ARTIGOS ORIGINAIS
Perfil epidemiológico de presidiárias no estado da Paraíba-Brasil: estudo descritivo
Lannuzya Veríssimo Oliveira1, Gabriela Maria Cavalcanti Costa1, Kaio Keomma Aires Silva Medeiros1, Alessandro Leite Cavalcanti1
1Universidade Estadual da Paraíba
RESUMO
Objetivo: Descrever o perfil epidemiológico de presidiárias no estado da Paraíba.
Método: Estudo transversal, descritivo, quantitativo, realizado entre os meses de julho/outubro de 2012, em penitenciárias femininas. Obteve-se uma amostra de 227 sujeitos. Os dados foram coletados por meio de formulário e analisados à luz da estatística descritiva.
Resultados: Mulheres predominantemente paraibanas, na faixa etária de 18 a 28 anos (52,4%), com ensino fundamental incompleto (59%), sem relação conjugal (54,2%) e com filhos (82,4%). O tráfico de drogas (28,4%) e associação ao tráfico (13,3%) são as principais causas de aprisionamento. Verifica-se que 29,5% trabalham e 28,2% estudam na prisão; 25,9% possuem doenças diagnosticadas e 18,1% recebem acompanhamento de saúde.
Discussão: As condições epidemiológicas desfavoráveis precedem e talvez favoreçam o aprisionamento.
Conclusão: Presidiárias inseridas em um contexto social de pobreza e exclusão que dificulta os processos de ressocialização e implica negativamente nas suas condições de saúde.
Descritores: Saúde da Mulher; Prisão; Prisioneiros; Perfil de Saúde.
INTRODUÇÃO
Estudos recentes demonstram aumento no aprisionamento de mulheres em vários países, inclusive no Brasil(1). Tal fato gera preocupação, pois o sistema penitenciário brasileiro apresenta sinais de colapso, devido ao franco crescimento no contingente de indivíduos presos sem a correspondente adequação da estrutura física e de pessoal qualificado, repercutindo negativamente no cotidiano das prisões(2).
Para além da superlotação, as prisões se constituem em um ciclo de disseminação de doenças, aumento do consumo de drogas e exposição à violência(3). Tais aspectos creditam ao sistema prisional o status de problema de saúde pública(4), sobretudo na realidade social brasileira, onde o sistema penitenciário é reconhecidamente carente e obsoleto(5).
Apesar de o Brasil possuir dispositivos legais, a exemplo da Lei de Execução Penal, consoantes às principais recomendações internacionais que estendem os princípios democráticos ao cárcere(6), do ponto de vista prático, tais leis parecem possuir pouca aplicabilidade em razão das múltiplas violações de direitos essenciais como saúde, educação, trabalho, preservação de vínculos familiares e acesso a políticas de reintegração social(7), principalmente para os segmentos menos favorecidos da população, em que incluem-se as mulheres(6).
No que concerne à assistência às presidiárias, pressupõe-se que é ainda mais precária se comparada àquela ofertada aos homens presos, visto que a periculosidade não era concebida como característica feminina e as prisões não foram construídas com o propósito de atender às especificidades desta clientela(8).
Ademais, a notória falta de operacionalização na execução da assistência à população presa(9) decorre, também, do déficit de informações atualizadas sobre o sistema penitenciário(5) que dificulta o diagnóstico correto dos problemas, bem como o planejamento eficaz para resolvê-los, intensificando as precárias condições vivenciadas pelas presidiárias.
Por constatar as deficiências quanto aos direitos das mulheres presas, inclusive no tocante ao acesso a saúde, a Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde(10) traz em seu escopo temáticas relativas às mulheres presas. Outrossim, foi promulgada a Portaria nº 154, de 13 de abril de 2012 que institui a Comissão Especial, no âmbito do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), para a elaboração de propostas de ações referentes ao Projeto Mulheres, que dentre um de seus focos sugere a realização de pesquisas, estudos e estatísticas voltadas à mulher no Sistema Penal(11).
Mediante tais constatações e por acreditar em sua pertinência para subsidiar o direcionamento de políticas de saúde pública voltadas para presidiárias, desenvolveu-se este estudo com o objetivo de descrever o perfil epidemiológico das presidiárias no estado da Paraíba.
MÉTODO
Estudo transversal, descritivo, com abordagem quantitativa, realizado entre os meses julho a outubro de 2012 em quatro unidades prisionais femininas, subordinadas a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP) da Paraíba, nas cidades: Campina Grande (CG), Cajazeiras (CZ), João Pessoa (JP) e Patos (PT).
