambulante (1), copeira (1), pedagoga (1), caixa (1), serviços gerais (1), distribuidora (1), auxiliar de cozinha (1), auxiliar de escritório (1), bordadeira (1), zeladora (1) e auxiliar de costura (1).


A Tabela 2 apresenta o perfil obstétrico das puérperas do estudo, e evidencia que a maioria era multípara (53,0%), realizou nove consultas de pré-natal (29,6%), teve tipo de parto cesáreo (65,2%), compareceu a uma consulta puerperal (88,7%), não possuía qualquer doença ou agravo de saúde (85,2%) e nem teve intercorrências neste ciclo gravídico-puerperal (78,3%).

Quanto às 14,8% que referiram alguma doença ou agravo de saúde, seis apresentaram algum tipo de alergia (rinite, sinusite, asma), quatro eram hipertensas, duas eram colecistectomizadas, duas sofreram de anemia, duas de epilepsia/convulsões, uma de doença celíaca, uma era diabética e uma apresentou quadro depressivo.

Em relação às intercorrências no ciclo gravídico-puerperal, que acometeram 21,7% das puérperas, pode-se citar: hipertensão arterial (9), ameaça de aborto (4), diabetes gestacional (3), infecção urinária (3), pré-eclâmpsia/eclâmpsia (3), convulsões (1), descolamento prematuro de placenta (1), mioma (1), sofrimento fetal (1), gravidez gemelar (1), infecção renal (1) e conjuntivite (1).

Vale ressaltar o quantitativo de partos cesáreos (75), apesar do número reduzido de mulheres que sofreram intercorrências na última gestação, parto e puerpério (25).


Análise fatorial de correspondência: evocações emitidas pelas puérperas

Para esta análise, foram utilizadas as 1.422 palavras evocadas no TALP como enriquecedoras na busca pela compreensão das representações sociais de puérperas sobre a educação em saúde no ciclo gravídico-puerperal. Os estímulos indutores ou variáveis de opinião utilizados foram: ações educativas; gravidez; resguardo; e ações educativas na gravidez e no resguardo (Quadro 1).

 

O Gráfico 1 representa os dois eixos, Fator 1 (F1) no eixo horizontal e Fator 2 (F2) no eixo vertical. O Fator 1 encontra-se representado com destaque em negrito, enquanto que o Fator 2, por destaque itálico. As variáveis fixas (paridade, escolaridade e idade) estão representadas em letras maiúsculas.

No F1, linha horizontal, no lado direito do plano, encontra-se a palavra mais representativa e sua correspondência por fator (CPF), construída pelas primíparas (CPF: 281) em relação ao estímulo ações educativas, a saber: ensino (CPF: 41). Por sua vez, no lado esquerdo evidencia-se o grupo de multíparas (CPF: 245), na faixa etária entre 34 e 41 anos (CPF: 297) apresentando as seguintes evocações sobre o mesmo estímulo: respeito (CPF: 33), médico (CPF: 25) e saúde (CPF: 12).

Ainda no F1, lado direito, encontra-se o campo semântico elaborado pelas primíparas em relação ao estímulo gravidez, a seguir representadas: dedicação (CPF: 38), cuidado (CPF: 28) e amor (CPF: 17). No lado oposto, o grupo de multíparas, na faixa etária entre 34 e 41 anos, evoca as seguintes palavras: enjoo (CPF: 35), parto (CPF: 28) e pré-natal (CPF: 19).

Quanto ao terceiro estímulo, resguardo, no F1, lado direito, as palavras evocadas pelo grupo de primíparas foram: bom (CPF: 25), mãe (CPF: 22) e deitada (CPF: 18). No lado esquerdo, representado pelo grupo de multíparas, na faixa etária entre 34 e 41 anos, destacaram-se as seguintes palavras: cansaço (CPF: 49), amamentação (CPF: 16) e alimentação (CPF: 12).

Por fim, no quarto estímulo, ações educativas na gravidez e no resguardo, as primíparas evocaram as seguintes palavras no F1, lado direito: amamentação (CPF: 49), aprender (CPF: 44) e mãe (CPF: 36). No lado esquerdo, as multíparas, na faixa etária entre 34 e 41 anos, elaboraram as palavras: saúde (CPF: 55), bom (CPF: 46), orientação (CPF: 39), bebê (CPF: 31) e hospital (CPF: 12).

No F2, polo superior, em relação ao estímulo ações educativas, as palavras expressas pelo grupo de primíparas, que cursaram até o ensino fundamental (CPF: 311), na faixa etária de 18 a 25 anos (CPF: 183) foram: casa (CPF: 47), pais (CPF: 29) e mãe (CPF: 14). No polo inferior, representado pelo grupo de multíparas, na faixa etária de 26 a 33 anos (CPF: 152), que cursaram até o ensino médio (CPF: 97) ou até o ensino superior (CPF: 217) foram: ações (CPF: 68), cursos (CPF: 56), estudo (CPF: 14) e professor (CPF: 13).