A população alvo correspondeu a 551 mulheres que estavam detidas no momento em que se propôs a realização desta pesquisa. A amostra foi calculada a partir da seguinte fórmula: n = N. Z2.P(1-P)/(N-1). e2+ Z2. P(1-P), em que: n = valor da amostra; N = valor da população; Z = intervalo de confiança; P = prevalência; e = erro tolerado, obtendo-se um n probabilístico, corrigido em 5% para compensar eventuais perdas ou problemas operacionais da pesquisa, totalizando 227 sujeitos. Em seguida, conduziu-se uma amostragem aleatória simples por meio de sorteio efetuado no programa Microsoft Office Excel® 2007 de forma proporcional ao número de presidiárias em cada cidade, da seguinte maneira: CG (n=25); CZ (n=10); JP (n=169); PT (n=24).
Os critérios de inclusão dos sujeitos foram: estar cumprindo pena em regime fechado; possuir um nível de comunicação que possibilite a aplicação do instrumento de pesquisa e aceitar participar do estudo, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Após o recrutamento, os sujeitos responderam a um formulário composto de 21 questões, abertas e fechadas, divididas em três grupos: aspectos sociodemográficos (naturalidade, faixa etária, situação conjugal, companheiro, filhos, escolaridade, benefício financeiro, natureza do benefício); referentes ao aprisionamento (artigo/infração, aprisionamento situação jurídica, recebimento de visitas, atividades laboral e escolar na prisão); e, referentes à saúde/doença (doença diagnosticada, acompanhamento de saúde, histórico de hospitalização e tabagismo).
Salienta-se que o referido instrumento foi produzido para essa pesquisa com base no Prontuário Geral Padronizado, recomendado para uso nas unidades de saúde dos presídios pela SEAP, sendo realizado teste piloto para verificar sua aplicabilidade. Os dados obtidos mediante o teste retromencionado foram descartados, não sendo, portanto, base de análise nesta pesquisa.
Os dados foram coletados por colaboradores da pesquisa em dois momentos: inicialmente as unidades prisionais foram visitadas para se conhecer a rotina das detentas, identificação das pré-selecionadas por sorteio e agendamento para coleta com aquelas que se enquadraram nos critérios de inclusão estabelecidos; posteriormente, foi realizada a coleta propriamente dita. Esta última fase ocorreu em sala reservada e sob a escolta de agentes penitenciários.
Foi realizado o processo de validação por dupla alimentação (digitação) independente em duas planilhas e com auxílio do software Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 10. Os dados foram organizados, sendo realizada a análise do tipo descritiva para a distribuição das variáveis. Na análise bivariada foram empregados os testes Qui-quadrado ou Exato de Fisher, sendo adotado um nível de significância de 5% (p<0,05). Estabeleceu-se ainda a razão de prevalência (RP). Os resultados foram apresentados em forma de tabelas, empregando-se o aplicativo MS-Excel®-2003.
Por questões ético-legais o estudo foi encaminhado para avaliação e parecer do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba (CEP-UEPB), sendo aprovado conforme parecer de 25 de julho de 2012, cumprindo os preceitos éticos elencados na resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Portanto, foi resguardado o sigilo e anonimato dos sujeitos, os quais foram esclarecidos quanto a sua liberdade para não participar da pesquisa ou abandoná-la a qualquer momento, sem que isso lhes trouxesse prejuízos. Esclarece-se que as entrevistadas responderam as questões apenas após lerem e assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
RESULTADOS
A amostra estudada constituiu-se, em sua maioria, de mulheres paraibanas (n=194; 85,5%), na faixa etária de 18 a 28 anos (n=119; 52,4%), sem relação conjugal (n=123; 54,2%) e com filhos (n=187; 82,4%). Entre àquelas que referiram possuir companheiros, constatou-se que a maioria destes também integra a população carcerária (n=62; 59,6%). Quanto ao nível de escolaridade, pouco mais da metade das presidiárias não completou o ensino fundamental (n=134; 59%). Cerca de 80 detentas (37,4%) recebiam algum tipo de renda, proveniente, em sua maioria, do Programa Bolsa Família (n=81; 95,3%).
No que se refere aos aspectos jurídico-legais, descritos na Tabela 2, verifica-se que o tráfico de drogas (n=117; 28,4%) e a associação ao tráfico (n=64; 13,3%) imperam entre as causas do aprisionamento de mulheres. Crimes como assalto (n=30; 13,3%), homicídio (n=14; 6,2%), estelionato (n=1; 0,4%) e abuso sexual (n=1; 04,%) ocorrem em menor proporção.
Com relação à natureza do aprisionamento, observou-se que a maioria da população carcerária feminina corresponde a rés primárias (n=171; 75,3%), embora se verifique uma parcela considerável de reincidentes (n=56; 24,7%). Entre todas as presas, 70,9% (n=161) encontra-se em aprisionamento provisório e 29,1% (n=66) sentenciadas.
Observou-se escassez de presas que desenvolvem atividades de ressocialização, como o trabalho (n=67; 29,5%) e o estudo (n=64; 28,2%).
Conforme descrito na Tabela 3, os dados referentes a aspectos da saúde/doença de presidiárias demonstram que 25,9% (n=59) possuem doenças diagnosticadas. No entanto, apenas 18,1% (n=41) recebem acompanhamento de saúde. Dentre as participantes do estudo, 44,1% (n=100) foram hospitalizadas durante o cumprimento da pena e 77,5% (n=176) são tabagistas.
3
Existe associação (p<0,0001) entre a faixa etária e o acompanhamento de saúde, bem como entre a faixa etária e a existência de doença (p<0,0001). Não de observou-se associação entre a faixa etária da apenada e o aprisionamento (p>0,05). A tabela 4 revela a não associação entre a existência de doença, acompanhamento de saúde e histórico de hospitalização.
Conforme apresenta a Tabela 5, os transtornos mentais (n=24; 40,7%), seguido de hipertensão arterial sistêmica (n=20; 33,9%) são as doenças mais referidas pela população estudada, seguidas, em menor proporção, do diabetes (n=6; 0,2%), doenças sexualmente transmissíveis (DST) (n=3; 5,1%), epilepsia (n=3; 5,1%) e gastrite (n=3; 5,1%).
DISCUSSÃO
A partir da caracterização sociodemográfica de presidiárias na Paraíba (Tabela 1), observa-se que os dados encontrados assemelham-se com outros estudos desenvolvidos com populações em confinamento, parecendo haver consenso de que as presidiárias são predominantemente jovens, com baixo nível de escolaridade e mães solteiras(1,6).
No que se refere ao fato de serem, em sua maioria, mães, embora solteiras, pressupõe-se que essa condição seja decorrente do abandono dos companheiros. Ao contrário do que ocorre no caso do aprisionamento masculino, em que as esposas oferecem suporte financeiro e afetivo durante todo o cumprimento da pena, quando as mulheres são presas, frequentemente ocorre o abandono por parte dos conjugues(12).
Nessa perspectiva, o envolvimento feminino na criminalidade muitas vezes decorre de relações afetivas com homens que cometem delitos, não sendo raras as situações em que, após a prisão dos companheiros, as mulheres passam a executar as atividades ilícitas de seus conjugues, inclusive para prover o sustento familiar, culminando em seu próprio aprisionamento(13).
Entretanto, apesar da influência masculina na adesão das mulheres a criminalidade, vale ressaltar que a pouca escolaridade e a não inserção no mercado de trabalho formal contribuem para que as mulheres adentrem na criminalidade(7).
Como é possível identificar, a situação de pobreza e exclusão social precede o encarceramento, visto que dentre as que declararam receber algum benefício financeiro, a significativa parcela decorria do Programa Bolsa Família - ajuda financeira ofertara pelo governo federal às famílias de baixa renda.
No que se refere aos aspectos jurídico-criminais (Tabela 2), percebe-se que crimes como o tráfico de drogas e a associação ao tráfico são as principais causas de aprisionamento das mulheres. Conforme descrito na literatura, o tráfico de drogas exerce enorme atração sobre os jovens de baixa renda, em razão da possibilidade de enriquecimento rápido e a aparente segurança pelo porte a armas de fogo(14).
Homicídios, assaltos e demais infrações aparecem de forma mais discreta entre os delitos cometidos pelas participantes do estudo, talvez por esses crimes serem reconhecidamente masculinos(15), haja vista que o aprisionamento feminino, ao contrário do masculino, decorre muito mais por crimes de ordem moral, do que pela periculosidade propriamente dita(8).