Em relação ao estímulo gravidez, no F2, têm-se no polo superior as palavras representativas: dor (CPF: 12) e filhos (CPF: 13), caracterizado pelo grupo de primíparas, que cursaram até o ensino fundamental, na faixa etária de 18 a 25 anos. No polo inferior, a palavra trabalho (CPF: 42) representa o grupo de mulheres multíparas, na faixa etária de 26 a 33 anos, que cursaram até o ensino médio ou até o ensino superior.

Ainda no F2, as evocações emitidas para o estímulo resguardo, no polo superior, foram: casa (CPF: 26) e ruim (CPF: 25), representando o grupo de primíparas, que cursaram até o ensino fundamental, na faixa etária de 18 a 25 anos. No polo inferior: neném (CPF: 46), repouso (CPF: 26) e paciência (CPF: 15), representando o grupo de mulheres multíparas, na faixa etária de 26 a 33 anos, que cursaram até o ensino médio ou até o ensino superior.

No polo superior do F2, quanto ao estímulo ações educativas na gravidez e no resguardo, têm-se as palavras evocadas: posto (CPF: 35), mamar (CPF: 30), enfermeiro (CPF: 22), alimentação (CPF: 21) e vacina (CPF: 15). No polo inferior: palestra (CPF: 68), acompanhamento (CPF: 39), consulta (CPF: 31) e pré-natal (CPF: 26), representando o grupo de mulheres multíparas, na faixa etária de 26 a 33 anos, que cursaram até o ensino médio ou até o ensino superior.

No Quadro 2, apresentou-se sucintamente as evocações dos dois grupos: primíparas e multíparas.

 

DISCUSSÃO

Quanto ao perfil obstétrico das participantes, vale ressaltar o alarmante quantitativo de partos cesáreos nos serviços públicos de saúde (75), tendo em vista que a maioria das mulheres não sofreu qualquer intercorrência durante o ciclo gravídico-puerperal (25). Esses dados confirmam o crescimento de cesáreas no Brasil e sua crescente ascensão. Em 2009, a proporção de partos cesáreos do setor público foi de 36,2%, bem aquém do que preconiza a Organização Mundial de Saúde (OMS)(15).

Na análise fatorial de correspondência trabalhou-se com grupos distintos de puérperas: primíparas e multíparas, para verificar a correlação entre os grupos. As palavras evocadas sobre ações educativas, gravidez, resguardo e ações educativas na gravidez e no resguardo permitiram a aproximação dos pesquisadores com os múltiplos universos de significados construídos nas relações sociais e interação entre as mulheres, haja vista a necessidade de conhecê-los e reconhecê-los para a compreensão e consequente intervenção na realidade(8,16).

Em relação ao primeiro estímulo, ações educativas, os conteúdos representativos para as primíparas associam-se ao ensino em casa, repassado de pais/mãe para filhos. A palavra ensino expressa uma educação vertical, diferente da palavra aprendizado, em que a mulher está inserida no processo educativo. Essa evocação remete-se ao poder da pedagogia tradicional.

Além disso, percebe-se a educação familiar nas evocações do grupo. Observa-se o processo de ancorar o objeto aos saberes previamente aprendidos pelas mulheres, em campos conhecidos(6,8). Nada mais natural que ancorar as ações educativas na sua experiência familiar, na vivência com os pais, com os filhos, na educação e formação deles para a vida.

Quanto às multíparas, têm suas evocações marcadas pela institucionalização do saber, ou seja, as ações de saúde prestadas pelo médico e os cursos, e ainda a educação escolar, fornecida pelo professor.

As primíparas percebem a família inserida no processo educativo, porém as consultas fortemente marcadas pelo referencial biomédico induzem nas multíparas a substituição da família pelo profissional médico como principal evocação para o processo educativo. O poder do discurso biomédico é capaz desqualificar os saberes das usuárias, a ponto de levá-las a não valorizar o que sabem e passarem por um processo de ressignificação da experiência. Após as consultas, desvalorizam o conhecimento que tem e valorizam apenas o conhecimento científico, mesmo com a experiência de uma gestação anterior.

Nesse sentido, impõe-se o saber científico mediante discurso autorizado dos profissionais de saúde e desvaloriza-se o saber popular. Desta forma, reproduzem-se as relações verticalizadas de poder, com passagens pontuais e generalizadas de informações sob a ótica e referencial da saúde(17). No entanto, os sujeitos não são meros portadores de ideologias, mas sim processam as informações, formam opiniões e constroem saberes, e agem de acordo com os sentidos que atribuem a estas experiências e vivências de seu cotidiano(6,8).

As representações da gravidez para o grupo de primíparas são relacionadas a sentimentos e sensações: dedicação, amor e cuidado com o filho e a dor sentida no momento do parto. Para elas, a gravidez é repleta de significações, uma experiência além do orgânico, do físico. Trazem muito mais o aspecto emocional, com o vínculo afetivo. Por outro lado, as multíparas remetem-se aos enjoos frequentes no período, às consultas de pré-natal realizadas e ao momento do parto como trabalhoso. Sua concepção de gravidez é mais concreta e objetiva.

As primíparas apreendem o resguardo como um período em que precisam passar mais tempo deitadas, descansando em casa e que pode ser bom ou ruim, similarmente à concepção das multíparas, as quais entendem o resguardo como cansativo, em que é preciso repouso, boa alimentação e paciência para os cuidados com o neném, como a amamentação.

A concepção de puérperas sobre as ações educativas na gravidez e no resguardo difere-se entre os grupos: as primíparas entendem estas ações como o processo de ensino no posto de saúde com o enfermeiro sobre vacina, amamentação, alimentação adequada e a como ser mãe. As multíparas remetem-se às palestras, às consultas de pré-natal, ao acompanhamento e às orientações hospitalares sobre a saúde e o bebê.

Tais evocações revelam que a educação em saúde é hegemonicamente bancária, tendo como abordagem prática as palestras e as orientações individuais, ambas focando o bebê e a amamentação. A palestra representa uma atividade didática pontual, com relação distante entre o promotor da ação e os outros ouvintes, permitindo a expressão das usuárias de maneira limitada, ao não lidar com as diversas subjetivações abordadas no método da problematização(5).

Por meio das palavras evocadas, percebe-se também que a mulher fica em segundo plano, deixando de ser mulher para ser mãe. O foco do cuidado é o bebê e não ela. O que pode ser percebido também em outros estudos, em que as mulheres acabam direcionando suas falas para a atenção e o cuidado com os filhos, o marido e a casa, demonstrando que a preocupação consigo não é prioridade(18-19).

 

CONCLUSÃO

No presente estudo, os conteúdos das representações das mulheres anunciam que a educação em saúde objetiva-se nas palestras e ainda nas atividades voltadas para a educação do filho, em espaços sociofamiliares como a casa ou a escola. As usuárias não restringiram os sentidos da educação em saúde ao campo formal do atendimento profissional, pois na produção dos sentidos sobre o objeto reconheceram a família como espaço legítimo de ação educativa, veiculada dos pais para os filhos, com um discurso marcado pela educação familiar.

Através das evocações emitidas pelas mulheres, pode-se afirmar que predomina o modelo tradicional de transmissão de informações. Os ensinamentos estão envoltos primordialmente para os cuidados ao bebê e à amamentação. A mulher fica à margem desse cuidado, desse aprendizado, como se após o nascimento do filho, deixasse de existir, de ser mulher para ser somente mãe.

Faz-se necessária a persistência dos profissionais no sentido de que sejam implementadas atividades que visem à melhoria das ações educativas na área de saúde da mulher, com o compartilhamento de saberes e interação entre as usuárias, gerando esforços para a realização da prática educativa como forma de melhorar o impacto dessa ação na saúde física, mental e emocional da mulher no ciclo gravídico-puerperal.

É preciso ressignificar as ações educativas para que sejam entendidas como veículo de construção de saberes e não de transmissão. Para provocar mudanças nestas representações sociais da ação educativa são necessários novos estudos com a introdução de outros elementos que possam reconfigurar o campo da representação.

A educação em saúde como direito deve romper com a visão assistencialista, mecanicista do corpo e apontar para o diálogo, socialização de saberes e práticas entre profissionais e usuárias. As relações que se estabelecem entre profissionais e usuárias nestas condições organizacionais e assistenciais que se apresentam oferecem limitadas possibilidades de se estabelecer uma comunicação efetiva que possa contribuir para o entendimento da mulher sobre sua condição de saúde, potencialidades e capacidades de mudanças pessoais e familiares.

Como limitações deste estudo, evidenciam-se o quantitativo de participantes e a restrição aos CSF de uma dada SER (IV), da capital do estado do Ceará, devendo a pesquisa ser ampliada para outras SER e municípios.

 

REFERÊNCIAS

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Participação dos autores na pesquisa:
Concepção: Dafne Paiva Rodrigues, Eryjosy Marculino Guerreiro;
Coleta de dados: Eryjosy Marculino Guerreiro;
Análise e interpretação: Dafne Paiva Rodrigues, Eryjosy Marculino Guerreiro, Márcia de Assunção Ferreira, Ana Beatriz Azevedo Queiroz;
Escrita: Dafne Paiva Rodrigues, Eryjosy Marculino Guerreiro, Delano Franco da Costa Barbosa;
Revisão crítica: Dafne Paiva Rodrigues, Márcia de Assunção Ferreira, Ana Beatriz Azevedo Queiroz, Ana Virginia de Melo Fialho;
Aprovação final do artigo: Dafne Paiva Rodrigues.

 

 

Recebido: 28/02/2013
Revisado: 14/11/2013
Aprovado: 17/11/2013