Melo e Gauer(1) atentam para o aumento da criminalidade feminina nas últimas décadas, e o grande número de reincidência aos estabelecimentos prisionais. Entretanto, as mulheres que compuseram a amostra deste estudo eram, sobretudo, rés-primárias. Acrescente-se que apor causa da lentidão do sistema judiciário brasileiro, um grande quantitativo de mulheres presas aguarda julgamento, contribuindo sobremaneira para a excessiva aglomeração de presidiárias, dificultando o cumprimento dos propósitos primordiais do encarceramento, a saber: punir e ressocializar(8).
Quanto às estratégias de ressocialização, percebe-se que uma minoria das mulheres presas frequenta a escola e/ou exercem atividades laborais na prisão. Nesse sentido, é válido repensar a conduta das instituições penais que se propõem a recuperar e reeducar suas internas, visto que somente mediante oferta de oportunidades concretas de reinserção social é possível vislumbrar a construção de novos caminhos para as apenadas(7). É preciso também levar em conta as situações onde as penitenciárias garantem educação e/ou trabalho e as próprias se recusam a participar destas atividades. Nestas situações, faz-se necessário identificar os motivos dessa recusa a fim de melhor adequar as estratégias de ressocialização e alcançar o maior número de apenadas possível.
Outro fator que interfere na ressocialização das presidiárias é a presença e manifestação do apoio familiar, que por sua vez, serve de estímulo tanto para que as apenadas mantenham bom comportamento quanto para que busquem aderir aos programas de educação e inserção no mercado de trabalho(16). No entanto, este estudo demonstra que a maioria das presidiárias na Paraíba não recebe visitas, o que evidencia o abandono familiar vivenciado pelas mulheres após o aprisionamento(12).
No que se refere aos aspectos de saúde/doença das presidiárias, a Tabela 3 revela que ao serem questionadas acerca da existência de doença diagnosticada, a maioria das presidiárias afirmou não tê-la. Todavia, é necessário considerar que a informação não tenha sido esclarecedora em função do não reconhecimento de sinais e sintomas ou a possibilidade real de omissão consciente. No tocante à assistência à saúde, o número de mulheres presas que recebem acompanhamento de saúde é inferior àquele que possui doenças diagnosticadas, o que, por sua vez, pode indicar inacessibilidade da população recolhida em penitenciárias à rede de serviços públicos de saúde, assim como a precarização dos serviços de saúde ofertados nas penitenciárias(4).
Faz-se necessário refletir que a oferta desta assistência é inviabilizada ou dificultada pelo fato de não terem sido implantadas unidades de saúde em todas as instituições prisionais. Deslocar as mulheres para a rede de serviço fora da penitenciária demanda estrutura de recursos humanos e materiais, nem sempre disponibilizados no sistema carcerário.
Por reconhecer as dificuldades em prestar assistência à população em confinamento e a fim de garantir os direitos de cidadania da população presa, sobretudo àqueles que se referem à saúde, foi implantado, em 2003, o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP), tendo como diretrizes: prestar assistência integral resolutiva, contínua e de boa qualidade às necessidades de saúde da população penitenciária; contribuir para o controle e/ou redução dos agravos mais frequentes que acometem a população penitenciária; definir e implementar ações e serviços consoantes aos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS); proporcionar o estabelecimento de parcerias por meio do desenvolvimento de ações intersetoriais; contribuir para a democratização do conhecimento do processo saúde/doença, da organização dos serviços e da produção social da saúde; provocar o reconhecimento da saúde como um direito da cidadania; e estimular o efetivo exercício do controle social(9).
Entretanto, apesar da implantação do PNSSP e ao contrário do que se poderia supor, tendo em vista ser uma população fechada e aparentemente sob controle, são inúmeras as dificuldades para o desenvolvimento de ações de saúde nas prisões(2). A plena execução dos princípios apregoados pelo PNSSP esbarra em alguns impasses, como o financiamento, à dificuldade de compatibilização da lógica da segurança com a da saúde pública, bem como de contratação de todos os componentes das equipes de saúde no sistema penitenciário(17).
Há de se acrescentar que a implantação das unidades de saúde prisionais atende a um critério populacional, de modo que é preciso ter, no mínimo, cem presos no estabelecimento prisional para que haja uma equipe de saúde implantada. Em virtude deste critério, apenas uma das penitenciárias femininas da Paraíba possui unidade de saúde. Nas penitenciárias com número inferior a cem presos, os serviços de saúde devem ser prestados nas demais redes de saúde do SUS, a começar pelas equipes de Saúde da Família(9). Não obstante, nem sempre são resolutivas e articuladas as ações de saúde desenvolvidas na atenção básica, voltadas aos presidiários(18).
Oliveira e Guimarães(5) alertam que nas situações em que o tratamento dos problemas de saúde são postergados ou não realizados, as patologias podem evoluir para necessidades de tratamentos mais complexos e, consequentemente, mais caros, originando gastos públicos ainda mais elevados, e, ainda, possíveis e irreparáveis danos à saúde dos indivíduos presos.
Reflexo disso reside no fato de que apesar da minoria das presidiárias receberem acompanhamento em saúde, verificou-se um alto número de hospitalizações ocorridas no período de aprisionamento, que pela estrutura física inadequada, pela susceptibilidade a violência e doenças infectocontagiosas, bem como a situações de stress, implicam em adoecimento tanto para presas, quanto para os profissionais que trabalham nas prisões(2).
Ademais, alguns hábitos comuns no cárcere contribuem com o adoecimento das presidiárias, como o uso de tabaco utilizado pela maioria das participantes desta pesquisa. Não foi questionado o uso de álcool e outras drogas, visto que são substâncias proibidas na prisão. Porém, não raro mulheres presas possuem história de uso abusivo de álcool e outras drogas que precede e até motiva o cárcere(6).
Em última análise, o presente estudo descreve as doenças referidas pelas presidiárias (Tabela 4), em que se destacam os transtornos mentais, seguidos de hipertensão e diabetes como os mais prevalentes. A frequência e fatores associados aos transtornos mentais em presidiárias é alvo de estudo de Canazaro(19), que conclui ser significativa a prevalência destes em mulheres presas, decorrente, sobretudo, de experiências ligadas à vida pregressa, bem como pelo afastamento dos familiares. Impele, portanto, a saúde mental, à adoção de medidas articuladas e em rede(20), no sistema de saúde como um todo, haja vista ser um problema não restrito ao cenário do encarceramento.
É pertinente discutir que algumas doenças podem não ter sido relatadas pelas mulheres deste estudo pelo caráter estigmatizante que possuem, tal como acontece nos casos de DST, com destaque para AIDS, bem como a tuberculose e hanseníase.
CONCLUSÃO
Para além de favorecer uma visão particular do emergente grupo populacional objeto desta pesquisa, o perfil epidemiológico de presidiárias evidencia uma difícil realidade, ao apontar um público relativamente jovem, com baixo nível de escolaridade e, sobretudo, de mães solteiras, cujo estado de aprisionamento é compartilhado pelo companheiro entre a maioria que referiu possuir um cônjuge.
Ademais, apreende-se que o tráfico de drogas e a associação ao tráfico imperam entre as causas de aprisionamento feminino em detrimento de homicídios, assaltos e demais infrações, reforçando o caráter moral dos crimes cometidos por mulheres, conforme descrito na literatura pertinente.
Verifica-se uma pequena parcela de mulheres presas que exercem atividades ressocializadoras como o trabalho e a educação. Por outro lado, é relevante a quantidade de detentas que vivenciam dificuldades para ter garantido o direito de assistência em saúde. Nessa perspectiva, verifica-se, também, um alto índice de transtornos mentais entre as mulheres encarceradas, em consonância com o disposto na literatura científica. Entretanto, é pertinente discutir que doenças como DST e tuberculose podem não ter sido relatadas devido ao caráter estigmatizante que possuem.
Considerando que a pesquisa desenvolvida representa um avanço na produção de conhecimento acerca de mulheres encarceradas, sobretudo pela escassez de estudos com tal abordagem, percebe-se a necessidade de adequações nas políticas públicas de saúde que contemplem ações resolutivas para o grupo social objeto desta pesquisa, tais como: implantação de serviços de saúde nas unidades prisionais e consolidação da rede de apoio, promoção de atividades ressocializadoras, notadamente educação e trabalho, e preservação do vínculo da apenada com a família.
Ao tempo em que se disponibiliza o perfil epidemiológico de mulheres encarceradas, faz-se mister a constante atualização dos dados aqui apresentados, como forma de nortear a avaliação e a condução de políticas públicas a esse grupo, bem como a ação eficaz da gestão penitenciária, sobretudo no que se refere a aplicação das prerrogativas elencadas na Política Nacional de Atenção Integral a Saúde da Mulher.
As dificuldades em acessar dados atualizados sobre a população objeto desta pesquisa; a escassez de estudos acerca da temática aqui abordada na literatura geral das Ciências da Saúde e condições de saúde autorreferidas constituíram limitações desta pesquisa.
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Recebido: 28/02/2013
Revisado: 20/11/2013
Aprovado: 02/12/2013